Os parlamentares ainda têm medo de retaliação. Mas o voto pela transparência nas cassações é simbólico.
O voto aberto, para os otimistas, pode ser o início de uma campanha pela moralização da forma de fazer política. Uma pena que os senadores só queiram abrir o voto nos processos de perda de mandato dos colegas. Nem pensam em abrir o voto na análise de vetos da presidente Dilma ou na indicação de ministros de Tribunais Superiores. O “segredo” é óbvio: os congressistas têm um medo profundo do Executivo e do Judiciário. Medo de retaliação, de vingança, medo de tufões e ariranhas.
“Se os parlamentares não podem assumir plenamente seus votos em relação a outros poderes, isso quer dizer que, do ponto de vista da dinâmica da sociedade, não temos uma democracia propriamente dita”, afirma o psicanalista Joel Birman. “Os poderes são desiguais. Há uma verticalidade. E quem está por cima são o Executivo e o Judiciário. Isso significa que estamos numa ordem política pré-moderna.”
O Brasil está num momento salutar na busca por sua história contemporânea. É a Lei de Acesso à Informação, a Comissão da Verdade. Estamos vasculhando os porões de nossa memória. Fotos e documentos da repressão, das vítimas e dos militantes emergem de arquivos secretos. Lemos depoimentos de pessoas que torturaram e que foram torturadas. São reveladoras algumas convicções dos militares envolvidos com o golpe. Como a ficha de Chico Buarque, em relatório do SNI. Chico era fichado como o “endeusado” representante da “esquerda festiva” que fazia shows com “cenas que feriam a moral das famílias”.
Todos nós temos nossos segredos. Alguns são pueris e inocentes. Outros provocam recalque e pânico. “Nos consultórios, fica claro como os pacientes tentam se livrar do segredo para sofrer menos. O que não é assumido pode virar fonte de mutilação psíquica. Quando se amplia do íntimo para a política, o que testemunhamos não é uma neurose, mas uma perversão”, afirma Birman. Numa sociedade fundada na mentira e na dissimulação, os valores éticos são subjugados a interesses particulares ou de grupos.
Um exemplo é a atitude de Demóstenes. Ele diz que Cachoeira era apenas “um amigo enrolado”. Ao pressionar abertamente na semana passada para que o bicheiro seja ouvido na CPI, o recado é claro. O senador quer apenas que Cachoeira “entregue a quem ele beneficiou”. Soa como chantagem. Ou alguém ainda acredita que não haja beneficiados entre os que vão julgar Demóstenes no Senado – por voto secreto?
O homem comum acha que os incomuns entram na vida pública para enriquecer ilicitamente, empregar parentes, ter imunidade, garantir aposentadoria e plano de saúde integrais. Para enfiar a consciência na bolsa, na meia ou na cueca, e transformar seu voto numa mercadoria do grande balcão onde o segredo é a alma do negócio. Não existe mais ideologia – como disse o guru Maluf para seu convidado Lula. E ainda se exige de mim e de você que saibamos eleger os melhores.
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