Paulo Maluf (PP-SP) consolidou hoje seu apoio a Fernando Haddad (PT-SP) na disputa pela prefeitura de São Paulo.
É difícil ser mais chocante do que essa frase. Mas, na dúvida, dá pra dar uma olhada pelas notícias e aumentar o grau de esquisitice. Vejamos. Na Folha, lê-se: Maluf afirma que fez aliança com PT por ‘amor a São Paulo’:
“É o nosso candidato porque eu amo São Paulo. E por amor a São Paulo eu tenho plena convicção de que São Paulo vai precisar do governo federal para resolver seus problemas.”
Estranho, se o próprio Haddad afirma que São Paulo é que dá dinheiro ao governo federal e a bufunfa não volta. Mas Maluf fala em “amor”. Amor, cara? Como já afirmou o Gravataí, Amor não é aquilo que te dá 1 minuto pra fazer propaganda. O nome disso é Paulo Maluf. Amor é outra coisa.
A quizumba é reprise. Em 2004, Maluf também apoiou a petista Marta Suplicy no segundo turno contra José Serra, um inimigo muito mais poderoso – por ter bala na agulha para criticar os gastos heterodoxos de ambos os ex-prefeitos. O discurso malufista, por sinal, não mudou muito do que dizia em 2004: “Só o PT e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva podem salvar São Paulo, que é uma cidade quebrada”. Quebrada é uma cidade de onde o dinheiro sai e para onde não volta, correto?
A vice de Haddad na chapa é a antiga companheira ex-prefeita ex-petista (ex?)-socialista Luiza Erundina (PSB-SP). Haddad é o candidato cujo Lattes, como mostramos aqui, apresenta sua tese de mestrado em Economia sobre “o caráter socio-econômico do sistema soviético” um ano antes do regime comunista desmoronar de vez (ok, desmoronar oficialmente, já que com uma contabilidade que ultrapassa os 150 milhões de cadáveres é difícil não dizer que já tinha nascido no esgoto). Haddad aliado com Luiza Erundina era uma espécie de ala bolchevique do PT: aqueles tão radicais que nunca são maioria, mas adoram dizer que representam as massas desfavorecidas. Era a ala da vemelhidão absoluta petista – com polissemia inclusa.
Se o não for um bom prefeito…
Todavia, Erundina – mais, digamos, vermelha que Haddad – não curtiu muito a aproximação com Paulo Maluf e teceu duras críticas. Haddad diz que entendeu (na Folha):
“Compreendo as declarações, porque se você retornar a um período de 20, 24 anos atrás, era um contexto em que as coisas se comportavam de maneira diferente. Hoje, temos um projeto político no país, que está dando certo num terceiro mandato [dois de Lula e um de Dilma] e que, inclusive, conta com o apoio do Partido Progressista.”
Tudo depende do contexto. Maluf tem fama de corrupto, de conservador, de filhote da ditadura? Bom, era um contexto. Coisas a se aprender lendo Foucault e Derrida. Lá, “as coisas se comportavam de maneira diferente”. Hoje, que já revogamos as leis de Newton e o conceito de certo e errado, de verdade e mentira e de quem é que rouba e quem é que é ético no país, as coisas se invertem: segundo Haddad, “Divergência é natural na politica, mas também é natural buscar convergência.” É uma lição clara a Erundina: não estamos em uma disputa ideológica, e sim separando quem é que curte uma mamata estatal e quem é que prefere essas coisas esquisitas de esforço próprio e responsabilidade fiscal. O mundo é jovem.
Maluf faz cafunézão em Haddad
Claro, Haddad teve de se explicar não para seus críticos, mas para seus aliados: “Vamos analisar isso com o tempo, de acordo com as necessidades, sempre para fortalecer o projeto político”. Projeto político. Qual é esse tal “projeto político”? Ganhar eleições parece uma parte clara da patacoada: Maluf garante mais de 1 minuto a mais no horário político (uma nova espécie de beijo por 30 dinheiros), e isso torna Haddad o candidato com mais tempo aparecendo na TV (e ainda tem o apoio de Lula, embora, como vimos por aqui, não parece estar adiantando muito). O que mais é um projeto político de Haddad, que seja fortalecido com Paulo Maluf? Vamos esperar o tempo explicar quais são as tais necessidades que a Natureza lhe impõe.
E Haddad foi mais além: “Não gosto da política de fulanizar o debate, não gosto quando você estigmatiza. Especialmente quando se precisa construir um projeto de superação, como no caso de São Paulo”. Ou seja, não é porque Maluf é o Maluf que ele está com Maluf. Por que insistem em “fulanizar o debate”? Vamos pensar, assim, que não há indivíduos – apenas o coletivo! Maluf é um trabalhador igual a qualquer outro. E precisamos superar. Um verbo de significado ainda menos claro. Entretanto, se Haddad refere-se a si próprio, ninguém tem dúvida de que o PT se superou como não fazia desde que veio à tona o escândalo do mensalão.
Isso gerou um desconverseiro no mínimo engraçado na nossa querida blogosfera progressista (#blogprog > programa de comédia com Rafinha Bastos). Por exemplo, entre os comentários dos leitores publicados no blog do Luis Nassif, lemos o seguinte arrazoado:
“‘Ao fechar acordo com Paulo maluf, o presidente Lula demonstra publicamente que é um homem sem rancor e que colcoa o interesse de São Paulo acima de divergências do passado. maluf pode ter apoiado a ditadura, mas foi um grande prefeito, realizou obras sociais de peso como o Projeto Cingapura e o Leve Leite e tem muito a contribuir para a campanha de Haddad.
Parabéns, presidente Lula.
Seja bem vindo, Companheiro Paulo Maluf’
O PIG ladra e a caravana passa.
Lula: um homem sem rancor. E que tal o “Seja bem-vindo, Companheiro (com C maiúsculo) Maluf”? Taí a grande verdade. Haddad com Maluf é um kit gay com Leve Leite. É um kit gay com minhocão. Finalmente deu pra entender por que preferiram Haddad a Marta: já pensou se fosse um minhocão estupra-mas-não-mata com relaxa-e-goza?!
Keep calm and estupra mas não mata
A verdade é que a jogada do PT paulistano foi uma estranha situação de ganha-ganha invertido. Marta é um nome conhecido (o que geralmente significa força), mas extremamente malquisto em São Paulo (o que explica o “geralmente”).
Haddad é um nome só conhecido das pessoas que acompanham política em jornais (e mesmo no estado mais populoso e rico, isso não significa lá grandes coisa), e conhecido praticamente apenas por escândalos como o ENEM e o kit gay do que por qualquer coisa que preste.
Como as chances do petista parecem insonsas perto de José Serra – até há pouco, Haddad patinava nos 3%, enquanto Levy Fidelix tinha 1%: com a margem de erro, o petista estava tecnicamente empatado com o cara do aerotrem – faz sentido que o PT… bem, não tenha um candidato tão forte, para não significar de vez que mesmo os nomes fortes petistas estão condenados ao ostracismo na maior cidade do hemisfério.
Assim, se Haddad perder, não significa que o PT perdeu – significa que aquele ministro desastrado auto-ejetado do cargo perdeu. Se Marta perder para Serra, o significado político já é bem outro.
Nesse jogo de xadrez, perder com um candidato fraco significa perder menos. Perder com Maluf significa que Maluf atrapalhou o PT e Haddad – não que o PT e Haddad é que são letras mortas em São Paulo.
Pra melhorar ainda mais, foi-se o tempo em que o PT é que poderia se arrogar ter um discurso de ética e contas limpas: se a sova for grande, novamente não será o PT e nem Haddad quem levarão a culpa por falta de ética e gastos pouco republicanas.
Não obstante, o PT, que não tem boas lembranças de Erundina como ex-quadro, talvez esperasse tratar a ex-prefeita como um nome obediente e dócil aos mandos petistas. Todos sabem que Erundina (se estivesse morta) rolaria no caixão. Como está viva, esperaram que ela rolasse. E sentasse. E desse a patinha.
Não foi o que aconteceu. Em entrevista à Veja, Erundina disse que “não aceita aliança com Maluf” e que está “revendo” sua posição como vice, já que seu PSB tem “outros nomes” para compor chapa com Haddad (também não conheço nenhum):
Ontem à noite, ela teve uma longa conversa com Haddad e segundo a deputada, o pré-candidato garantiu que aliança com o PP não estava fechada. “Ele praticamente desconversou”. Ela disse ter mostrado a Haddad sua preocupação com a coligação com Maluf.
Pra não dizer que a semana começou sem graça, ao menos o desfile de fotos de Maluf com Haddad, selando apoio na casa do pepista (sic) e com a presença de Lula (ou algo funciona no PT sem o Carismão da Galera?) garantiu as risadas da segunda-feira, e meteu Haddad e Lula sempre colados a Maluf nos Trending Topics. Nossa escolha para melhor do dia fica por conta da foto de @drispaca, com curiosa edição com requintes de crueldade por @fezes:
19 de junho de 2012
Flavio Morgenstern é redator, tradutor e analista de mídia. Nunca em sua vida sentiu saudade do Quércia. Até hoje.