A Justiça Federal recusou a denúncia contra o major Curió. Isso significa que o juiz federal João César Otoni de Matos o considera inocente ou tem simpatia por torturadores? As duas hipóteses são ridículas. Isso significa que a ação proposta por aquele grupo de procuradores amostrados é inepta. Cabe recurso? Cabe. Duvido que sejam bem-sucedidos tais as leis e fundamentos que decidiram ignorar.
A decisão de Otoni de Matos é exemplar. Fico especialmente satisfeito com ela — e isso nada tem a ver com o tal Curió, com quem nunca falei — porque constatei que os argumentos que desenvolvi aqui tinham fundamentação técnica. Se vocês lerem a decisão (íntegra) — não é longa —, encontrarão coisas assim:
“Pretender, depois de mais de três décadas, esquivar-se da Lei da Anistia para reabrir a discussão sobre crimes praticados no período da ditadura militar é equívoco que, além de desprovido de suporte legal, desconsidera as circunstâncias históricas que, num grande esforço de reconciliação nacional, levaram à sua edição”.
Acho que escrevi bastante a respeito dessa questão aqui, não? Enfatizei muitas vezes que é uma estultice confundir “anistia”, que quer dizer esquecimento, com “absolvição”.
O juiz lembra também a Lei 9.140, evocada neste blog: “os desaparecidos mencionados na denúncia do Ministério Público Federal foram oficialmente reconhecidos como mortos pelo artigo 1º da Lei nº 9.140, de 04.12.1995, data que seria, então, o termo inicial do prazo prescricional relativamente ao delito do artigo 148 do CP [sequestro], cuja pena máxima, na forma do seu parágrafo 1º, é de oito anos”.
Até aí, eu diria que o meritíssimo cumpriu a sua obrigação funcional e técnica, que é decidir de acordo com a lei. A sua decisão se torna mesmo maiúscula quando enaltece as circunstâncias histórias em que se deu a aprovação da Lei da Anistia.
Ao ler o que escreveu o juiz Otoni de Matos, paro para pensar um tantinho na realidade destes dias. Os procuradores que moveram a ação sabem que existe um aparato legal no país, no qual se sustenta o estado democrático e de direito, e que seu papel é zelar pela sua integridade. O mesmo vale para a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário. E não deveria agir de modo diferente a imprensa. Se as leis que temos não são boas, que se usem os caminhos que a própria democracia faculta para mudá-las. Inaceitável é que se tente ignorá-las, apelando ou ao clamor público — que, nesse caso, nem existe — ou à mobilização de setores ditos formadores de opinião.
Operadores do direito e jornalistas medianamente informados sabiam que aquela ação não poderia prosperar porque ela agride, sob o pretexto de fazer justiça, os fundamentos do próprio direito. Mas a maioria preferiu se calar. Ou por covardia ou porque acreditam que o grande juiz do direito é mesmo a ideologia, para “inocentar os nossos e punir os deles”. São os “tiranos do bem”.
16 de março de 2012
Reinaldo Azevedo
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