Delator do esquema de venda de pareceres descoberto na Operação Porto Seguro, da Polícia Federal (PF), o ex-auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU) em São Paulo Cyonil da Cunha de Borges de Faria Júnior citou em depoimento à polícia que o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu tinha interesse no processo do TCU que investigava a conduta da empresa Tecondi.
A firma usava instalações portuárias que não estavam previstas na concorrência inicial feita em 1998 pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), e, por isso, era alvo da ação do TCU. Cyonil disse ter recebido oferta de R$ 300 mil para emitir um parecer favorável à empresa, dos quais R$ 100 mil chegaram a ser pagos.
Em depoimento prestado na Superintendência Regional da Polícia Federal em São Paulo, em julho do ano passado, o servidor foi perguntado pelo delegado responsável pelo inquérito, Ricardo Hiroshi Ishida, se teria algum outro nome envolvido nos fatos investigados além dos irmãos Paulo e Rubens Vieira, e do dono da Tecondi, Carlos Cesar Floriano. Nessa hora, Cyonil deu mais detalhes sobre os encontros que teve com os citados e disse que Paulo Rodrigues Vieira chegou a mencionar “que José Dirceu tinha interesse no andamento do processo”, segundo o depoimento obtido por O GLOBO.
O ex-ministro nega envolvimento com o caso.
Condenado a 10 anos e 10 meses de prisão por corrupção ativa e formação de quadrilha no julgamento do mensalão, Dirceu não chegou a ser citado no relatório final da PF que motivou os seis pedidos de prisão e cumprimento de 43 mandados de busca e apreensão em endereços do Distrito Federal e do estado de São Paulo, na última sexta-feira. No entanto, segundo o superintendente da PF em São Paulo, Roberto Troncon Filho, as investigações prosseguirão a partir da análise do material apreendido em endereços frequentados pelos envolvidos.
Nesta segunda-feira, por meio de sua assessoria, o ex-ministro informou que não tem interesse na Tecondi, empresa citada na investigação da Operação Porto Seguro, e que “jamais prestou qualquer espécie de serviço” para ela. Desde que deixou o governo, em 2005, José Dirceu presta serviços de consultoria a empresas.
Ainda por meio da assessoria, o ex-ministro negou conhecer Paulo Vieira e também manter relacionamento pessoal ou profissional com o irmão dele, Rubens, ou com Carlos Cesar Floriano, dono da Tecondi. “Dirceu não conhece o mencionado Paulo Rodrigues Vieira — que, se usou o nome do ex-ministro, o fez de forma indevida”, afirmou a assessoria em nota.
Segundo a PF, Cyonil se arrependeu de escrever parecer favorável à empresa que atuava no porto de Santos, devolveu a primeira parcela da propina que teria sido paga por Paulo Vieira, de R$ 100 mil, e denunciou o esquema. A partir daí, começaram as investigações que já resultaram no indiciamento de 19 pessoas, entre elas a ex-chefe de gabinete do escritório da Presidência da República em São Paulo Rosemary Nóvoa Noronha.
Atualmente, Cyonil é fiscal de tributos no Rio de Janeiro. Em conversas com colegas na internet dois dias depois que a operação da PF foi deflagrada, o ex-auditor disse ter se sentido pressionado a colaborar com a quadrilha.
“O sujeito, depois de milhões de e-mails (praticamente me caçando na cidade de SP), foi até a portaria do meu prédio. Adivinha pra quê? Pra entregar R$...PQP! Bati pino, não achava que ele fosse capaz de uma porra desta. Na ocasião, não desci pra receber nada dele. Fiquei puto... Mudei de endereço... Tive paralisia facial”, disse o ex-auditor do TCU em conversas com amigos na internet no domingo, obtidas pelo GLOBO.
Cyonil disse também que tem “gravações” das conversas com o corruptor. “Fiz reunir toda a documentação, para depois disso, denunciá-lo e os outros empresários. Juntei tudo, até meus extratos bancários, algumas GRAVAÇÕES QUE FIZ... A porra toda... Todos os processos em que atuei. Minha postura sempre séria e técnica”.
No entanto, e-mails trocados pelo ex-auditor com Paulo Vieira, que constam do inquérito, demonstram uma relação de amizade e bastante intimidade entre os dois. Nos e-mails, o servidor se referia constantemente a Vieira como “brother” e, quando falava da propina prometida, se referia à entrega de “livros”. “Brother, tem como você reservar com o Marcelo, para o dia 11 de janeiro, os livros? É uma emergência, espero que entenda a minha pressa”, escreveu em e-mail de 30 de dezembro de 2010.
Em 11 de fevereiro de 2011, o então auditor voltou a cobrar os valores e revelou o motivo da urgência: queria dar entrada na compra de um imóvel. “Brother, não quero ser chato. Já vencemos o dia 11, 21 de janeiro. Será que nesse mês de fevereiro teremos alguma publicação? Como te disse, preciso para dar entrada em um apERTAmento, rsrsrrs... coisa pequena”, escreveu.
Vieira respondeu ironizando a postura do rapaz: “Não posso confiar essas coisas (livros) a qualquer pessoa e o meu irmão tá com um puta problema pessoal. Não te entendo. 1º diz que não tá nem aí, agora vem com uma pressa dessas, tem paciência meu amigo! RSS!.. vou ver como posso fazer”.
Meses antes de cobrar agilidade no pagamento, em 2 de novembro de 2010, Cyonil chegou a dizer a Paulo Vieira que estava tendo dificuldades para dormir e se sentindo mal devido ao processo. Em mensagem falou até que estava consultando o Código Penal Brasileiro para saber “quanto tempo ficaria de molho”.
“Tenho muito medo de estragar minha carreira. Não sei o que o amigo está pensando em fazer. Mas se algo de ruim, por favor, desista! Sério, não sou uma pessoa ruim!”, escreveu.
Quando procurou a PF pela primeira vez, o auditor informou o número de uma conta onde estariam os R$ 100 mil recebidos de propina. No entanto, a PF constatou que o dinheiro depositado era parte de um empréstimo consignado obtido pelo servidor. Cyonil admitiu, então, ter usado parte do dinheiro. Ainda assim, não foi denunciado e consta no processo como denunciante.
O processo sobre supostas irregularidades nos negócios entre a Tecondi e a Codesp vinha se arrastando desde o início da década passada. A empresa ganhou o direito de explorar uma área de 170 mil metros quadrados no Porto de Santos. Só as obras de infraestrutura no local ficariam em torno de R$ 139 milhões.
Mas o negócio emperrou por falta de licença ambiental e outros problemas. A Companhia Docas decidiu, então, ceder um outro terreno mais valioso para a Tecondi.
O parecer de Cyonil poderia validar a transação. Mas, em 2010, o tribunal apontou irregularidades na transação e determinou a suspensão de novas concessões à Tecondi. Em 1º de agosto deste ano, o plenário do TCU confirmou a existência de irregularidades e determinou a não renovação do contrato entre a Tecondi e a Companhia Docas.
O tribunal mandou as informações para o Ministério Público Federal e para a Presidência da República, entre outras instituições.
27 de novembro de 2012
Thiago Herdy, Marcelle Ribeiro e Jailton de Carvalho - O Globo