O uso das minas terrestres é só um capítulo dos muitos crimes que as FARC cometem contra a Colômbia. Porém, é um capítulo enorme que não pode ser deixado de lado.
O vice-presidente Angelino Garzón, em uma declaração de 26 de setembro passado, revelou que mais de 10 mil pessoas morreram na
Colômbia unicamente pelas explosões causadas pelas minas terrestres que as guerrilhas FARC e ELN plantaram no território nacional desde 1990.
Ontem um soldado morreu e outro foi gravemente ferido em um campo minado em Toribío, Cauca, o município colombiano que talvez tenha sido o mais atacado pelas FARC: mais de 600 atentados desde 1980. No passado 2 de novembro, um menino de oito anos de idade morreu quando explodiu outra mina terrestre que as FARC haviam plantado na aldeia Santa Inés de El Carmen, perto de Ocaña. Nesse mesmo dia, no estado de Nariño, dois soldados morreram e outros quatro foram feridos ao entrar em um campo minado instalado pela frente 22 das FARC em Sumbiambi, uma aldeia indígena.
Tudo isso ocorre em silêncio e na véspera do início das “conversações de paz” em Havana, entre o Governo colombiano e as FARC. O presidente Santos desta vez não disse uma só palavra sobre a gravidade de tais crimes. As FARC também guardaram silêncio. É como se a morte desse menino e desses soldados tivessem sido atrocidades já perdoadas, como se fizessem parte de uma conta macabra de baixas de rotina que deve ser ocultada, pois a agressão terrorista que a Colômbia sofre lança vítimas todos os dias sem que se consiga influir nos planos “de paz” do governo, e sem que isso comova a ninguém, nem as autoridades, nem a justiça em particular.
Essas mortes foram mencionadas em minúsculos artigos que a imprensa publicou em uns poucos jornais. Hoje, informações desse estilo tem-se que procurá-las com lupa na imprensa colombiana.
Passada dos limites e aterrada pela quantidade de selvagerias que diariamente as FARC, o ELN e as Bacrim cometem, a opinião pública não sabe o que fazer. Guarda silêncio embora no passado tenha sabido se mobilizar várias vezes nas ruas contra a barbárie das FARC.
A Colômbia é um país excessivamente afetado pelo terrorismo. O uso das minas terrestres é só um capítulo dos muitos crimes que as FARC cometem contra a Colômbia. Porém, é um capítulo enorme que não pode ser deixado de lado. Segundo o International Campaign for the Banning of Landmines (ICBL), a Colômbia é o terceiro país mais afetado do mundo pelas minas terrestres. Só o Afeganistão e o Camboja superam a Colômbia nessa imensa desgraça. Colômbia, El Salvador e Nicarágua são os únicos países do continente americano que sofrem desse flagelo. Porém, o mais golpeado é a Colômbia.
O vice-presidente Angelino Garzón, em uma declaração de 26 de setembro passado, revelou que mais de 10 mil pessoas morreram na Colômbia unicamente pelas explosões causadas pelas minas terrestres que as guerrilhas FARC e ELN plantaram no território nacional desde 1990. Dessas vítimas, 6.222 eram militares e policiais, e 3.779 eram civis. Segundo fontes oficiais, em 31 dos 32 estados do país as guerrilhas plantaram minas terrestres. Mas minas terrestres artesanais foram utilizadas também pelas FARC desde os anos 60. Tirofijo fez fabricar minas terrestres durante sua ofensiva para se apoderar de Marquetalia. Porém, já esquecemos.
Como é possível que um tema tão grave como este, o das minas terrestres plantadas pelas FARC e seus aliados, não seja mencionado nem uma só vez no documento que o governo de Juan Manuel Santos e as FARC assinaram pelas costas do país e que o jornalista Francisco Santos deu a conhecer, por sorte, em setembro passado?
Ao semear essas minas, as FARC e o ELN provam que sua guerra não é só contra o Estado senão contra o povo colombiano e, sobretudo, contra suas camadas mais pobres e necessitadas. Além dos soldados e policiais, a maioria das vítimas dessas minas na Colômbia são crianças, jovens, mulheres, idosos, camponeses, indígenas e afro-descendentes. Os animais dos camponeses também são vítimas dessas minas.
Em cerca de 626 cidades e centros de todos os estados da Colômbia houve incidentes com essas minas. Nem Bogotá escapa. Em 6 de outubro de 2012, a polícia apreendeu 44 minas terrestres que encontrou em uma casa do bairro Villa Diana, na periferia da capital. As autoridades estimaram que esses artefatos iam ser “transportados ao oriente colombiano”. Entretanto, uma mina terrestre tipo lapa, que pode ter sido fabricada em Bogotá, feriu gravemente o ex-ministro e jornalista Fernando Londoño Hoyos em 15 de maio de 2012, matou dois de suas escoltas e feriu outros civis nesse atentado em pleno centro da capital do país. Os únicos pontos isentos até agora desse açoite das minas terrestres são as ilhas San Andrés e Providencia. E o pior: uma mina dessas pode ter uma “vida útil” (horrível antífrase) de 50 anos.
A União Européia anunciou há dois meses que entregaria ao Governo colombiano onze milhões de dólares para ajudar as vítimas dessas minas e para que trabalhe no desminado dos campos. Essa ajuda mais parece uma esmola ante a amplitude do fenômeno.
Uma parte importante do orçamento e das tarefas das Forças da ordem colombianas consiste em detectar e neutralizar essas minas e descobrir as fábricas clandestinas de minas e de outros explosivos das FARC e do ELN. Pois a atividade das guerrilhas é enorme nesse terreno. Em novembro de 2011, por exemplo, tropas de uma Brigada Móvel do Exército descobriram em Antioquia uma fábrica artesanal de minas terrestres da Frente 18 das FARC. Acharam ali quase meia tonelada de minas terrestres: 504 minas já prontas, assim como 461 detonadores, 320 seringas de plástico, 100 metros de cabo detonante, 70 garrafas plásticas, um cilindro com 20 libras de explosivo e uma rampa de lançamento. Segundo as autoridades, nesse local preparavam um atentado contra a base militar de Tarazá. Durante os primeiros dez meses de 2011, as tropas de uma só divisão do Exército apreenderam 2.271 muambas explosivas e 31 depósitos clandestinos de minas, armas e explosivos.
As FARC não plantam essas minas apenas no chão. Algumas as penduram ou prendem nas árvores, para causar mortes ou estragos maiores na cabeça e braços das vítimas. Foi o que ocorreu a Freddy Ramírez, um soldado de 22 anos, que perdeu um braço por uma mina dessas em abril de 2007, em uma aldeia de Chaparral, Tolima.
Apenas entre os anos de 2000 e 2007, 1.398 colombianos morreram por causa dessas minas e 4.527 foram feridos, segundo cifras da Vice-Presidência da República da Colômbia. Segundo estatísticas do Exército, nos primeiros quatro meses de 2007, 192 campos de minas foram neutralizados, dos quais 11 estavam localizados em zonas petroleiras e em estradas do país.
Em julho de 2007, José Miguel Vivanco, diretor para as Américas de Human Rights Watch, condenou as FARC pela fabricação e uso dessas minas e enfatizou: “Não há uma só desculpa para justificar o uso dessas armas que golpeiam ao azar”.
Ante a extensão geográfica do uso das minas terrestres pode-se concluir que imensos setores do campo colombiano, de suas terras cultiváveis, de seus bosques, de suas planícies, de suas planícies desertas, de suas selvas, de suas vias de comunicação, foram subtraídos pela força da atividade humana corrente dos colombianos. Em outras palavras, ao roubo de terras que as FARC fizeram mediante a violência direta e a extorsão, fenômeno denunciado dias atrás pelo Governo, devem-se somar as centenas de milhares de hectares que as FARC tiraram dos cultivadores, camponeses, indígenas e afro-descendentes colombianos mediante o uso das minas terrestres. Porém, esse cálculo ninguém fez.
Nesse sentido, como é possível que o presidente Santos, mediante seus plenipotenciários, esteja disposto a discutir na semana que vem com as FARC, em Havana, acerca de temas angelicais como a “política de desenvolvimento agrário integral”, “fronteira agrícola e zonas de reserva”, “desenvolvimento social: saúde, educação, moradia, erradicação da pobreza” e as outras belezas que contém o documento intitulado “Acordo geral para o término do conflito e a construção de uma paz durável e duradoura”, sem que antes advirta a seus interlocutores que qualquer ponto de uma eventual “reforma agrária revolucionária” não pode ser nem discutido nem negociado, se antes não se resolve o problema insondável das minas terrestres que as FARC plantaram e plantam todos os dias na geografia do país? O silêncio dos negociadores ante esse tema é insuportável.
Escrito por Eduardo Mackenzie
13 Novembro 2012
Tradução: Graça Salgueiro