Chacina em Newtown
Por razões que minha razão não alcança, a rede Russia Today Moscou solicitou-me uma entrevista ao vivo, via Skype, sobre o tiroteio em Newtown, Connecticut, numa escola, em que morreram 20 crianças pequenas e vários adultos. Fiquei interessado em saber o que interessaria a Moscou, naquele caso, e concordei em dar a entrevista.
Para minha grande surpresa, o único interesse da rede russa era repetir a história oficial dos EUA sobre os tiros e perguntar a minha opinião sobre se “armas de assalto” deveriam ser proibidas depois do ‘evento’ em Newtown.
Inúmeros objetos podem ser definidos como armas de assalto. Um taco de beisebol, uma faca, um punho, um rifle .22 de um tiro, uma arma de cano duplo, um atiçador de lareira, um revólver de seis balas, um tijolo, uma espada, arco e flecha, lança. E a lista pode aumentar à vontade.
Os que defendem o controle de armas definiram “arma de assalto” como qualquer versão civil de armas semiautomáticas de uso militar, como a AR-15, versão civil da M-16 militar, e a AK-47.
Durante o governo Clinton, não se permitia que a versão civil dessas armas apresentasse várias características inofensivas, apenas porque aquelas características davam aos rifles aparência de arma militar; e as armas não podiam ter carregadores para mais de dez tiros.
Hoje, se compram carregadores de 20 e 30 tiros. Para um profissional, o número de balas no carregador é irrelevante. Com experiência, carregar armas é trabalho de um segundo. Aperta-se um botão, o carregador salta, insere-se um novo. Por razões que ninguém entende, os que advogam a favor do controle de armas pensam que carregador para dez tiros converteria a tal “arma de assalto” em alguma outra coisa.
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ESTADO POLICIAL
Disse à rede Russia Today de Moscou que os EUA são o mais completo estado policial que jamais houve na história da humanidade. Graças à tecnologia, Washington consegue espionar quem queira espionar, muito mais e melhor que Joseph Stalin e Adolf Hitler.
Até a imaginação de George Orwell, no romance 1984, já foi ultrapassada pelo que Washington faz hoje. A “guerra ao terror” é o pretexto para que continue a existir o Estado Policial Americano (EPA).
“Mas que sentido teria um estado policial”, perguntei eu, “se a população estiver armada?”. Depois de já terem sido rasgadas todas as emendas constitucionais, a última que resta, a Segunda Emenda [“Sendo necessária à segurança de um Estado livre a existência de uma milícia bem organizada, o direito do povo de possuir e usar armas não poderá ser impedido.”] não sobreviverá por muito tempo.
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ARMAS DE ASSALTO?
Mas por que a rede Russia Today Moscow tanto se preocupa com “armas de assalto”? O acusado, Adam Lanza, foi sumariamente declarado culpado. Segundo a Associated Press, o médico da polícia de Newtown, Connecticut, Dr H. Wayne Carver, disse que “todas as vítimas foram mortas à queima-roupa, por vários tiros de rifle” .
Mas a rede Fox News diz que “repórter da CNN informa que a polícia recuperou três armas na cena do crime: uma Glock e uma Sig-Sauer, que são pistolas, além de um rifle .223 Bushmaster. O rigle estava no banco traseiro do carro que o atirador dirigiu até a escola. As pistolas estavam dentro da escola.”
A mesma Fox News diz: “Medidas de segurança implementadas esse ano na escola Sandy Hook incluíam manter as portas trancadas durante as horas de aula. E era preciso tocar a campainha para entrar no prédio. Havia uma câmera que mostrava quem entrasse no prédio.” Se essa notícia está correta, como Lanza entrou, armado?
Tentei explicar à rede Russia Today Moscou que essas notícias indicavam que o atirador acusado, já morto, e que não poderá ser interrogado, se, digamos que seja, foi o responsável, ele matou as crianças com pistolas, não com algum “rifle de assalto” deixado no carro, embora o médico tenha falado de tiros de rifle.
(artigo enviado por Sergio Caldieri)
29 de dezembro de 2012
Paul Graig Roberts
Por toda parte, dos sertões mais remotos às periferias dos grandes centros urbanos, de Sinop a Lucas do Rio Verde, ao Complexo do Alemão, dos intelectuais enredados em seus afazeres e rotinas cinzentas do mundo acadêmico, dos movimentos sociais ao sindicalismo, nem as antenas mais sensíveis têm sido capazes, até então, de captar, vindos daí, sinais da tormenta anelados pelos que em desespero com o atual estado de coisas no mundo preferem qualquer outro a este aí.
Desejos fortes, quando contrariados, podem dar asas à imaginação, que passa a ver o seu objeto mesmo onde ele não está, tomando-se a nuvem por Juno, que, ao menos, na mitologia condena o seu autor a um resultado infeliz.
Assim é que alguns pintam com cores fortes a controvérsia entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados sobre os efeitos da decisão condenatória emanada na conclusão da Ação Penal 470 como uma crise institucional a semear impasses catastróficos nas relações entre os Poderes Legislativo e Judiciário - o gatilho tão esperado para o "fim do mundo"? -, como se não coubesse a este último o papel de intérprete constitucional da lei.
De fato, sem que se incorra aqui na prática que se dissemina no nosso colunismo político de se arvorar, mesmo quando pagão no tema, nas artes intrincadas dos julgamentos nos tribunais, houve, sim, uma intervenção hermenêutica do STF, necessária, nas claras palavras do seu decano, o ministro Celso de Mello, a fim de harmonizar o sentido de diferentes disposições legais da Carta de 88 e do Código Penal quanto à perda de mandatos eletivos.
Por maioria, como se sabe, aquele tribunal julgou incompatível com o exercício de um mandato político o parlamentar que, por meio de uma sentença criminal, seja destituído dos seus direitos políticos.
Diante da decisão, vozes interessadas em degradar o histórico julgamento da Ação Penal 470, no curso do qual se fizeram ouvir razões fortes em defesa da República e de suas instituições com uma ênfase desconhecida nos tempos presentes, acusam-no de fazer parte de mais um capítulo da judicialização da política, uma vez que por meio dela o Judiciário estaria usurpando prerrogativas do Legislativo e desobedecendo ao que seriam as rígidas fronteiras a discriminarem os territórios próprios a eles.
O refrão do bardo seria bem lembrado: chamem o ladrão, pois nessa versão é o STF que atenta contra a República.
Com efeito, o tema da judicialização da política é perturbador, especialmente na sociedade brasileira, em que esse fenômeno especificamente contemporâneo já afeta a quase totalidade das relações sociais, da saúde às questões ambientais, passando pelos direitos das minorias - vide a decisão do STF sobre as relações homoafetivas -, e, sobretudo, no desempenho da Alta Corte nas ações levadas a ela para a avaliação da constitucionalidade das leis, quando se confronta com a decisão do legislador.
O senador José Sarney, em rompante manifestação feita no recinto do Senado, atribuiu a voga do processo da judicialização a uma autoria certa. Em suas palavras, a que não faltam boas razões, "quem inventou isso foi o PT, que na oposição a qualquer problema batia na porta do Supremo", e que estaria, agora, provando do seu veneno (O Globo, 20/12, página 38).
Sobre a matéria, o deputado Miro Teixeira, no seu décimo mandato pelo Rio de Janeiro, é mais reflexivo, conferindo à chamada judicialização da política um caráter positivo, dado que "serviria de contraponto aos grandes grupos que controlam o parlamento".
Mais que isso, indo ao cerne do problema, identifica que na raiz do fenômeno da judicialização estaria a "servidão voluntária" a que se teria sujeitado o Congresso Nacional ao Poder Executivo, "em uma renúncia evidente ao poder que lhe foi conferido" (in coluna de Rosângela Bittar, Valor, 19/12).
Nessas reações de dois políticos relevantes, são suscitadas topicamente as questões que são objetos da bibliografia clássica sobre o assunto: o da agenda da igualdade e dos novos direitos a ela associados, e o das novas relações entre o Executivo e o Legislativo vindas à tona desde que, no segundo pós-guerra, se institucionalizou no Ocidente o sistema do Welfare State (Estado de bem-estar social).
Foi, de fato, o PT que difundiu entre nós a agenda igualitária, não se furtando à sua judicialização, como no caso das ações civis públicas em questões de saúde, educação e meio ambiente, com frequência em associação com o Ministério Público, assim como tem sido ele, para os fins dos seus propósitos partidários, quem avassalou o Legislativo, tal como dá noticia a Ação Penal 470.