"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 21 de agosto de 2011

CORRUPÇÃO PÚBLICA


Tenho tratado, em artigos, tantas vezes da corrupção no poder público brasileiro que corro o risco de me tornar repetitivo.

Um pouco de história. Desde a colônia, a administração pública no Brasil é comandada pela corrupção. O Ouvidor-Geral, Pero Borges e o Provedor-Mor, Antônio Cardoso de Barros, que aqui chegaram com Tomé de Sousa, foram acusados de desviar dinheiro do Tesouro Régio. Nosso primeiro Tribunal de Justiça, o Tribunal da Relação da Bahia, criado em 1609, foi fechado em 1626 por graves acusações de corrupção. Os famosos contratadores de impostos que, recolhiam dos contribuintes os impostos devidos, ficavam com grande parte do recebido para seus bolsos. E esta corrupção veio caminhando, através dos séculos até dias atuais. O hábito de criar dificuldades para gerar facilidades iniciou-se durante a colonização. A corrupção teve como aliados os que estavam de fora do corpo burocrático, dos que desejavam seus “cartórios” e os favores daqueles que detinham o múnus público. Porque, evidentemente, não há corrupto se não houver corruptor. Mas, como combatê-la? O primeiro passo é o exemplo que vem de cima.

Todos os escândalos atuais provem do Governo do Sr. Lula da Silva. Quando um Presidente da República, como Lula, diante de imagens escabrosas do governador de Brasília, Arruda, recebendo propina, vem a publico dizer que “a imagem não fala por si”, dá razão ao Senador Jarbas Vasconcelos quando disse, em entrevista recente à imprensa: “Com o desenrolar do primeiro mandato, diante dos sucessivos escândalos, percebi que Lula não tinha nenhum compromisso com reformas ou com a ética”. Não preciso dizer mais nada sobre o Senhor Lula, nem da atual corrupção pública.

O espetáculo entristecedor que estamos vendo faz lembrar-me Doug Larson: “Em vez de dar a um político as chaves da cidade, seria melhor trocar as fechaduras.”

José Celso de Macedo Soares

A FAXINA DA DILMA PARECE PIADA DE PORTUGUÊS


A faxina de Dilma se parece com a história da queda do avião no cemitério português. Trata-se de humor negro e preconceituoso, mas ilustra bem a atual cena política brasileira. Segundo a anedota, as equipes de resgate lusitanas fizeram a operação mais longa da história dos acidentes aéreos: após uma semana de buscas por corpos na área do cemitério onde o avião caíra, as autoridades portuguesas concluíram que havia mais de 1.000 passageiros a bordo. E anunciavam que as escavações continuariam até que a última vítima fosse localizada.

A piada é pura implicância com nossos colonizadores, mas expressa com exatidão a suposta cruzada de Dilma contra a corrupção em seu próprio governo. Quem transformou o Estado em moeda de troca política foi o partido da presidente. Seria cômica, se não fosse trágica, a imagem de Dilma desenterrando aqui e ali as ossadas do fisiologismo que estão por toda parte – como se ela não tivesse nada com isso. É a vez dos portugueses de contar a anedota dos brasileiros que vibram com a faxina de quem fez a lambança.

Wagner Rossi, da Agricultura, é mais um ministro que cai coberto de elogios da presidente. Assim como Palocci e Alfredo Nascimento, Rossi mereceu todos os votos de confiança de Dilma até o último momento. É como se sua cabeça tivesse rolado por um acidente natural, um capricho do destino. O próprio ministro demitido, em nota oficial, declarou que nada foi provado contra ele, que as denúncias são mera intriga da oposição, que se orgulha do seu trabalho etc. Só mesmo um fenômeno da natureza pode explicar que um ministro tão orgulhoso e seguro de si resolva pedir o boné.

Pelo menos essa turma é transparente. Respondendo à imprensa – sempre ela, importunando a privacidade dos homens de bem –, Wagner Rossi declarou que viajou, de fato, no avião de uma empresa cliente do seu ministério. A empresa em questão conseguiu, depois que Rossi entrou no governo, um aumento de 3.000% no valor dos financiamentos públicos para seus projetos de agronegócios. O então ministro da Agricultura não viu nenhum problema em embarcar no jatinho dessa próspera empresa.

Os termos usados por Rossi em sua explicação denotam toda a inocência e a doçura de sua relação com a tal empresa: “Informo que, em raras ocasiões, utilizei como carona o avião citado na reportagem”. Que fique, portanto, esclarecido aos maliciosos de plantão: não houve nada demais, só um empresário dando carona a um ministro. Uma questão de solidariedade.

Se todos os ministros demitidos do governo popular tivessem essa clareza e espontaneidade, talvez Dilma pudesse ter economizado detergente e água sanitária. Antonio Palocci, por exemplo, poderia ter dito que “utilizou como carona” seu status de coordenador da campanha presidencial e de ex-ministro da Fazenda para prestar consultoria privada. Ninguém duvidaria da sua inocência. Alfredo Nascimento poderia ter declarado que “utilizou como carona” o Ministério dos Transportes para que o pessoal do PR montasse a farra orçamentária do Dnit. E assim por diante, calando essa mídia golpista que vê maldade em tudo.

Vejam o caso do senador maranhense José Sarney, que utilizou como carona o Estado do Amapá para se perpetuar em Brasília. Apesar do escândalo no Ministério do Turismo (da cota pessoal de Sarney), envolvendo uma ONG de fachada que drenou milhões de reais para projetos fantasmas no Amapá, o senador permanece imune em sua cadeira na presidência do Congresso. O secretário executivo do ministério – aquele flagrado ensinando um empresário a montar convênio pirata com o governo – é afilhado político de Sarney. Por que a faxina não chega a ele?

Porque Sarney é dono de uma das capitanias hereditárias do fisiologismo, dessas que Lula e Dilma utilizaram como carona para se agarrar ao poder. Faxina contra a corrupção? Melhor contar piada de português.
Guilherme Fiuza, Época

TANCREDO NEVES: "NÃO SE TIRA O SAPATO ANTES DE CHEGAR AO RIO.

Nem se vai ao Rubicão para pescar”

De repente, o senador Tancredo Neves submergiu no mar de cabeças e braços, voltou à tona meio metro além, repetiu a manobra e ganhou duas ou três posições no cortejo que acompanhava o sepultamento do marechal Oswaldo Cordeiro de Farias. Eu o seguia a três corpos de distância quando aquele mineiro baixo, calvo e com o nariz arrebitado resolveu apressar o avanço rumo ao alvo situado duas fileiras atrás da comissão de frente formada por parentes do morto. Era um homem com cabelos brancos, óculos de quem lê o dia inteiro e cara de professor de matemática que reprova todo mundo.

Vou cortar caminho, decidi. Saí da alameda principal do Cemitério São João Baptista por um corredor à esquerda, virei à direita num mausoléu de mármore preto, violei três túmulos rasos com passadas ligeiras, dobrei à direita de novo num jazigo familiar de tamanho médio e cheguei lá. Chegamos: no instante em que me coloquei à frente do general Golbery do Couto e Silva, Tancredo alojou-se à esquerda do chefe da Casa Civil do presidente João Figueiredo. Na foto, sou uma camisa branca e uma cabeça incompleta.

Na tarde de 17 de fevereiro de 1981, Golbery estava lá para o enterro de Cordeiro de Farias. Tancredo estava lá para dizer alguma coisa a Golbery, presumi. Eu estava lá para ver no que dava. “Se o defunto é de primeira, não se perde o enterro”, ouvi meu pai prefeito dizer um monte de vezes. ”Primeiro, porque todo mundo vai. Segundo, porque quando todo mundo vai a um mesmo lugar alguma coisa acontece”. O velho Cordeiro, com todo o respeito, pareceu-me um defunto de primeiríssima.

E alguma coisa acontece mesmo. Estava para acontecer, por exemplo, uma conversa em voz baixa entre o articulador político do governo e o chefe da oposição moderada. Só eu ouviria aquilo. E eles nem vão notar que estou ouvindo, pensei sem olhar para trás. Ouvi a troca de cumprimentos formais. E então começou o toque de silêncio.

É agora, excitei-me quando foi morrendo o último sustenido, pronto para registrar o diálogo histórico:

─ Excelente corneteiro ─ começou Tancredo.

─ Muito bom ─ concordou Golbery.

Pausa de três minutos.

─ Foi um prazer encontrar-me com o senhor ─ surpreendeu-me Tancredo com a abrupta despedida.

─ O prazer foi todo meu ─ retribuiu Golbery.

─ Precisamos conversar ─ disse o senador estendendo a mão.

─ Precisamos, sem dúvida ─ encerrou o general apertando a mão estendida.

Não acredito, espantei-me ao constatar que o diálogo histórico fora substituído por um monumento à banalidade feito de seis frases. O deputado Thales Ramalho me contara que Tancredo e Golbery andavam se encontrando com frequência para conversas sigilosas em que tratavam de tudo. O que havia acontecido no cemitério? Viram algum suspeito nas cercanias? Identificaram algum espião? O que houve no dia do enterro?

Hoje vou saber, resolvi naquela noite de novembro de 1984, enquanto me sentava à mesa do restaurante em Belo Horizonte para a primeira conversa a dois com Tancredo Neves. Governador de Minas desde o ano anterior, já estava em marcha acelerada para a vitória no colégio eleitoral que, em janeiro de 1985, elegeria o sucessor do presidente Figueiredo. Ele havia topado falar sobre os bastidores da campanha.

─ Também gostei daquele corneteiro do enterro do Cordeiro de Farias ─ comecei.

Ele pareceu não entender nada.

─ O senhor até elogiou o corneteiro pro Golbery.

─ Não me lembro disso ─ ouvi. ─ Nem do corneteiro nem do encontro com o general Golbery.

Achei melhor mudar de assunto antes que dissesse que também não foi ao enterro de Cordeiro. Só no fim do jantar ele contou que lembrava de tudo. Queria apenas conferir se eu tinha mesmo testemunhado o parecer sobre o toque de silêncio. Eu desconfiava disso desde o aperitivo, quando ficou claro que ele estava com muita vontade de comer, de beber e de falar. Driblou o caso do corneteiro, mas matou no peito o assunto seguinte.

Por que não se entusiasmara com a campanha das diretas-já?, quis saber. Nunca acreditou que pudesse dar certo? Sempre achou que era uma coisa lírica, repetiu. Participou de vários comícios, mas se dependesse dele a campanha nem começaria.

─ Os militares não estavam prontos para aceitar que o presidente fosse escolhido pelo voto direto. Achei que seria perda de tempo. Não se tira o sapato antes de chegar ao rio.

Em contrapartida, esbanjava entusiasmo desde o primeiro dia do duelo contra Paulo Maluf, que seria decidido por um colégio eleitoral majoritariamente governista. Por que a mudança brusca de comportamento? Porque havia chegado ao Rio, respondeu. E então ouvi a frase que, conjugada com a anterior, resumia o estilo do Doutor Tancredo:

─ Não se vai ao Rubicão para pescar.

Aquele jantar prometia.

UM TOQUE DE PUDOR


Lideranças do PT e do PMDB costuraram ontem uma saia justíssima na Câmara ao indicarem João Paulo Cunha, réu do mensalão, e o notório Eduardo Cunha, respectivamente para presidente e relator da proposta do novo Código de Processo Civil já aprovada pelo Senado e que começa a ser examinada em comissão especial na próxima quarta-feira.

Quase metade da bancada de 79 deputados do PMDB já se posicionou contrária à indicação de Eduardo Cunha, sustentada pelo líder Henrique Eduardo Alves, mas a reação envolve outros partidos preocupados com a repercussão negativa do fato de, mais uma vez, pessoas de condutas questionáveis serem levadas a postos e funções relevantes no Parlamento.

Saiba mais


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No caso do Código de Processo Civil soa até como ironia e evidentemente fragiliza a comissão antes mesmo de iniciados os trabalhos.

A notícia da indicação dos dois chegou durante o ato de recebimento da proposta pelo presidente da Câmara, Marco Maia. Na condição de “decano entre os deputados presentes”, o deputado Miro Teixeira pediu a palavra para, na frente do ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux e do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, cobrar “agilidade” no julgamento de acusados a fim de evitar o constrangimento do colegiado no convívio com colegas alvos de processos e investigações.

“Falei no sentido de que a Justiça olhe para si e que o Parlamento também se respeite”, explicou Miro.

Inevitável: correu a piada de que o mais adequado seria indicar João Paulo e Eduardo Cunha para cuidar de assuntos relativos ao Código Penal.

Descontadas as brincadeiras, o embaraço é geral. Alcança até mesmo o presidente da Câmara, que não veria com bons olhos as indicações. Marco Maia receia que a instituição seja objeto de duras críticas.

Na terça-feira 35 deputados do PMDB haviam se reunido para marcar posição contra a “dobradinha” Henrique Alves e Eduardo Cunha na exclusividade da interlocução com o governo, a fim de fazer ver ao governo que os dois não têm essa delegação. Naquela altura, já se sabia que Alves tinha a intenção de dar a Cunha a relatoria do Código, mas os deputados ainda achavam que ele pudesse recuar.

Ontem, o líder resolveu bancar a indicação e acabou alimentando o sentimento de revolta. Com isso, daqui até quarta-feira haverá uma tentativa de articular com outros partidos a apresentação de novos nomes que não os escolhidos.

Segundo Miro Teixeira, é um movimento sem dono, uma benfazeja “combustão espontânea”.

Sejamos claros

Wagner Rossi não saiu do Ministério da Agricultura por ser vítima inocente de uma conspiração nem para livrar a família de ataques insidiosos. Saiu para se proteger.

Para não enfrentar a condenação da Comissão de Ética Pública por ter infringido a norma que veda o recebimento de presentes e favores, ao viajar no jatinho da empresa Ourofino Agronegócio.

Saiu porque a Polícia Federal abriu inquérito para investigar as denúncias feitas pelo ex-presidente da comissão de licitação do ministério sobre o envolvimento dele com fraudes em licitações e distribuição de propinas.

Saiu para preservar o vice-presidente Michel Temer, seu amigo e padrinho, dos malefícios do desgaste.

A serem verdadeiras as alegações (corroboradas pelo PMDB) do ex-ministro, caberia a Wagner Rossi anunciar abertura de processo por calúnia e difamação contra os que lhe fizeram ou veicularam acusações infundadas.

Disse na carta de demissão que seu ímpeto seria “confrontá-los”. Aludiu à defesa da própria honra, mas preferiu não fazê-lo mediante os instrumentos judiciais à disposição de todo cidadão.

Rossi repete, assim, Luiz Antonio Pagot e Antonio Palocci, que também alegaram ter sido difamados, mas não foram buscar reparação na Justiça.

Causa própria

Lula diz que é “imbecilidade” e “tiro no pé” falar em eleição de 2014 agora. Por esse raciocínio, fazer campanha desde já enquanto os outros se calam e ficam parados deve ser argúcia estratégica.

dora kramer, 19/08/2011, Estadão

COMENTÁRIO
Malandro é o pardal que canta feio pra não ficar na gaiola...

CORRUPÇÃO: OS PORQUÊS DE NOSSA APARENTE PASSIVIDADE, E AS SAÍDAS (PARTE III)


No primeiro dos três textos desta série eu tentei entender por que há tanta corrupção. No segundo, eu me concentrei em questões ligadas à participação política, e mais especificamente a fatores que se antepõem e dificultam o agir coletivo. Hoje eu vou me orientar por estas duas indagações: é possível imaginar uma situação futura na qual uma parcela ao menos dos cidadãos saia da passividade e se comporte como uma verdadeira “comunidade moral”? Que podemos fazer de prático para que isso aconteça?

No post anterior eu me esforcei por demonstrar que a parcela da sociedade teoricamente inclinada a uma participação política sustentada e orientada por objetivos éticos é relativamente pequena. Engana-se por completo quem a imaginar do tamanho do nosso eleitorado (cerca de 135 milhões); isto aliás é óbvio, se houvesse tanta gente disponível e disposta a lutar pela ética, já seríamos um país ético há muito tempo. Evidentemente não estou dizendo que a maioria seja aética; estou dizendo que é utópica a idéia de mobilizar a maioria, a metade ou mesmo um terço do eleitorado para combater a corrupção.

Nos termos acima indicados, a parcela que se pode realisticamente considerar encontra-se sobretudo nas camadas mais bem escolarizadas da classe média. A baixa politização ou indiferença dessa camada é o cerne do problema que estamos examinando. Demagogos à parte, todos reconhecem que é difícil formar um núcleo de cidadãos dispostos a acompanhar e fiscalizar as atividades do governo nesse nível, e mais difícil ainda no “povão”, ou seja, entre as camadas de menor renda e baixa escolaridade.

É mister também lembrar que o espectro político brasileiro se moveu bastante para a esquerda (não posso discutir aqui este conceito) nas duas últimas décadas. Nesse período, uma parte expressiva da classe média passou a se comportar em termos de ideologia, com o que o “pool” de recursos humanos teoricamente disponível para uma oposição fiscalizadora diminuiu ainda mais.

Deixo porém de lado o aspecto quantitativo e passo aos pontos que me parecem essenciais. Retomo as idéias a que me referi no post anterior como dilemas da ação coletiva. A quem se interessar por este assunto – aos economistas e sociólogos, principalmente -, recomendo o livro de Mancur Olson, Jr., The Logic of Collective Action (New York: Schoken Books, 1968).

Trocando em miúdos, Olson demonstra que a ação coletiva tem maior probabilidade de acontecer quando o grupo é pequeno, de tal forma que todos os seus membros percebam com clareza os benefícios que poderão advir de seu esforço. Num grupo grande, muitos membros permanecerão à margem, calculando que participarão do benefício quer participem, quer não.

Em tais casos, a participação tenderá a ficar muito aquém do número total de membros. A mobilização de tal grupo, extremamente difícil, passa então a depender da existência de benefícios diferenciados, específicos, a título de remuneração aos que dela se encarregam. Suponhamos que se trate de uma atividade eleitoral: os líderes que a convocam serão beneficiados com votos; os organizadores e cabos eleitorais serão remunerados em espécie ou ficarão na expectativa, por exemplo, de serem nomeados para cargos públicos. Os poucos que comparecem ao comício na condição de genuínos eleitores, não podendo mais ser remunerados com dentaduras ou pares de sapatos, desejarão pelo menos ouvir uma dupla caipira.

POR UMA AGENDA ÉTICA, PORÉM OPERACIONAL

O que expus acima poderia ser dito de várias outras maneiras. O ponto-chave é que uma tentativa de mobilização em prol da ética (ou contra a corrupção) não dispensa uma agenda com foco e objetivos claros e operacionais. Não é viável mobilizar e muito menos assegurar um consenso entre um grande número de pessoas com um foco difuso - por exemplo, a pretensão de combater a corrupção em todas as suas formas e em todos os níveis da sociedade.

Fiquemos, pois, com o governo (nos três níveis); isso já é bastante bezerro para pouca sucuri. Reconheçamos, também, que não estamos começando do zero. Xingar e desabafar nós podemos à vontade, mas não nos esqueçamos de que o Brasil tem instituições, tem todo um sistema de administração pública etc.

Não há consenso fácil. É preciso tornear os valores e objetivos: defini-los de maneira precisa, dimensioná-los; eles têm que ser coerentes e realistas, uma vez que todo consenso é difícil. Consensos formados em nível abstratos são praticamente inúteis, pois ninguém saberá ao certo com o que concordou. Um objetivos específico e já em vias de amadurecimento na opinião pública seria, por exemplo, reduzir drasticamente o número de cargos de confiança na administração federal.

Lutar pela “justiça social”: quem pode ser contra? Nesse nível de abstração, todo mundo é a favor. Perguntemos, porém, se é justo oferecer ensino universitário gratuito mesmo a quem tenha condições de pagá-lo. Amaury de Souza e eu incluímos essa pergunta na pesquisa que deu origem ao nosso livro A Classe Média Brasileira (Editora Campus, 2010). O resultado está na página 69: o índice de aprovação é praticamente o mesmo em todas as classes sociais. Significa que até os pobres, por inconsciência de seu interesse, por ignorância ou qualquer outra razão se dispõem a custear com seus impostos a educação dos ricos.

Em relação à mega-corrupção dos últimos tempos no setor público, é preciso lembrar que houve um importante aprendizado desde Collor e desde o mensalão. Hoje a sociedade tem um conhecimento bastante razoável dos mecanismos mediante os quais ela se concretiza: os super-faturamentos, restos de campanha, trabalhos contratados mas não executados etc.

Para nós, na planície, nos informarmos com antecedência sobre os malfeitos é obviamente muito difícil. A missão de levantar a lebre cabe à imprensa (cuja liberdade deve ser defendida com unhas e dentes) e ao Congresso Nacional, basicamente; as investigações cabem ao Ministério Público, à CGU e à Polícia Federal, ficando evidentemente a Justiça com a recepção ou não da denúncia e a abertura do competente processo. Nós o que podemos e devemos fazer é dar mais atenção ao trabalho e conhecer melhor o funcionamento de todos esses organismos.

‘POLITIZAÇÃO’ E REALISMO POLÍTICO

Há quem acredite que país “politizado” é aquele em que sempre há uma massa ululando nas ruas e praças. Mas isso não é um bom indicador de politização. O que isso de fato indica é que a democracia está no limiar ou já dentro de alguma crise. Politização é uma noção complexa; inclui, por exemplo, a disseminação de certos saberes pelo menos entre as camadas mais escolarizadas. Neste sentido, é politizado o país no qual uma parcela razoável da população adquiriu o hábito de buscar e assimilar informações sobre as atividades do governo, nos três Poderes. O hábito de ler um bom site a respeito das contas públicas, por exemplo, é um bom indicador de politização.

O imaginário político da maior parte da sociedade brasileira – da classe média escolarizada inclusive – abriga um número considerável de crenças francamente fantasiosas. A todo momento, encontramos alguém que acredita seriamente na hipótese de um “estalo” coletivo, uma súbita iluminação ética, ou um súbito esforço coletivo para “acabar com a corrupção”. Ora, isso não vai acontecer, ponto final.

As pessoas e os diferentes grupos sociais obviamente não têm os mesmos interesses; estes freqüentemente não são sequer compatíveis. Mas, atenção, a ética política não pressupõe um consenso entre todos, nem deve ter a aspiração a construí-lo como premissa. Temos de atuar dentro, não fora do mundo; a ética política é intra-, não extra-mundana. A quem quiser sair do mundo, eu só posso sugerir que vire eremita.

Queremos ser e queremos que todos sejam cidadãos perfeitos, daqueles que saem caminhando das páginas de Rousseau; e nos desprezamos e desprezamos os outros quando constatamos que esse cidadão perfeito não existe. Nós, brasileiros, somos chegados num pouco de auto-flagelação; sofremos só de pensar que não somos uma nação uniforme, com interesses e valores iguais. Mas alguém seriamente gostaria de viver num país desse tipo, caso ele existisse? Por sorte, ele não existe. O nome disso tudo aí é falta de realismo e de senso prático.

Se o que desejamos é adensar o componente ético do mundo político, o primeiro passo é tentar entender melhor em que esse mundo consiste. Entender também que ética e luta pelo poder não se excluem. Nem todos que lutam são anti-éticos, nem todos que não lutam são éticos.

Nós da classe média brasileira temos certa dificuldade em admitir que sem poder não há como governar, e que viver sem governo decididamente não é uma boa idéia. Ora, se o poder é necessário e se, por definição, ele pode fazer o bem a alguns e o mal a outros, segue-se que ele será disputado por todos os meios lícitos (e, se bobear, por alguns ilícitos). A isso chamamos política. A política não é a causa (não a única, nem a principal) das pressões e contrapressões, dos conflitos e da corrupção que soem existir em todas as sociedades. Pelo menos nas democracias, faz mais sentido entendê-la como um sistema que procura manejar tais realidades através de leis e instituições, reduzindo ao mínimo possível o recurso à força.

Bolivar Lamounier

CORRUPÇÃO: OS PORQUÊS DE NOSSA APARENTE PASSIVIDADE, E POSSÍVEIS SAÍDAS (PARTE II)


Este é o segundo de uma série de três posts que planejei sobre o candente tema da passividade brasileira frente à corrupção. A rigor, meu objetivo é focalizar melhor as questões em jogo, uma vez que o tema em si permeia vários dos textos que elaborei para este espaço.

Recapitulando um pouco, eu me propus abordar o assunto por meio de três indagações:

1.Por que há tanta corrupção?
2.Por que a sociedade não reage; como se explica tamanha passividade?
3.É possível imaginar uma situação futura na qual uma parcela ao menos dos cidadãos rompa essa passividade e se comporte como uma verdadeira “comunidade moral”? Que podemos fazer de prático para que isso aconteça?
Hoje, vou repisar alguns aspectos da primeira indagação e me concentrar na segunda; deixo para amanhã o desafio maior, que é o de sugerir providências práticas.

POR QUE HÁ TANTA CORRUPÇÃO?

Esta pergunta não comporta uma resposta única ou consensual, mas alguns pontos parecem-me bastante bem ancorados. Pensemos, inicialmente, no aspecto internacional: a incidência da corrupção entre países. Dada a virtual impossibilidade de se medir de fato a quantidade de corrupção, muitos pesquisadores utilizam uma medida subjetiva: a quantidade de corrupção percebida por um grupo de avaliadores, ou por uma amostra qualquer da sociedade. Convenhamos que não é uma solução satisfatória. De qualquer modo, há estudos estatísticos mostrando o óbvio: a corrupção percebida é mais alta em países mais pobres. Essa constatação sem dúvida envolve um círculo vicioso ou, se preferem, um efeito inercial; se há muita corrupção, é porque os transgressores lograram montar e mantêm uma complexa organização, esquemas de proteção etc que o poder público, com seus parcos recursos, não consegue combater de forma eficaz.

Observe-se, porém, que estudos desse tipo baseiam-se em comparações estáticas (sincrônicas), tomando certo número de países num mesmo momento do tempo. Se pudéssemos documentar o que ocorre num mesmo país através de um dilatado período de tempo – ou seja, na perspectiva diacrônica -, constataríamos o oposto, isto é, que a corrupção cresce à medida em que a renda total da sociedade e a mobilidade da riqueza aumentam. Dizendo-o de outra forma, a corrupção não diminui à medida em que a riqueza aumenta: ela aumenta, durante um longo período, à medida em que a economia se desenvolve.

Um terceiro ponto que vários estudiosos brasileiros têm sugerido e pesquisas internacionais têm confirmado, é que a corrupção tende a ser tanto maior (ceteris paribus) quanto maior o controle do Estado sobre a economia e mais acentuada a participação dele como responsável direto por uma grande parcela das atividades produtivas.

Finalmente, e aqui vou fazer uma afirmação passível de controvérsia, o conjunto de forças políticas que chegou ao poder no Brasil nos últimos anos parece imbuída de certas concepções de política, de crescimento econômico e mesmo de Estado assaz desfavoráveis a um esforço sustentado de combate à corrupção. Falta-lhe, desde logo, uma compreensão rigorosamente impessoal do Estado, por sua vez imprescindível num projeto político efetivamente modernizador.

Por essa ou por outras razões, as referidas forças têm-se mostrado lenientes com a corrupção, ou pouco propensas a enfrentá-la; é o que me parece, embora a presidente Dilma Rousseff me pareça merecer o benefício da dúvida em função de algumas atitudes que tem assumido.

O leitor poderá estranhar eu não haver incluído em minha lista alguns dos argumentos mais comuns, ou mais tradicionais: aqueles que invocam a nossa “origem ibérica”, a “cultura brasileira”, o “caráter nacional” etc; não se trata de implicância ou dogmatismo, e sim de certa dificuldade que encontro toda vez que me proponho verbalizá-los com o desejável rigor lógico.

POR QUE A SOCIEDADE NÃO REAGE?

A passividade real ou aparente da sociedade brasileira já em parte se explica pelas razões acima, mas três outros fatores me parecem igualmente essenciais.

O primeiro é o desempenho da economia: a inflação sob controle desde meados dos anos 90, e o forte crescimento do PIB e da renda nos últimos cinco anos. Como é arqui-sabido, esta combinação de fatores econômicos propiciou índices de aprovação extremamente elevados ao governo Lula, com duas importantes decorrências no que tange ao ânimo contestatório da sociedade. Por um lado, nas condições apontadas, o presidente anterior não teve dificuldade em “anestesiar” a sociedade com sua retórica e sua fértil imaginação, prevenindo (sobretudo junto ao “povão”) o aparecimento de algum foco de insatisfação eventualmente portador de questionamentos éticos. Pelo outro, uma acentuada relutância entre os políticos – aqui me refiro a todos, governistas e oposicionistas, desde os senadores e deputados federais aos vereadores do mais humilde município – a assumirem um discurso contundente, e já nem falo em ações mais expressivas de contestação.

A segunda razão que desejava mencionar é que a mobilização da opinião pública e a ocorrência de manifestações de protesto dependem muito do tipo de problema ou de malfeito que estejamos analisando. Uma coisa é o que os americanos denominam bread-and-butter issues: problemas econômicos. A instabilidade da moeda (quem não se lembra da super-inflação que nos atormentou durante décadas?) e carências agudas soem despertar protestos de forte intensidade e bastante amplos, espraiando-se, no limite, para o país inteiro. Mas é ingenuidade imaginar que protestos comparáveis tenham alta chance de acontecer em relação a problemas “meramente” políticos, infrações éticas ou mesmo a escândalos de corrupção, por afrontosos que estes sejam. Esta afirmação pode causar espécie e dar ensejo a irritadas objeções: como foi então que milhões de brasileiros foram às ruas por ocasião da campanha pelas Diretas-Já e novamente quando do impeachment do presidente Fernando Collor de Melo?

A diferença, no meu modo de ver, reside na configuração política daqueles dois fatos; no fato, melhor dizendo, de ambos haverem adquirido uma feição nítida e dramaticamente plebiscitária, condição que não se repetiu nenhuma vez desde então. Por configuração plebiscitária deve-se entender uma situação percebida e vivida como um confronto entre dois e somente dois lados. Sim ou não, preto ou branco, aceitar ou não aceitar. Questões éticas e escândalos de corrupção não necessariamente se apresentam como uma contraposição radical entre dois lados.

No caso de Collor, o caráter de confronto se estabeleceu basicamente em virtude – atenção!!! – da percepção generalizada de que o próprio presidente da República e sua família estariam envolvidos em práticas de corrupção. Depois dele, o paralelo mais próximo teria sido a situação de Lula durante a crise do mensalão, mas em nenhum momento ele chegou a ser percebido nos mesmos termos.

Contra a minha avaliação, pode-se evidentemente levantar uma série de “ses”: se a oposição tivesse sido mais contundente, se a Rede Globo tivesse feito isto ou aquilo…Pode ser, tudo é possível; neste texto, não tenho como correr atrás de todas essas possibilidades.

Em terceiro e último lugar, a participação política da sociedade é dificultada por um conjunto de fatores abundantemente estudado pelos cientistas políticos. Este ponto tem tudo a ver com aquele que é o argumento não apenas mais comum, mas provavelmente o mais sofrido de quantos temos ouvido ultimamente: a despolitização do povo brasileiro.

Aqui estamos nas cercanias da auto-flagelação. Para muitos, o problema é o subdesenvolvimento, a pobreza, os índices educacionais pavorosamente baixos da maioria dos brasileiros. Para outros, já é uma questão cultural, ou de caráter; a esta altura, estamos todos metidos num convívio generalizado com a corrupção; com tal elenco, afirma-se, não tem jeito mesmo; ninguém quer saber de nada, que dirá de ética; esse quadro, dizem os mais angustiados, não muda em menos de 500 anos.

Sim, o povo brasileiro é despolitizado. Num país de baixa renda e com tamanhas carências educacionais, esta afirmação pode ser considerada óbvia. Mas vamos com calma. Aqui, é essencial levar em conta o conhecimento acumulado sobre participação política, que remonta ao segundo após-guerra e abrange praticamente todos os países do mundo. Existe evidentemente uma relação entre status social (renda, nível educacional) e politização. Por politização devemos entender uma disposição a participar (uma propensão psicológica); tal disposição inexiste, ou não adianta muito, quando o indivíduo carece de certos recursos fundamentais, como a educação, já mencionada, o pertencimento a grupos sociais que a reforcem etc etc. No frigir dos ovos, o que importa é portanto a capacidade de acompanhar os acontecimentos de maneira atenta e sustentada, a ponto de assimilar, contextualizar e processar criticamente as informações.

Assim entendida, a politização é um fato muito mais raro do que se imagina; qualquer que seja o país tomado como referência, o cidadão médio é muito, mas muito menos politizado do que as pessoas de alto nível educacional em geral supõem.
Ora, se a afirmação anterior vale para o “cidadão médio” (não importando aqui o método empregado em tal mensuração), é evidente que a noção de “despolitização” se aplica a fortiori aos estratos menos escolarizados: ao “povão”. Neste nível, princípios políticos abstratos são pouco compreendidos, para não dizer quase universalmente ignorados, portanto pouco relevantes.

O que têm “princípios políticos abstratos” a ver com escândalos de corrupção? Ora, basta ler o caput do artigo 37 da Constituição: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

Sim, de acordo, a turba que de tempos em tempos queima centenas de automóveis em Paris “participa”: manifesta sua insatisfação. Revolta-se. Não perde a chance de chutar o balde. Sim, participa, mas nem por isso deixa de ser uma turba; por pior que seja a situação dos integrantes daqueles grupos, por maior que seja o sofrimento deles, descrever seu comportamento como “participação cidadã” equivale a abastardar bastante este último conceito. Nada faz crer que sejam pessoas politizadas no sentido que acima dei a esse termo.

Outro ponto importante é que toda participação tem custos. Não precisamos nos deter aqui na definição técnica de tais custos ou nos métodos usados em sua mensuração. Basta lembrar que toda participação exige atenção, assimilação e processamento de informações, ou seja, no mínimo um custo em termos de esforço e de tempo. Envolve também riscos: isto os piromaníacos da periferia de Paris seguramente compreendem. Sempre há algum custo de oportunidade, dado que o indivíduo poderia empregar o tempo dedicado à participação noutra atividade: no lazer junto à família, por exemplo, ou assistindo a um programa na TV.

Pessoas cultas muitas vezes questionam esses empregos alternativos do tempo, torcem o nariz para os programas oferecidos pela TV etc. É uma atitude compreensível do ponto de vista de quem a sustenta, mas irrelevante pelo prisma do indivíduo hipotético a que estou me referindo, e portanto também irrelevante no que concerne à indagação de que eu parti no começo desta discussão.


O cidadão pode preferir tomar parte nas atividades que mencionei a participar de uma reunião política, e não deixa de ter razão, pois o grosso do trabalho político cabe às instituições: aos partidos, ao parlamento, aos juízes. A democracia é representativa, não direta; o cidadão delega poderes às instituições para que elas ajam por ele, e as financia com seus impostos. Se o desempenho delas fica aquém do necessário, é outro problema.
O cidadão de meu exemplo é hipotético, mas é, bem ou mal, um brasileiro, não alguém que tenha saído caminhando das páginas de Jean-Jacques Rousseau.

Permitam-me apontar aqui mais três dificuldades derivadas do que os cientistas sociais denominam a “teoria da ação coletiva”.

Primeiro, a exigüidade (em números relativos) da camada social que em tese teria maior disposição e recursos para participar. No Brasil, a relutância da parcela mais escolarizada da classe média em combater um governo apoiado pelo povão – mesmo estando descontente com ele ou considerando-o corrupto – será tanto maior quanto mais consciência tiver de sua inferioridade numérica. A este desestímulo é preciso acrescentar que uma parte desse estrato tenderá a racionalizar (descontar ) suas objeções éticas na medida em que sustente certas outras atitudes: preferências ideológicas ou partidárias, no caso dos petistas de alto status social, por exemplo. Isto significa que a influência política real dessa faixa da classe média não é tão grande quanto se imagina, e pode até estar em declínio.

Segundo, há o que se poderia chamar de efeito grão-de-areia. Em termos relativos, como indiquei no parágrafo anterior, a classe média escolarizada representa uma parcela diminuta do todo social. Contudo, em termos absolutos, essa parcela ainda é um conjunto enorme. É grande o suficiente para o indivíduo se sentir pequeno dentro dele. E quanto maior ele for, mais provável será o indivíduo se sentir insignificante. Num conjunto formado por milhões de pessoas, chegaremos inevitavelmente a este paradoxo: a maioria se sentirá irrelevante, impotente, ineficaz. Como milhões de grãos de areia tomados um a um.

E há, finalmente, o efeito free-rider: o caso do sujeito que prefere pegar carona na mobilização a participar dela. Quer o apreciemos moralmente ou não, esse comportamento é adotado por um grande número de indivíduos quando o objeto da reivindicação é um “bem público” (no jargão dos economistas). A expressão designa um bem indivisível: não há como provê-lo somente a alguns dos que participam de determinada ação. Sendo indivisível, ele será posto à disposição de todos ou de nenhum.

Imaginemos um bairro cujos habitantes subitamente não têm como utilizar um viaduto que consideram imprescindível; alguns assumem a liderança e convocam os potenciais interessados para pressionar a prefeitura. A ação surte efeito; a prefeitura apressa a reparação e o viaduto volta a ter condições de uso. A partir desse momento, todos podem utilizá-lo, não só os que arcaram com o custo da participação. Se o êxito da ação beneficia a todos, inclusive aos que não participaram dela, um indivíduo que tenha optado por não participar tenderá a pensar que optou acertadamente.

Voltando ao tema da corrupção, o problema é que “um governo ético” é um bem público. Não há como dividir o resultado e conceder uma parte maior dele aos que participaram da mobilização. Se a ação não der resultado, tudo bem, o individuo que optou por ficar à margem tem o consolo de não haver abdicado do lazer, do tempo que queria passar com a família, do assistir ao jogo de seu time etc. Se o resultado for positivo e o país ficar mais ético, ótimo, ele também sairá ganhando, pois ninguém poderá privá-lo do benefício.

Não por acaso, por maior que seja a indignação, o número de indivíduos que se queixam da passividade dos demais é sempre muito maior que o número de participantes efetivos. E estão certos; a indignação é um motivo necessário, mas não suficiente para produzir a ação coletiva. A maioria só vai à rua e à praça em momentos moral e politicamente críticos, quando líderes políticos de primeiro plano e os meios de comunicação entram em cena e todos experimentam uma identificação mais forte com a consciência do país. Foi o que ocorreu nas duas campanhas mais célebres: a das Diretas-Já e a do impeachment de Collor.

Sobre líderes e partidos políticos, não há muito a acrescentar. É óbvio que falta, no momento, uma elite política capaz de “jogar dentro da área”, leia-se capaz de servir como referência ao menos para aquela parte (não muito grande) da sociedade que talvez se dispusesse a participar com certa intensidade e regularidade. No Brasil isto é visível a olho nu, mas o fenômeno não é só brasileiro.

Não posso concluir sem mencionar outra dificuldade muito séria: a escassa participação dos meios de comunicação na vida política. Facilmente perceptível no Brasil, este é um fato do mundo atual; por toda parte, a TV é sobretudo um forma de lazer doméstico. Se o conteúdo político aumentasse muito, tomando o lugar de outras matérias a que os telespectadores estão habituados, com certeza haveria rejeição.

Imagine-se, a título de comparação, como era a vida dos cidadãos da baixa classe média ou da classe operária nas principais cidades da Europa ali pelos anos 20 do século passado. O continente inteiro vivia as seqüelas gravíssimas da Primeira Guerra; só isso já fomentava a discussão política. Acrescente-se que a participação era motivada ideologicamente (estava-se em plena “era da ideologia”), e era de certa forma um comportamento gregário, um motivo para ir à rua e ver outras pessoas: de lazer, o ambiente doméstico não tinha nada. A questão, portanto, não é só que a convocação era feita continuamente por líderes, sindicatos e partidos de direita e de esquerda: é também que havia estímulos à politização embutidos na trama da vida cotidiana.

Se algum leitor me acompanhou até aqui, com certeza estará mergulhado em atroz desânimo. Sendo tantos os obstáculos à participação, chega a ser surpreendente que certo número de pessoas bem ou mal tome parte em atos voluntários.

Qual é, afinal, a idéia? Desistir, pura e simplesmente? Dar por assentado que cidadania, valores, democracia são pura conversa prá boi dormir?

Meu pensamento vai no sentido oposto. Se o que desejamos é adensar o componente ético do mundo político, o primeiro passo é compreender melhor o que é, de fato, o mundo político; o segundo, entender que o mundo político, caso assimile alguma ética, com certeza não será uma ética puramente subjetiva e fundada em preceitos absolutos. Essa ética serve para o eremita, não para pessoas diuturnamente engajadas numa luta por posições de influência e poder.

Compreender o mundo político pelo prisma da participação significa, antes de mais nada, revisar nossas idéias a respeito do conjunto social. Pela Constituição, o Brasil tem cerca de 135 milhões de eleitores, mas a eleição é o único ato político ao qual a quase totalidade desses 135 milhões de fato comparece.

Para entender a participação, é mister efetuar sucessivos cortes nessa totalidade, dela subtraindo as parcelas que dificilmente atenderão a este ou àquele tipo de convocação. Com tal objetivo, melhor será imaginarmos a totalidade social como uma cebola, e não nos surpreendamos se, no final, tendo arrancado todas as cascas, só um pequeno cerne nos tiver restado nas mãos.

O resultado quantitativo pode parecer frustrante, mas não prejudica a nossa reflexão sobre a última das três questões sugeridas no início deste texto: faz sentido imaginar uma situação futura na qual uma parcela expressiva da sociedade saia da passividade e se comporte como uma verdadeira “comunidade moral”? Que podemos fazer de prático para que isso aconteça?

Bolívar Lamounier

AO PÉ DA ORELHA...

CONSELHO POLÍTICO ENTRE AMIGOS...


Quando um cego procura guiar outro cego, depois de mostrar as vantagens de uma cegueira temporária. Enriquecimento?! Não sei do que você está falando!

DORA KRAMER DEFINITIVA

Dora definitiva.


Coluna de hoje, no Estadão, da Dora Kramer. Definitiva. Clique e amplie para ler.

AS ORIGENS DA BURRICE CONTEMPORÂNEA


Pode parecer estranho, mas acredito que a burrice que contamina o mundo de hoje tem, ao menos sob dois aspectos, origem relacionada à Igreja Católica, mas não pelas mentiras que contam seus inimigos. O problema, a meu ver, é mais embaixo.

Como sabem os que me conhecem ou freqüentam este blog, não caio nas bobagens dos que dizem ser a Igreja Católica inimiga da Ciência, e até já escrevi aqui sobre isso. Se os exemplos de Copérnico e Galileu não bastarem, o livro do Thomas Woods elimina qualquer dúvida. Acontece que a burrice e a vulgaridade que empestearam a nossa sociedade nada mais são do que conseqüências, não da ação da Igreja, mas da sua falta de ação.

Desde pouco antes da Reforma, mas principalmente no século XVIII, quando os debates científicos começaram a acontecer fora da Igreja, as mentes privilegiadas de Roma não deram a devida importância ao desenrolar dos acontecimentos, e a influência dos autores anticlericais, anticatólicos e até mesmo anticristãos foi crescendo sem qualquer oposição consistente.

Enquanto padres, bispos e cardeais, além de abdicar da exposição pública aquelas respostas que já estavam assimiladas a todos os membros da Igreja, ainda contribuíram produzindo matéria-prima para o adversário, como foi o caso de Guilherme de Okcham com sua navalha, que após alguns séculos decepou a capacidade de perceber os diferentes níveis causais, comprimindo-os, sempre, na mais simplória delas, a causa material.
A Igreja criou armas para seu adversário e, ao omitir-se, contribuiu com o avanço da burrice.

É evidente que a Igreja não é a única culpada pelo atual estado de coisas. Muito longe disso. Creio que a intelectualidade tem culpa ainda mais evidente e mais condenável. Contribuíram para o desastre intelectual da nossa época os filósofos Descartes, ao exigir a demonstração para o indemonstrável; e Kant, ao separar o inseparável. Ambos inteligentíssimos, cometeram um equívoco no início do raciocínio, uma escolha de premissas falsas, e com a influência que tiveram, seus erros foram levados aos limites do absurdo. Com a ajuda de doentes mentirosos como Marx, e doentes geniais como Nietzsche, a cultura foi contaminada por raciocínios avessos à realidade e cada vez mais distantes da verdade. Teorias inverossímeis, improváveis e até impossíveis passaram a fazer sentido dentro de um universo mental coletivo repleto de premissas falsas.

Resumindo a culpabilidade da Igreja, sua omissão facilitou a difusão e aceitação de bobagens, seja sobre a Igreja e a religião, seja sobre a própria realidade. Por outro lado, muitos pensadores que saíram do Cristianismo se afastaram do que havia de melhor no pensamento cristão ao tentarem se afastar de tudo que estava relacionado à Igreja Católica. O Cristianismo, como estava simbolizado pelo Catolicismo, sofreu com os ataques à Igreja. E todo mundo saiu perdendo.

Esse afastamento dos valores da Igreja como forma de afastar-se da instituição Igreja, do qual a Igreja é vítima, mas os algozes também o são, além de abandonar todas as conquistas da tradição, levou à errônea interpretação de que o universo é caótico e sem sentido, o que leva, inapelavelmente, à desesperança, depressão, suicídio e outras maravilhas da modernidade, ao mesmo tempo que restringe miseravelmente o horizonte congnocível . O ateísmo dos nossos dias nasce aqui, assim como nascem neste momento todas as teorias modernas que pregam a impossibilidade do conhecimento verdadeiro. Nos dois casos limita-se a capacidade de conhecimento que dispomos, pela nossa própria natureza, e transforma o estudo, a filosofia e a ciência em uma masturbação mental que só pode ser usada ideologicamente, com um fim político. Abandona-se a verdade para fazer política, exatamente como ensinou Gramsci, um estrategista do emburrecimento coletivo.

Pelos frutos, conhecereis a árvore

Hoje, quem raciocina de acordo com o bom senso e a ordem natural da realidade é desprezado pela academia, que tem mais compromissos burocráticos do que necessidades cognitivas; e ignorado pela mídia, que busca justificar sua ignorância alegando desinteresse do público.

Quando olhamos o desenrolar de todo este processo, que culminou na era mais estúpida da História, para entender a origem de tanta burrice, vemos que durante alguns séculos este distanciamento esteve disperso por toda Europa e toma corpo no Iluminismo e vai evoluindo até chegar em Karl Marx, que aproveita alguns truques de Hegel para criar uma ferramenta de transformação da sociedade. Marx não era um gênio, mas não era burro, era um vigarista. Aproveitou-se da cisão entre razão e emoção proposta por Kant - que a propôs apenas como método de estudo e não como aplicação prática -, para justificar a idéia de uma sociedade materialista - a princípio, já que Marx não era ateu, mas um satanista conforme comprovam cartas que enviou ao seu filho.

Eu poderia finalizar este texto afirmando que a influência de Karl Marx na intelectualidade moderna é a causa de toda estupidez, mas estaria simplificando ao extremo. Poderia dizer também que a origem da burrice é o Iluminismo, mas não estaria sendo preciso. Estes contribuíram imensamente para esse avacalhado mundinho moderno, mas a burrice contemporânea, a qual eu agrego o sentido de baixaria, vulgaridade, desinteresse, irrelevância e futilidade, surge antes, o Iluminismo apenas a condensou e a modernidade marxista a transformou em um método.

O panorama onde surge o Iluminismo era rico e exótico. As idéias das mentes iluminadas ajudaram a agregar todas as formas de manifestação anticatólicas, das mais racionais às mais obscuras. É neste ambiente que surgem as idéias de um estado totalitário e emerge o poder das sociedades secretas, que vão mudar a política para sempre. Afinal, onde existe a necessidade do segredo e da incompreensão, a ignorância torna-se uma ferramenta de poder. Pense nisso.

Cui Bono
A quem interessa essa burrice toda?
I.Gandra

JÁ QUE FALAMOS DE PÁSSAROS, OLHA SÓ O VIRA-BOSTA!


O Chupim

O Molothrus bonariensis, mais conhecido no Brasil como chupim (ou ainda pelos nomes de anu, anum, arumará, azulão, azulego, boiadeiro, brió, carixo, catre, chopim-gaudério, corixo, curixo, corrixo, corvo, engana-tico, engana-tico-tico, gaudério, godério, godero, gorrixo, grumará, iraúna, maria-preta, negrinho, papa-arroz, parasita, parasito, pássaro-preto, uiraúna, vaqueiro, vira, vira-bosta e vira-vira) é uma ave passeriforme da família Icteridae. Possui um canto suave e melodioso, e é famoso pelo habito de colocar seus ovos no ninho de outras aves, para que as mesmas possam chocá-los, criá-los e alimentá-los.

Qualquer semelhança com os novos bolsistas, com nossa classe artística, com nossos políticos ou com a imprensa financiada por meio de anúncios estatais, será mera coincidência.

UM SÍMBOLO BEM MAIS ADEQUADO PARA O PT

Já que diante do espetáculo proporcionado pela estrela cadente, por que o Partido dos Trabalhadores não adota o novo símbolo sugerido em pesquisa que vem sendo realizada no país? Bem mais próximo da realidade do seu desempenho político e sem sobra de dúvida mais pertinente com as suas ações. É apenas uma questão de razoabilidade, de coerência (bem de coerência já é ironia... De razoabilidade refiro-me a deles...).
Senão, vejamos se você votaria a favor:

"ASSIM COMO O PSDB TEM O TUCANO COMO SÍMBOLO, O PT TAMBÉM DEVE ADOTAR COMO SÍMBOLO, UM PÁSSARO.
ESTÁ GANHANDO A PESQUISA NACIONAL O PARDAL.
POR QUÊ? ORA, NADA É MAIS SEMELHANTE A UM PETISTA QUE O PARDAL:
> TEM EM TUDO QUE É LUGAR;
> NÃO SERVE PARA NADA;
> ESTÁ SEMPRE EM CIMA DO MURO;
> SÓ COME A PLANTAÇÃO DOS OUTROS;
> NÃO CANTA, NÃO TRABALHA (PÕE OS OVOS NO NINHO DOS OUTROS PÁSSAROS);
> NÃO FAZ NADA;
> SÓ ANDA EM BANDO;
> É FEIO E AINDA POR CIMA CAGA EM VOCÊ, NO SEU CARRO, E NO PAÍS INTEIRO.


A REALIDADE DOS FATOS NÃO É RELATIVA


Por que o petismo abomina a verdade?

É simples: porque verdade é correspondência entre o que se diz, se afirma ou se enuncia e os fatos, isto é, a realidade.

O petismo sempre brigou com os fatos: não houve mensalão, não há corrupção etc. - apesar das comprovações factuais e judiciais e dos processos criminais.

Resumindo: o petismo, principalmente na versão lulista - dominante -, é relativista feroz. Não há fatos, mas apenas argumentos: os "nossos" argumentos e os "deles". É um relativismo que se reproduz na ética: os "nossos" princípios e os "deles". O que é crime para "eles", é apenas um erro para "nós".

Tudo o que se diz não passa de versão, opinião, interpretação e por aí vai.

Verdade é o que Lula diz. Os juízes, através das sentenças, e as polícias, através das investigações, só emitem versões e opiniões. Nada a ver com os fatos que, ah, estes são inalcançáveis...

O relativismo instituído pelo lulopetismo já anulou a diferença entre verdade e falsidade - na sociedade, na política e na ética. É um mal que demorará a ser extirpado.

Orlando Tambosi

UM TEXTO ESSENCIAL DE IVES GANDRA MARTINS



Hoje, tenho eu a impressão de que o "cidadão comum e branco" é agressivamente discriminado pelas autoridades e pela legislação infraconstitucional, a favor de outros cidadãos, desde que sejam índios, afrodescendentes, homossexuais ou se autodeclarem pertencentes a minorias submetidas a possíveis preconceitos.

Assim é que, se um branco, um índio e um afrodescendente tiverem a mesma nota em um vestibular, pouco acima da linha de corte para ingresso nas Universidades e as vagas forem limitadas, o branco será excluído, de imediato, a favor de um deles! Em igualdade de condições, o branco é um cidadão inferior e deve ser discriminado, apesar da Lei Maior.

Os índios, que, pela Constituição (art. 231), só deveriam ter direito às terras que ocupassem em 5 de outubro de 1988, por lei infraconstitucional passaram a ter direito a terras que ocuparam no passado. Menos de meio milhão de índios brasileiros - não contando os argentinos, bolivianos, paraguaios, uruguaios que pretendem ser beneficiados também - passaram a ser donos de 15% do território nacional, enquanto os outros 185 milhões de habitantes dispõem apenas de 85% dele.. Nessa exegese equivocada da Lei Suprema, todos os brasileiros não-índios foram discriminados.

Aos 'quilombolas', que deveriam ser apenas os descendentes dos participantes de quilombos, e não os afrodescendentes, em geral, que vivem em torno daquelas antigas comunidades, tem sido destinada, também, parcela de território consideravelmente maior do que a Constituição permite (art. 68 ADCT), em clara discriminação ao cidadão que não se enquadra nesse conceito.

Os homossexuais obtiveram do Presidente Lula e da Ministra Dilma Roussef o direito de ter um congresso financiado por dinheiro público, para realçar as suas tendências - algo que um cidadão comum jamais conseguiria!

Os invasores de terras, que violentam, diariamente, a Constituição, vão passar a ter aposentadoria, num reconhecimento explícito de que o governo considera, mais que legítima, meritória a conduta consistente em agredir o direito. Trata-se de clara discriminação em relação ao cidadão comum, desempregado, que não tem esse 'privilégio', porque cumpre a lei.

Desertores, assaltantes de bancos e assassinos, que, no passado, participaram da guerrilha, garantem a seus descendentes polpudas indenizações, pagas pelos contribuintes brasileiros. Está, hoje, em torno de 4 bilhões de reais o que é retirado dos pagadores de tributos para 'ressarcir' aqueles que resolveram pegar em armas contra o governo militar ou se disseram perseguidos.

E são tantas as discriminações, que é de perguntar: de que vale o inciso IV do art. 3º da Lei Suprema?

Como modesto advogado, cidadão comum e branco, sinto-me discriminado e cada vez com menos espaço, nesta terra de castas e privilégios.

Ives Gandra da Silva Martins é renomado professor emérito das universidades Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado do Exército e presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo.

ANEXOS:

INCISO IV DO Art. 3º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL A QUE SE REFERE O DR. IVES GRANDA, NA ÍNTEGRA:

"promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto". (Senado Federal, RJ. Obras Completas, Rui Barbosa. v. 41, t. 3, 1914, p. 86)

A FOLHA CORRIDA DO PREFEITO CASSADO

Prefeito de Campinas é cassado após 44 horas de julgamento

O prefeito de Campinas (a 93 km de São Paulo), Hélio de Oliveira Santos, o Dr. Hélio (PDT), teve o mandato cassado pela Câmara Municipal na madrugada deste sábado (20) depois de uma sessão de julgamento que levou quase 44 horas ininterruptas. A defesa do prefeito vai recorrer na Justiça na tentativa de conseguir uma liminar para que o pedetista continue no cargo.
Eleito duas vezes com o apoio do ex-presidente e amigo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dr. Hélio foi cassado por 32 votos a um no processo que julgava sua responsabilidade administrativa por omissão e negligência em supostas fraudes em contratos públicos.
O único vereador que votou contra a cassação foi Sérgio Benassi (PCdoB). A sessão foi encerrada às 5h35. Para cassar o prefeito, eram necessários os votos de 22 dos 33 vereadores.
Pouco antes da votação, houve confronto entre manifestantes favoráveis e contrários ao prefeito do lado de fora da Câmara quando foi realizado o enterro simbólico de Dr. Hélio. Ninguém ficou ferido. Às 2h50, quando vereadores discursavam a favor da cassação do prefeito, houve interrupção da energia elétrica e a sessão precisou ser suspensa.
Quem assume a prefeitura é o vice, Demétrio Vilagra (PT), que já foi denunciado pelo Ministério Público por formação de quadrilha no mesmo processo que gerou o pedido de impeachment de Dr. Hélio.
Vilagra chegou a ser preso no final de maio ao desembarcar no Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos (SP). Ele foi solto no dia seguinte após prestar depoimento ao Ministério Público, teve a prisão decretada novamente em junho e permaneceu foragido por cinco dias até conseguir um habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo.
O petista agora deve responder também a um processo de impeachment na Câmara Municipal. Na última quinta-feira (18), o PSOL entrou com um pedido de abertura de Comissão Processante contra Vilagra, e os vereadores já articulam a abertura das investigações conta ele.
Caso o vice também seja cassado, o atual presidente da Câmara, Pedro Serafim (PDT), deverá assumir a administração por 90 dias e convocar nova eleição.
No início da noite de sexta-feira, a executiva municipal do PT – até então principal aliado de Dr. Hélio – divulgou uma nota na qual recomendou o voto de sua bancada pela cassação do prefeito, expondo um “racha” com o governo do pedetista. No texto, o PT manifestou ainda “confiança” no vice Vilagra.
Dr. Hélio começou a perder apoio político na cidade depois de ver o alto escalão de seu governo envolvido em um suposto esquema milionário de corrupção, que envolvia pagamentos de propinas.
A primeira-dama e ex-chefe de gabinete do prefeito, Rosely Nassim Jorge Santos, é citada pelo Ministério Público como chefe do suposto esquema de fraudes. Ela negou a acusação. O prefeito alegou que desconhecia o suposto esquema e disse acreditar na inocência de sua mulher.
Em maio passado, policiais militares da Rota chegaram a cercar o prédio da prefeitura durante uma operação que resultou na prisão de ex-funcionários públicos e diretores da Sanasa.
Dois secretários que eram braço direito do prefeito também tiveram as prisões decretadas na ocasião: Francisco de Lagos (Comunicação) e Carlos Henrique Pinto (Segurança). Ambos foram exonerados após as denúncias.
A delação do suposto esquema de corrupção foi feita pelo ex-presidente da Sanasa (empresa de saneamento da cidade), Luiz Augusto de Aquino, que foi amigo de infância de Dr. Hélio e tornou-se a principal testemunha no caso. Ele afirmou em depoimento à Justiça que entregava dinheiro de propina “em mãos” à primeira-dama.
O processo contra os 22 denunciados por formação de quadrilha, corrupção e fraudes, incluindo a ex-primeira-dama, ex-secretários e ex-diretores, segue na Justiça. Dr. Hélio até agora não foi citado no processo por ter foro privilegiado. Agora, caso o pedetista continue sem o mandato, ele pode até ver seu nome ser incluído no processo pelo Ministério Público.

Mauricio Simionato
Especial para UOL notícias de Campinas