"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 14 de novembro de 2012

DE VIRGENS E PROSTITUTAS

 

“Película dérmica presente na entrada da vagina. Impermeável, normalmente possui uma abertura anelar, por onde são eliminadas secreções e a menstruação. Em certos casos, a abertura é muito estreita ou pode não existir, requerendo intervenção cirúrgica para evitar a retenção de líquidos”. (Carlos Zéfiro)
 
Eis aí, com rigor acadêmico, a descrição do hímen. Tão excitante quanto as ilustrações de um livro que matou a curiosidade sexual de muitos adolescentes da minha geração:
Nossa vida sexual, de Fritz Kahn. Eram uns desenhos grosseiros, moralistas, tão eróticos quanto as entranhas dos ratos de laboratório.


Catarina Migliorini custou 1,5 milhão

À falta dos manuais do Carlos Zéfiro, o Magnífico, aos quais só uns poucos privilegiados tinham acesso (eram, principalmente, os amigos dos jornaleiros; doce clandestinidade), íamos de Kahn. Mas não só dele. Existiam, de fato, currais de iniciação sexual. Prostitutas e empregadas domésticas cumpriam a função sócio-sexual de aliviar o dilúvio hormonal que inundava sonhos e delírios de adolescentes.

No Peru (sem duplo sentido), acompanhada de altas doses de preconceito e brutalidade, a meninada de classe média usava uma expressão para declarar vitória no quarto dos fundos: “Tirarse a la chola” (em bom português: traçar a empregada). Pouca informação na família e hipocrisia completavam o quadro.

O hímen atravessou a história como instrumento de poder. Sua ruptura foi, não raro, um símbolo de status. O jus primae noctis, o Direito à Primeira Noite, dava ao senhor feudal o direito de violentar as noivas dos servos na noite de núpcias. Era um recado: neste terreiro, o galo sou eu. Segundo alguns historiadores, esta instituição medieval durou até o século XIX em certas áreas do sul da Itália.

Mesmo que não consagrado em textos legais, existem fortes evidências de que os senhores de engenho do Brasil faziam o mesmo com as escravas. Claro que, em numerosos casos, nem esperavam o casamento para consumar a violência.

Ainda na Itália, havia lugares onde uma espécie de código de honra exigia que se pendurasse na janela o lençol manchado de sangue logo após a noite de núpcias. Mais importante do que destacar esses fatos é a pergunta: por que a virgindade sempre foi tão valorizada ? Sem pretensão de avançar numa psicologia de botequim, completo: por que o prazer foi tão dura e longamente censurado ?

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VIRGEM LEILOADA

Essas reflexões vadias surgem na esteira de uma notícia intensamente circulada nas redes virtuais de comunicação. Mereceu matérias em jornais, suscitou debates na televisão, bombou nas redes sociais. Uma jovem catarinense de 20 anos colocou em leilão sua “película dérmica”.

Depois de uma disputa acirrada, um japonês arrematou o minifúndio de poucos milímetros quadrados por R$ 1,5 milhão. As regras para consumação do negócio parecem roteiro de uma cirurgia: uma hora de duração, intimidade limitada (beijo, nem pensar), pagamento combinado com antecedência.

A mocinha, que se diz leitora de Shakespeare (como as misses de antigamente diziam, invariavelmente, que liam O Pequeno Príncipe e apreciavam Somerseth Maugham …), planejou fazer no ar o que outras prostitutas, a preços mais acessíveis, fazem há séculos em terra.

Depois de receber o michê milionário, talvez descole um convite da Playboy ou se candidate ao próximo BBB. Está tendo seus minutinhos de fama, na gloriosa companhia de popozudas desfrutáveis. Se quiser aumentar o lucro, pode fazer uma cirurgia de reconstrução do hímen, vendendo depois uma nova intimidade biônica.

É curioso que isso aconteça em plena era da socialização dos métodos contraceptivos e da liberalização dos costumes. É comum namorados dormirem nas casas dos pais. A descoberta do sexo saiu da clandestinidade. Carlos Zéfiro ficou démodé, atropelado por sites de sexo explícito. Talvez tenha sobrado a velha curiosidade pelo mistério das profissionais.
Que tipo de talento erótico, qual habilidade rara teriam as prostitutas ? Será possível transformar uma relação comercial num encontro amoroso ? A verdade é que houve uma sofisticação do negócio e os bordéis cercados por tapumes entraram em declínio.

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PROSTITUIÇÃO

Não é de hoje que a prostituição, condenada pelos eternos “defensores da família”, é tolerada. A Igreja Católica, por exemplo, a considerava, segundo Nickie Roberts (As prostitutas na História, editora Rosa dos Tempos), “uma espécie de dreno, existindo para eliminar o efluente sexual que impedia os homens de elevar-se ao patamar do seu Deus”.

Aprendemos, dolorosamente, que os religiosos tinham seus próprios métodos para “drenar” o desejo e as fantasias que nem a autoflagelação conseguia eliminar. Voyeurismo, pedofilia, amores secretos, famílias não assumidas.

São Gabriel da Cachoeira, na região do Alto Rio Negro, abriga a maior população indígena do Brasil, com 22 etnias. Lá, é possível comprar a virgindade de uma indiazinha de 10, 12 anos por uma caixa de bombons, um celular velho ou uma nota de R$ 20.

Entre os acusados por esse comércio abjeto, há comerciantes locais, um ex-vereador, dois militares do Exército e um motorista, segundo reportagem da Folha de S. Paulo. Todos brancos, parte da elite daquela região miserável. Praticamente não há investigação policial e as meninas não têm qualquer tipo de apoio médico ou psicológico.

Depois de ouvir dez meninas, a promotora local disse que “é uma coisa animalesca e triste”. As vítimas são ameaçadas de morte se denunciarem os criminosos. Coisas do Brasil profundo. Como nas aldeias ninguém tem biotipo europeu, acesso à internet ou valor de mercado, o assunto não vai invadir redes sociais, nem criar a expectativa da ruptura do hímen da jovem prostituta catarinense. Pobreza não vende.

14 de novembro de 2012
Jacques Gruman

O ESTADO BRASILEIRO SE DEFENDE

 

Imagine-se que nos Estados Unidos, diante da manutenção do controle da Câmara dos Representantes pelos republicanos, alguém na Casa Branca, assessor próximo ao presidente reeleito, preocupado com a “governabilidade”, montasse um esquema de compra de votos de deputados do partido adversário e, para agravar o crime, com dinheiro público desviado.
A justificativa seria a imperiosa necessidade de, antes de 31 de dezembro, chegar-se a um acordo com os republicanos para evitar que o país caia no “abismo fiscal”, um conjunto de cortes de despesas e aumento de impostos a serem executados na virada do ano.

Seria um escândalo maior que Watergate. Mas não ocorreria, e por uma razão: as instituições americanas desestimulam que sequer se planeje golpes como este. Num país em que homem público vai para a cadeia, há maior cuidado no manejo do patrimônio da sociedade, no sentido amplo do termo.

Pois a condenação do núcleo político da “organização criminosa” do mensalão pelo STF, com José Dirceu e Delúbio Soares cumprindo parte da pena em regime fechado, e José Genoíno em sistema semiaberto, coloca institucionalmente o Brasil nesta direção.

Ao rechaçar a tentativa golpista de subjugação de parte do Legislativo a um projeto de poder partidário, por meio de um esquema de corrupção, a Corte, em nome do Estado brasileiro, aproximou o país das democracias mais sólidas do mundo.

Para que existisse o mensalão, uma conspiração de grandes dimensões contra a democracia representativa, somaram-se dois ingredientes: o sentimento geral de impunidade e um projeto ideológico destilado por representantes da parcela autoritária da esquerda brasileira, guiada pelo famigerado princípio dos “fins que justificam os meios”.

São aqueles que lutaram no fim da década de 60/início dos 70 para substituir uma ditadura por outra que, ao chegarem ao poder pelo voto, como deve ser, imaginaram o Estado brasileiro fraco diante de um governo de alta popularidade. Enganaram-se.

Há vários desdobramentos da lição que vem sendo dada pelo STF. Um deles ocorre dentro do PT.
Certa militância, por óbvio, não digere a atuação da Corte como de fato guardiã da Constituição, independentemente do dono da caneta que no Planalto assinou a indicação de cada um dos 11 ministros.

O partido deve fazer a análise correta do que acontece neste julgamento, para não assumir uma postura arrogante, aventureira, de investir contra o Poder Judiciário e, por consequência, o estado de direito.

A presidente, por sua vez, indica compreender o sentido do julgamento. Semana passada, na Conferência Internacional Anticorrupção, Dilma Rousseff destacou que hoje, no Brasil, “prevenção e combate à corrupção são práticas de Estado”.

Não há interferência política — como no caso do STF e o mensalão. Deveria ser ouvida pelo partido que representa no comando do Executivo.

14 de novembro de 2012
Editorial, O Globo

O QUE APROXIMA O ATUAL MINISTRO DA JUSTIÇA DO ÚLTIMO DITADOR DE 64

 

Foi preciso que o Supremo Tribunal Federal condenasse três ilustres nomes do PT, réus do caso do mensalão (Dirceu, Genoino e Delúbio) para que o ministro da Justiça José Eduardo Cardoso descobrisse finalmente o estado deplorável das penitenciárias do país. Deplorável ou animal ao pé da letra.

Tudo muda entre nós para que no essencial pouco mude.

Um dia depois de Dirceu e Delúbio terem sido condenados à cadeia, proclamou o ministro da Justiça:

- Se fosse para passar muitos anos na prisão, em alguns dos nossos presídios, eu preferiria morrer.

Figueiredo, o último general-presidente da ditadura de 64


Nos anos 80 do século passado, ao lhe perguntarem o que achava do valor do salário mínimo, o último general-presidente da ditatura militar de 64, João Batista de Oliveira Figueiredo, respondeu de bate-pronto:

- Se eu ganhasse salário mínimo daria um tiro no coco.

Outra frase inesquecível marcou o governo Figueiredo:

- Prefiro cheiro de cavalo a cheiro de povo.

Figueiredo e José Eduardo Cardoso viram na morte a saída mais rápida e talvez indolor para fugir de problemas que caberiam a eles ajudar a resolver.

Que falta de imaginação! E de coragem!

14 de novembro de 2012
in ricardo noblat

FRASE DO DIA



"Podem ter cometido crimes, se quiser chamar assim. Mas não são bandidos. Não são pessoas que montaram nenhuma estrutura para destruir oPodem ter cometido crimes, se quiser chamar assim. Mas não são bandidos. Não são pessoas que montaram nenhuma estrutura para destruir o estado."



Jaques Wagner, governador da Bahia, sobre a condenação de Dirceu, Genoíno e Delúbio Soares estado.Jaques Wagner, governador da Bahia, sobre a condenação de Dirceu, Genoíno e Delúbio Soares

14 de novembro de 2012

O FARSANTE ESCORRAÇADO DA PRESIDÊNCIA ACHA QUE O BANDIDO VAI PRENDER O XERIFE

 

Vinte anos depois de escorraçado do cargo que desonrou, o primeiro presidente brasileiro que escapou do impeachment pelo porão da renúncia reafirmou, nesta segunda-feira, a disposição de engrossar o prontuário com outra façanha sem precedentes. Primeiro chefe de governo a confiscar a poupança dos brasileiros, o agora senador Fernando Collor, destaque do PTB na bancada do cangaço, quer confiscar a lógica, expropriar os fatos, transformar a CPMI do Cachoeira em órgão de repressão à imprensa independente e, no fim do filme, tornar-se também o primeiro bandido a prender o xerife.
Forçado a abandonar a Casa Branca em 1974, tangido pelas patifarias reveladas pelo Caso Watergate, o presidente Richard Nixon passou os anos seguintes murmurando, em vão, que não era um escroque. Perto do que faria a versão alagoana, o que fizera o original americano não garantiria a Nixon mais que a patente de trombadinha. Como isto é o Brasil, Collor não só se negou a pedir desculpas como deu de exigir que o país lhe peça perdão por ter expulso do Planalto um chefe de bando. Foi o que fez no discurso de estreia que colocou de joelhos os demais pensionistas da Casa do Espanto (leia o post reproduzido na seção Vale Reprise).
 
Neste outono, excitado com a instauração da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito destinada a apurar bandalheiras praticadas por Carlos Cachoeira e seus asseclas, o farsante sem remédio decidiu enxergar na CPMI as iniciais de um Comitê de Pilantras Magoados com a Imprensa. Caso aparecesse no Capitólio em busca de vingança contra o jornal The Washington Post ou a revista Time, Nixon seria, na mais branda das hipóteses, transferido sem escalas para uma clínica psiquiátrica. Nestes trêfegos trópicos, um serial killer da verdade articula manobras liberticidas com a pose de pai da pátria em perigo ─ e com o apoio militante de inimigos do século passado.
 
José Dirceu, por exemplo, embarcou imediatamente no navio corsário condenado ao naufrágio ─ ansioso por incluir entre os alvos da ofensiva a Procuradoria Geral da República. E Lula, claro, estendeu a mão solidária para reiterar que os dois ex-presidentes nasceram um para o outro. Em 1993, como se ouve no áudio reprisado pela seção História em Imagens, a metamorfose ambulante endossou, sempre em português de botequim, a opinião nacional sobre a farsa desmontada pouco antes: “Lamentavelmente a ganância, a vontade de roubar, a vontade de praticar corrupção, fez com que o Collor jogasse o sonho de milhões e milhões por terra”, disse Lula, caprichando na pose de doutor em ética. “Deve haver qualquer sintoma de debilidade no funcionamento do cérebro do Collor”.
 
O parecer foi revogado por Lula, mas segue em vigor no país que presta. Entre os brasileiros decentes, a cotação do ex-presidente é mesma estabelecida em 1992: zero. Há quase 20 anos, Collor não vale nada.

14 de novembro de 2012
Augusto Nunes

A BALA DISPARADA PELO ÚLTIMO PORQUINHO DE DILMA ACERTOU O PÉ DO MINISTRO DA JUSTIÇA E MATOU A CANDIDATURA A UMA VAGA NO STF

 




O companheiro José Eduardo Cardozo mirava no Supremo Tribunal Federal ao acionar, nesta terça-feira, a espingarda que só dispara cretinices: “Se fosse para cumprir muitos anos em alguma prisão nossa, eu preferiria morrer”, comunicou ao país.
Com uma única frase, baleou os dois pés. Além de confirmar que não merece continuar no cargo que ocupa desde janeiro de 2011, o ministro da Justiça desqualificou-se de vez para continuar sonhando com uma toga do STF.

Segundo o art. 1 ° do Decreto 6.061 de 15 de março de 2007, as atribuições do Ministério da Justiça incluem o “planejamento, coordenação e administração da política penitenciária nacional”.
Ao confessar que prefere a morte a uma temporada nos presídios que governa há dois anos (e o PT há dez), José Eduardo Cardozo conferiu a ele próprio e a seu partido um vistoso atestado de incompetência ─ assinado por José Eduardo Cardozo. Deveria ter assinado no minuto seguinte o pedido de demissão.

A frase também proíbe Dilma Rousseff de indicar para uma vaga no STF o porquinho que sobrou da trinca completada por José Eduardo Dutra (que não voltou da viagem) e Antonio Palocci (abatido depois de comprovado que não tem cura).
Não pode ser juiz quem acha que condenar um culpado à prisão equivale a entregar-lhe um vale-suicídio. No Supremo, Cardozo ampliaria, e tornaria ainda mais radical, a bancada dos ministros da defesa por enquanto restrita a Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

Em março de 2010, ao anunciar que desistira de disputar a reeleição, o então deputado federal do PT paulista culpou o sistema eleitoral: “Já me submeti a situações constrangedoras, mas cheguei ao meu limite”, discursou.
Nesta semana, Cardozo ultrapassou o limite da tolerância do Brasil sensato. Não seria má ideia culpar o sistema penitenciário e voltar para casa.

14 de novembro de 2012
Augusto Nunes

ESBOÇOS IMPRECISOS DA VIDA PÚBLICA

 

Eu sinto um cansaço regado a tédio quando ouço a frase: "De acordo com a lei, ele (ou ela) pode pegar de 15 e 20 anos de prisão em regime fechado". Ou seja, tudo vai - ou ia - no condicional, que é o modo verbal da fábula. Se a realidade fosse desenhada como um filme de Hollywood dos anos 50, tudo daria certo neste mundo e não no outro. Paradise now! (paraíso agora!), conforme exigiam meus amigos americanos no fim dos anos 60.

A pegada do "pode pegar" é a pegadinha por onde passam os criminosos que - eis a vergonha - são também do governo ou da polícia. Tudo pode ou não acontecer como manda um figurino, cuja paixão é certamente governada pela duplicidade. A dissimulação - conforme disse Roberto Schwarz -, a combinação mais ou menos inocente e mais ou menos cruel dos opostos é a moeda corrente de uma sociedade até há bem pouco tempo feliz e em paz com suas múltiplas éticas. Uma para o senhor e outra para o escravo; uma para o governante e outra para o cidadão.
No Brasil, o rio que separa o lícito do ilícito não é atravessado por um meio móvel - lanchas, canoas ou a nado. Não! Ele é ligado permanentemente por um meio imóvel: uma ponte maior da que liga o Rio a Niterói. Nessa ponte está o centro do assunto e o começo (ou o fim) da história.
* * * *
Ele começou cedo, aos 10 ou 11 anos, quando afanava dinheirinhos da carteira do pai. Seus irmãos roubavam, ele afanava porque, sendo o filho mais velho, considerava que era o mais próximo, logo, o que era de um era também do outro. Verbalizava para os irmãos e primos: o que é bom para o papai é bom para mim. O que é do papai - concluía sério - é meu!
Aos 15 anos, quando abandonou a escola e começou a frequentar a "zona", que chamava com toda razão de "escola de vida", começou a promover rebeliões entre os empregados para testar sua capacidade manipuladora. Todos diziam que ele fazia intriga; ele dizia que fazia política. Falava ao motorista que a cozinheira não gostava dele e dizia para a arrumadeira que o jardineiro não ia com a cara do porteiro. Depois articulava tudo ao contrário e, frio como uma sombra, aguardava as satisfações e, como mediador de si mesmo, consertava tudo. Viu que numa sociedade onde os laços sociais contavam mais do que os interesses, era tranquilo intrigar para desfazer o fuxico.
Um tio, que era cabo eleitoral, viu no menino uma indisfarçável disposição para a política.
- É o seu caminho natural, decretou.
- Mas como, tio, se o que faço é intriga?
- Leia os jornais, disse solene o mentor. Hoje mesmo o senador inventou que o governador deve ser candidato a presidente; enquanto o prefeito fazia proposta de juntar os socialistas com o partido nacional dos patrões e lançou o nome do vice-presidente para governador! Todos - concluiu o tio - trabalham para o Brasil.
- Mas e os que estão em julgamento por furto?
- Ah! Isso depende do ponto de vista. De um lado são larápios; do outro são heróis, porque roubaram para fazer um Brasil melhor. Ademais, como disse um deles, roubaram para o povo e não para eles. Se não tivessem roubado, outros teriam afanado (como você dizia) do mesmo jeito.
- Mas Deus não disse que roubar é pecado?
- Querido, retrucou o tio. Deus é brasileiro! Aqui tudo pode ser resolvido no papo, no acordo, na troca e no jeitinho.
- Mas e se der cadeia?
- Ora, se der cadeia, o advogado - temos sumidades - solta. As leis são como a vida: têm vazios. O sujeito pega 15 anos, mas os crimes prescrevem. O crime é visto como uma ofensa efêmera. Depois de algum tempo, ele acaba porque ninguém pode ser julgado por toda a vida.
- Mas as dívidas financeiras aumentam, tio.
- É fato. As financeiras aumentam porque há o juro, mas as dívidas morais - esses crimes contra o patrimônio e as finanças públicas e até mesmo certos assassinatos -, essas acabam.
- Sofrem um processo de juro ao contrário, não é tio?
- Isso mesmo. P.., cara, você é mais inteligente do que eu suspeitava! No mundo desmoralizado dos banqueiros e do mercado, esse mecanismo de espoliação inventado pela burguesia e pelos rentistas, as dívidas aumentam brutal e imoralmente. Mas, no nosso mundo social e político, quanto mais você rouba, mais é admirado e fica popular. O Brasil gosta de espertos e mandões com cara de pau. O teste, aqui, não é dizer a verdade, é saber mentir.
- Veja bem, disse o tio muito sério. Mentir é uma coisa, saber mentir é outra coisa. Entendeu?
- Não, tio.
- Eu explico: uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, compreendeu?
- Mais ou menos.
- Vamos por um outro caminho. Quando eles fazem, é uma coisa; quando nós fazemos, é outra coisa. Entendeu agora?
- Claro! É o que se chama de dois pesos e duas medidas. Usei o método para roubar as moedas de chocolate dos meus irmãos quando jogávamos bola de gude. Quando empatava, eu ganhava! Quando havia dúvida, chamava a madrinha já sabendo que ela ia ficar do meu lado. E, de fato, ela, durona, dizia com o maior descaramento que eu era inocente. Um dia, quando brigamos com nossos primos, ela nos inocentou sem pestanejar. Afinal, vocês são nossos e nós somos de vocês, disse com voz embargada de orgulho cívico-familístico.
- Mas como viver usando medidas diferentes para tudo?, perguntou o sobrinho.
- É tranquilo. Você faz uma lei que é dura, mas que pode "pegar" ou não.
- A lei?
- A lei e o criminoso. Ambos, terminou o tio acendendo um charuto cubano.
- E depois - continuou -, tem o sério problema das penas que ninguém entende direito, mas isso é uma outra história...

14 de novembro de 2012
Roberto DaMatta - O Estado de S.Paulo

NÃO ENTRA MOSCA

 

Geralmente o ex-presidente Lula posiciona-se melhor calado. Não por acaso preferiu o silêncio em momentos realmente cruciais quando no exercício do poder de fato e de direito.

Não comentou de imediato nenhum dos escândalos ocorridos em seu governo, bem como se manteve silente durante longo tempo por ocasião do caos aéreo iniciado em 2006.
Lula é loquaz, mas se contém quando interessa e os companheiros compreendem mesmo ao custo de sapos indigestos.

Sob a perspectiva estratégica é que deve ser entendida a discrição do ex-presidente diante da restrição de liberdade imposta pelo Supremo Tribunal Federal a José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares.

Quando os adversários cobram dele "firmeza de caráter" na prestação de solidariedade aos condenados fazem apenas jogo de cena. Seriam os primeiros a criticá-lo se resolvesse oferecer de público o ombro amigo.

Diriam que afronta a Justiça, que desrespeita as instituições, que se associa a malfeitorias e assim por diante.

É verdade que na Presidência Lula por diversas vezes fez declarações memoráveis em prol de gente envolvida em escândalos, assim como defendeu abrandamento de instrumentos de fiscalização ao setor público e ignorou a Constituição.

Ocorre, contudo, que a hora não é propícia ao falatório. Não mudará as sentenças, não alterará a adversa circunstância e ainda pode prejudicar a virada da página de que o PT tanto necessita para seguir adiante com a vida.

Se Lula e Dilma são populares o Supremo Tribunal Federal e seu futuro presidente Joaquim Barbosa também passaram a ser. Afora as regulares manifestações de desagrado, não seria oportuno ao PT dedicar-se ao mau combate investindo com agressividade contra a Corte.

O esforço do partido nesse momento é o de dissociar-se das sentenças, mostrar ao público que a condenação dos petistas não pode ser estendida ao PT.

Daí Lula recorrer mais uma vez à sua desassombrada incoerência para responder "não vi" à indagação sobre a sessão em que se deu a definição das penas.

Não viu tanto quanto nada ouviria sobre o julgamento - "tenho mais o que fazer", disse no dia 3 de agosto - a respeito do qual trataria em reuniões de avaliação sobre a perspectiva de condenações e possibilidades de penas mais brandas e, ao menos uma vez, levaria ao palanque da eleição municipal.

Pouco antes do primeiro turno, em 27 de setembro, disse que o processo do mensalão "não é vergonha" porque "no nosso governo as pessoas são julgadas e tudo é apurado". Esta foi uma das duas vezes em que se manifestou publicamente sobre o assunto.

A segunda ocorreu em entrevista ao jornal argentino La Nación, publicada em 18 de outubro, para considerar-se devidamente "julgado pelas urnas". Pouco antes, em 10 de outubro, classificara de "hipocrisia" a condenação do núcleo político em conversas com correligionários.

Referências sempre oblíquas de modo a não se comprometer nem corroborar a promessa que fizera ao deixar a Presidência de dedicar cada um de seus dias a provar que o mensalão não existiu.

Há outras formas de Lula ser solidário sem fazer barulho. Mal comparando, é como disse Delúbio Soares no auge do prestígio para derrubar proposta de o PT abrir as contas de campanha na internet: "Transparência assim é burrice".
No caso presente, a estridência também.

Vencido. José Dirceu anuncia que não se calará diante da "injusta sentença" a ele imposta. O inconformismo, no entanto, não basta.

Quando deixou a Casa Civil em junho de 2006 anunciou que reassumiria o mandato de deputado para comandar a defesa e o ataque do governo no Congresso Nacional.
Não conseguiu concluir o discurso de posse, bombardeado por apartes de seus pares que seis meses depois lhe cassariam o mandato.

14 de novembro de 2012
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo

A ABSURDA AULA DE DIREITO PENAL MINISTRADA PELO MINISTRO REPROVADO EM DOIS CONCJURSOS PARA A MAGISTRATURAI


Dias Toffoli pede que os seus pares reflitam sobre a imensa asneira que, quase de modo histérico, formulou em defesa dos condenados do mensalão!
Este absurdo aconteceu nesta quarta-feira. O despautério foi transmitido ao vivo.
Dias Toffoli resolveu dar uma lição de Direito Penal a mestres. Talvez seja recalque por ter sido duas vezes reprovado em concurso para a magistratura.
Citou o governo de Luiz Inácio Lula da Silva com insuspeito orgulho. Levantou questões em que cita, com alguma ironia, autor que se opunha a Marx. E ressaltou: “Não era de esquerda!’ Quem politiza o quê?”
E inverteu a lógica dos próprios argumentos.
Cita a banqueira (“uma bailarina”) condenada, defendendo-a com a seguinte argumentação: “Que tipo de violência ─ real ─ ela pode cometer?” Entendendo-se “real” como crimes de sangue, presumo.
O que defende Tofoli? Não condenar à cadeia criminosa que não tenham matado, chegando a citar exemplos de crimes de homicídios com apenações menores.
E argumenta com uma suposta “posição de vanguarda”.
Qual vanguarda, reprovado candidato a juiz que virou ministro?
Desde BECCARIA, o seu título definitivo ─ “Dos delitos e das penas” ─ é considerado avanço filosófico e humanístico incomparável.
Até então as penas eram baseadas em uma retribuição, ou vingança, a um mal praticado.
Assim, o que valia era a intensidade da pena frente à agressão.

Não se tratava da recuperação ou reabilitação do ser humano.
E muito menos do EXEMPLO que nasce da condenação, para que OUTROS não sejam incentivados a delinquir.

A simples reparação financeira é suficiente para impedir a ação delituosa?
Seria este o risco que Dias Toffoli apregoa?
Roubemos; se pegos, devolvamos.

E se formos espertos, apliquemos o produto do roubo auferindo ─ na pior das hipóteses, a da condenação ─ os juros do tempo em que o dinheiro público serviu de repasto a um grupo ou indivíduo.
Ou seja, a posição “vanguardista” de Toffoli é anterior a 1764!

Crime de sangue? Paga-se com cadeia. Crimes não violentos (fisicamente), paga-se como a devolução do roubo. Seria o caso de perguntar; em crimes de lesão corporal, defenderá Toffoli umas boas chibatadas como reprimenda?

Nada quanto ao exemplo social, ao caráter múltiplo da pena.

Toffoli cumpriu a imposição partidária de tentar, mais uma vez, defender seus patrões. Com argumentos sem nenhuma consistência. E fez um discurso que nem mesmo os partidários do PT (ou ao menos, os dirigentes) tiveram coragem de fazer.

14 de novembro de 2012
REYNALDO ROCHA
Não surpreende. Na essência.
Surpreende na coragem. De se expor na inteireza da pequenez.

E na certeza de que o “fantasma” do STF aceita ser um arremedo de ministro por muitos anos.
Faz todo o sentido a defesa histérica (e histórica pelos piores motivos) de Dias Tofoli UM DIA após a declaração estapafúrdia do ministro da Justiça, que isenta o principal responsável pela degradação do sistema prisional brasileiro: ele próprio.

Tentaram tudo. Postergar. Defender o indefensável. Buscar a prescrição. Interromper o julgamento. Absolver. Com a condenação dos quadrilheiros, agora atacam-se as condições carcerárias no Brasil. Tudo de forma orquestrada.
Que seja somente um réquiem.

14 de novembro de 2012
REYNALDO ROCHA

IMAGEM DO DIA

Indiano coloca velas em sua bicicleta para obter boa sorte e fortuna durante o festival Diwali, em Nova Délhi
Indiano coloca velas em sua bicicleta para obter boa sorte e fortuna durante o festival Diwali, em Nova Délhi - Kevin Frayer/AP
 
14 de novembro de 2012

DILMA JANTA COMA TURMA DO MALUF EM PALÁCIO

              Em novo jantar no Alvorada, Dilma afaga o PP
"Mamãe sempre dizia, antes de comer tem que assoprar".

Dilma Rousseff serviu na noite passada sua quinta refeição política após as eleições municipais. Dessa vez, foi à mesa do Palácio da Alvorada a cúpula do PP, um dos partidos de porte médio que integram o condomínio governista no Congresso. Inusualmente risonha, Dilma cercou os convidados de gentilezas.

Pragmática, Dilma ajusta o cardápio ao paladar dos comensais. Na véspera, acenara a Gilberto Kassab com a perspectiva de entrada do seu PSD na Esplanada dos Ministérios. Ao PP, sinalizou a permanência do deputado Aguinaldo Ribeiro na pasta das Cidades. Presente ao repasto, o ministro ouviu elogios da chefe.

Num instante em que o noticiário está apinhado de referências sobre os ajustes que Dilma fará em sua equipe, as referências à capacidade técnica de Aguinaldo foram saboreadas como uma espécie de certificado de permanência.

No pedaço do jantar dedicado às urnas de 2012, realçaram-se o desempenho do PP e as parceiras do partido com o PT, especialmente em São Paulo. Ali, em acordo ornado pela foto de Paulo Maluf com Lula e Fernando Haddad, o PP associou-se à vitória do PT sobre José Serra, o rival do PSDB.

Dilma absteve-se de convidar Maluf. Como que vacinada, evitou a associação tóxica que rendeu ao padrinho Lula muitos metros de manchetes molestas. Pelo PP, foram à mesa, além de Aguinaldo, o senador Francisco Dornelles (RJ), presidente da legenda; e o deputado Arthur Lira (AL), líder na Câmara.

Dilma providenciou duas testemunhas do PT: os ministros Aloizio Mercadante (Educação) e Ideli Salvatti (Coordenação Política). Também esteve no Alvorada o chefe de gabinete da anfitriã, Giles Azevedo.

Tomada pelo novo estilo, afável a mais não poder, Dilma parece ter descoberto que a política é a arte da conversa. Percebeu que a costura da aliança de 2014 requer saliva e um certo desperdício de tempo. Algo que, nos primeiros dois anos de mandato, não se dispôs a fazer.

Antes do PP e do PSD, a presidente jantara com o presidente do PSB, Eduardo Campos, e com almoçara com os irmãos Cid e Ciro Gomes, adversários do projeto presidencial do governador de Pernambuco. Dilma também pusera a mesa para as cúpulas do PMDB e do PT.

Passada a temporada de repastos, a moradora do Alvorada talvez tenha de fazer uma dieta. Mas, com seu apetite, emagrece as articulações do neopresidenciável Eduardo Campos e do tucano Aécio Neves, provável candidato do PSDB. Ambos trabalham com a hipótese de atrair para suas caravanas legendas que hoje gravitam na órbita governista.

Kassab tem uma dívida de gratidão com Eduardo, que o ajudou a pôr em pé o seu novo partido. Cooptando-o, Dilma evita, desde logo, que o tempo de tevê do PSD sirva de estímulo para que o mandachuva do PSB atravesse o seu Rubicão. Dornelles é primo de Aécio. Adulando-o, a presidente atenua os riscos de que o parentesco evolua para um enlace político.

Considerando-se o conhecido estilo de Dilma, duro e seco, pode-se depreender que o estreitamento das relações políticas não a deixam exatamente feliz. Porém, ela se vê agora compelida a preparar a própria reeleição. Discípula aplicada de Lula, Dilma cuida de alimentar as víboras que seus aliados carregam na alma.

14 de novembro de 2012
Josias de Souza - UOL
 

"ÉTICA REPUBLICANA"

A repercussão internacional que está tendo o julgamento do mensalão, em especial a sessão de segunda-feira, que determinou penas de prisão em regime fechado para o ex-chefe da equipe de Lula, José Dirceu, e Delúbio Soares, além de condenar à prisão em regime semiaberto o ex-presidente do PT José Genoino, dá bem a dimensão política que esse julgamento tem e também revela a percepção que no estrangeiro há de nossos hábitos e costumes, não sem razão.

A definição das penas do núcleo político petista está sendo vista, e não só no estrangeiro, como demonstração de que o tempo da impunidade de ricos e poderosos está ficando para trás, mas não são poucos, diria até que são a maioria, dentro e fora do país, os que ainda não creem que banqueiros e políticos importantes passarão algum tempo na cadeia em regime fechado.

Esse é ainda um longo caminho a percorrer até que se tornem corriqueiras decisões como as que estão sendo tomadas pelo STF.

É claro que não creio que a corrupção desaparecerá da nossa vida política, mas o julgamento do mensalão pode ser o início de um processo que transformará a corrupção política em jogo de alto risco, e a certeza da punição se encarregará de refrear o apetite com que hoje políticos de todos os partidos se jogam na corrupção, na certeza de que nada lhes acontecerá.

Da mesma forma, os chamados “crimes do colarinho-branco” têm nas decisões do STF caminhos mais claros para serem punidos, com a jurisprudência que ficará sobre lavagem de dinheiro ou formação de quadrilha, por exemplo, sem falar na famosa teoria “do domínio do fato”, que, com base em provas testemunhais e indiciárias, pode ser usada com mais frequência em crimes em que o mandante não costuma deixar rastros visíveis.

A feliz coincidência de que o ministro Joaquim Barbosa assumirá o comando do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça pelos próximos dois anos é a garantia de que a cruzada contra a corrupção no país não sofrerá uma descontinuidade, dando tempo para que esse novo espírito se espalhe por todo o corpo do Judiciário.

Como ressalta o deputado Chico Alencar, líder do PSOL, o final do julgamento do mensalão petista, que também condenou figuras de relevo de PTB, PR, PP e PMDB, é o “início de um processo não de ‘judicialização da política’, como alguns proclamam, mas de combate à corrupção na política”.

Aproveitando-se da proximidade da data da Proclamação da República, o também historiador Chico Alencar destaca que é importante ficar claro que esse marco inicial, longe de ser terminal ou mesmo emblemático por inteiro, “apenas aponta para novos tempos na busca, que completa 123 anos amanhã, da ética republicana. Essa precisa se enraizar na sociedade como um todo e produzir uma adesão militante e uma nova cultura, que se oponha ao “rouba, mas faz” ou ao “política é assim mesmo, todos são iguais”.

O líder do PSOL enumera fatos que, na sua opinião, mostram como ainda temos muito a caminhar: o recente e vergonhoso fiasco da CPI Cachoeira/Delta, a demora em julgar o mensalão tucano-mineiro (Ação Penal 536, que tem no STF também Barbosa como relator) e o mensalão do DEM/DF (Ação Penal 707, no STJ).

Mas o que o preocupa é não ver “reação mais significativa no nosso mundo político a fim de coibir as práticas que deram origem a essa tragédia para alguns líderes históricos do PT e de outros partidos — com menor repercussão porque “o pecado do pregador é sempre pior que o do pecador”.

Ao contrário, ele lembra que, “para evitar transparência, aperfeiçoam-se os ardis para o financiamento interessado de campanhas e o tráfico de influência nos mandatos”.


A expressão mais evidente seriam as “doações ocultas” para os partidos, que, como O GLOBO revelou na edição do último dia 9, chegaram, em algumas capitais, nas eleições municipais recentes, a 80% do arrecadado por candidaturas vitoriosas.

“Ou seja, o ovo da serpente continua sendo chocado, inclusive por alguns que, cinicamente, se dizem chocados com a corrupção que o STF condenou”, arremata Chico Alencar.

14 de novembro de 2012
Merval Pereira, O Globo

"REFORMAS DE AFOGADILHO"

Além de discutir as regras sobre partilha de tributos entre a União, Estados e municípios e os critérios de distribuição dos lucros do pré-sal, o Congresso promove a reforma simultânea de seis códigos fundamentais para os cidadãos e empresas. Trata-se do Código Penal, do Código de Processo Penal, do Código de Processo Civil, do Código de Defesa do Consumidor, do Código Comercial e do Código Eleitoral. Há cerca de um mês, o Legislativo aprovou o Código Florestal
 
Não há registro de tantas reformas legislativas de uma só vez na história recente do País. Nem mesmo no período imediatamente posterior à promulgação da Constituição de 88 o Poder Legislativo votou projetos com tal profundidade e em ritmo tão acelerado como agora. Pelo cronograma das Mesas da Câmara e do Senado, a maioria dessas reformas deverá ser concluída em 2014. No passado, a reforma de um único código costumava demorar cerca de duas décadas.

No caso do Código Civil, que trata do matrimônio, das sucessões, da propriedade privada e das obrigações contratuais, por exemplo, a demora foi de 34 anos. A comissão de juristas encarregada de escrevê-lo foi nomeada em 1968, em plena ditadura militar, e sua entrada em vigor ocorreu em 2002, quando o Brasil já estava redemocratizado.

"Precisamos adaptar a legislação ao novo pacto social", diz o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Ele é um dos parlamentares que defenderam a tramitação simultânea de várias reformas legislativas. Mas a iniciativa não foi bem recebida nos meios políticos e jurídicos.

"É muito arriscado fazer todas essas reformas ao mesmo tempo, sem consulta ampla ou com pouco debate. É preciso cuidado. A maioria das ideias que estão por aí não convence. Algumas são quase juvenis. Estão empurrando uma nova produção legislativa, de caráter infraconstitucional, que pode regular excessivamente a liberdade privada", afirmou Célio Borja, ex-presidente da Câmara, ex-ministro da Justiça, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e relator da última revisão do Código Penal, em entrevista ao jornal O Globo.

"As comissões de especialistas, com alguns juristas convidados, fazem o trabalho todo. Os projetos chegam aqui prontos e seguem seu caminho. Isso é perigoso.As leis precisam ser mudadas, mas essa forma e esse jeito de fazer a reforma são complicados, porque vão afetar interesses de gerações inteiras", afirmou Pedro Simon, que está no Congresso há três décadas e meia, ao mesmo jornal.

"O que estamos vendo é preocupante. Temos a imposição do pensamento de uma maioria parlamentar, que é passageira, sobre códigos e leis que vão durar no mínimo 40 anos", observou o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que integrou a Assembleia Constituinte.

As reformas na legislação infraconstitucional se tornaram necessárias no mundo inteiro na última década do século 20, depois da crise do petróleo dos anos 70, da queda do Muro de Berlim, da implosão do Leste Europeu e das reformas do Estado promovidas originariamente por Margaret Thatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos.

Mas, enquanto a maioria dos países estabeleceu prioridades e fixou um cronograma de votações, o Brasil se atrasou na modernização de seu arcabouço jurídico, por causa da transição para o regime democrático, da abertura econômica e da estabilização da moeda.

Dos 17 códigos que fazem parte do ordenamento jurídico nacional, a maioria foi aprovada entre as décadas de 40 e 50 do século passado. O mais defasado é o Código Comercial, que data de 1850.

À medida que os mercados mundiais se diversificaram e nossa legislação infraconstitucional não mudou, a incerteza jurídica gerada por códigos incompatíveis com uma economia globalizada passou a afetar empresas, bancos, fundos de investimento, fundos de pensão e a segurança pública. A modernização dos códigos é necessária para adequar o arcabouço jurídico a uma economia mais complexa e a uma sociedade mais dinâmica.

Mas, se tivesse tomado essa iniciativa no momento certo, o País hoje não estaria mudando sua legislação de afogadilho, correndo o risco de regular de forma excessiva a liberdade privada e impor modismos jurídicos às novas gerações, como advertem os críticos desse processo.

14 de novembro de 2012
Editorial do Estadão

"GOVERNO RETRÓGRADO:SER OU NÃO SER?"

Mudanças na vida privada, ou no conjunto da sociedade, trazem insegurança. O ser humano é assim. A sociedade, vista no seu todo, é conservadora. Se depender apenas de vontades individuais, pouca coisa muda. Os avanços só ocorrem quando muitos sentem que do jeito que as coisas vão não dá para continuar. Ainda assim, esse sentimento não é suficiente, porque a inércia conservadora se sobrepõe. Por isso é necessário que o governo e as lideranças da sociedade estejam dispostos a enfrentar eventuais desgastes e tomar para si a tarefa de fazer o que é preciso fazer.
 
O Brasil, a partir da década de 1940, no pós-2.ª Guerra Mundial, iniciou um processo de industrialização comandado pelo Estado. Só dessa forma foi possível, em face da insuficiência de capitais privados na siderurgia, na mineração, na exploração petrolífera, na infraestrutura e na prestação de serviços públicos, impulsionar a industrialização no nosso país.

Décadas depois, esse modelo entrou em crise. Com gestão ineficiente, obsoletas e incapazes de fazer novos investimentos para ampliação e modernização, as empresas estatais apresentavam enormes déficits e deixavam de atender às necessidades do Brasil. A situação apresentava-se de forma dramática, com a disparada da inflação e o desenvolvimento econômico bloqueado.

A Constituição federal de 1988 foi a superação do período ditatorial com a expressão de um País que necessitava romper com o passado para voltar a crescer. Apesar do peso das corporações estatais e de sua força política, a nova Carta Magna foi capaz de romper com o domínio dos interesses conservadores - ideológicos, políticos e econômicos - de manutenção daquele estado de coisas. Na Lei Maior, os capítulos da ordem política e da ordem econômica abriram novas perspectivas, dando espaço a um novo modelo.

É preciso observar, no entanto, que, durante a elaboração da Constituição e durante os governos que se sucederam a ela, uma respeitável parcela da sociedade, ainda que minoritária, mas bem ativa e organizada, justamente aquela que havia sido beneficiada pelo modelo estatal, lutou - por intermédio do Partido dos Trabalhadores (PT) e de outras forças conservadoras - com unhas e dentes para evitar qualquer avanço, qualquer mudança que pusesse em risco os seus privilégios.

Porém o sentimento da sociedade, desejando superar a fase de dificuldades por que passava o País, e, posteriormente, a liderança e a vontade dos novos governantes, respaldados pelo Plano Real, de combate à inflação, permitiram que se implementasse o novo modelo de desenvolvimento. Enfim, venceram a vontade da sociedade e a liderança dos novos governantes.

A privatização começou no governo Fernando Collor de Mello, com a siderurgia, e avançou no governo Itamar Franco, com as rodovias - fui o ministro dos Transportes que a conduziu - e a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer). Mas foi do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso a decisão política de avançar com celeridade, com a legislação que estabeleceu o novo tratamento ao capital estrangeiro, a possibilidade de exploração privada do petróleo, a criação das agências reguladoras, para o fortalecimento do papel do Estado nos setores de energia elétrica, de transportes e de telefonia, e com a privatização bem-sucedida das empresas do Sistema Telebrás e da Companhia Vale do Rio Doce.

Esse foi o elemento essencial para o sucesso no combate à inflação, para diminuir o peso da dívida pública e para modernização da gestão pública. O Plano Real só se consolidou porque o erário deixou de ser sugado pela ineficiência do Estado.

No final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso esse processo começou a perder o seu ímpeto. Na proximidade das eleições presidenciais, o PT e seu candidato, Luís Inácio Lula da Silva, como tática eleitoral diante do temor de uma iminente crise econômica, divulgaram a Carta ao Povo Brasileiro, pela qual se comprometem a respeitar os contratos e obrigações do País e a realizar as reformas que o governo Fernando Henrique não havia conseguido levar a cabo, inclusive pela forte oposição do próprio PT.

Não o fizeram por convicção, mas por oportunismo. Para vencer contrariaram o seu passado. Vitoriosos, desde então vivem nesse conflito do "ser ou não ser", com graves repercussões na condução do Brasil. Exemplos disso existem à vontade. Lula, em 2004, aprovou no Congresso Nacional a lei das parcerias público-privadas, que nunca foi aplicada no plano federal. Só recentemente se iniciou a modernização e a operação de rodovias com a participação da iniciativa privada e, de forma atabalhoada, a concessão de aeroportos. Mas, ao mesmo tempo, recuaram em outros setores, como no caso do petróleo, em que se restabeleceu, por lei, o monopólio estatal.

Apesar de um bom momento da economia na época, impulsionada por um quadro internacional favorável, não levaram adiante as mudanças que poderiam modernizar o País. E o setor de energia elétrica sofre agora uma intervenção estatal que pode desorganizar essa área vital para o desenvolvimento nacional.

Assim como no plano político não fizeram o acerto de contas com o passado, decidindo se querem um governo e uma sociedade democráticos ou o seu controle por um partido e uma ideologia hegemônica, tampouco fizeram o acerto de contas no plano econômico, dizendo se reconheceram, ou não, que o Estado não é, nem pode ser, o provedor de tudo.

O governo Dilma Rousseff está submetido a um conflito político-existencial e é refém do atraso. Da mesma forma que o governo Lula, ainda que com estilo diferente, este é retrógrado e desnorteado.

Estamos vivendo, durante os últimos dez anos, dilemas que obstruem o desenvolvimento do Brasil.

14 de novembro de 2012
Alberto Goldman, O Estado de São Paulo

"LOTEIAM-SE CARGOS"

Novo arremedo de reforma ministerial amplia inchaço da máquina pública federal e subordina interesses do país ao apetite fisiológico de siglas
Há um ano, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, presidente da Câmara de Gestão e Competitividade do governo Dilma Rousseff, declarou num seminário que lhe parecia impossível administrar um país com 24 ministérios, 14 cargos com status de ministro e 23,5 mil assessores de confiança.

Agora, a soma dos postos de nível ministerial passa para 39, com a criação, pela Câmara dos Deputados, da Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa. O novo ministro preencherá 68 cargos sem concurso público. A proposta venceu por 300 votos a favor, 45 contra e uma abstenção.

A nova secretaria não é, decerto, fruto de uma inadiável necessidade administrativa. Nasce, antes, para reconfirmar a perniciosa prática do loteamento político do Estado, que o PT não se cansa de expandir desde que chegou, há dez anos, ao Palácio do Planalto.

Em seus dois mandatos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva multiplicou de maneira inédita os cargos, verbas e poderes da Presidência -cujo orçamento anual saltou de R$ 3,7 bilhões, ao fim do governo Fernando Henrique Cardoso, para R$ 9,2 bilhões, oito anos depois (ambos valores de 2010).

Quanto a ministros e equivalentes, eram 26 no final da administração FHC e chegaram a 37 sob Lula. Dilma acrescentou ao rol a Secretaria de Aviação Civil.

Tal inchaço tem servido para acomodar apaniguados, em meio à proliferação de siglas a que se assiste no país nos últimos anos.

A mais recente é o PSD, do ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab. Há pouco adversário do PT no pleito municipal, o ex-aliado de José Serra (PSDB) já não poupa elogios ao prefeito eleito e à presidente Dilma. Entre os possíveis ministeriáveis do PSD figuram, além do próprio Kassab, nomes como Guilherme Afif Domingos (vice-governador em São Paulo, eleito na chapa do tucano Geraldo Alckmin), a senadora Kátia Abreu (TO) e o presidente do partido em Minas, Paulo Safady Simão.


Não é só o PSD que espera ser contemplado nessa contrafação de reforma ministerial. Também o PMDB -cuja fisiologia parece mais confiável que a do PSB do governador Eduardo Campos (PE)- anseia expandir seus domínios.

O partido do vice-presidente Michel Temer quer um ministério de peso e uma vaga para Gabriel Chalita, candidato derrotado à prefeitura paulistana que apoiou Fernando Haddad no segundo turno. Chalita, ex-secretário da Educação do Estado de São Paulo, é cotado para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação -uma pasta que já foi considerada estratégica para o desenvolvimento do país.

É essa a realidade da vida política brasileira. Um toma lá dá cá que subordina interesses do país ao apetite de partidos, cujo principal objetivo é deitar as mãos em cargos e verbas públicas -com as intenções que se podem imaginar.

14 de novembro de 2012
Editorial da Folha

ELE BEM QUE AVISOU...

Lula alertava em 2002 o assalto que o PT faria aos cofres públicos



14 de novembro de 2012

"A ALMA DO PT"

 
Com o julgamento do mensalão quase encerrado, como fica o PT? Minha pergunta tem menos a ver com política -esfera em que a agremiação vai bem, a julgar pelos resultados no pleito de outubro- e mais com a alma do partido.

Nos primórdios, o PT se apresentava como arauto de uma nova forma de fazer política, que não abria mão de princípios nem da moralidade pública. Durante alguns anos o discurso era verossímil, já que membros do partido eram a notável ausência nos muitos escândalos de corrupção que pipocavam pelo Brasil. Eu mesmo, jovem ingênuo que era, cheguei a acreditar que o partido era diferente.

Aí veio o mensalão. O lado bom é que ele nos tornou mais realistas. É verdade que indivíduos variam em seu compromisso com a virtude, mas, quando passamos aos grandes números, isto é, quando saltamos do político singular para o partido, as diferenças se anulam e o que sobra é a média da natureza humana.

O PT até poderia ter atuado cirurgicamente, promovendo um rompimento rápido e radical com os envolvidos no escândalo. Por uma série de razões, porém, não o fez. Embora a tergiversação não pareça ter afetado seu sucesso eleitoral, ela deixou a legenda sem um discurso coerente.

Hoje, o PT se divide entre afirmar que não fez nada que outros partidos também não façam e denunciar um suposto complô da direita para condenar seus membros. É risível, já que o mensalão foi apurado e julgado por instituições sob comando direto do PT, como a PF, ou chefiada e composta majoritariamente por gente indicada pelo partido, caso do Ministério Público e do STF.

De resto, a agremiação já se aliou à fina flor da direita brasileira, representada por nomes como Maluf, Sarney, Kassab.

Para recuperar o nexo discursivo, o PT precisaria trocar a lealdade pelo pragmatismo e esquecer os mensaleiros.

Algumas lideranças até arriscaram passos nesse caminho, mas deve ser difícil contrapor-se a Lula.

14 de novembro de 2012
Hélio Schwartsman

"O FBI E OS LENÇÓIS DE WASHINGTON"

 
O general Petraeus foi o primeiro de uma nova era de moralidade ou mais um na lista de vítimas do FBI
NUM PAÍS que teve um presidente testicocéfalo (John Kennedy), outro apanhado fornicando no Salão Oval (Lyndon Johnson) e um terceiro, na sala do lado (Bill Clinton), o que aconteceu ao general David Petraeus, obrigado a renunciar à direção da Central Intelligence Agency, é o improvável início de uma nova era moralista ou mais um episódio na série de crises fabricadas pela usina de mexericos do Federal Bureau of Investigation. Petraeus teve um caso com sua biógrafa. Até agora não apareceu prova de que essa ligação tenha afetado a segurança dos Estados Unidos.

Se alguém dissesse que Allen Dulles, o fundador da CIA, tinha uma namorada fora do casamento, seria considerado uma pessoa mal informada. Ele teve umas cem. Um dia levou a rainha Frederika da Grécia (mãe de Sofia da Espanha) para um closet, ficaram trancados e ele precisou chamar um assessor para libertá-los. Coisa velha? O colunista Jeff Stein revelou que uma operadora da CIA dormiu com seus agentes brasileiros para melhorar a coleta de informações sobre os programas espacial e nuclear de Pindorama. Fronhas do ofício?

De 1935 a 1977, enquanto J. Edgar Hoover dirigiu o FBI, seu capital político ficava no cofre onde guardava a crônica dos lençóis de Washington. Ia de Marilyn Monroe com os irmãos Kennedy às orgias de Martin Luther King. Ele era o guardião de uma moralidade que a elite americana cultiva, mas raramente pratica.

O Pentágono faz mais mal ao país encobrindo casos de estupro (de mulheres e homens alistados) do que com infidelidade de seus generais. Faz pouco tempo que deixou de ser falta de educação lembrar que Thomas Jefferson, um dos pais da pátria, teve filhos com sua escrava Sally. Strom Thurmond, um dos líderes da bancada segregacionista no Congresso, tivera uma filha com sua empregada negra, mas o fato só foi revelado em 2003, depois de sua morte.

David Petraeus foi detonado pelo FBI durante a Presidência de um casal apaixonado. Às vezes o FBI trabalha em silêncio, procurando informar ao governo com minúcias que levam anos para serem reveladas. Acaba de sair nos Estados Unidos uma biografia do juiz William Rehnquist, que ficou na Suprema Corte de 1972 a 2005, presidindo-a durante 19 anos. (Chama-se "Partisan" e está na rede por US$ 14,99.) Era um asceta e não falava de sua impecável vida pessoal.

Sabia-se que padecia de males da coluna e passara por duas cirurgias. A corte escondia suas ausências, mas algumas gravações mostram que arrastava a fala durante seus votos. O FBI foi atrás e descobriu que ele não conseguia dormir e tomava oito medicamentos, triplicando a dose máxima de um deles, o Placidyl. Em 1982 o juiz internara-se secretamente para um tratamento de desintoxicação.

Sem as drogas, delirou, ouviu vozes de conspiradores da CIA para matá-lo e quando viu que as cortinas do quarto mudavam de desenho, fugiu. Foi achado no saguão, de pijama. O doutor pirara, "mas a extensão da loucura só foi conhecida depois de sua morte, quando o FBI liberou os documentos da investigação de seus agentes".

O papelório foi mandado à Casa Branca quando Ronald Reagan quis elevá-lo à chefia (vitalícia) da corte. O presidente manteve sua escolha e até 2005, quando foi fulminado por um caso raro de câncer da tireoide, Rehnquist ocupou o cargo sem transtornos.

14 de novembro de 2012
Elio Gaspari, Folha de São Paulo

PT DE LULA E DILMA LANÇA MANIFESTO EM DEFESA DA GANGUE MENSALEIRA

PT lança manifesto em defesa dos réus do mensalão e pede julgamento do PSDB. No documento, partido condena o que chama de 'politização' do julgamento pelo STF

A Executiva Nacional do PT vai divulgar nesta quarta-feira, 14, em São Paulo, um manifesto em solidariedade aos réus do mensalão, condenando o que chama de "politização" do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O documento afirma que houve forte pressão da mídia para influenciar o veredicto, questiona a "coincidência" do julgamento com o calendário eleitoral e vê interpretação equivocada da "teoria do domínio do fato", que dispensa atos de ofício como prova.
 
No manifesto, a cúpula petista estranha o fato de a denúncia contra o PT ter sido julgada antes do mensalão tucano, com origem em Minas Gerais. O partido vai além e diz esperar que o PSDB tenha o tratamento que o PT não teve por parte do Supremo.

O texto foi escrito pelo presidente do PT, deputado Rui Falcão, e deveria ter sido divulgado no dia 1.º deste mês, em reunião da Executiva Nacional. A pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, o PT resolveu aguardar a fixação das penas dos réus para se pronunciar.

Dirigentes do PT chegaram a defender, naquela ocasião, que não se divulgasse mais qualquer manifesto, sob a alegação de que o fato poderia provocar uma "pauta negativa" para o partido, que comemorava a vitória na eleição para a Prefeitura de São Paulo. Falcão, no entanto, mostrou incômodo com a interpretação de que o PT, em nome do pragmatismo, não estava sendo solidário com seus réus.

Na última segunda-feira, o Supremo impôs ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu uma pena de 10 anos e dez meses de cadeia, além de multa de R$ 676 mil. Para o Supremo, Dirceu era o chefe do mensalão e comandou uma "quadrilha", que tinha como objetivo comprar apoio político ao governo Lula. A pena do ex-chefe da Casa Civil - que presidiu o PT de 1995 a 2002 - deverá ser cumprida inicialmente em regime fechado, por no mínimo um ano e nove meses.

O ex-presidente do PT, José Genoino, recebeu pena de 6 anos e 11 meses de prisão e multa de R$ 468 mil. Genoino poderá cumpri-la em regime semiaberto, no qual é obrigado a dormir na prisão. Delúbio Soares de Castro, ex-tesoureiro do partido, foi condenado a 8 anos e 11 meses, além de multa de R$ 325 mil. O deputado João Paulo Cunha (PT), ex-presidente da Câmara, também foi condenado por crimes de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro e teve de renunciar à disputa pela Prefeitura de Osasco. Mesmo assim, o PT ganhou a eleição na cidade. Os advogados dos réus vão recorrer das sentenças.

14 de novembro de 2012
Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

TOFFOLI QUESTIONA PENAS PESADAS PARA GANGUE DO MENSALÃO DE LULA

Ministro cita Cardozo e diz que prisão restritiva de liberdade combina com o período medieval

Em um discurso exaltado durante o julgamento do mensalão, nesta quarta-feira, o ministro José Antonio Dias Toffoli questionou as altas penas dadas até agora. Toffoli defendeu menores penas de reclusão e maior valor para as multas e afirmou que "prisão restritiva de liberdade combina com o período medieval". Ele falou sobre o assunto durante a fixação da pena do dirigente do Banco Rural, José Roberto Salgado, pelo crime de lavagem de dinheiro. A fala do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que disse preferir morrer a cumprir pena em uma cadeia no Brasil, chegou a ser citada por Toffoli e outros ministros.
- Já ouvi que o pedagógico é botar na cadeia. Não. Pedagógico é privar dos ganhos ilícitos. Hoje, o condenado pensa: "Vale a pena passar um período na cadeia porque depois posso usufruir meus valores ilícitos". Minha visão é mais liberal e mais contemporânea. Prisão restritiva de liberdade combina com o período medieval. Vamos à Foucault que ele dirá porque foi instituída a pena restritiva - disse ele, que continuou a defender um alto valor de multa para condenados e baixa pena de privação de liberdade.

Citando o frade espanhol Tomás de Torquemada, morto em 1498, conhecido como “O Grande Inquisidor”, Toffoli comparou os parâmetros do julgamento à fogueira.

- A filosofia daquele que comete um delito está em debate na sociedade contemporânea há muito tempo. Esse parâmetro do julgamento em 2012 não é o parâmetro da época de Torquemada, da época da condenação fácil à fogueira

Para sustentar sua posição de que os réus do processo não oferecem risco à sociedade, Toffoli citou o caso de Kátia Rabello, ex-presidente do Banco Rural, condenada a mais de 16 anos de prisão:


- Crimes contra o ser humano são apenados, volto a dizer, com penas mais leves do que essa em termos de restrição de liberdade. Pessoas que não são violentas, que não agridem o ser humano do ponto de vista real, temos uma banqueira condenada, uma bailarina.

Ele ainda reiterou sua tese:

- Os réus cometeram desvios com intuito financeiro, não atentaram contra a democracia, que é mais sólida que tudo isso!

Logo depois, Toffoli referiu-se indiretamente aos xingamentos sofridos pelo revisor, Ricardo Lewandowski, no dia das eleições:

- Temos aqui pessoas que desde 2006 não têm condições de sair à rua. Tivemos ministro agredidos por conta de seus votos. Tivemos advogados de defesa agredidos em razão da defesa da sociedade. Em que época estamos vivendo? Estamos aplicando a lei!

Ele continuou:


- Estou a ponderar sobre todo o significado de tudo o que ocorreu. O quanto o simbólico passa a preponderar na sociedade contemporânea? O que o simbolismo vale para hoje? Para mim pesam mais os efeitos pecuniários do que os restritivos de liberdade

Em continuação da votação da pena de José Roberto Salgado, o ministro Gilmar Mendes também citou a situação prisional no país. Quanto esteva à frente do CNJ, o ministro identificou grande quantidade de presos privados de liberdade de forma ilegal.

- Eu só lamento que ele (José Eduardo Cardozo) tenha falado isso (sobre a situação dos presídios no país) só agora. Esse é um problema desde sempre - disse ele, que continuou a abordar o assunto:

- Como disse o ministro Dias Toffoli, temos um inferno nos presídios e aí não dá mais para a justiça dizer que não tem nada com isso. A Justiça não consegue julgar no tempo adequado estas questões e aqui há uma grande responsabilidade de todos os governo se aí não há recursos para fazer presídios

14 de novembro de 2012
Bruno Góes, Marcio Allemand e Rafael Soares - O Globo