Com a palavra, os 11 ministros do STF
Eles
decidirão que país teremos
Ou: O “domínio dos
fatos”
Por
Reinaldo Azevedo
Não
tenho especial prazer em ser chulo — aliás, prazer nenhum, muito pelo contrário!
—, mas também não temo as palavras. Ao Supremo Tribunal Federal caberá, sim,
dizer se cadeia, no Brasil, continua a ser um “privilégio” que só atende aos
três “pês”: pobre, preto e puta. Eu convido os ministros do Supremo, então, a
democratizar a língua do “pê” e a dizer se “político” e “petista” também podem
gozar desse benefício, o que significará acrescentar um outro “pê”, este sim
fundamental: “poderoso”. Então ficamos assim: os ministros do Supremo dirão se o
país que prende, com especial desenvoltura, “pobre, preto e puta” também tem a
coragem de prender “político, petista e poderoso”. Tem ou não? É o que veremos.
Não, senhores! Eu não tenho, como sabem, a menor disposição para a
vendeta de classes. Quem inventou a era de “Os ricos também choram” foi a
Polícia Federal de Márcio Thomaz Bastos! E quem é Bastos? Hoje, o
advogado-estrela do mensalão, apelidado de “Deus” — deve-se pronunciar o Nome
D’Ele em inglês: “God”. Ainda me lembro da estrepitosa prisão de Eliana
Tranchesi em 2005, por exemplo; em 2009, de novo. Nesse caso, mobilizaram-se 40
agentes da Polícia Federal para pegar a mulher em casa, de camisola. Imaginavam
o quê? Que fosse reagir de arma na mão? Aí o ministro da Justiça já era outro:
Tarso Genro — aquele que deu um jeito de manter no Brasil o assassino Cesare
Battisti. Tranchesi, que morreu de câncer em fevereiro deste ano, foi condenada
a 94 anos de prisão pela Justiça Federal! É claro que a sua prisão, nas duas
vezes, foi um espetáculo midiático, o que não quer dizer, necessariamente, que
não fosse merecida. Ocorre que a ideia, então, era menos fazer justiça segundo
os autos e mais fazer justiça de classe. Uma empresária foi usada como a Geni do
Brasil, enquanto, como é mesmo?, “a nossa pátria mãe dormia tão distraída, sem
saber que era subtraída em tenebrosas transações”.
As operações
espetaculosas da Polícia Federal — que têm a marca Márcio Thomaz Bastos, reitero
— eram engendradas enquanto larápios se ocupavam de tomar grana do Branco do
Brasil, por exemplo, para financiar operações políticas que eram do interesse do
Palácio do Planalto e do petismo. Atenção! R$ 70 milhões do BB foram parar nas
agências de Marcos Valério. Ao verificar os serviços prestados, encontrou-me
menos de 1% do prometido. Era tudo mentira. Tranchesi sonegou impostos, deixou
de arrecadar dinheiro para os cofres públicos. Tinha de ser punida, sim! — não
humilhada, que isso é coisa de estado totalitário. Já o Banco do Brasil foi
roubado, surrupiado. Esses são os nomes. Mas, claro!, a exemplo dos presos do
filme “Carandiru”, todos são “inocentes”.
Por que escrevo esses
parágrafos? Muitos ficaram chocados — “Oh, que exagero!” — com o
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, quando ele pediu, clara e
abertamente, a
prisão dos protagonistas do mensalão. É mesmo, é? Por quê? Então estamos tão
narcotizados por essa quadrilha que não podemos nem cogitar a hipótese de que
gente que rouba um banco público para financiar larápios mereça mesmo é cana?
Por quê? Um sonegador deixa de arrecadar — e merece ser punido, sim! Mas um
ladrão subtrai. Um deixa de acrescentar o que deve; o outro tira o que não lhe
pertence.
Disse Roberto Gurgel:
“Confiante no juízo condenatório
dessa Corte Suprema e tendo em vista a inadmissibilidade de qualquer recurso com
efeito modificativo da decisão plenária, que deve ter pronta e máxima
efetividade, a Procuradoria-Geral da República requer, desde já, a expedição dos
mandados de prisão cabíveis imediatamente após a conclusão do julgamento (…).
Espera-se a condenação de 36 dos réus e a expedição dos mandados de prisão
cabíveis. Em princípio, é algo que se aplica a todos”.
Que o leitor
entenda tudo direitinho. Não estou dizendo que Eliana Tranchesi não deveria ter
arcado com as consequências de seus atos, não! Deveria, sim! Em 2005, ainda no
site “Primeira Leitura”, escrevi um longo texto a respeito (ver post nesta
página). Eu só estou apontando agora, em 2012, sete anos depois, a grande
ironia: ninguém menos do que Márcio Thomaz Bastos (aquele diante do qual se
ajoelha, retoricamente ao menos, o ministro Ricardo Lewandowski), então chefe da
PF que prendeu Tranchesi naquela megaoperação, é advogado de um dos acusados do
mensalão e o grande esteio da defesa dos réus. Os crimes, sem sombra de dúvida,
existiram. Os advogados tentarão, a partir de segunda-feira, demonstrar que
nunca houve criminosos!
Cadeia, sim! Parabéns a Roberto Gurgel,
procurador-geral da República, por ter tido a coragem de chamar as coisas pelo
nome que elas têm.
Chateados
Advogados que defendem os réus, alguns
deles com muita penetração no que o petismo chama “mídia”, encarregaram-se de
espalhar a falácia de que a denúncia de Gurgel é fraca e não traz evidências.
Não é verdade! Ao contrário. Seu relatório foi muito mais consistente do que se
imaginava. Os crimes estão perfeitamente caracterizados — são, na verdade,
inegáveis —, e ele evidenciou, com clareza meridiana, as ocorrências segundo o
que se chama em direito o “domínio dos fatos”.
Em alguns casos, a prova
grita. Fim de papo! O sujeito foi lá e sacou a grana do esquema no banco. “Ah,
mas era para pagar dívida de campanha…” Tanto pior se fosse! Mas poderia ser
para comprar leite para os gatinhos “em situação de vulnerabilidade”, como
diriam os esquerdopatas amorosos hoje em dia. Em outros casos, a prova é menos
escandalosa porque deriva da ação mais sorrateira.
A defesa ficou, na
verdade, chateada. Muitos por ali estavam acostumados a engravidar jornalistas
pelo ouvido — “Ó, não há provas, tá?” —, que saíam por aí a reproduzir a
inverdade. Ainda persiste, por exemplo, a falácia de que prova mesmo, de
verdade, só com ato de ofício — um documento assinado. Não é o que está no
Código Penal nem na lógica, já que o profissional da roubalheira, por óbvio, não
assina papel.
Não caiam nessa conversa! A verdade é que a acusação do
procurador surpreendeu os próprios advogados de defesa pela contundência. Do
emaranhado gigantesco de acontecimentos, Gurgel conseguiu chegar a uma narrativa
coerente, recheada de provas, a demonstrar que aquilo a que se chamou “mensalão”
foi o mais ousado esquema de corrupção montado no seio do estado brasileiro.
Não por acaso, ele abriu o seu texto citando “Os Donos do Poder”, de
Raymundo Faoro. O mensalão é nada menos que um aggiornamento do conhecido
patrimonialismo, agora temperado por seu oposto combinado: o gangsterismo que se
formou para supostamente lhe dar combate. O filme-símbolo do período que vivemos
é “On the Waterfront” — ou “Sindicato de Ladrões”, como ficou conhecido no
Brasil. Quem não viu deve fazê-lo hoje mesmo. Está em todas as locadoras e deve
ser achável na Internet.
Os 11 do Supremo vão dizer se roubar o Banco do
Brasil é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se roubar dinheiro público é
normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se conceder benefícios a um banco privado
em troca de grana é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se comprar
parlamentares e partidos com dinheiro sujo é normal.
Os 11 do Supremo vão
dizer se agências de publicidade pagando parlamentares em nome de um partido é
normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se pagar em 2003 uma campanha eleitoral
feita em 2002, em moeda estrangeira, no exterior, ao arrepio de qualquer
controle, é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer, em suma, se a safadeza
deve ser tomada como a medida da normalidade brasileira.
Para tanto, eles têm inteira clareza do
domínio dos fatos.
Uma coisa é certa: nenhum deles será esquecido.
O poder petista, à diferença dos diamantes, não é eterno.
Mas a
memória histórica é, sim!
Enquanto houver Brasil, haverá os 11 ministros
que julgaram os réus do que se chamou “mensalão”.
05/08/2012
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