"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 29 de abril de 2012

870 MIL FOTOS DA CIDADE DE NOVA YORK



Site disponibiliza acervo de 870 mil fotos da cidade de Nova York

Imagens do Arquivo Municipal retratam mais de um século de história da cidade que nunca dorme

Imortalizada no imaginário de muitas pessoas através de fotografias e filmes de artistas como Diane Arbus, Robert Frank, Berenice Abbot e Woody Allen, a cidade de Nova York acaba de ganhar um site para divulgar 870 mil fotos de seu Arquivo Municipal. Lançada na terça-feira, 24, a página já teve tantos acessos que saiu do ar “devido à demanda esmagadora”.

As fotografias do site são apenas parte de um acervo que conta com mais de dois milhões de imagens que cobrem um período da história da cidade que vai desde meados do século XIX até os anos 1980. Os demais registros serão disponibilizados online à medida que haja verba para terminar o processo de digitalização.

O arquivo não é composto de fotografias famosas, já conhecidas no mundo todo, mas de registros de prédios da cidade, do andamento de obras de infraestrutura ou mesmo a poesia do dia-a-dia urbano, como a paisagem de uma ponte ou como o horizonte ao pôr do sol.
Os autores das imagens podem não ser ilustres, mas demonstram grande talento em seus cliques. Entre eles estão muitos detetives da polícia nova-iorquina, cujas imagens de casos não resolvidos agradarão fãs do gênero mórbido.

A maior parte do acervo é composta de retratos de edifícios. São 800 mil fotos, datadas dos anos 80, que registram cada um dos prédios dos cinco bairros de Nova York. Outras 1.300 fotos tiradas por fotógrafos locais a serviço da Works Progress Administration, agência criada para por em prática o New Deal, retratam o período da depressão. “Sabíamos que tínhamos coleções fantásticas de fotografia e ninguém imaginava quão boas eram”, disse na segunda-feira à agência Associated Press Kenneth Cobb, um dos membros do Departamento de Registros Municipais, uma repartição por sua vez dividida em subdepartamentos como o de Pontes, Túneis e Estruturas.

Um dos poucos quase famosos da coleção foi revelado pelo próprio Arquivo Municipal, que tirou do ostracismo Eugene Salignac, um de seus funcionários, ao catalogar sua obra, que vai de 1906 a 1934. As fotografias de Salignac que registraram cenas como um grupo de pintores em equilíbrio sobre os tensores da ponte do Brooklin e a construção da ponte de Manhattan, retratam um período importante: a ascensão de Nova York a grande metrópole do século XX.

O Globo
29 de abril de 2012

COTAS POLÍTICAS

Nenhuma dúvida me resta de que o Supremo Tribunal Federal-STF se tornou uma extensão do Executivo, assim como o Congresso Nacional. O julgamento das cotas raciais deixou bem caracterizado que as decisões são políticas naquilo em que ela se fizer presente. Vou mais além, deixa sob suspeita a não influência de políticas de governos populistas nos julgamentos, até mesmo resquícios de apadrinhados. Morre com isso, para mim, a esperança de qualquer resultado que penalize os atos de políticos mensaleiros no julgamento que se aproxima (?).


Está evidente que forças ocultas, para não falar do ex presidente, terão enorme atividade no campo magnético das decisões na busca de final feliz aos detratores dos costumes, da moral, da ética e do respeito à Nação brasileira.

Pétalas de rosas cairão sobre o plenário do STF nas poéticas oratória dos ministros, assim como o foi no caso das cotas raciais. Paladinos da defesa contra a miséria cultural de um segmento social. Há que se colocar que a população afro-descendente tem seu maior habitat nos centros urbanos, poucos permaneceram nos campos ou na atividade agrícola, seja como produtor ou como empregado. Escolas públicas não são invenção dos últimos tempos. Estão disponíveis a todos que queiram estudar e crescer cultural e economicamente. Como ficam os milhares de euro-descendentes que estão em grande massa populacional dispersos pelo interior do Brasil, principalmente no agreste nordestino, e que vivem a margem das possibilidades de acesso às universidades? Por que não cotas para eles? Por que discriminá-los?
Sim, a decisão foi uma discriminação, foi um aceite à uma ação de governo, foi política e não jurídica. Não cabe ao STF como guardião da Constituição Federal impingir inobservância. Ainda que a decisão fosse de cunho global, ou seja, de alcance para todos e não segmentária, ela estaria, mesmo que de viés, observando princípios constitucionais, os seus ditames que são de alcance único e total, jamais fracionados. Estaria, assim, encorpada pelo espírito social da norma constitucional que ordena em seu “art. 3º Constituem Objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

 I – Construir uma sociedade livre, justa e solidária….

IV – Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Mais ainda, estaria com isso atendendo o inciso III do mesmo artigo que também compõe os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil que determina em seu texto “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
Não diz segmentos sociais e regionais, mas sim, de um todo.

Na minha avaliação, considero a decisão do STF uma ação indigna com os “euro-descendentes” que vivem pelos guetos e agrestes deste Brasil, segregados pela sociedade, governo e por votos como estes dos tribunais. A filosofia e o romantismo proferido nos votos dos ministros obstaram um momento oportuno, grandioso e justo a uma sociedade.

Ao invés de fazer prevalecer as normas ditadas pela Constituição Federal, aderiram a um posicionamento frontal, até mesmo de confronto, com os objetivos do art. 3º da CF. Vestiu de racialidade o termo e a palavra raça constante do texto constitucional em seu inciso IV. Mais que isso, voltou a segregar a sociedade brasileira.

Não há neste artigo qualquer sentido discriminatório. Existe sim, uma indignação ante uma atitude da maior corte em fazer política e jogo de agrado social como se a ela coubesse determinar o que pode ou não ser feito acima do que determina a Constituição Federal. Extrapolaram e abusaram do baixo nível cultural do povo brasileiro, da dependência do Congresso Nacional inerte e do governo federal cheio de malfeitos. A decisão tem que levar no seu bojo a questão social da pobreza que não tem oportunidades, e não somente para os afro-descendentes.

Mas como somos um país de analfabetos funcionais, pequenos grupos de ativistas somados a interesses políticos partidários oportunistas, imprimem ao consciente popular posturas alienadas. O incrível é que a corte acompanha, vide marcha da maconha, demarcação em Roraima, quilombolas etc. Com o mensalão, são possíveis novos votos filosóficos e o roubo será considerado apenas desvios. E viva o Brasil varonil.

29 de abril de 2012
Raphael Curvo
(*)Jornalista, advogado pela PUC-RIO e pós graduado pela Cândido Mendes-RJ

A INFLUÊNCIA DA FICÇÃO

É interessante quanto da minha informação se origina da leitura de romances.
Desde muito cedo eu aprendi que o que eu lia não eram necessariamente fatos, mas a interpretação de fatos aos olhos de um escritor, e que tudo dependia da capacidade de o mesmo se saturar com informações sobre um assunto ou época de forma que nós, os leitores, passássemos a sentir e enxergar através de seus olhos.

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Sempre procurei pesquisar as informações dos ficcionistas através de leitura complementar de artigos sérios e de livros.
Estou correntemente envolvido em escrever um artigo sobre a China.
As declarações de economistas chineses e de ministros chineses não chegam a me impressionar, pois guardo na memória informações de autores que escreveram sobre a China ao longo dos séculos. Ninguém muda completamente de um momento para outro.
Os chineses ainda são chineses, construídos sobre as antigas dinastias, sobre a absorção cultural dos mongóis, sobre os generais que dominavam diferentes partes do país entre 1911 e 1949.
Portanto tratei de lembrar autores como Robert Elegant, que escreveu romances sobre épocas diferentes da história da China, inclusive a chegada dos portugueses, mas que também é jornalista, fluente em japonês e mandarim, conhecedor profundo da região.
Repassei James Clavell com “A Casa Nobre” e “Tai-Pan” mas também voltei ao livro “Stillwell e a experiência americana na China 1911-45”de Barbara Tuchman que analisa os líderes principais, Mão-Zedong, Chiang Kai Chek e Madame Chiang Kai Chek bem como sua interação.

Hoje a pesquisa é mais fácil, em vista do Google e das facilidades de consultar artigos e teses até obscuras sobre estes períodos, e à medida que pesquisamos nos surpreendemos avaliando diferentemente as personagens e os fatos da história conhecida. 
Acabamos saindo pela tangente e estudando coisas que nada tem a ver com o objetivo inicial da pesquisa. São contribuições para a base de conhecimentos que passamos a carregar conosco. Por exemplo, eu havia lido Barbara Tuchman sobre Stillwell. Porém Tuchman é admiradora do general. Foi interessante achar relatos dos comandantes de unidades sob Stillwell bastante críticos da capacidade do general em planejar, documentar ou exigir o que não mais podia ser exigido.

Foi interessante descobrir até que ponto certos jornalistas informaram a realidade do crescimento da competência dos exército de Mao sendo chamados de volta do Oriente porque suas opiniões não correspondiam à informação do QG de Stillwell. Foi inclusive interessante saber que o sucessor de Stillwell, o general Wedermeyer registrou suas opiniões em relatório não sendo acreditado porque ao contrario de Stillwell não falava chinês.
Contudo as previsões de Wedermeyer, que não conhecia o Oriente se realizaram uma por uma.

Não cheguei ao fim destas leituras, contudo, esta semana quando mais uma vez eu sentar ao computador para tentar escrever este artigo sobre a China moderna terei todas estas, e mais outras informações no subconsciente. Não entrarão no artigo mas terão servido para criar a primeira camada de tinta que o artista coloca numa tela, a que dá o fundo básico para que depois se pintem as árvores, os rios e o céu na obra final.
(*) Fotomontagem: Mão-Zedong, Chiang Kai Chek e Madame Chiang Kai Chek

Ralph J. Hofmann

REVISTA BRITÂNICA CONSIDERA FRANÇOIS HOLLANDE "PERIGOSO" PARA A EUROPA

A agência France Presse revela que a eleição de François Hollande como presidente da França seria negativa para o país e para a Europa, segundo a influente revista britânica The Economist, que chama o candidato socialista de “perigoso” na capa.

Em um editorial mordaz, a revista destaca que se tivesse a oportunidade votaria no atual presidente conservador e candidato à reeleição, Nicolas Sarkosy, no segundo turno de 6 de maio, “não tanto por seus méritos, mas para manter Hollande fora”. O texto também ressalta a necessidade de reformas na França.

O editorial explica que Hollande pretende elevar impostos, reconhece o mérito do candidato enfrentar a dura austeridade defendida pela Alemanha que coloca em perigo a recuperação da Eurozona, mas considera que ele faz isso por motivos equivocados.

O deputado socialista Michel Sapin, coordenador do programa presidencial de Hollande, respondeu em uma entrevista à rádio Europe 1 que a revista é “conhecida” por ser “antifrancesa e antissocialista” e preferiu recordar o jornal Financial Times, que destacou a necessidade de promover o crescimento na Europa, como defende o socialista.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG

Nas pesquisas, o socialista Hollande mantém grande vantagem sobre Sarkozy e promete equilibrar os gastos e o crescimento do país, enquanto Sarkozy assusta o próprio partido com uma estratégia em direção à ultradireita, racista e reacionária.

NOTAS POLÍTICAS DE MARIO AUGUSTO JAKOBSKIND

Equívoco político de Dilma Rousseff

Presidente Dilma Rousseff, a senhora cometeu um grande equívoco político ao aceitar convite para ir a São João da Barra visitar o complexo portuário que está sendo construído pelo empresário Eike Batista.

A senhora caiu no conto do governador Sergio Cabral, amigo de Eike Batista, mas não pode ignorar que muitas famílias que moravam no local foram expulsas e não receberam indenização. É gente honrada que morava na área há anos. Estão passando dificuldades.
Possivelmente muitos desses moradores votaram na senhora e estão decepcionados pelo fato de aceitar o convite.

Na prática, a senhora está chancelando o ato de verdadeiro banditismo que foi feito na região. Lamentável! Será que ainda está em tempo de voltar atrás?

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GASÔMETRO, 41 ANOS
Atenção, autoridades! Sumiu a placa em homenagem ao Capitão Sergio Miranda, também conhecido como Sergio Macaco, que se encontrava em frente ao antigo Gasômetro, no Rio. Até o presente, quando estava sendo elaborado este informe, não havia sido recolocada.
O militar é uma importante figura da história brasileira e graças a ele foi evitada uma tragédia que aconteceria se uma ação terrorista de meliantes da Aeronáutica sob o comando do Brigadeiro João Paulo Bournier explodisse o gasômetro.

Se não fosse o Capitão Sérgio Macacão, os meliantes explodiram o gasômetro e atribuíram o fato aos “subversivos” e assim poderiam desencadear uma violenta repressão. O Brasil tem um dever de gratidão ao Capitão Sergio Macaco e isso não pode ser esquecido.

O sumiço da placa em homenagem a este brasileiro ilustre é um crime, um ato de vandalismo. A Secretaria de Segurança está intimada a investigar o caso e a Prefeitura precisa imediatamente repor a placa.

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DEIXEM AS BRIGAS E JULGUEM

E os ministros da instância máxima da Justiça brasileira, o Supremo Tribunal Federal, cidadãos acima de qualquer suspeita, estão peleando entre si. De toga ou sem, os ministros colocam as mangas de fora numa demonstração de que não são infalíveis, muito pelo contrário.
É preciso assinalar também que estão sujeitos a erros, como todos os seres humanos. Acertam também, claro.

Um dos erros mais polêmicos foi a decisão que dispõe estar em vigor a Lei da Anistia e conseqüentemente os violadores dos direitos humanos, sejam civis ou militares, não podem ser julgados.

Já a Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos não decidiu assim. Ao proferir uma de suas sentenças, sobre o caso Araguaia, a entidade exigiu do Estado brasileiro a localização dos restos mortais de combatentes assassinados. E de quebra ainda recomendou a revisão da Lei da Anistia assinalando que crimes contra a humanidade são imprescritíveis.

Como os ministros ainda não julgaram petição sobre os crimes continuados, já adiaram várias vezes sessão para esse fim, espera-se que os ministros deixem as brigas entre si e julguem que seqüestros sem o aparecimento das vítimas continuam como crimes. Estão sujeitos a julgamentos, como os cometidos durante a época da ditadura civil militar vigente de 64 a 85.
www.booklink.com.br/jakobskind

A TECNOLOGIA DO PODER


A atual crise do sistema capitalista, assustadora e sem solução a vista, aguça o lado selvagem dos EUA. Implacável predador. Os desesperados e sofridos povos do Iraque e da Líbia estão sentindo na própria pele o preço de suas fraquezas. Estão pagando muito caro, caro demais, por possuírem imensas jazidas de petróleo sem eficazes meios de defendê-las. Pelo visto, só acreditavam em armas convencionais. Puro engano.

Além desse estratégico petróleo, o Brasil tem mais outras tantas siderais riquezas concentradas na Amazônia e fora dela. Tais como água doce, extensão territorial, gigantescas florestas, biodiversidades, imensas áreas de terras férteis, inúmeros tipos de jazidas de minérios, inclusive estratégicas, além de incontáveis outras mais. Apesar de tudo que possuímos, ao que parece, ainda não demos conta do perigo que corremos por não termos força tecnológica militar adequada para desencorajar o poderoso predador.

Sabe-se de há muito, que a poder militar não pode ser estritamente convencional. O Iraque e a Líbia conhecem o assunto, como ninguém. Precisamos de forte liderança, muito patriotismo, muita coragem e forte união em torno dos maiores objetivos do Brasil e da América Latina. Grandes conflitos, econômicos e estratégicos, envolvendo interesses dos EUA, como petróleo farto e barato, por certo que resultarão em aberta truculência, inevitáveis por forças das palavras e das leis. Infelizmente. É a trágica lógica do poder nuclear. Acorda, Brasil!

29 de abril de 2012
Welinton Naveira e Silva

BRASÍLIA CINQUENTENÁRIA



"O diabo na rua, no meio do redemoinho"
Guimarães Rosa
O cinquentenário de Brasília, em 2012, é um marco importante da nossa história e merece uma reflexão. A nova capital foi projeto antigo, desde os tempos de Colônia. Com a Proclamação da República a ideia virou obsessão. Foi realizada por um governante saído de Minas Gerais, o mais central dos estados brasileiros, algo carregado de grande simbolismo. Jucelino Kubitschek de Oliveira encarnou o homem fáustico à brasileira, o construtor de cidades, o colonizador do sertão.
O Brasil, enquanto nação, foi produto de duas crenças que são a própria face da modernidade europeia: o mito fáustico, do Estado construtor e colonizador, tão belamente cantado por Goethe; e o mito fundado por Rousseau em torno da igualdade e da representação democrática por voto universal. Se no inicio o Brasil era apenas objeto da ânsia fáustica dos europeus, desde a Independência a ideia do Brasil "grande", desenvolvido e afirmativo no concerto das nações jamais saiu do campo de visão de sua elite governante. Essa elite internalizou ela própria o mito do Fausto e Brasília é a máxima expressão da realização desse mito. A cidade, que é o coração da "Fortaleza Brasil", nascida contra a Europa, contra a Igreja Católica e contra a potência dominante, Estados Unidos da América.
Esse sentimento ficou muito bem expresso pelo presidente João Batista Figueiredo, quando da Guerra das Malvinas. O Brasil ainda tolerou um conflito bélico com potência europeia no Atlântico Sul, mas fez chegar ao Presidente Reagan (e, por tabela, ao governo britânico) que não toleraria desembarque de tropas alienígenas na América do Sul e que interviria militarmente para impedir. Importante o fato porque delimitou que a América do Sul é dos sul-americanos e aqui a voz imperante é a brasileira, contra a Europa, os EUA e qualquer potência de fora do continente.
Da mesma forma, os fatos recentes da diplomacia nacional demonstram que esse élan fáustico está mais ativo do que nunca. A busca quase impertinente por um assento no Conselho de Segurança da ONU chega a ser folclórica. O tom arrogante da participação do ministro Guido Mantega, na última reunião geral do FMI, mostrou que a nação adolescente quer ser adulta. O recente surto protecionista, a pretexto de proteger a indústria, é o mais um movimento nessa direção.
No âmbito interno, o século XX foi o momento do triunfo das ideias de Rousseau. A Revolução de 30 deu o pontapé inicial para a construção da democracia de massas e o longo governo de Getúlio Vargas caminhou para isso. É bem verdade que ele deu combate ao comunismo, a máxima materialização do delírio de Rousseau, mas por circunstâncias táticas. O comunismo, naquele momento, fazia guerra ao Ocidente, desde a Rússia, sendo uma forma de imperialismo interventor. Pari passu, tivemos a aceleração do processo de industrialização, muito bem sucedida.
O cinquentenário de Brasília ocorreu quando forças políticas de esquerda governam, com apoio de toda a sociedade. O projeto fáustico, vê-se, não é de uma facção isolada, mas é bandeira de toda a elite dirigente. Ele une toda a gente.
Importante notar que a transferência de poder das elites tradicionais para as novas elites forjadas pelo voto universal foi suave. Não tivemos aqui guerra civil. Se houve guerrilha, não era por conta dessa ideia, que é aceita por todos, mas porque as elites esquerdistas estavam alinhadas com uma forma agressiva de imperialismo, inaceitável dentro do projeto político de grande nação. A esquerda percebeu isso e forjou o Foro de São Paulo, liderado e administrado pelo PT, partido ora governante. Ao dar esse passo, legitimou-se para assumir o poder.
O grande cantor desse processo foi sem dúvida Guimarães Rosa, autor do épico Grande Sertão, Veredas. A obra é a expressão artística acabada desse processo histórico, tendo sido publicada no ano do início das obras da nova capital. O autor nela contemplou toda a tradição literária e filosófica ocidental. Deu voz ao amálgama de raças que forma a gente brasileira. Fez do português sertanejo língua literária, o desejo expresso pelas elites intelectuais pelo menos desde 1922.
Romper com Portugal, sobretudo na língua, era meta antiga. Mas Guimarães Rosa limitou-se ao registro dessa ruptura, foi buscar no fundo das Gerais a realidade do Brasil profundo, que deixou de ser litoral, provisório, para ser o agente permanente da afirmação do poder nacional.
Guimarães Rosa tinha como projeto escrever a continuação do seu épico. Seria o Grande Sertão: Cidades. Uma obra que ainda precisa ser escrita, para fechar o ciclo de ouro do mito fáustico no Brasil, no campo literário.

Nivaldo Cordeiro
29 de abril de 2012

QUEM VAI RIR POR ÚLTIMO?


As primeiras ações por improbidade administrativa chegam à reta final — e a novidade é que a Justiça está fazendo os corruptos devolver o dinheiro
No Brasil, políticos acusados de desviar dinheiro público acostumaram-se a viver às gargalhadas. Mesmo quando flagrados com a boca na botija, a possibilidade de irem para a cadeia é mínima e o dinheiro que levam nunca é devolvido. Nunca?
Bem, a boa notícia é que essa situação começou a mudar. Freguês contumaz de ações por improbidade administrativa, o deputado federal Paulo Maluf, ex-prefeito e ex-governador de São Paulo, terá de devolver nos próximos meses 900000 reais ao Erário. Estará com isso cumprindo determinação da Justiça, que acatou a alegação do Ministério Público de que esses valores foram desviados por meio de obras superfaturadas durante sua última passagem pela prefeitura paulistana (1993-1996).
Pelos mesmos motivos, Maluf já teve de desembolsar 2,6 milhões de reais. Como seu patrimônio está bloqueado desde 2004 por ordem judicial, em nenhum dos casos o ex-prefeito precisou abrir a carteira ou assinar um cheque. O dinheiro foi transferido diretamente de suas contas para o caixa da prefeitura de São Paulo.
Em julho, a fortuna do ex-prefeito poderá sofrer um abalo bem maior: a Justiça da Ilha de Jersey, um paraíso fiscal no Canal da Mancha, julgará um pedido do MP e da prefeitura para repatriar ao Brasil 22 milhões de dólares que estão em contas controladas pela família do político.
"As autoridades de Jersey têm proferido decisões firmes no sentido de não tolerar a corrupção", diz o promotor Silvio Marques, que investiga Maluf há mais de dez anos e é o responsável por tentar trazer o dinheiro de volta. Seu colega, o promotor Saad Mazloum, também conseguiu reaver uma bolada no caso do escândalo dos precatórios.
No mês passado, o caixa da prefeitura paulistana recebeu a última parcela dos 15 milhões de reais devolvidos pelos acusados no esquema: 4 milhões saíram das contas do falecido ex-prefeito Celso Pitta e o restante, de duas corretoras de valores.
O melhor é que esses valores tendem a se multiplicar nos próximos anos. Desde 1992, quando a Lei de Improbidade Administrativa foi aprovada, milhares de inquéritos foram abertos para apurar a malversação de recursos públicos. Vários foram transformados em processos, que agora começam a chegar à reta final.
Já há decisões judiciais definitivas que determinam a retomada de mais 138 milhões de reais desviados só na cidade de São Paulo. Além disso, há ações em andamento no estado que, somadas, chegam a 52 bilhões de reais. Se os promotores mantiverem sua taxa de vitórias, hoje na casa de 70%, 36 bilhões de reais vindos do patrimônio dos corruptos — ou de seus herdeiros — serão recuperados nos próximos anos. "Estamos iniciando um novo ciclo no combate ã corrupção", diz Mazloum.
Hora de chorar, espertalhões.

29 de abril de 2012
Laura Diniz
VEJA, 22.04.12

FORMA E FUNÇÃO?


Pode até ser que Oscar Niemayer nada tenha a ver que o bando de ladrões que se instalou em Brasília. Mas a construção e mudança da capital marcou o início d peculato institucionalizado. Enriqueceram a custas do dinheiro público, desde o presidente da República, até o motorista dos caminhões que transportavam material de construção.


A cidade em si, além dos erro urbanísticos, tem seus palácios construídos com material de segunda categoria, pois passados apenas 50 anos, estes começam a se deteriorar, como é o caso do Palácio da Alvorada.
As vantagens dadas a funcionários dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, para convencê-los a mudar para a nova capital, criou uma classe de privilegiados intocáveis.
Em fim todos que participaram desse avento tem culpa em maior ou menor escala.
Os Palácios foram construídos para abrigar corruptos, e hoje passado pouco mais de meio século estes passaram a ser os donos do País, não tendo mais lugar para políticos de bem.

29 de abril de 2012
Giulio Sanmartini

UM DEBATE NOS STATES: A TRAP FOR BLACKS - 2

Mr. Wells diz ter visto uma única vez uma mulher negra ser coroada Miss Brasil, Deise Nunes de Souza, em 1986. Ocorre que o Brasil não existe a partir de 1986. Em 1964, a carioca Vera Lúcia Couto dos Santos foi a primeira negra a ser eleita Miss Brasil. Verdade que foi bombardeada com telefonemas anônimos, alegando que uma preta não poderia ser Miss Brasil. Isso no Rio de Janeiro, Estado também de predominância negra e mulata. Mas foi eleita e eleita permaneceu. Cabe lembrar que Deise Nunes é gaúcha, pertence àquele mesmo Estado de maioria branca que elegeu Alceu Collares. E cabe ainda lembrar um episódio de flagrante racismo de parte da comunidade negra de Porto Alegre, ocorrido nos anos 80. Porto Alegre elegeu uma rainha do carnaval ... branca, para sua infelicidade. Os movimentos negros protestaram, alegando que o carnaval era uma festa negra e a rainha, portanto, tinha de ser negra. As pressões, que incluíram inclusive apedrejamento à casa da moça, foram tantas, que ela teve de renunciar ao cetro. Curiosamente, ninguém lembrou na época que o carnaval, em suas origens, nada tem a ver com negros ou África. É uma festa branca e romana.

“In several books about Brazil, it has been reported that Afro-Brazilians were barred from entering prestigious social clubs even when they had the money for the special membership fees”. A afirmativa merece algumas observações. Existiram clubes no Brasil, exclusivamente de negros ou brancos. Se nos clubes de brancos negro não entrava, a recíproca era verdadeira: no de negros, branco não entra. Desses clubes, o que hoje mais se destaca, é o bloco Ilê Aiyê, na Bahia, fundado em 1974, e que até hoje não admite brancos entre seus membros. Que mais não seja, clubes são entidades privadas, onde pessoas se reúnem com as pessoas que gostam de reunir-se. Se britânicos gostam de reunir-se entre britânicos, se homossexuais gostam de reunir-se entre homossexuais, não vamos condená-los por isso. Condenável seria, isto sim, barrar pessoas em lugares públicos por uma questão de cor.

A propósito, você afirma: “In the Frances Twine book, we find that black people were often times not allowed to walk on certain sides of the street!” Ora, Twine viveu apenas onze meses em uma pequena comunidade fluminense. (Melhor que onze semanas, é verdade, mesmo assim pouco concludente). Extrair conclusões genéricas a partir de tão curto período em uma comunidade isolada é confundir o universo com o círculo-de-dois-metros-de-diâmetro-em-torno-ao-próprio-nariz. Se por ventura em alguma época isso existiu naquela comunidade, não pode ser estendido ao Brasil, onde negros e brancos andam por onde bem entendem. Nada nem ninguém obriga, hoje, um negro a andar por este ou aquele lado da calçada. Não podemos julgar o Brasil contemporâneo a partir de hipotéticos fatos isolados de comunidades perdidas na geografia. Certos grupos, no Rio de Janeiro, costumam aplaudir o pôr-do-sol. Nem por isso vamos afirmar que no Brasil costuma-se aplaudir o pôr-do-sol. O que existe hoje são territórios inteiros onde nem negro nem branco pode entrar. São as reservas indígenas.

Os afrobrazilianistas têm produzido não poucos ensaios, onde o não-branco é automaticamente identificado com o negro. Na recente enxurrada de estudos acadêmicos sobre o Brasil, publicados nos Estados Unidos, talvez o historiador Jeffrey Lesser seja o único a ter uma visão abrangente e não racista da questão. Em Negotiating National Identity: Immigrants, Minorities and the Struggle for Ethnicity in Brazil, Lesser procura mostrar como outros grupos imigrantes não-brancos, em especial japoneses e árabes, participaram da construção de uma identidade brasileira. Segundo o viés racista dos afrobrazilianistas, o universo parece ter apenas duas cores, branco e preto.

Não procedem as afirmações de Mr. Wells de que ninguém tenha sido punido por racismo no Brasil.“How many white Brazilians do you know (and can prove) have been actually thrown in jail for racist practices? Most likely NONE! And as far as murder, I can relay several stories I have been told in which a black Brazilian was killed and absolutely NOTHING was done about it!” Você não pode citar um, ou três ou quatro casos como regra geral. Para começar, aqui em São Paulo (falo apenas da cidade de São Paulo), a cada fim-de-semana, são assassinadas entre 50 e 60 pessoas, entre brancos e negros, e assassino algum é punido. Há hoje, só no Estado de São Paulo, nada menos que 127 mil mandados de prisão a cumprir. Que não são cumpridos porque não há vagas nas penitenciárias. Ou seja, há 127 mil condenados – ou pelo menos indiciados – livres como passarinhos. Neste número não estão incluídos as dezenas de milhares de autores de crimes não elucidados. Impunidade não é característica de assassinos de negros, mas prática amplamente disseminada no Brasil.

Quanto a delitos raciais, uma rápida pesquisa nos jornais nos mostra casos interessantes. O Tribunal de Alçada de Minas Gerais, por exemplo, condenou uma senhora a indenizar seu vizinho em R$ 5.000,00, a titulo de danos morais. A referida senhora havia chamado seu vizinho, publicamente, de "macaco", "nego fedorento" e "urubu", ferindo a moral do ofendido. No Rio de Janeiro, o juiz da 7a. Vara Criminal condenou a dois anos de detenção, com sursis, uma empresária que teria se referido a uma candidata a emprego como "negrinha maltrapilha e sem modos”. O juiz da Infância e Adolescência de Florianópolis condenou menor que, em um jogo de futebol na escola, chamou o colega de "negro feio". O menor foi condenado a seis meses de liberdade assistida. São punições pesadas para uma ofensa verbal, que jamais seria punida se dirigida a um branco.

Enquanto isso, um cantor popular fez sucesso nacional no rádio e televisão com uma música intitulada Lôra Burra. Nenhum processo, nenhuma acusação de racismo, nenhuma condenação. Imagine, Mr. Wells, se alguém intitulasse alguma canção de “Nega Burra”. Seria imediatamente processado. Foi o que aconteceu com o cantor Tiririca, acusado de crime de racismo por causa da música "Veja os Cabelos Dela", que contém os versos “Essa nega fede / Fede de lascar”. Sobre o assunto, escreveu Henrique Cunha Júnior, professor titular da Universidade do Ceará: “se não bastassem os insultos e outros vexames impostos, temos ainda um boçal cantando no rádio que a nega fede, e nenhum dizer social de justiça ou de dignidade humana que proíba e puna este racismo”. O detalhe caricatural em tudo isto é que a música era dedicada à própria mulher do cantor, que nela não via intenção alguma de insulto, mas sim uma referência bem humorada.

O que venho afirmando, desde meu primeiro artigo, é que diplomas legais estão criando lutas raciais no Brasil. A lei nº 7.716, de 1989, que define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor, está sendo brandida a torto e a direito não para dirimir, mas para acirrar conflitos. Há cinco anos, numa prova de língua portuguesa no vestibular da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), ocorreu um caso caricatural deste novo tipo de racismo. As frases "ela é bonita, mas é negra" e "embora negra, ela é bonita" provocaram indignação de entidades ligadas aos direitos dos negros no Estado. O Instituto e Casa de Cultura Afro-Brasileira (Icab) ingressou com representação criminal junto ao Ministério Público Federal e registrou queixa na Secretaria da Segurança Pública, pedindo que fosse apurada denúncia de crime de racismo por parte da UFMS. O grupo Trabalhos e Estudo Zumbi (Tez) pediu a anulação da questão e uma retratação pública da UFMS. Para Aparício Xavier, presidente do Icab, a questão era uma aberração, feita para a época medieval. "Se eu estivesse fazendo a prova, a rasgaria e botaria fogo".

A partir de duas frases, o candidato deveria indicar as respostas corretas. Uma das respostas considerada certa afirmava que na frase "a" ("Ela é bonita, mas é negra") a cor da moça era argumento desfavorável à sua beleza. Outra resposta considerada correta, na frase "b" ("Embora negra, ela é bonita"), dizia que a cor da moça era uma restrição superável pela beleza. Para o presidente da Comissão Permanente de Vestibular, responsável pela elaboração da prova, Odonias Silva, a questão foi "uma escorregada infeliz". O presidente do Icab pediu ao chefe do Departamento de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, Ivair Augusto dos Santos, que oficializasse a indignação dos negros junto ao Grupo Interministerial da Presidência da República pela Valorização da População Negra, criado pelo presidente Fernando Henrique. Tanto o Icab como o Grupo Tez pediram uma indenização por danos morais.

A nenhum representante de entidades ou professor ou reitor ocorreu lembrar que, se alguém quisesse queimar e rasgar a provas em razão da frase, teria de começar rasgando e queimando a Bíblia. Pois lá está, na abertura de seu mais belo livro, o Cântico dos Cânticos: “Eu sou negra, mas formosa, ó filhas de Jerusalém, como as tendas de Quedar, como as cortinas de Salomão”. Vamos à Vulgata Latina, tradução da qual deriva a maior parte das traduções atuais. Lá está: nigra sum, sed formosa. A Vulgata, por sua vez, deriva da tradução dos Septuaginta — feita a partir do original hebraico — onde está, em grego: Melaina eimi kai kale.

Durante o governo passado, a Associação Brasileira de Negros Progressistas ingressou com uma representação ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a abertura de processo contra o ministro da Saúde, José Serra, por racismo. Questionava-se a escolha de uma atriz negra para a campanha de prevenção à Aids no carnaval, na qual a moça pede que seu último parceiro faça o teste de HIV. Para a entidade, a mulher negra foi ofendida ao ser exposta no anúncio como prostituta. O Ministério da Saúde reage: a atriz foi escolhida entre trinta candidatas, grupo que incluía louras, morenas e negras. Só teria ocorrido racismo se a melhor candidata não pudesse estrelar a campanha pelo fato de ser negra.

Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come. Não fosse a modelo negra a escolhida no concurso, este poderia ser contestado por dar preferência a brancas. Curiosamente, não ocorreu aos sedizentes negros progressistas perguntar o que achava do assunto a principal interessada, a atriz Carla Leite. Que de modo algum se sentiu inferiorizada. "Pelo contrário, tenho orgulho de ter passado uma mensagem importante, por mais que haja polêmica", disse Carla. Ao que tudo indica, não existe prostituta negra no Brasil. O diretor de Comunicação da Associação Brasileira de Negros Progressistas, Aguinaldo Triumpho Avellar, alega que os negros deveriam ser consultados sobre o teor do comercial. Assim, cada atriz negra que quiser trabalhar, terá de pedir prévia licença aos negros progressistas para saber se pode ou não candidatar-se a determinado papel.

Ainda em Florianópolis, aquela mesma cidade onde um menor foi condenado por chamar um colega de negro feio, ocorreu caso que bem demonstra o absurdo das leis anti-racismo. Uma trintena de funcionários foi demitida de uma empresa para-estatal. Um deles era negro. Entrou com ação por racismo. Foi reintegrado ao cargo e recebeu gorda indenização. Os demais funcionários, pela desgraça de serem brancos, ficaram a ver navios. Mas o caso mais caricatural desta histeria ocorreu em Brasília. Onde um negro já foi para a cadeia por ter chamado outro negro... de negro.

Como os conflitos raciais no Brasil jamais foram tão intensos como nos Estados Unidos, os sedizentes negros progressistas tupiniquins estão fazendo o que podem para que possamos atingir os invejáveis níveis de ódio racial de um país de Primeiro Mundo. Para isto, contam com o valioso apoio desta nova geração de ativistas formados nas universidades americanas nas últimas décadas. Em vez dos apparatchiks soviéticos, temos agora uma fábrica acadêmica de racismo, os centros de black studies. Com arrogância típica de cidadãos do império, os afrobrazilianistas ianques pretendem entender melhor o Brasil do que os próprios brasileiros.

O país está deslizando em um declive perigoso, criando leis diferentes para diferentes pessoas. Índios já gozam de um estatuto especial. Podem matar à vontade, como Raoni. Ou estuprar com gosto, como Paiakan. Não podem ir para a cadeia, são índios. Negro pode entrar na universidade passando na frente de brancos com melhor habilitação no vestibular. Podem também insultar brancos, isto não é crime. Crime é insultar negro. Luta de classes morta, luta racial posta. Parafraseando os marxistas: o ódio é o fórceps da História.
29 de abril de 2012
janer cristaldo

* Debate na revista Brazzil (www.brazzil.com), Los Angeles – abril 2003

UM DEBATE NOS STATES: A TRAP FOR BLACKS - 1


Em resposta a artigos que publiquei nesta revista, Brazzil, leio uma prolixa contestação de um acadêmico da Universidade de Michigan. Por apreço à síntese e ao leitor, tentarei ser breve. Não vou entrar na discussão de DNA ou fenótipos. Seria cair na armadilha da discussão sobre raça, conceito que até hoje não se conseguiu definir. Minha proposição inicial foi discutir racismo e leis que estimulam o racismo, o que é muito diferente. Se raça é algo impossível de determinar, racismo é algo muito palpável, e contamina tanto brancos como negros. Por um lado, a idéia de fenótipos é o caminho mais curto até sistemas como o nazista. Por outro, em nada me interessa que fenótipos portam as pessoas que me rodeiam. Tampouco vou responder, ponto a ponto, todas as objeções. Doze mil palavras é formato que não condiz com meu estilo. Vou me ater, nesta réplica, a alguns itens sobre este país em que nasci e vivo.

Mark Wells, militante da nova ideologia afrobrazilianista ianque, começa citando o doutor e sociológo Raimundo Nina Rodrigues: "the black race of Brazil... will always constitute one of the factors of our inferiority as a people”. Para começar, o tenho por etnológo e não sociólogo, mas isto é o de menos. Tal afirmação não corresponde ao que um brasileiro pensa sobre as populações negras no Brasil. Não tendo nunca os negros empunhado o poder político e administrativo da nação, jamais poderiam ter sido responsáveis por qualquer suposta inferioridade do país. Esta tese é de um racismo insólito, só concebível no bestunto de um acadêmico isolado em torre de marfim. O homem do povo, que vive e trabalha ombro a ombro com negros e mulatos, não pensa assim. Se inferioridade há, esta deve ser debitada aos brancos, que sempre tiveram o poder em mãos. Há quem afirme, isto sim, que nossas mazelas decorrem de termos sido colonizados por portugueses, e não por holandeses ou franceses. É possível. Mas história alternativa é disciplina espúria, que nada tem de rigor. Prefiro outra tese: nossas desgraças decorrem de termos sido colonizados por católicos. País protestante ou luterano, de modo geral, é sempre rico.

Cabe lembrar que Nina Rodrigues foi influenciado pelas idéias do conde de Gobineau, um dos precursores do racismo nazista, que esteve no Brasil entre 1869 e 1870. Este nobre francês aventou a exótica idéia de que a mistura de raças acabaria levando à pura e simples extinção da população brasileira. O médico baiano deixou-se deslumbrar pelo discurso da aristocracia gálica e considerou que toda e qualquer miscigenação resultaria inevitavelmente em desequilíbrio mental e degenerescência. Nina Rodrigues foi incumbido de analisar o crânio de Antônio Conselheiro. Considerou que, em se tratando de um mestiço, o morto era muito suspeito de ser degenerado. Você não pode, de forma alguma, Mr. Wells, interpretar a realidade brasileira a partir de considerações de um pensador racista influenciado por um precursor do nazismo. Seria como pedir a Hitler um parecer sobre a questão judia.

Mr. Wells afirma, citando pesquisa da Fapesp, que “the term pardo was developed as a way for the Brazilian government to hide the fact that it had such a high proportion of African descent people”. A afirmação é vaga. Qual governo? Em que época? Quais documentos baseiam tal afirmação? O autor da pesquisa citada não fornece nenhuma base documental à sua tese. É uma afirmação apoiada no vazio, o que depõe contra as qualificações acadêmicas exibidas pelo articulista. Pardo ou mulato quer dizer a mesma coisa e mulato é palavra antiga. Se você apanhar um Larousse, lá está: “Mulâtre, mulâtresse: homme ou femme de couleur, nés d'un Noir et d'une Blanche”. A palavra vem do espanhol e data de 1544. Vamos ao dicionário de Marina Moliner: “se aplica al mestizo hijo de blanco y negro”. A distinção entre negro e mestiço não foi criada por governo brasileiro algum. Ela já existia há séculos em outras culturas.

Machado de Assis, o patrono da literatura brasileira, sempre foi considerado mulato. Estamos no século XIX. Os historiadores da literatura não o situam como negro, por uma simples razão: não era negro. É salutar que esta distinção seja feita, pois a fenômenos diferentes cabem denominações diferentes. Mesmo mulato, Machado conquistou a admiração da intelectualidade branca e universitária, como também um outro seu coetâneo, Lima Barreto. Estranho país racista este nosso, onde o vulto maior da Letras nacionais é um mulato.

Mr. Wells tem razão ao citar pesquisa do Censo mostrando que “the state of Bahia is approximately 25 percent white, 20 percent black and 55 percent mulato”. Folgo em saber que, pelo menos para efeito de argumentação, você aceita as definições do censo. Penintencio-me por ter afirmado “a definite black majority”. Seria mais preciso se dissesse “uma maioria de pretos e mulatos”. Mas isto não muda em nada o mérito da questão. O que afirmei é que o Estado da Bahia jamais fez um governador negro. Mesmo com o mais alto percentual de negros do país, com o mais alto contingente de negros e mulatos somados e com uma minoria de 25% de brancos. Ou seja, o eleitorado baiano é composto por três quartos de eleitores de cor. Porque só elege brancos? Para ativistas que tudo vêem sob a ótica do racismo, a resposta é constrangedora. Teriam pretos e mulatos preconceitos contra candidatos pretos e mulatos? Aliás, esta parece ser a característica fundamental dos negros que fizeram sucesso no futebol brasileiro. Tão logo se tornam ricos, escolhem loiras como suas mulheres.

Já no Rio Grande do Sul, Estado majoritariamente branco, tivemos o negro Alceu Collares eleito governador, em 1990. Você afirma: “It's also funny that you should mention Alceu Collares being elected governor. In 1993, in Vitória, state of Espírito Santo, a 19-year old black female college student named Ana Flávia Peçanha de Azeredo was assaulted and punched in the face by a 40-year old white woman and her 18-year old son over the use of an elevator in an apartment complex”. Ora, você não pode comparar um fait divers da crônica policial com a vontade de um eleitorado de nove milhões de habitantes (na época). Pesquisando melhor, é possível que você encontre mais casos semelhantes. Digamos que encontre dez, ou mesmo vinte. Não podem ser comparados à vontade de uma população de nove milhões, que tinha de escolher entre um candidato negro e dois outros brancos, e escolheu o negro. Collares, diga-se de passagem, tão logo tornou-se governador, teve a mesma atitude dos atletas negros. Trocou a fiel e negra Antônia que o acompanhara nos anos de vacas magras por uma loiríssima secretária.

“In Brazil, still today, maids must use the back service elevator while residents use public elevators”. Sua afirmação parece provir de quem conhece extensivamente o país todo, e não a de um pesquisador que esteve onze semanas na Bahia. Tivesse saído do gueto, veria por exemplo, que em todos os elevadores de São Paulo está afixada a transcrição de uma lei: "É vedado, sob pena de multa, qualquer discriminação em virtude de raça, sexo, cor, origem, condição social, porte ou presença de deficiência física e doença não contagiosa por contato social no acesso aos elevadores”.Você não encontrou este aviso na Bahia? Se não encontrou, é porque a Bahia, com seus 75 % de negros e mulatos, está ainda muito atrasada em matérias de leis contra a discriminação.

“With this in mind, let us also remember this when we walk the streets of Bahia (a 75 percent black state) and never see a black face on the cover of a magazine (except for Raça Brasil) or rarely see a black face on Brazilian television (except as criminals, maids, pagodeiros, futebol players). Com esta afirmação, você confirma minha antiga suspeita que a Bahia é um Estado onde o negro é racista em relação ao negro. Venha a São Paulo, onde a proporção negra é bem menor, e verá negros e negras como âncoras de televisão, animadores de programas, repórteres, redatores e colunistas em jornais. São Paulo, com seus mais de dez milhões de habitantes, é, ao lado do México, uma das maiores metrópoles latino-americanas. Ainda recentemente, teve como prefeito Celso Pitta, cidadão negro eleito em concorrência a candidatos brancos. (Saiu do governo com a pecha de corrupto, mas isto é outra história).

Mais recentemente, tivemos uma governadora negra no Rio, hoje ministra em Brasília. Você não pode afirmar, de forma alguma, que a televisão brasileira só mostra faces pretas quando se trata de “criminals, maids, pagodeiros, futebol players”. Ano passado, eu participava de uma festa em um condomínio de luxo (essas cidadelas fortificadas onde ricos – sejam brancos, sejam negros – se protegem da violência que toma conta do país) e, em dado momento, vi os participantes todos da festa, brancos e negros, se apertando para sair na foto junto a um negro. Como quase não assisto a televisão nacional, não imaginava de quem se tratasse. Soube mais tarde que era Nettinho, um dos mais famosos apresentadores do país.

Mas você ainda afirma: “It is truly a shame that in the year 2003 people continue to use Brazilian entertainers and athletes such as Pelé to try and down play the effects of racism in society. Many people use this same logic in the US. Just because you allow a black person to entertain you doesn't necessarily mean you would like for a person who looks like them to be your neighbor, marry your daughter or be president of your country”. Pode ser que assim seja nos Estados Unidos. Aqui, não. Os negros estão representados na Câmara de Deputados e no Senado, nas Câmaras de Vereadores e nos Ministérios, na magistratura, na universidade e na imprensa. Constituem minoria? É porque não contam sequer com o voto do grande contingente negro e mulato do país, pois neste país as eleições são livres e negros e mulatos votam. E até é bom que assim seja. A maior desgraça com que poderíamos ser brindados seria ter partidos baseados em raça. A idéia de que negro só vota em negro já roçou as mentes tupiniquins. Por enquanto, pelo menos, esta semente de nazismo foi esconjurada.

Os negros são nossos vizinhos e casam com nossas filhas, sim senhor! Ou não teríamos uma população de quase 40% de mestiços. Há famílias que têm restrições a casamentos inter-raciais? E por que não? Alguma lei proíbe que uma família tenha preferências em relação a seus filhos? De qualquer forma, não vivemos em um país feudal, onde a vontade soberana do pater familias determina o destino dos filhos. Quanto a ser presidente da República, nada impede um negro de candidatar-se à suprema magistratura e tenho a firme convicção de que, mais dia menos dia, teremos um presidente negro. A este operário branco de extrema incultura que o país hoje elegeu, eu me sentiria muito melhor servido por um presidente negro que tivesse maiores luzes e experiência administrativa. A cor do presidente não me interessa. Interessa-me sua competência.

Você cita a participação de João Batista de Lacerda, em 1911, no I Congresso Universal das Raças, em Londres. Segundo o médico brasileiro, em um século de miscigenação, “black people would ultimately disappear from Brazilian society”. Sabemos que Lacerda ilustrou sua tese com o quadro A redenção de Can, de Modesto Brocos y Gomes, que pretendia registrar esse branqueamento mostrando como o cruzamento dos negros e seus mestiços com brancos diluía o sangue africano, gerando descendentes claros. Pela denominação do Congresso, você já pode deduzir que se vivia uma época em que o conceito de raça gozava de estatuto científico, o que hoje não mais se admite. No quadro de Brocos y Gomes, havia uma negra velha em gesto de preito, ao lado de uma mulata clara, mais um homem de traços ibéricos e uma criança, supostamente filha do casal, de pele clara, mostrando a progressão do negro ao branco. Ora, a obra de um pintor não pode ser fundamentação para quem pretende demonstrar uma tese na área de genética.

Citar Lacerda é o mesmo que citar o protonazista Nina Rodrigues. Se Gobineau – o guru de Nina Rodrigues – afirmava que a mistura de raças acabaria levando à pura e simples extinção da população brasileira, Lacerda é mais modesto: será extinta apenas a população negra. Não podemos hoje, em pleno século XXI, dar ouvidos a teorias desvairadas do século XIX, que aliás se revelaram em contramão da realidade. Ao afirmar que “Brazil's leaders chose to try and mix the African blood right out of the country” você está aceitando teorias conspiratórias que jamais existiram, exceto talvez na cabeça de algum racista – e estes sim existem. Mas nada, em sã consciência, autoriza alguém a afirmar que sejam os líderes brasileiros os responsáveis por esta teoria. Quem são esses líderes responsáveis por tão maquiavélica estratégia? Eu os desconheço. Quem defendeu quase histericamente a miscigenação, nos últimos anos, foi Darcy Ribeiro. Mas em defesa da negritude e não como instrumento de extinção do negro.

Em O Presidente Negro (1926), Monteiro Lobato, ciente das teses de Nina Rodrigues e Batista Lacerda, satiriza uma cientista americana, Miss Jane, que afirma ser o ódio a mais profunda das profilaxias. Impede que uma raça se desnature, descristalize a outra e conserva ambas em um estado de relativa pureza. “O amor matou no Brasil a possibilidade de uma suprema expressão biológica. O ódio criou na América a glória do eugenismo humano”. Não por acaso, o autor coloca na boca de uma norte-americana esta tese estapafúrdia. Brasileiros, dispensamos este ódio purificador.
29 de abril de 2012
janer cristaldo

GOLPE DE ESTADO


UMA PROPOSTA ASSUSTADORA E A REVOLTA DOS INATIVO


A REVOLUÇÃO DOS BICHOS - CAPÍTULO FINAL

CAPÍTULO X

Passaram-se anos. As estações vinham, passavam e a curta vida dos bichos se consumia. Tempo chegou em que ninguém mais se lembrava de antes da Revolução, com exceção de Quitéria, Benjamim, o corvo Moisés e alguns porcos.

Maricota morreu; Ferrabrás, Lulu e Cata-vento morreram. Jones também morreu num asilo de alcoólatras, noutra cidade. Bola-de-Neve fora esquecido. Sansão também, exceto pelos poucos que o haviam conhecido. Quitéria era agora uma égua velha, corpulenta, com os olhos atacados pela catarata. Já ultrapassara de dois anos a idade de aposentadoria. Aquela história de reservar um pedaço de campo para os animais idosos não era mais nem mencionada. Napoleão tornara-se um cachaço madurão de uns cento e cinqüenta quilos. Garganta estava tão gordo que mal conseguia abrir os olhos. Somente Benjamim continuava o mesmo, apenas de focinho um pouco mais grisalho e, desde a morte de Sansão, mais rabugento e taciturno do que nunca.

Agora existiam muito mais criaturas na granja embora o índice de crescimento não fosse aquele que esperavam nos primeiros anos. Haviam nascido muitos animais, para os quais a Revolução não passava de uma obscura tradição transmitida verbalmente, e outros que nem sequer tinham ouvido falar coisa nenhuma a respeito. A granja contava agora com três cavalos além de Quitéria. Eram bichos formidáveis, trabalhadores incansáveis, bons camaradas mas muito estúpidos. Nenhum se mostrou capaz de aprender o alfabeto além da letra B. Aceitavam tudo quanto lhes era dito a respeito da Revolução e dos princípios do Animalismo, especialmente por Quitéria a quem dedicavam um respeito filial, mas era duvidoso que entendessem lá grande coisa.

A granja prosperava e estava mais bem organizada; fora até aumentada pela compra de dois tratos de terra ao Sr. Pilkington. O moinho de vento afinal, fora concluído com êxito e a granja possuía uma debulhadeira e um elevador de feno próprio, e construções novas se haviam erguido. Whymper comprara uma aranha. O moinho de vento, entretanto, não era usado para gerar energia elétrica. Usavam-no para moer cereais, coisa que dava bom dinheiro. Os animais estavam a braços com a construção de outro moinho de vento; quando este estivesse concluído, dizia-se, seriam instalados os dínamos. Mas naquele luxo de que Bola-de-Neve lhes falara certa vez, baias com luz elétrica e água quente e fria, e na semana de três dias, não se falava mais. Napoleão denunciara tais idéias como contrárias aos princípios do Animalismo. A verdadeira felicidade, dizia ele, estava em trabalhar bastante e viver frugalmente.

De certa maneira, parecia como se a granja se houvesse tornado rica sem que nenhum animal tivesse enriquecido - exceto, é claro, os porcos e os cachorros. Talvez isso acontecesse por haver tantos porcos e tantos cachorros. Não que esses animais não trabalhassem, à sua moda. Garganta nunca se cansava de explicar que havia um trabalho insano na ação de supervisionar e organizar a granja. Grande parte desse trabalho era de natureza tal que estava além da ignorância dos bichos. Tentando explicar, Garganta dizia-lhes que os porcos despendiam diariamente enormes esforços com coisas misteriosas chamadas "arquivos", "relatórios", "minutas" e "memorandos". Eram grandes folhas de papel que precisavam ser miudamente cobertas com escritas e, logo depois, queimadas no forno.

Era tudo da mais alta importância para o bem-estar da granja, dizia Garganta. A verdade é que nem os porcos nem os cachorros produziam um só grama de alimento com o seu trabalho; e havia um bocado deles, com o apetite sempre em forma.

Quanto aos outros, sua vida, ao que sabiam, continuava a mesma. Geralmente andavam com fome, dormiam em camas de palha, bebiam égua no açude e trabalhavam no campo; no inverno, sofriam com o frio; no verão, com as moscas.

De vez em quando, os mais idosos rebuscavam a apagada memória e tentavam determinar se nos primeiros dias da Revolução, logo após a expulsão de Jones, as coisas haviam sido melhores ou piores do que agora. Não conseguiam lembrar-se. Nada havia com que estabelecer comparação: não tinham em que basear-se, exceto as estatísticas de Garganta, que

invariavelmente provavam estar tudo cada vez melhor. Os bichos consideravam o problema insolúvel; de qualquer maneira, dispunham de muito pouco tempo para essas especulações. Apenas o velho Benjamim afirmava lembrar-se de cada detalhe de sua longa vida e saber que as coisas nunca haviam estado e nunca haveriam de ficar nem muito melhor nem muito pior, sendo a fome, o cansaço e a decepção, assim dizia, a lei imutável da vida.

Mesmo assim os bichos nunca perdiam a esperança. Mais ainda, jamais lhes faltava, nem por instantes, o sentimento de honra pelo privilégio de serem membros da Granja dos Bichos que continuava ser a única em todo o condado - em toda a Inglaterra! - de propriedade dos animais e por eles administrada. Nenhum deles, nem mesmo os mais moços, nem mesmo os chegados de outras granjas, situadas algumas a dez ou vinte quilômetros de distância, jamais deixaram de maravilhar-se com isto. E quando ouviam o tiro da espingarda e viam a bandeira flutuando no topo do mastro, seu coração se inchava de orgulho e a conversa passava a girar em torno dos históricos dias de antanho, da expulsão de Jones, da inscrição dos Sete Mandamentos, das grandes batalhas em que os invasores humanos haviam sido derrotados.

Nenhum dos antigos sonhos fora abandonado. A República dos Bichos, que o velho Major havia previsto, quando os verdes campos da Inglaterra não mais seriam pisados pelos pés humanos, era coisa em que ainda acreditavam. O dia havia de chegar. Podia ser mais cedo ou mais tarde, talvez não acontecesse durante a vida de qualquer dos animais de então, mas havia de chegar. Até a melodia de Bichos da Inglaterra talvez fosse cantarolada secretamente aqui e ali; de qualquer maneira, a verdade é que cada bicho da granja a conhecia, embora nenhum tivesse coragem de cantá-la em voz alta.

Talvez fosse verdade que a vida era difícil e que nem todas as suas esperanças se haviam concretizado; mas tinham a consciência de não serem iguais aos outros animais. Se tinham fome, não era por alimentarem alguns tirânicos seres humanos; se trabalhavam arduamente, pelo menos trabalhavam em seu próprio benefício.

Nenhuma criatura dentre eles andava sobre duas pernas. Nenhuma criatura era "dona" de outra. Todos os bichos eram iguais.

Certo dia, no início do verão, Garganta mandou que as ovelhas o seguissem e levou-as para um campo situado nos confins da granja, que fora tomado de brotação de vidoeiro. As ovelhas passaram o dia inteiro roendo as brotações, sob a supervisão de Garganta. À noite, ele regressou à granja, mas, como disse às ovelhas que permanecessem lá, terminaram ficando a semana toda durante a qual os outros bichos nem as enxergavam. Garganta passava com elas a maior parte do dia. Estava, explicou, ensinando-lhes uma nova canção para a qual precisava de certo sigilo.

Foi logo após o retorno das ovelhas, numa noite agradável, quando os bichos haviam terminado seu trabalho e regressavam à granja, que se ouviu, vindo do pátio, um relinchar horripilante. Arrepiados os animais estacaram. Era a voz de Quitéria. Ela relinchou outra vez e os bichos dispararam a galope para o pátio. Viram, então, o que ela havia visto. Um porco caminhava sobre as duas patas traseiras. Sim, era Garganta. Um tanto desajeitado devido à falta de prática em manter seu volume naquela posição, mas em perfeito equilíbrio, passeava pelo pátio. Momentos depois, saiu pela porta da casa uma comprida coluna de porcos, todos caminhando sobre as patas de trás.

Uns melhor que os outros, um ou dois até meio desequilibrados e dando a impressão de que apreciariam o apoio de uma bengala, mas todos fizeram a volta ao pátio bastante bem. Finalmente houve um alarido dos cachorros, ouviu-se o cocoricó esganiçado do garnisé e emergiu Napoleão, majestosamente, desempenado, largando olhares arrogantes para os lados, com os cachorros brincando à sua volta. Trazia nas mãos um chicote.

Houve um silêncio mortal. Surpresos, aterrorizados, uns junto aos outros, os bichos olhavam a fila de porcos marchar lentamente em redor do pátio. Pareceu-lhes enxergar o mundo de cabeça para baixo.

Então veio um momento em que, passado o choque e a despeito de tudo - a despeito do terror dos cachorros e do hábito, arraigado após tantos anos, de nunca se queixarem, nunca criticarem, pouco importava o que sucedesse -, poderiam lançar uma palavra de protesto.

Porém, exatamente nesse instante, como se obedecessem a um sinal combinado, as ovelhas, em uníssono, estrondaram num espetacular balido: - Quatro pernas bom, duas pernas melhor! Quatro pernas bom, duas pernas melhor! Quatro pernas bom, duas pernas melhor!

Baliram durante cinco minutos sem cessar. E, quando se calaram, fora-se a oportunidade da palavra de protesto, pois os porcos já haviam voltado para dentro da casa.

Benjamim sentiu um focinho esfregar-lhe o ombro. Era Quitéria. Seus olhos pareciam mais encobertos que nunca. Sem dizer palavra, ela o puxou delicadamente pela crina, levando-o até o fundo do grande celeiro, onde estavam escritos os Sete Mandamentos. Durante um ou dois minutos ficaram olhando a parede alcatroada com o grande letreiro branco.

Minha vista está falhando - disse ela finalmente. - Mesmo quando eu era moça não conseguia ler o que estava escrito aí. Mas parece-me agora que a parede está meio diferente.

Os Sete Mandamentos são os mesmos de sempre, Benjamim?

Pela primeira vez, Benjamim consentiu em quebrar sua norma, e leu para ela o que estava escrito na parede.

Nada havia, agora, senão um único Mandamento dizendo:

TODOS OS ANIMAIS SÃO IGUAIS

MAS ALGUNS ANIMAIS SÃO MAIS


Depois disso, não foi de estranhar que, no dia seguinte, os porcos que supervisionavam o trabalho da granja andassem com chicotes nas patas. Nem estranharam ao saber que os porcos haviam comprado um aparelho de rádio, que estavam tratando da instalação de um telefone e da assinatura de jornais e revistas.

Não estranharam quando Napoleão foi visto passear nos jardins da casa com um cachimbo na mão, nem quando os porcos se assenhorearam das roupas do Sr. Jones e passaram a usá-las, sendo que Napoleão apresentou-se vestindo um casaco negro, calças de caçador e perneiras de couro, enquanto sua porca favorita surgia com o vestido de seda que a Sra. Jones usava aos domingos.

Uma semana mais tarde, após o meio-dia, apareceram numerosas charretes subindo rumo à granja. Uma representação de granjeiros vizinhos fora convidada a realizar uma visita de inspeção. Toda granja lhes foi mostrada e eles expressaram admiração por tudo quanto viram, especialmente pelo moinho de vento.

Os bichos estavam limpando a lavoura de nabos. Trabalhavam diligentemente, mal levantando o olhar do chão e sem saber a quem temer mais, se os porcos, se os visitantes humanos.

Naquela noite, altas risadas e cantorias chegaram da casa. Lá pelas tantas, ante o som das vozes misturadas, os bichos encheram-se de curiosidade. Que estaria acontecendo lá dentro, agora que, pela primeira vez, encontravam-se em teremos de igualdade os animais e os seres humanos?

Pensando todos a mesma coisa, dirigiram-se furtivamente para o jardim da casa. No portão titubearam, um tanto temerosos, mas Quitéria deu o exemplo e entrou. Andaram, pé ante pé, até a casa, e os mais altos espiaram pela janela da sala de jantar. Lá dentro, em volta de uma mesa grande, estavam sentados meia dúzia de granjeiros e meia dúzia de porcos dentre os mais eminentes, Napoleão no lugar de honra, à cabeceira.

Os porcos pareciam perfeitamente à vontade em suas cadeiras.

O grupo estivera jogando cartas, mas havia interrompido o jogo por instantes, evidentemente para os brindes. Um grande jarro circulava e os copos se enchiam de cerveja. Ninguém notou as caras admiradas dos bichos, que espiavam pela janela.

O Sr. Pilkington, de Foxwood, levantara-se com o copo na mão. Disse que ia convidar os presentes para um brinde. Mas, antes, desejava dizer algumas palavras, que julgava de seu dever pronunciar.

Era motivo de grande satisfação para ele - e tinha certeza de que falava por todos os demais - sentir que o longo período de desconfianças e desentendimentos chegara ao fim. Tempo houvera - não que ele ou qualquer dos presentes tivesse pensado dessa maneira -, mas tempo houvera em que os respeitáveis proprietários da Granja dos Bichos haviam sido olhados, não diria com hostilidade, mas com uma certa apreensão, por seus vizinhos humanos. Ocorreram incidentes desagradáveis e idéias errôneas haviam circulado.

Parecera a muitos que a existência de uma granja pertencente a animais e por eles administrada era coisa um tanto fora do comum e poderia vir a causar transtornos à vizinhança.

Muitos granjeiros supuseram, sem as verificações devidas, que em tal granja prevaleceria um espírito de licensiosidade e indisciplina. Haviam-se preocupado com o efeito de tudo isso sobre seus próprios animais e, até mesmo, sobre seus empregados humanos. Mas todas essas dúvidas estavam agora dissipadas. Hoje ele e seus companheiros haviam visitado a Granja dos Bichos, inspecionando cada metro quadrado com seus próprios olhos, e que haviam encontrado? Não apenas métodos dos mais modernos, mas uma ordem e uma disciplina que podiam servir de exemplo. Julgava poder afirmar que os animais inferiores da Granja dos Bichos trabalhavam mais e recebiam menos comida do que quaisquer outros animais do condado. Para falar a verdade, ele e seus companheiros de visita haviam visto, naquele dia, muita coisa que pretendiam introduzir imediatamente em suas próprias granjas.

Finalizaria suas palavras, continuou, assinalando mais uma vez os sentimentos de amizade, que prevaleciam e deviam prevalecer entre a Granja dos Bichos e seus vizinhos. Entre os porcos e os seres humanos não havia, e eram inteiramente inadmissíveis quaisquer conflitos de interesses. Suas lutas e suas dificuldades eram uma só. Pois o trabalho não constituía o mesmo problema em toda parte? A essa altura evidenciou-se que o Sr. Pilkington pretendia soltar para a platéia algum dito espirituoso, mas por alguns momentos pareceu por demais dominado pelo gozo da própria piada, para poder dizê-la. Depois de muita

sufocação, que deixou vermelhos os seus vários queixos, ele conseguiu largá-la: "Se os senhores têm que lutar com os seus animais inferiores, nós temos as nossas classes inferiores". Este bon mot causou sensação na mesa, e o Sr. Pilkington novamente felicitou os porcos pelas baixas rações, pelas muitas horas de trabalho e pela ausência geral de tolerância que observara na Granja dos Bichos.

E agora, disse finalmente, convidava o grupo a levantar-se e verificar se os copos estavam cheios. - Senhores - concluiu o Sr. Pilkington - proponho um brinde: À prosperidade da Granja dos Bichos!

Houve uma entusiástica saudação e depois muitas palmas. Napoleão ficou tão emocionado que deixou seu lugar e deu a volta à mesa para tocar com seu copo o do Sr. Pilkington, antes de esvazia-lo. Quando as felicitações acabaram, Napoleão, que permanecera de pé, disse que iria também proferir algumas palavras.

Como todos os discursos de Napoleão, aquele foi curto e direto ao assunto. Também ele, disse, alegrava-se de que o período de desentendimentos tivesse chegado ao fim. Por longo tempo houve rumores - inventados, acreditava, e tinha razões para isso, por algum inimigo mal-intencionado - de que havia algo de subversivo e mesmo de revolucionário nos pontos de vista seus e de seus companheiros.

Tinham passado por desejosos de fomentar a rebelião entre os animais das granjas vizinhas. Nada podia estar mais longe da verdade! Seu único desejo, agora como no passado era viver em paz e gozando de relações normais com os seus vizinhos. Aquela granja que ele tinha a honra governar, acrescentou, era um empreendimento cooperativo. As escrituras que estavam em seu poder conferiam a posse a todos os porcos. Não acreditava que ainda restassem quaisquer das velhas suspeitas, mas certas modificações na rotina da granja haviam sido introduzidas com o fito de promover uma confiança ainda maior. Até aquele momento os bichos haviam conservado o hábito imbecil de dirigirem-se uns aos outros pela alcunha de "camarada". Isso ia acabar. Existira também o costume insólito, cuja origem era desconhecida, de marchar aos domingos, desfilando frente a uma caveira de porco pregada num poste. Isso também ia acabar, e a caveira já for a enterrada. Os visitantes com certeza teriam observado também a bandeira verde que tremulava no poste. Nesse caso teriam notado que as antigas figuras do chifre e da ferradura, em branco, haviam sido suprimidas. Daí por diante seria uma bandeira puramente verde.

Tinha apenas um reparo, disse, a fazer ao excelente discurso, bem próprio de um bom vizinho, do Sr. Pilkington.

O Sr. Pilkington referira-se o tempo todo à "Granja dos Bichos". Naturalmente ele não podia saber - mesmo porque Napoleão o estava proclamando, naquele instante, pela primeira vez - que a denominação "Granja dos Bichos" for a abolida. A partir daquele momento, sua granja voltaria a ser conhecida como "Granja do Solar", que, aliás, parecia-lhe, era seu nome correto e original.

Senhores - concluiu Napoleão , levantarei o mesmo brinde, mas sob forma diferente. Encham, até a borda, seus copos. Senhores, este é o meu brinde. À prosperidade da Granja do Solar!

Houve as mesmas calorosas felicitações de antes, e os copos foram esvaziados. Mas aos olhos dos bichos, que lá de fora a espiavam, pareceu que algo estranho estava acontecendo. Que diabo teria alterado a cara dos porcos? Os olhos embaçados de Quitéria iam de uma cara para outra. Algumas tinham cinco queixos, outras quatro, outras três. Mas alguma coisa parecia misturá-las e modificá-las. Então, findos os aplausos, o grupo pegou novamente nas cartas, reencetando o jogo interrompido, e os animais afastaram-se silenciosamente.

Não haviam, porém, chegado sequer a vinte metros quando se detiveram, ante o vozerio alto que vinha lá de dentro. Voltaram correndo e tornaram a espiar pela janela.

Realmente, era uma discussão violenta. Gritos, socos na mesa, olhares suspeitos, furiosas negativas. A origem do caso, ao que parecia, fora o fato de Napoleão e o Sr. Pilkington haverem, ao mesmo tempo, jogado um ás de espadas.

Doze vozes gritavam cheias de ódio e eram todas iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco.

Sansão era a admiração de todos. Já era trabalhador no tempo de Jones; agora, como que valia por três. Dias houve em que todo trabalho da granja parecia recair sobre seus fortes ombros. Da manhã à noite lá estava ele, puxando e empurrando, sempre, no lugar onde o trabalho era mais pesado. Fizera um trato com um dos galos para ser chamado meia hora mais cedo que os demais, todas as manhãs, e empregava esse tempo em trabalho voluntário no que parecesse mais necessário. Sua solução para cada problema, para cada contratempo, era "Trabalharei mais ainda", frase que adotara como seu lema particular.

29 DE ABRIL DE 2012