"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 7 de maio de 2012

PROFESSORES DE CORRUPÇÃO

rousseau-lacoste-webPlatão já ensinava que a desordem se instala na sociedade quando muitas pessoas começam a galgar postos de importância e prestígio para os quais não têm a mínima qualificação.

Ninguém é mais imoral nem mais perigoso para a sociedade do que o juiz da conduta alheia que tome a sua própria alma corrompida como medida máxima da moralidade humana.
O homem que julga por esse padrão – pior ainda, o que ensina a julgar assim – é uma força dissolvente e corruptora ainda mais daninha do que o imoralista praticante, o bandido, o ladrão que ao menos não faz da sua torpeza pessoal uma teoria, um critério e uma lei.

Jean-Jacques Rousseau, que abandonou os filhos num orfanato, mentia mais que um cabo eleitoral, ia regularmente para a cama com as mulheres de seus benfeitores e ainda saía falando mal deles, jurava que em toda a Europa não havia ninguém melhor que ele – e, quando falava de suas altas qualidades morais, derramava lágrimas de comoção.

Rousseau tinha ao menos a desculpa de ser louco, mas sua loucura inaugurou a moda universal de tomar o próprio umbigo como ponto culminante da perfeição humana e medir tudo pela distância que vai daí ao chão.
Não faltam exemplos disso na mídia nacional. Em artigo recente, o sr. Paulo Moreira Leite jura que todo discurso moralizante é falso, porque "tem como base uma visão fantasiosa das sociedades humanas. Considera que há pessoas de caráter límpido... incapazes... de ter segredos inconfessáveis e ambições que condenam em público mas cultivam na vida privada... A vida real não é assim..."

O que ele está dizendo é que na vida real não existem – prestem atenção: absolutamente não existem – pessoas "sem segredos inconfessáveis e ambições que condenam em público mas cultivam na vida privada".
A conclusão é inevitável: se essas pessoas não existem, o sr. Moreira Leite, que existe, não pode ser uma delas. Logo, ele tem segredos inconfessáveis e ambições que condena em público, mas cultiva na vida privada.
E notem bem: ele não disse "alimentar em segredo", que ainda poderia ter a acepção de mera fantasia; ele disse "cultivar em privado", isto é, praticar escondido. Ele não se limita, portanto, a sonhar em ser um dia tão bem sucedido quanto os malvados que critica em público: ele se dedica ativamente a emulá-los quando não há ninguém olhando. E não apenas ele é assim, mas não concebe que exista alguém melhor que ele, alguém isento desses defeitos morais abjetos.

Ninguém pediu ao sr. Moreira essa confissão de baixeza. Ele a fez porque quis. Se entendesse o que escreve (como se isto não fosse exigir demais!), deveria admitir que ela o desautoriza automaticamente a falar mal de pessoas que, no fim das contas, não têm outro defeito senão o de ser tão ruins quanto ele.
Afinal, se não há seres humanos melhores, que possam servir de medida de aferição das virtudes e dos pecados, então só há duas alternativas: condenar os vícios em nome de padrões abstratos confessadamente inatingíveis ou deleitar-se em criticar o mal em nome do mal. A primeira hipótese chama-se moralismo insano, a segunda, fingimento cínico. O sr. Moreira critica a primeira em nome da segunda.

Todo julgamento moral sensato deve partir de certas constatações óbvias e autoprobantes. Como o Bem infinito e o Mal absoluto são entidades metafísicas que se furtam à experiência humana, só resta aos nossos pobres cérebros raciocinar em termos relativos, pesar as coisas na balança do melhor e do pior. Para isso, o sujeito tem de ampliar a sua imaginação moral, pelo estudo, pela experiência e pela meditação, numa escala que vai da máxima santidade comprovada à maldade mais extrema registrada nos anais da História. Só quem se entregou a esse exercício por anos a fio tem condições de julgar a conduta alheia objetivamente, e mesmo assim com algum risco de erro. Os demais opinam arbitrariamente, em nome de preconceitos bobocas, preferências subjetivas, caprichos de momento ou interesses camuflados.

A imaginação moral do sr. Paulo Moreira Leite é, nesse sentido, a mais atrofiada e mesquinha que se pode conceber. No alto da sua escala de valores, está ele próprio. Em baixo, alguém que não é pior que ele. Em grego, "idios" quer dizer "o mesmo". "Idiotes", de onde veio o nosso termo "idiota", é o sujeito que nada enxerga além dele mesmo, que julga tudo pela sua própria pequenez.

Que alguém tão obviamente despreparado para opinar em questões de moralidade tenha à sua disposição uma revista de circulação nacional para aí infundir na cabeça do público a miséria dos seus julgamentos é, por si, um sintoma de debacle moral muito mais alarmante, por seus efeitos sociais, do que qualquer caso específico de corrupção, de roubo, de obscenidade, até de violência.

Platão já ensinava que a desordem se instala na sociedade quando muitas pessoas começam a galgar postos de importância e prestígio para os quais não têm a mínima qualificação. Isso refere-se principalmente àqueles que hoje chamaríamos "intelectuais" ou "formadores de opinião". Delinquentes, vigaristas e políticos ladrões trazem dano material às suas vítimas, mas só se corrompem a si próprios.
Quando a corrupção penetra na alma dos críticos sociais, dos professores de moral, ela se alastra por toda a sociedade.
Olavo de Carvalho
07 de maio de 2012
Publicado no Diário do Comércio.

DESONESTIDADE MIDIÁTICA E VIGARISTAS RACIAIS

Editores do Los Angeles Times, do New York Times e do Chicago Tribune admitiram deliberadamente censurar informação sobre crimes de negros por razões políticas, num esforço de “impedir que um grupo inteiro seja colocado sob suspeita”.

Quando o “Today"[1] da NBC exibiu o áudio do telefonema de George Zimmerman para um policial do disque-denúncia de Sanford, Flórida, sobre Trayvon Martin, os editores fizeram-no parecer ser um racista que diz: “Esse sujeito não aparenta coisa boa. Ele parece ser negro".
O que Zimmerman disse realmente foi: “Esse sujeito não aparenta coisa boa, está drogado ou algo assim. Está chovendo e ele está andando a esmo, olhando ao redor”. O oficial do disque denúncia respondeu perguntando: “OK, e esse sujeito – é negro, branco ou hispânico?". Zimmerman respondeu “ele parecer ser negro". A NBC diz que está investigando a adulteração do áudio, mas não há nada para investigar; seu objetivo era inflamar paixões.

Em seu artigo da Associated Press intitulado “Fotos velhas podem ser decepcionantes no caso do disparo na Flórida", Matt Sedensky indicou que as fotos mostradas pela grande mídia eram velhas de vários anos e mostravam Zimmerman parecendo gordo e medíocre, e Martin parecendo um doce garoto.

Jesse Jackson disse ao Los Angeles Times que “negros estão sob ataque” e que “alvejar, prender, condenar negros e finalmente matá-los é um grande negócio”, acrescentando que Martin é “um mártir”. O presidente Barack Obama entrou na conversa dizendo, “se eu tivesse um filho, ele seria parecido com Travyon”.
Vamos olhar alguns casos não tão noticiados. Em 14 de março em Tulsa, Oklahoma, um casal branco sofreu uma invasão de domicílio por Tyrone Woodfork, um homem de 20 anos, negro. Bob Strait, de noventa anos, ficou com um maxilar e costelas quebradas em razão do ataque. Sua esposa de 85 anos de idade, Nancy, foi violentada e golpeada até a morte, pondo fim a um casamento de 65 anos.

Em 04 de março, dois negros em Kansas City, Missouri, ensoparam um menino de 13 anos com gasolina e lhe atearam fogo, dizendo-lhe, “você tem o que merece, garoto branco”. No verão passado, o prefeito de Chicago, Rahm Emanuel, decretou um estado de emergência nas praias em Chicago porque multidões de negros estavam aterrorizando famílias brancas.

Há vários anos, em Knoxville, Tennessee, um jovem casal branco foi sequestrado por quatro negros. A moça foi forçada a testemunhar a violação sexual, tortura e subsequente assassinato de seu namorado antes dela ser estuprada, torturada e assassinada.
Antes de se livrarem de seu corpo, os três homens e uma mulher derramaram descolorante ou algum outro produto de limpeza goela abaixo dela num esforço para destruir provas de DNA. Um júri considerou os quatro culpados, e eles foram sentenciados, mas por causa do uso de drogas por parte do juiz, um novo julgamento está sendo cogitado.

Nenhuma dessas atrocidades de negros contra brancos gerou em qualquer lugar as notícias que o caso Trayvon Martin gerou, e isto é proposital. Os editores do Los Angeles Times, do New York Times e do Chicago Tribune admitiram deliberadamente censurar informação sobre crimes de negros por razões políticas, num esforço de “impedir que um grupo inteiro seja colocado sob suspeita”.

Não é necessário ser esquerdista, conservador, democrata ou republicano para ver o perigo apresentado pelos vigaristas raciais da América, que estão amontoando pilhas de combustível racial ardente pronto para que um incendiário racial ateie fogo.
Aliciadores de grupos brancos de ódio devem adorar a demagogia do Presidente Obama em dizer que um filho seu seria parecido com Trayvon, mas não dizendo que o filho de 13 anos de Melissa Coon, a quem foi ateado fogo, poderia ser parecido com um filho seu. Apesar de tudo, o presidente é tão branco quanto é negro.

Mesmo que o presidente e seus aliados liberais na mídia e os vigaristas dos direitos civis agrupados não liguem muito para negros assassinando brancos, que tal negros assassinando negros? Durante um fim de semana, em meados de março, em Chicago, 49 pessoas foram baleadas, 10 fatalmente, inclusa uma garota negra de seis anos, totalizando mais de cem assassinatos este ano. Filadélfia não está muito atrás, com assassinatos crescendo na ordem de um por dia desde o começo de 2012.
Nós ouvimos Obama fazer uma declaração sobre este massacre ou que a maior parte das vítimas de homicídio são negras e que seus assassinos são negros? Não, e nem ouviremos, porque crimes de negros contra negros, assim como crimes de negros contra brancos, não se encaixam na narrativa esquerdista do contínuo problema do racismo branco.


Nota:

[1] Programa de televisão norte-americano, também conhecido como Today Show.

Walter E. Williams é professor de economia na Universidade George Mason.
Publicado originalmente em http://www.creators.com/conservative/walter-williams/media-dishonesty-and-race-hustlers.html
COPYRIGHT 2012 CREATORS.COM.
Tradução: Daniel Antonio de Aquino Neto, professor de Direito da Universidade do Estado do Amazonas.

CUBA 2012: O PASTOR, O LOBO-RELÍQUIA E A ENCÍCLICA DIVINI REDEMPTORIS

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Benedicto-XVI-Fidel
No trágico dia 28 de março de 2012, sem dúvida, um dos mais trágicos da História dos católicos cubanos e da própria Cuba, Bento XVI ofereceu ao ex-ditador as Medalhas de seu Pontificado.

Cordial recepção ao ex-ditador

Em 28 de março de 2012, as cenas que mostram Bento XVI e seu séquito recebendo cordialmente o sanguinário ex-ditador Fidel Castro, na Nunciatura Apostólica de Havana, foram as mais dramáticas da visita papal à ilha-cárcere desde os pontos de vista religioso, pastoral, político, simbólico e da própria teologia da História, as quais deixaram o sabor mais amargo nos cubanos da ilha-cárcere, sedentos de autêntica fé católica e de plena liberdade, e as que mais dilaceraram os corações do rebanho cubano, dentro e fora de Cuba.

Uma espécie de “santo” comunista

Era o Pastor dos Pastores, com seu secretário de Estado, o cardeal Tarcisio Bertone, e com seu Núncio Apostólico em Havana, monsenhor Bruno Musaro, acolhendo o Lobo dos Lobos quase como se fosse uma “relíquia” vivente, uma espécie de “santo” comunista. Esse encontro constituiu a realização de um Pesadelo dos Pesadelos, a respeito do qual se especulou durante muitos meses antes da visita papal, incluindo rumores de uma hipotética conversão, como se se estivesse sondando e adoçando o ambiente para que os 11 milhões de cubanos prisioneiros na ilha e os amantes da liberdade no mundo inteiro, na hora desse encontro já tivessem amortecido internamente o horror e repulsa natural que despertam os grande assassinos da História cristã, desde Nero, passando por Lenin, Stalin, Mao e Pol Pot, até Fidel Castro. Foi um encontro “muito cordial”, declarou o porta-voz vaticano, Federico Lombardi, em coletiva de imprensa em Havana.

Servilismo do Núncio em Havana

Segundo mostra um vídeo colocado no YouTube por América TeVé - Canal 41, a obsequiosidade demonstrada pelo Núncio Apostólico, para não dizer o servilismo, chegou a graus inimagináveis. O ex-ditador mal acabava de descer do carro que o transportava quando monsenhor Musano o recebe, se inclina em uma espécie de reverência e proclama em tom admirado: “Senhor Comandante, bem-vindo à sua casa. Eu fui aluno de seu queridíssimo amigo monsenhor Cesar Zacchi”.

É bom lembrar que monsenhor Zacchi foi o encarregado da Nunciatura em Havana nos primeiros anos da revolução comunista e impulsionador da “ostpolitik” vaticana para Cuba, obrigando os bispos cubanos a se alinhar com o regime comunista ou a se calar. Na saída, o Núncio o esperava na porta para lhe desejar: “Que Deus o abençoe”. E quando Castro já estava descendo as escadas, literalmente correu atrás dele para desejar-lhe “felicidades”. Em matéria de servilismo pró-castrista, o aluno parece haver superado o mestre.

O Pastor havia tomado a iniciativa do encontro

O mais desconcertante é que o próprio Pastor teria sido quem tomou a iniciativa do encontro, e não o Lobo em suposto processo de “conversão”. Foi o que revelou Fidel Castro, na declaração publicada pelo Vatican Information Service (VIS) em sua edição em espanhol: “Tomei a decisão de pedir alguns momentos de seu tempo, que sei que está cheio de compromissos quando soube que teria lhe agradado este modesto e simples contato” (VIS, “Encontro entre o Papa e o ex-presidente Fidel Castro”, 29 de março de 2012). Palavras farisaicas e astutas, aparentemente humildes, que deixavam claro quem deu o primeiro passo em uma iniciativa que do ponto de vista protocolar não era necessária.


Castro: “Faremos apóstatas, milhares de apóstatas”
 

Qual seria o “agrado” que Sua Santidade esperava ter no encontro com esse assassino de corpos e de almas? É um mistério. Fidel Castro começou fuzilando dezenas de jovens católicos, que morriam como mártires proclamando “Viva Cristo Rei! Abaixo o comunismo!”, gritos que eu mesmo ouvi com meus próprios ouvidos na sinistra prisão de La Cabaña, até que, na Universidade de Havana, por estratégia, e não por arrependimento ou conversão, ele traçou uma maquiavélica retificação: “Não cairemos no erro histórico de semear o caminho de mártires cristãos, pois sabemos bem que foi precisamente o martírio o que deu força à Igreja. Nós faremos apóstatas, milhares de apóstatas” (Cf. Juan Clark, “Cuba: mito y realidad”, Edições Saeta, Miami-Caracas, 1ª ed., 1990, pp. 358 e 658).

Foi a partir de então que os condenados à morte começaram a ir para o “paredão” amordaçados, para silenciar dessa maneira seus proclamas de fé e heroísmo. Ao mesmo tempo, a “alfabetização” e a “saúde” passaram a ser duas tenazes satânicas de controle psicológico, mental e social, assim como de indução à apostasia, de gerações inteiras de crianças, jovens e adultos. “Alfabetização” e “saúde” que, não obstante, receberam comentários laudatórios das mais altas autoridades eclesiásticas, inclusive do atual Pontífice (cf. Discurso de Bento XVI de recepção das cartas credenciais do embaixador de Cuba, Eduardo Delgado Bermúdez, “Le lettere credenziali dell'Ambasciatore di Cuba presso la Santa Sede”, Departamento de Imprensa da Santa Sé, 10 de dezembro de 2009; cf. Armando Valladares, “Bento XVI: ‘beatificação’ do internacionalismo castrista?”, agência Destaque Internacional, 06 de janeiro de 2010). Estes são outros mistérios que fazem estremecer as almas dos fiéis católicos cubanos.

Pio XI: comunismo, “chicote satânico”

Nesse trágico dia 28 de março de 2012, sem dúvida, um dos mais trágicos da História dos católicos cubanos e da própria Cuba, Bento XVI ofereceu ao ex-ditador as Medalhas de seu Pontificado [1]. O momento de maior cordialidade captado pelos fotógrafos foi quando o Pontífice tomou com suas mãos as mãos ensangüentadas de Castro, e ambos trocaram olhares no que parece ser um clima de muita afinidade.

Por uma ironia ou talvez por um sinal providencial, nessa mesma foto difundida pelo próprio Vaticano percebe-se ao fundo e no alto, entre Bento XVI e Fidel Castro, como se estivesse analisando a cena, um quadro com o retrato de um Pontífice. Tudo indica que se trata de S.S. Pio XI, cuja profética encíclica “Divini Redemptoris” em 19 de março pp., portanto, poucos dias antes do trágico encontro, acaba de completar o 75º aniversário no maior dos silêncios e dos esquecimentos. Foi precisamente nessa encíclica que Pio XI qualificou o comunismo como “intrinsecamente perverso” e como um “chicote satânico”.

Nos últimos ano me vi na dolorosa obrigação de escrever dezenas de artigos denunciando a política de distensão do Vaticano com o regime comunista de Cuba. Artigos redigidos invariavelmente com palavras respeitosas, exercendo meu direito e minha obrigação de consciência de fiel católico cubano e de ex-preso político durante 22 anos. Reconheço que esta talvez tenha sido a ocasião em que tive mais dificuldade de encontrar palavras adequadas para esboçar uma conclusão, tal a gravidade do ocorrido na Nunciatura Apostólica em Havana nesse 28 de março de 2012.
Paternal e providencial ajuda de S.S. Pio XI

Opto então por recorrer à paternal e providencial ajuda de S.S. Pio XI, cuja figura de alguma maneira se fez sentir na Nunciatura Apostólica em Havana, citando algumas expressões de sua profética encíclica “Divini Redemptoris” que se aplicam de maneira surpreendentemente atual à Cuba de hoje.

Em uma das frases mais lapidares para os que em Cuba promovem um diálogo alegadamente construtivo dos católicos com o regime, Pio XI afirma que “o comunismo é intrinsecamente perverso, e não se pode admitir que colaborem com o comunismo, em terreno algum, os que querem salvar da ruína a civilização cristã”. Note-se a força da expressão e as importantes conseqüências que dela derivam: para Pio XI não é lícito colaborar “em terreno algum” com uma ideologia intrinsecamente perversa.

“Conspiração do silêncio” e “propaganda diabólica”

Com relação a importantes meios de comunicação, o Pontífice denuncia “a conspiração do silêncio que uma grande parte da imprensa mundial está realizando” sobre os crimes revolucionários. Paralelamente a esse silêncio, os revolucionários desenvolvem “uma propaganda realmente diabólica como o mundo talvez nunca tenha conhecido”, com a finalidade de mostrar as supostas bondades comunistas.


Uma “propaganda diabólica” que - segundo a profética advertência de Pio XI, confirmada nas décadas posteriores com tantos lamentáveis exemplos - tinha entre seus objetivos principais difundir o engano nos próprios meios católicos: “Mais ainda, procuram se infiltrar insensivelmente até nas próprias associações abertamente católicas ou religiosas”. Junto com o engano, vem da mão a colaboração comuno-católica: “Em outras partes, os comunistas, sem renunciar em nada a seus princípios, convidam os católicos a colaborar amistosamente com eles no campo do humanitarismo e da caridade”.

“Há inclusive os que, apoiando-se em algumas ligeiras modificações introduzidas recentemente na legislação soviética, pensam que o comunismo está a ponto de abandonar seu programa de luta aberta contra Deus”, assinalava também o Papa Pio XI, em outra consideração de enorme atualidade para a Cuba de hoje. Basta lembrar as ilusões despertadas em certos setores quando deram-se a conhecer recentes documentos do Partido Comunista de Cuba (PCC) e pronunciamentos dos irmãos Castro, incluindo os rumores sobre a suposta conversão do ex-ditador, com aparência distendida - porém com fundo falso, é claro - em direção aos católicos.

Comunismo mitigado?

Na continuação, Pio XI uma vez mais impugnou a veracidade dos que nunca perdem as ilusões de encontrar um comunismo mitigado com o qual lhes seja possível entrar em conchavos: “Não se pode afirmar que estas atrocidades sejam um fenômeno transitório que costuma acompanhar todas as grandes revoluções, ou excessos isolados de exasperação comuns a toda guerra; não, são frutos naturais de um sistema cuja estrutura carece de todo freio interno”. Note-se bem. Esses erros e horrores não são circunstanciais, senão co-naturais com tal ideologia. São “os erros intrínsecos do comunismo”, ressalta Pio XI.

Gigantesca virada da diplomacia vaticana

Por ventura não estão descritos por S.S. Pio XI, de maneira sintética e profunda, tantos ardis dos comunistas contra os católicos em Cuba e no exílio? Acaso essas advertências, feitas há exatamente 75 anos, não constituem hoje uma trágica explicação para tantos episódios de colaboração comuno-católica na Cuba de hoje? O concreto é a constatação de uma gigantesca virada produzida na diplomacia vaticana, desde Pio XI até nossos dias. Virada enigmática e desconcertante da diplomacia vaticana, uma de cujas raízes históricas parece estar, segundo destacados analistas, no próprio silêncio do Concílio Vaticano II com relação ao comunismo, o qual fez com que os Lobos se sentissem em total liberdade para dizimar o Rebanho em Cuba, nos países do Leste Europeu, na Rússia, China e Vietnã.

Que a Virgem da Caridade proteja, console e encha de autêntica fé a meus 11 milhões de irmãos prisioneiros na ilha-cárcere, e que aos cubanos do desterro nos dê forças espirituais para continuar lutando pela liberdade de Cuba, com o fogo do Apóstolo São Paulo: “combatendo o bom combate da fé” e “esperando contra toda a esperança” (Segunda Epístola a Timóteo, 4,7 e Epístola aos Romanos, 4, 18-19).

Escrito por Armando Valladares
escritor, pintor e poeta. Passou 22 anos nos cárceres políticos de Cuba. É autor do best-seller “Contra toda a esperança”, onde narra o horror das prisões castristas. Foi embaixador dos Estados Unidos ante a Comissão de Direitos Humanos da ONU sob as administrações Reagan e Bush. Recebeu a Medalha Presidencial do Cidadão e o Superior Award do Departamento de Estado. Escreveu inúmeros artigos sobre a colaboração eclesiástica com o comunismo cubano e sobre a “ostpolitik” vaticana para Cuba.

Nota da tradutora:

[1] No vídeo abaixo pode-se ver o momento em que o ditador Castro recebe as Medalhas numa caixa entregues pelo Papa Bento XVI.


http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=sPSF8JSA0T8

Tradução: Graça Salgueiro

OBAMA É MESMO GAY? TRIBUNAL EXTINGUE PROCESSO CONTRA LARRY SINCLAIR

“Sei por experiência própria que Obama mentiu quando disse que havia abandonado as drogas na faculdade, e posso atestar em detalhes o fato de que Obama pratica atos homossexuais”, afirma Larry Sinclair.

Um juiz federal extinguiu um caso de difamação contra um homossexual que alegou que a campanha presidencial de Obama em 2008 pagou pela adulteração de um teste de mentira a respeito de sua chocante acusação de que teria feito sexo e usado drogas com o futuro presidente.


Larry Sinclair, que alega ter tido relações sexuais por duas vezes e usado cocaína com Obama em 1999 (quando era senador do estado de Illinois), foi acusado pelo publicitário Daniel Parisi de fazer declarações falsas e prejudiciais que levaram ao fim do site pornográfico de Parisi, Whitehouse.com, em 2008.
A suposta difamação não estava centrada nas acusações de Sinclair sobre sexo e drogas com Obama, mas em sua declaração dada em um livro publicado em 2009 de que o principal assessor da campanha de Obama, David Axelrod, havia concordado em pagar a Parisi 750 mil dólares para adulterar os resultados de um teste de mentira.
Parisi não apresentou provas de que as afirmações de Sinclair sobre Axelrod e a campanha de Obama eram falsas, de acordo com o Juiz federal Richard J. Leon, em sua decisão em 28 de fevereiro que extinguiu o caso.
Parisi e Sinclair celebraram um acordo em 30 de março que efetivamente extinguiu as acusações de Parisi contra Sinclair e sua editora.
Sinclair relata em seu livro, Barack Obama & Larry Sinclair: Cocaine, Sex, Lies & Murder (Cocaína, Sexo, Mentiras & Assassinato), que Parisi lhe ofereceu 10 mil dólares para fazer um teste da mentira a respeito da sua acusação de que ele teria tido relações sexuais com Obama em Chicago.

No acordo, Parisi iria pagar 100 mil se o teste mostrasse que Sinclair estava dizendo a verdade. Em um acordo modificado, Sinclair recebeu 20 mil para fazer o teste. A decisão do juiz afirma que ele não passou no teste, de acordo com um relatório do examinador, e dois outros examinadores corroboraram o resultado.
Parisi afirma que Sinclair fez declarações difamatórias no livro, incluindo a afirmação de que “o teste foi adulterado e arranjado por Dan Parisi e pelo assessor de campanha de Obama, David Axelrod".
O juiz, no entanto, disse que Parisi não foi capaz de provar que Sinclair tenha publicado qualquer declaração propositalmente falsa, e concluiu que ele havia tomado as medidas apropriadas para verificar as informações antes de publicá-las.
Citando um precedente, o juiz argumentou que quando a vítima da alegação supostamente difamatória é uma figura pública, como é o caso de Parisi, a afirmação em questão deve contar como mais do que simples negligência. Segundo o juiz, a afirmação deve ser feita claramente com má fé, sabendo que ela é falsa ou indiferente ao fato.

Além disso, Parisi não conseguiu fundamentar a acusação de que as afirmações de Sinclair eram falsas, afirma o juiz.
“A queixa não contêm alegações factuais, a não ser pela alegação do próprio autor de que as afirmações são falsas”, escreveu Leon.
A fonte das afirmações de Sinclair contra a campanha de Parisi e Obama foi uma ligação anônima, mas ele tentou confirmar a informação com Parisi, que recusou-se a responder — afirma Leon em sua decisão. Além disso, um repórter do jornal Chicago Tribune entrou em contato com o informante e confirmou as afirmações de Sinclair — acrescentou o juiz.
Além de Sinclair e sua editora, Parisi processou o escritor e radialista Jeffrey Rense, que escreveu o prefácio do livro de Sinclair, as livrarias Books-A-Million e Barnes & Noble, a distribuidora Ingram Content Group e a gigante de varejo Amazon.com.

Parisi ainda pretende recorrer da decisão de Leon no caso contra a Amazon.com, que agora é a última ré do caso.
O processo de Parisi conseguiu efetivamente interromper a produção de exemplares impressos dos livros de Sinclair, o que fez com que exemplares usados fossem encontrados no Amazon.com por até US$ 600. Enquanto estava em audiência, Sinclair vendeu uma edição impressa do livro em seu website, LarrySinclair.net.

Sinclair disse ao WND em uma entrevista por telefone que reitera as afirmações do livro.
“Ainda acredito que todas as acusações que fiz são verdadeiras, e não vi nada até o momento que tenha mudado minhas convicções”, afirma.
Ele também continua sustentando sua primeira acusação contra Obama.
“Sei por experiência própria que Obama mentiu quando disse que havia abandonado as drogas na faculdade, e posso atestar em detalhes o fato de que Obama pratica atos homossexuais”, afirma.

Além disso, Sinclair diz acreditar que o assassinato de Donald Young, um homossexual diretor de coral da Igreja da Trindade Unida de Cristo, do Rev. Jeremiah Wright, foi uma tentativa de proteger os segredos de Obama. Young foi assassinato pouco tempo depois da convenção partidária de Iowa em 2008.
No processo, Parisi pediu o pagamento de US$ 30 milhões de indenização por danos à sua pessoa e a várias empresas, incluindo a Whitehouse.com Inc., Whitehouse Network LLC e White House Communications Inc.
Parisi afirmou que criou as entidades para funcionarem como agências de notícias.
Sinclair compareceu ao tribunal, enquanto que Parisi foi representado pela Patton Boggs, um dos escritórios de advocacia mais caros, prestigiados e politizados de Washington.

Sinclair, que nunca teve educação formal em direito, não é advogado licenciado no Distrito de Colúmbia.
O WND não conseguiu contato com Parisi para comentar sobre o caso. Richard Oparil, advogado de Parisi na Patton Boggs, também não retornou as ligações do WND.
Em janeiro de 2008, quando Sinclair fez as acusações contra Obama pela primeira vez, ele admitiu seu passado criminoso, incluindo o cumprimento de pena em prisões da Flórida, Arizona e Colorado.

Escrito por Jerome Corsi

POLITIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO E A DIVINA COMÉDIA

A politização no judiciário merece ser analisada, embora com certa reserva em particular no judiciário trabalhista, porque desafia os mais inteligentes dos articulistas e desperta curiosidade do autor.

As razões para essa temática devem tanto ao comportamento de alguns quadros quanto à própria jurisprudência produzida nos tribunais, deformação dos seus textos, e a ausência de comando nas ações dos tribunais, que atuam fora do pacto federativo, com ampla liberdade, a ponto de editar atos avessos à própria subsistência dos que militam regionalmente.
Sob o aspecto, particularmente na esfera de comandos de grande visibilidade, como é o caso dos presidentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, constata-se uma verbalização fecunda, quando não contundente, e intensa articulação com representantes de outros poderes.

O resultado é que deriva daí a impressão de que os ministros desceram do altar onde se cultua o Judiciário para a liça da banalização política, promovendo o troca-troca do dando é que se recebe.
O dinheiro entra através dos tributos, taxas, custas, e não tem pro bono, tudo é pago, se quiser gratuidade o requerente vai ouvir o sonoro, vou analisar.
Já pensou se você tivesse que analisar um juiz e despachar o servidor, qual seria a sua decisão? Até para desarquivar processo que ainda não foi liquidado e o juiz entendeu que precisava ir para incinerar se paga uma taxa.

Ensina o mestre Manoel Gonçalves Ferreira Filho em “Princípios Fundamentais do direito constitucional. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 301”, “quanto ao Judiciário, não é mais ele concebido num papel passivo – como ‘boca da lei’ – mas se estimula que efetive um controle de legitimidade sobre os atos do Governo e as próprias leis. Isto se manifesta no caráter relativamente ‘aberto’ das Constituições modernas, que somam ‘princípios’ a ‘regras’. Ora, aquelas dão oportunidade a esse controle de legitimidade.

Observe-se que o fenômeno apontado fragiliza a segurança jurídica. Com efeito, não mais basta para o indivíduo, ou para o próprio governante, cumprir a lei, mas fica também sujeito a princípios, cuja concentração enseja opções subjetivas por parte do magistrado. Abre-se assim espaço para a judicialização da política em geral e, sobretudo, das políticas públicas em particular”.
“O magistrado nisto se confunde com o administrador, como o juiz constitucional – já se apontou – com o legislador. De tudo isso, decorre o perigo de que a judicialização resvale para uma politização à justiça, com tudo o que de negativo possa daí resultar”.

De fato assistimos hoje um entrelace dos membros do judiciário com os dos partidos políticos, isso se deve a principio pela aproximação no “jogo de interesses”, pela aprovação de leis e emendas no Congresso, já que em lugar algum do planeta nunca se viu tamanha gula por conquistas materiais para os quadros do judiciário. É por isso que nos causa estranheza a desenvoltura com que dirigentes se relacionam com o mundo da política partidária.

Magistrados até então tidos como impolutos, são acusados de vender sentenças judiciais, praticar nepotismo, e de fomentar a indústria de liminares, que se expande, data vênia, tudo em nome da liberdade, outorga de um Estado débil, representado por uma Carta defasada que é cúmplice desse modelo cartorial de judiciário.

Roberto Monteiro Pinho
07 de maio de 2102

DESEMBARGADORES E JUÍZES CORRUPTOS DE SÃO PAULO ENFIM SERÃO INVETIGADOS. MAS NÃO HAVERÁ PUNIÇÕES.

O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa, enfim instaurou procedimento preparatório de inquérito civil para investigar pagamentos irregulares concedidos pelo Tribunal de Justiça do Estado a magistrados e servidores, o que poderá até provocar ações com base na Lei da Improbidade.

Embora as denúncias tenham partido do Conselho Nacional de Justiça (leia-se: corregedora Eliana Calmon), o procedimento oficialmente foi aberto “em razão de matérias jornalísticas dando conta de que o tribunal abriu sindicância para investigar pagamentos irregulares de créditos trabalhistas a um grupo de juízes, desembargadores e funcionários, entre 2006 e 2010″.
A investigação será conduzida pelo próprio procurador-geral, que detém as atribuições quando a autoridade sob suspeita é ex-presidente de tribunal, inclusive para apuração de eventual prática de atos de improbidade.

O Tribunal de Justiça paulista atravessa a mais grave crise de sua história. Houve uma sucessão de pagamentos antecipados em favor de um grupo de magistrados, rotina que afrontou os princípios da isonomia e da impessoalidade. Contracheques milionários foram expedidos entre 2008 e 2010, período em que os desembargadores Roberto Antonio Vallim Bellocchi e Antonio Carlos Vianna Santos presidiram o trbunal.

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, se ao fim do inquérito o procurador Elias Rosa concluir que há provas contra magistrados, poderá propor ação com base na Lei da Improbidade para requerer devolução do dinheiro, imposição de multa e outras sanções de natureza civil, até mesmo perda da função pública e cassação de aposentadoria.

Bem, isso tudo pode acontecer na teoria. Na prática, porém, todos sabem que o máximo que vai ocorrer é um ou outro magistrado serem aposentados precocemente, com salários integrais e direito de seguirem trabalhando como advogados, o que não significa uma punição, mas um verdadeiro prêmio aos “malfeitores”, como se diz hoje em dia.

E la nave va, fellinianamente.

O HOMEM PRECISA DE CUIDADOS, MAS QUEM CUIDA DO CUIDADOR?

As primeiras cuidadoras são nossas mães e avós que, desde o início da humanidade, cuidaram de sua prole.
Verdadeiros arquétipos do cuidador foram o médico suíço Albert Schweitzer (1875-1965) e a enfermeira inglesa Florence Nightingale (1820-1910).
Schweitzer foi um dos maiores concertistas de Bach de seu tempo. Aos 30 anos, já com fama em toda a Europa, largou tudo, estudou medicina para cuidar dos mais pobres dos pobres, os hansenianos, em Lambarene, no Gabão.

Numa de suas cartas confessa: “o que precisamos não é de missionários que queiram converter os africanos, mas de pessoas dispostas a fazer aos pobres o que deve ser feito, se é que o Sermão da Montanha e as palavras de Jesus possuem algum valor “.
Foi dos primeiros a ganhar o prêmio Nobel da Paz. Formulou assim seu lema: “a ética é a responsabilidade ilimitada por tudo o que existe e vive”.

Humanista e profundamente religiosa, Nightingale decidiu melhorar os padrões da enfermagem em seu país. Em 1854, com outras 28 companheiras, se deslocou para o campo de guerra da Crimeia, na Turquia, onde se empregavam bombas de fragmentação que produziam muitos feridos. Em seis meses, reduziu de 42% para 2% o número de mortos. Esse sucesso granjeou-lhe notoriedade universal. De volta a seu país e, depois, nos Estados Unidos, criou uma rede hospitalar que aplicava o cuidado como eixo norteador da enfermagem e como sua ética natural. Florence Nightingale é uma referência inspiradora.

O operador da saúde é, por essência, um curador. Cuida dos outros como missão e como opção de vida. Mas quem cuida do cuidador, título de um belo livro do médico Eugênio Paes Campos (Vozes, 2005)?
O ser humano é, por sua natureza e essência, um ser de cuidado. Sente a predisposição de cuidar e a necessidade de ser ele também cuidado. Cuidar e ser cuidado são existenciais (estruturas permanentes) e indissociáveis.

O cuidar é muito exigente e pode levar o cuidador ao estresse. Especialmente se o cuidado constitui, como deve ser, uma atitude permanente e consciente. Somos limitados, sujeitos ao cansaço e à vivência de pequenos fracassos e decepções. Sentimo-nos sós. Precisamos ser cuidados, caso contrário, nossa vontade de cuidar se enfraquece. Que fazer então?
Logicamente, cada pessoa precisa enfrentar com sentido de resiliência (saber dar a volta por cima) essa situação dolorosa. Mas esse esforço não substitui o desejo de ser cuidado. É então que a comunidade do cuidado deve entrar em ação.

O enfermeiro ou a enfermeira, o médico e a médica sentem necessidade de serem também cuidados. Precisam se sentir acolhidos e revitalizados, exatamente, como as mães fazem com seus filhos e filhas. Outras vezes sentem necessidade do cuidado como suporte, sustentação e proteção, coisa que o pai proporciona a seus filhos e filhas.
Cria-se então o que o pediatra R. Winnicott chamava de “holding”, quer dizer, aquele conjunto de cuidados e fatores de animação que reforçam o estímulo para continuarem no cuidado para com os pacientes.

Quando esse espírito de cuidado reina, surgem relações horizontais de confiança e de mútua cooperação, e se superam os constrangimentos, nascidos da necessidade de ser cuidado.
Feliz é o hospital e mais felizes são, ainda, aqueles pacientes que podem contar com um grupo de cuidadores. A boa energia que se irradia do cuidado corrobora na cura.
(Do blog de Leonardo Boff)

MEU AMIGO QUE A GUERRA SUJA MATOU

“Ouça um bom conselho/ Que eu lhe dou de graça/ Inútil dormir que a dor não passa” – os versos da canção “Bom Conselho” bem poderiam ilustrar o momento de insônia, desespero, agressividade e confusão a granel, detectados em diferentes áreas e segmentos do País – políticos, governantes, jornalistas e empresários, principalmente – nas preliminares e início dos trabalhos da CPMI do Cachoeira e seus insondáveis desdobramentos. Pelo visto, tudo pode acontecer, inclusive nada.

Nas linhas seguintes deste artigo, no entanto, os versos de Chico Buarque de Holanda auxiliam a disfarçar, com poesia, o assombro e a indignação do jornalista diante das confissões do ex-delegado do DOPS (polícia política da ditadura nos anos loucos no Brasil), Cláudio Guerra, no livro “Memórias de uma Guerra Suja”, de autoria dos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, lançado esta semana em São Paulo.

No livro (que ainda não li e até onde sei ainda não chegou nas livrarias de Salvador), o ex-delegado capixaba, aos 71 anos, confessa ter participado da morte de, ao menos, 12 guerrilheiros e incinerado os corpos de outros 10 desaparecidos políticos na ditadura militar.
Isso li em reportagens publicadas no jornal Folha de S. Paulo (vide anexo), que tem mostrado interesse jornalístico e aberto ao assunto o espaço que ele merece. Os demais veículos, incluindo os blogs e portais eletrônicos, somente aos poucos e com algum atraso vão despertando para a gravidade e o interesse do tema.

No seu relato, o ex-agente, que promete depor, também, na Comissão da Verdade, afirma que os 10 corpos foram queimados no forno de uma usina de açúcar de propriedade de um ex-governador do Rio de Janeiro. “Fui responsável por levar dez corpos de presos políticos para lá, todos mortos pela tortura”.
Guerra enumera entre essas vítimas David Capistrano, João Batista Rita, Joaquim Pires Cerveira, João Massena Mello, José Roman e Luiz Ignácio Maranhão Filho, do PCB (Partido Comunista Brasileiro).

A lista macabra do ex-agente do DOPS, convertido a um culto evangélico (este seria o motivo alegado para o arrependimento e a confissão) tem outros nomes: Ana Rosa Kucinski e Wilson Silva, da ALN (Ação Libertadora Nacional); Joaquim Pires Cerveira, da FLN (Frente de Libertação Nacional); Eduardo Collier Filho e Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, da APML (Ação Popular Marxista-Leninista).
O paradeiro desses desaparecidos políticos nunca foi informado às famílias, diz a Folha na primeira reportagem sobre o livro.

Tem mais em outras reportagens e muito mais ainda no próprio livro, a deduzir pelas polêmicas que começam a pipocar de São Paulo ao Espírito Santo, do Rio de Janeiro à Bahia, de Pernambuco à Minas Gerais, acompanhadas de desmentidos de alguns acusados que andam por aí.
Agora, um registro de indignação e o testemunho pessoal e profissional sobre um dos nomes da lista de “presos políticos incinerados”: Eduardo Collier Filho, o querido colega pernambucano, na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, que ambos frequentávamos nos resistentes e tumultuados anos 60.

Duda Collier, como era chamado pela maioria dos colegas, “o cara” de quase dois metros de altura, pinta perfeita de ator de filme político europeu. “Um pão de Recife que desceu em Salvador”, como sintetizavam, entre olhares e suspiros, muitas estudantes na Faculdade, no Restaurante Universitário da UFBA, no corredor da Vitória, nas assembléias da Reitoria e nas passeatas do centro da capital baiana.

Nas reuniões de militantes, Duda era conhecido como “O Cristão”, devido a sua filiação à Ação Popular (AP), organização de esquerda de origem católica. Ficamos amigos logo que ele desembarcou na Bahia.
Nascido no seio de uma das mais ricas e tradicionais famílias pernambucanas, vestido em folgadas calças e camisões de linho puro, Duda (o moço grandalhão de fina estampa) era para mim uma simpática contradição ambulante.

Buscava uma vaga para morar na RU-2 (Residência Universitária), colada à Igreja da Vitória (onde ele podia freqüentar suas missas dominicais). Considerado “um burguês” por alguns universitários, negava-se uma vaga para ele. Foi preciso abrir uma peleja interna para conseguir um lugar no sótão da RU-2, onde Duda Collier se abrigaria.

Graças, principalmente, a entrada na briga do grande amigo comum (depois meu saudoso compadre) Pedro Milton de Brito, um dos alunos mais brilhantes e respeitados da Faculdade de Direito e da UBFA (ex-presidente da OAB-BA, conselheiro federal da Ordem e referência baiana nas lutas de defesa dos direitos humanos), que também simpatizara, de cara, com aquele inquieto jovem e desengonçado pernambucano.

Um dia, em 1968, depois do AI-5, Duda Collier sumiu de repente, antes da Polícia Federal invadir a Faculdade de Direito, prender e algemar vários estudantes, levados depois para o Quartel do 19º BC. Entre eles, o autor destas linhas.

Ao sair, nunca mais encontrei Duda Collier pessoalmente. Sobre ele (e outros amigos desaparecidos na mesma época) tenho lido e sabido apenas de relatos chocantes e dolorosos, como os do ex-policial do DOPS no livro lançado na capital paulista.
Sigo, como tantos no País, aguardando a verdade.

07 de maio de 2012
Vitor Hugo Soares

HOLOCAUSTO E INDÚSTRIA CULTURAL


                                            "Die Todesmühlen" (Moinhos da morte, 1945).

Historiadores de todo o mundo continuam a perguntar-se como o nazismo foi possível. A progressão de uma barbárie que culminou em Auschwitz parece não ter sido suficientemente interpretada. E as pesquisas são incontáveis: já é humanamente impossível dominar a bibliografia e, mergulhados num caos de interpretações parciais e contraditórias e de interpretações de interpretações, igualmente parciais e contraditórias, somos tentados a fazer como Claude Lanzmann, que reagiu às racionalizações da Shoah com a afirmação contundente: “Aqui não tem nenhum por quê.”. Registrada por Primo Levi como a regra de Auschwitz que lhe fora ensinada por um S.S. assim que chegou ao campo, a frase foi retomada por Lanzmann como única atitude ética e operatória possível para encarar o horror escapando ao diversionismo das interpretações, “com a seqüência infinita das frivolidades acadêmicas ou das canalhices que ele (o porquê) não cessa de introduzir.” [1]

Mesmo os melhores livros sobre o Holocausto afiguram-se supérfluos a Lanzmann: “Lembro-me… de ter lido tantos livros de acadêmicos reputados, como, por exemplo, La formation de l’esprit allemand, de Georges Mosse. É um livro muito bom. Mas depois que se o lê tem-se que dizer: ‘Bem, será por causa de todas essas condições que as crianças foram gaseadas?’. Isto é o que chamei de obscenidade do projeto de compreensão – e isto é mais que obscenidade, é verdadeira covardia, porque a idéia de sermos capazes de engendrar harmoniosamente, se posso dizer assim, essa violência, é um sonho absurdo de não-violência. É uma forma de escapismo, uma maneira de não encarar o horror.”

Lanzmann rejeitou até mesmo Eichmann em Jerusalém: “Essa história da banalidade do mal – com o perdão de Hannah Arendt, ela escreveu algumas coisas melhores, não? Penso que todas aquelas pessoas sabiam perfeitamente que o que estavam fazendo não era absolutamente banal. Talvez elas fossem banais, mas elas sabiam que o que elas estavam realizando não era nada banal, certamente não.” [2]

Uma teologia do Holocausto tende a elevar o acontecimento histórico a um plano metafísico, implícito nos desígnios de Deus na sua luta contra o Demônio, como uma provação necessária pela qual os judeus teriam de passar, diante de uma humanidade indiferente, como parte de um drama escrito nas estrelas. Nessa perspectiva religiosa, o acontecimento adquire um sentido hermético, que apenas os iniciados podem apreender, como se eles tivessem encontrado, no pacto com o carrasco-iniciador, uma reserva secreta de poder sobre a multidão dos profanos.

O projeto de compreender a Shoah pode implicar a idéia de sua aceitação como causalidade inscrita no jogo de forças que determinam o movimento dialético da História, na visão tranqüilizadora de um mundo racional, que se estrutura através dos conflitos entre classes e grupos, em torno de interesses econômicos. Neste caso, a compreensão está a meio caminho da recuperação, do perdão, do esquecimento. O mundo segue sua marcha, evoluindo, progredindo, avançando na meta inevitável da nivelação social. E, no entanto, Auschwitz é a negação da conformista visão marxista do mundo: um buraco negro na dialética sangrenta, mas ainda perfeitamente razoável, da luta de classes.

Como pressentiu o poeta Yehiel Dinur, Auschwitz escapou às leis da História e da Natureza, constituindo um fenômeno histórico cuja simples existência é capaz de revolucionar o conceito que os homens possuíam, não apenas da História, como da própria vida: “Não me considero um escritor. O que eu escrevo é a crônica do planeta Auschwitz. Passei cerca de dois anos lá. O tempo lá não passa como aqui na Terra. Cada fragmento de segundo transcorre segundo outra medida de tempo. Os habitantes deste planeta não têm nome, nem pais, eles não nasceram lá e não deixam filhos. Eles respiram segundo outras leis da natureza. Eles vivem e morrem segundo outras leis que as deste mundo. Acredito no mais fundo do coração que, assim como na astrologia as estrelas influenciam nosso destino, este planeta de cinzas, Auschwitz, está diante de nosso planeta Terra e o influi.”

No projeto de compreender a Shoah há ainda outra dimensão a ser considerada: a de um saber apocalíptico capaz de transformar a consciência humana. Se o gesto que leva o homem aos abismos da loucura permanece inapreensível à razão, o processo histórico dessa loucura pode e deve ser interrogado, pois suas correntes subterrâneas continuam a fluir, emergindo, a cada crise, à superfície do espaço público. Mas o desejo de que Auschwitz não se repita, sob qualquer forma, em qualquer lugar e em qualquer tempo, implica em encarar o horror; e não há como fazê-lo senão pela representação e pela consciência histórica. E é no campo da representação que a rejeição emocional à tentativa de compreender o processo histórico que levou a Auschwitz – tentativa que Lanzmann considera como “frivolidade acadêmica”, “culto do material escrito” e “exploração da alma dos carrascos” – encontra sua maior resistência.

Bruno Bettelheim, num ensaio de seu livro Sobreviver, um ensaio brilhante, mas desatento à condição do cinema como arte industrial, já havia condenado Pasqualino Settebelezze (Pasqualino Sete Belezas, 1976), de Lina Wertmüller, como inverídico e caluniador. Num ensaio menos brilhante, Reflexions of Nazism, an Essay on Kitsch and Death, Saul Friedländer estendeu a crítica a Cabaret (Cabaret, 1972), de Bob Fosse; Il Portiere di Notte (O porteiro da noite, 1974), de Liliana Cavani; e Sophie’s Choise (A escolha de Sofia, 1982), de Alan Pakula, como filmes glamourizadores do nazismo como metáfora do Mal.
Durante um evento organizado por uma associação psicanalítica americana, em que se debateria um documentário holandês sobre o médico Eduard Wirth, carrasco de Auschwitz, após assistir ao filme em sessão privada, e considerando-o uma tentativa de reabilitar o doutor nazista, Claude Lanzmann tentou convencer os espectadores a não vê-lo. A platéia, reunida ali justamente para com ele debater o filme, protestou contra essa sua sugestão de censura. Vencido por uma curiosidade adulta, Lanzmann concluiu pateticamente: “Eu realmente queria proteger vocês.” [3]

Como Lanzmann, mas com uma argumentação muito mais inquietante, os cineastas alemães Hartmut Bitomsky e Heiner Mühlenbrock, autores de um documentário sobre a vanguarda nazista, Deutschlandbilder (Imagens da Alemanha, 1992), recusaram usar imagens de Auschwitz em seu filme sob o seguinte argumento: “Cada um que usa as imagens de um tal sofrimento, toma imediata e irrecusavelmente uma posição moral de direito, mas sem nada ter feito, realizado ou sofrido, mantendo-se o mais distante possível do que se vê nas imagens. Quando hoje alguém mostra estas imagens, continua a praticar mais uma vez o crime. Os mortos lhe são bem-vindos.” [4]

Aqui, a razão do não uso das imagens de Auschwitz é de um pudor tão extremo que beira a má-fé: ao equiparar os crimes hediondos dos carrascos nazistas à divulgação das imagens desses crimes, Bitomsky e Mühlenbrock sugerem que todos os registros de abertura dos campos, todas as provas apresentadas ao Tribunal de Nuremberg, todos os livros de História do Nazismo, todas as mídias judaicas, todos os Museus do Holocausto seriam, ao exibir essas imagens, tão criminosos quanto os carrascos nazistas. Distorcendo Adorno, os pudicos do Holocausto recaem numa forma intelectualizada de antissemitismo. O exemplo mais acabado dessa pudicícia do Holocausto que leva ao ódio à memória organizada e, logo, ao antissemitismo, é a tese desenvolvida por Norman Finkelstein em A indústria do Holocausto, um livro que, não sendo propriamente antissemita, foi a justo título adotado por todo antissemita.

Ora, deverão as imagens do horror dos campos de morte, realizadas assim que eles foram abertos, revelando seu horror ao mundo, ao término da guerra, pelos documentaristas dos Exércitos Aliados (entre os quais se encontravam alguns dos maiores cineastas de todos os tempos, como Frank Capra, Anatole Litvak, George Stevens, John Ford, Alfred Hitchcock, Billy Wilder, Samuel Fuller) serem pouco a pouco esquecidas? Deverá o nazismo ser representado apenas pelas imagens de seus próprios documentaristas, que mostravam como se vivia bem, em força e beleza, sob o ‘Terceiro Reich’?

Claude Lanzmann pôde ainda recorrer aos sobreviventes dos campos em Shoah (Shoah, 1985). Sem utilizar nenhuma imagem de arquivo, ele transmitiu o acontecimento combinando as linguagens oral, gráfica, gestual e cinematográfica numa obra de arte que é, ao mesmo tempo, um documento histórico. Com nove horas e meia de duração, o filme de Lanzmann, cuja realização ocupou onze anos de sua vida, recorda o genocídio dando a palavra aos carrascos e vítimas, trazendo o horror do passado ao presente apenas pela forca da evocação, obrigando o espectador a imaginar o que aconteceu e a pensar no que isto significou, revelando o aspecto absoluto da tragédia dos judeus: como eles foram abandonados pelo mundo e levados a morrer nas câmaras de gás.

Shoah é um documentário exemplar e Lanzmann pode dar-se ao luxo de aí dispensar as imagens de arquivo, já que contou com depoimentos de judeus sobreviventes dos campos e de carrascos nazistas ainda vivos. Mas até quando os sobreviventes do Holocausto poderão dar seu testemunho? Como poderão os cineastas e documentaristas do futuro revisitar Auschwitz sem recorrer às imagens de arquivo? Para alguns críticos judeus, a resposta é simples: Auschwitz não deve mais ser representado.

Para A. B. Yehoshua, representar o Holocausto seria desrespeitar milhões de vítimas: só se poderia aludir ao inconcebível, ao nefando, ao indizível de maneira indireta. Como Perseu, que só conseguiu degolar a Medusa, que petrificava os que a viam, perscrutando-a através de seu escudo brilhante, que lhe serviu de espelho, o Holocausto só poderia ser percebido indiretamente, através de alusões e de metáforas. Por outro lado, transformar o Holocausto em objeto de fruição estética é imoral: não poderia haver em sua representação nenhuma beleza que causasse prazer: ao abordar o tema, a arte precisaria abdicar de sua essência.

Da mesma forma, Elie Wiesel, num artigo publicado no The New York Times, elevou o protesto contra as representações de Auschwitz a toda a indústria cultural, não se limitando a criticar alguns filmes, mas questionando a própria possibilidade de se representar o horror dos campos: “Por que essa determinação de mostrar ‘tudo’ nos filmes? Uma palavra, um olhar, o próprio silêncio comunica mais e melhor. De que modo, afinal, é possível ilustrar a fome, o terror, a solidão de anciãos destituídos de forças e órfãos sem futuro? Como é possível ‘encenar’ um comboio de deportados que foram desarraigados e estão sendo enviados para o desconhecido, ou a liquidação de milhares e milhares de homens, mulheres e crianças? Como é possível ‘produzir’ os metralhados, os asfixiados nas câmaras de gás, os cadáveres mutilados, quando o espectador sabe que eles são atores, e que depois da filmagem voltarão ao hotel para um banho bem merecido e uma farta refeição? Certamente, isto também se aplica a todos os temas de todos os filmes, mas é justamente esta a questão: o Holocausto não é um tema como todos os outros. Ele impõe certos limites. Há técnicas que não deveriam ser usadas, ainda que sejam comercialmente eficazes. Para não trair os mortos e não humilhar os vivos, este tema, particularmente, requer uma sensibilidade especial, uma abordagem diferente, um rigor fortalecido pelo respeito e a reverência e, sobretudo, fidelidade à memória.” [5]

Na literatura de Wiesel, o Holocausto é apresentado como algo de indizível, indescritível, inexprimível, inimaginável, impensável, indecifrável, inescrutável, inefável, inapreensível: “A verdade de Auschwitz permanece oculta em suas cinzas. Somente aqueles que viveram sua realidade na carne e na mente talvez possam transformar sua experiência em conhecimento. Os outros, por melhores que sejam as suas intenções, não podem fazê-lo”. Sim. Mas de que serviria a razão se o conhecimento fosse apenas atingido pela experiência pessoal? Wiesel parece de antemão derrotado: “Essa é a vitória do algoz: ao elevar os seus crimes a um nível além da imaginação e da compreensão humanas, ele planejou privar suas vítimas de qualquer esperança de compartilharem o seu monstruoso significado com os outros”.

Contudo, é Elie Wiesel quem recusa as tentativas realizadas pelo cinema de comunicar ao grande público, sem acesso aos documentos, o significado da Shoah, revoltando-se quando “mercadores de imagens e corretores da linguagem se põem a falar em nome das vítimas”. Até que ponto a mitificação do acontecimento não constitui uma recaída do pensamento crítico na metafísica religiosa, na tentativa de substituir a razão pela experiência como instrumento do saber? A diferenciação que Wiesel faz dos assassínios nazistas de qualquer outro assassínio tende à sacralização do Holocausto, para além de sua especificidade histórica, que inclui a intenção singular do extermínio total de um povo, o número inédito das vítimas e as técnicas inusitadas empregadas nessa destruição.

Mas que princípio ético justifica essa distinção? Ideologia, número, técnica? Wiesel condena o “sensacionalismo” em torno da Shoah como uma blasfêmia e uma profanação, apoiando-se na tradição judaica, segundo a qual “a morte é algo íntimo, privado, e é proibido transformá-la num espetáculo”. O perigo de tal invocação está na constituição de um novo dogmatismo: toda tradição religiosa torna-se terrorista ao agir na esfera laica para suprimir a expressão autônoma dos indivíduos.

Ao analisar as peças e filmes que abordam a Shoah, o que Elie Wiesel recusa, em nome de uma ética religiosa, é o próprio princípio da representação estética: “Homens nus. Mulheres nuas. Crianças nuas. E todos eles maquilados com ketchup e pagos para ‘cair’ nas ‘valas coletivas’. Como é possível explicar tal obscenidade?” Ora, se a arte devesse ser regida pela religião (e a linguagem de Elie Wiesel é conscientemente bíblica), teríamos que recusar, igualmente, as tragédias de Ésquilo, Sófocles e Eurípides, as epopéias de Homero, as peças de Shakespeare e Racine, os contos de Poe e Lovecraft, os filmes de Hitchcock e Polanski, para citar apenas alguns artistas que transformaram o crime, a violência, a maldade e a morte em “espetáculos”.

Toda a arte ocidental, baseada na representação, estaria, por esses critérios, condenada ao desaparecimento. O protesto de Elie Wiesel soa como um eco tardio do discurso de Jean-Jacques Rousseau contra as ciências e as artes, e no qual a representação era condenada de uma perspectiva moralista como fonte de luxúria e decadência. Neste sentido, o lançamento de Schindler’s List (A lista de Schindler, 1993), de Steven Spielberg, reabriu a polêmica sobre a possibilidade de uma reconstituição histórica do Holocausto para o grande público através do cinema. Depois da série da NBC-TV Holocaust (Holocausto, 1978), de Marvin Chomsky, mais um grande sucesso comercial sobre a Shoah! Spielberg não negligenciou o mercado alemão, o maior da Europa, escolhendo adaptar o romance de Thomas Keneally, cujo herói é o industrial nazista Oskar Schindler, e não outros mártires judeus, ou justos não-nazistas.

Mas o filme de Spielberg não poderia ser acusado de “puro entretenimento”. Se ele já abordara o mundo real em The Color Purple (A cor púrpura, 1985) e Empire of the Sun (Império do sol, 1987), nunca antes engajara seu cinema para reverenciar a memória da catástrofe de seu povo. A contradição permanece: para atingir um grande público, Spielberg amenizou a realidade dos campos de morte e não fez um filme sobre os mortos, como Shoah; para seduzir a crítica, sonhando com a noite do Oscar, optou pela fotografia em preto-e-branco e uma duração dilatada, por um estilo de reportagem documental.
Claude Lanzmann protestou num artigo editado por Le Monde logo após a estréia do filme: Schindler’s List seria uma aventura a Indiana Jones; judeus e alemães estariam em permanente comunicação; a própria opção pela forma narrativa, pelo gênero “ficção” trairia os propósitos comerciais do filme, apesar de toda a seriedade com que reconhecidamente fora feito. O que Lanzmann não aceitava era que o tema pudesse atingir um grande público através das formas pelas quais este público estava acostumado a viver suas emoções: com lágrimas reconfortantes, sentimentalismo, vibração pelo herói, compaixão pelos sobreviventes e um quase desprezo pelos mortos.

Mesmo acreditando que o cinema é capaz de tudo, Spielberg evitou mostrar os gaseamentos. Ele poderia tê-lo mostrado, e isto seria politicamente correto num tempo em que neonazistas centram sua propaganda justamente na negação da existência das câmaras de gás. Mas, como artista, Spielberg preferiu sublimar a realidade, apenas sugerindo os gaseamentos de uma forma simbólico-material, na seqüência das mulheres sob o chuveiro; por uma sorte tremenda, elas escapam ao destino da massa dos prisioneiros. Lanzmann considerou estas imagens sublimadas do Holocausto obscenas; para ele, aliás, todas as imagens do acontecimento deveriam ser impedidas, censuradas, proibidas. Chega a confessar que se encontrasse nos arquivos um filme realizado por operadores nazistas mostrando os gaseamentos, não hesitaria: “Eu destruiria este filme”.
Este impulso de destruir documentos visuais coincide de modo inquietante com a prática dos neonazistas falsificadores da História, que poderiam agir como Lanzmann diz que agiria, caso encontrasse tal filme (não acreditamos que ele o faria: sua retórica é apenas uma maneira de ser crítico do revisionismo valorizando sua própria opção estética em Shoah) a fim de impedir as futuras gerações de constatar, de forma irrecusável, o horror “inimaginável”. Recaindo, em sua crítica que se queria radical, num moralismo igualmente radical, Lanzmann termina sancionando uma conduta que poderia ser facilmente adotada, sem o menor escrúpulo, pelos revisionistas e neonazistas.

O paradoxo da indústria cultural é que ela é por natureza boa e má ao mesmo tempo, obrigando os artistas a todo tipo de concessões para que possam atingir as massas, e, deste modo, elevá-las a algum patamar de sensibilidade e consciência. Em outras palavras, é nos seus defeitos mesmos, ou seja, por ser comercial e massificante, que o filme de Spielberg tornou-se um dos melhores antídotos já produzidos contra o veneno que os movimentos neonazistas oferecem, quase sem resistência, às massas que vão sendo desempregadas pela automação do trabalho nas sociedades industriais. Um antídoto cujo efeito, claro, é passageiro, uma vez que a raiz do mal não está nas novas ideologias que o automatismo gera ou favorece, mas nesse modo de produção que desemprega em massa.

Elie Wiesel e Claude Lanzmann consideram os projetos de representação estética e de compreensão racional da Shoah “obscenos”. No entanto, a arte permanece o meio mais universal da transmissão sensorial do conhecimento. A Shoah, enquanto acontecimento histórico, não poderia ser profanada por sua representação, nem o projeto de sua compreensão racional poderia ser imoral em si mesmo. Na sua unicidade e singularidade, Auschwitz continua inserido – como Hiroshima e Nagasaki, modelos diversos e talvez ainda mais radicais de Holocausto – na História da Humanidade, como barbárie inédita em sua forma e conteúdo, mas produzida pela ação humana e pelo que permanece oculto na aparente banalidade do comportamento humano, um acontecimento que requer estudo para ser compreendido e arte para ser transmitido em todas as suas dimensões.

Na resenha intitulada “O sagrado como deserto”, Luiz Costa Lima afirma – dificilmente com razão – que Mameloshn [6] da psicanalista Halina Grynberg, é “o primeiro livro publicado no Brasil por uma descendente dos que sobreviveram ao Holocausto.” [7] Observa que o subtítulo, Memória em carne viva, é “mero arbítrio”, pois em sua opinião o livro poderia ser um romance, sendo esse gênero rejeitado pela autora devido à “descontinuidade que, na visão contemporânea, separa a experiência nos campos de concentração nazistas e a forma ficcional”.

Luiz Costa Lima atribui essa descontinuidade ao “tabu da ficcionalização do Holocausto”. Ele não se decide, contudo: por um lado, censura a autora por temer transformar em ficção os horrores que os pais dela sofreram, embora eles pudessem dar interessantes personagens; por outro lado, afirma que, “embora a autora não o saiba” (e como ele sabe que ela não sabe?), é o respeito a esse tabu que distingue seu livro da massa amorfa, evitando “a obscenidade de cenas de impacto, facilmente transformáveis em best-seller ou em peça de propaganda de um país”. O crítico sugere que obras que mostrem os horrores do Holocausto serão negócio garantido ou propaganda de Israel, obra de judeu ganancioso (a “indústria do Holocausto”) ou de judeu sionista (que “massacra os palestinos”): “Embora a decisão de Lanzmann tenha de antemão lhe recusado a assistência de nem sequer um milionésimo dos espectadores do diretor norte-americano, filmes posteriores – A vida é bela, de Roberto Benigni, e O pianista, de Roman Polanski – mostram que Lanzmann venceu o desafio: para a sensibilidade de agora, ficcionalizar o Holocausto equivale a uma verdadeira obscenidade. Para que a evitassem, Benigni, numa solução discutível, optou por focalizar a experiência concentracionária sob uma ótica infantil e, Polanski, pela criação de um argumento paralelo: a do próprio protagonista, cuja carreira é cortada pela raiz pelo evento que permanece em segundo plano.
Em ambos os casos, pois, a invenção fílmica evita ou tratar a matéria dura pelos olhos de um adulto ou dispô-la em primeiro plano. [...] É espantoso que, em tempos dessacralizados como os nossos, se crie uma nova prática de proibição da figura. A proibição, conhecida por culturas antigas como a hebraica e a islâmica, tinha como razão o sagrado. Interditava-se a representação do sagrado ou de toda figura que se lhe assemelhasse. Hoje, não é nenhum sagrado que formula o princípio interditor; nem muito menos há algum preceito que o exprima literalmente. A interdição (prática) de representação ficcional do Holocausto não aponta senão para o lugar vazio hoje ocupado pelo sagrado. O sagrado é a ausência que mal conseguimos perceber ou entender. Por isso mesmo seu desrespeito será exercitado em nome de um “sagrado” que se respeita sem que se lhe tenha como tal: a caixa da bilheteria, a conta bancária, as cotações da Bolsa.” [8]

O crítico contraditoriamente considera “espantosa” a suposta “nova prática de proibição da figura” que hoje interditaria a ficcionalização do Holocausto, ao mesmo tempo em que observa, com amargura, que os que desrespeitam tal tabu fazem-no em nome de outro “sagrado”: “a caixa da bilheteria, a conta bancária, as cotações da Bolsa”. O crítico emite uma mensagem com dois sentidos opostos: os judeus devem quebrar esse tabu, mas os que o quebram são gananciosos avarentos ou propagandistas de Israel. Assim, ele sugere à autora que ficcionalize o Holocausto com seus “personagens interessantes” ao mesmo tempo em que censura os que ficccionalizam o Holocausto como geradores de best-sellers e propagandistas de Israel: um beco sem saída!

Na verdade, as contradições de Costa Lima são de ordem metodológica. Para explicar o suposto medo da autora de quebrar o suposto tabu da ficcionalização do Holocausto, ele compara A lista de Schindler, de Steven Spielberg, com Shoah, de Claude Lanzmann; qualifica negativamente o primeiro como uma obra de “ficção, com todos os ingredientes – enredo sentimental, música de fundo melodramática, reconstituição de época, o homem de ‘bons sentimentos’ entre uma corja de animais, etc. para atrair centenas de milhares de espectadores”; e o segundo positivamente de “recusa terminante de romancear a tragédia”.
Afirma que Lanzmann, apesar de fracassar na bilheteria, venceu o desafio, dado que filmes posteriores, como A vida é bela, de Roberto Benigni, e O pianista, de Roman Polanski, evitaram a obscenidade de ficcionalizar o Holocausto – Benigni focalizando a experiência concentracionária sob uma ótica infantil, Polanski criando o argumento paralelo da carreira do protagonista cortada pelo Holocausto, deixado em segundo plano: nos dois casos, essas invenções cinematográficas evitariam a “matéria dura”.

Ora, em primeiro lugar, o filme de Spielberg é igualmente posterior ao de Lanzmann, participando, logicamente, da mesma “visão contemporânea” de A vida é bela e O pianista. Tanto Spielberg quanto Benigni e Polanski ficcionalizam o Holocausto. A posição de Lanzmann não venceu, como afirma Costa Lima. Benigni, de maneira torpe, e Polanski, com dignidade, seguiram, bem ao contrário, a opção artística de Spielberg (e de tantos outros cineastas), e não a opção radical de Lanzmann. Não há, portanto, nenhum tabu atual quanto à ficcionalização do Holocausto: o que existe é uma dificuldade óbvia de tratar de tema tão complexo e sensível.

Um dos sentidos da palavra “ficção” é o de coisa falsa, inventada. Contudo, uma “obra de ficção” não é necessariamente falsa, inventada: se há ficção saída da pura imaginação, há ficção baseada em fatos reais; e para além das obras de ficção, há memórias documentais e memórias romanceadas. Se a autora não pretendeu escrever romance, nem memória romanceada, mas memória documental, ela tem todo o direito de reivindicar para seu relato esse caráter, e não outro.

Diários da época, como Crônica do Gueto de Varsóvia, de Emmanuel Ringelblum; depoimentos como É isso um homem?, de Primo Levi; A noite, de Elie Wiesel; ou O coração informado, de Bruno Bettelheim; análises como A destruição dos judeus da Europa, de Raul Hilberg; romances como Treblinka, de Jean-François Steiner, ou O jardim dos Finzi Contini, de Giorgio Bassani; reportagens da época como Moinhos da morte (1945) e Evidência para toda a humanidade (1945); filmes de ensaio com base documental, como Noite e brumas (1955), de Alain Resnais; filmes testemunhais, como Shoah (1985), de Claude Lanzmann; documentários como O longo caminho para casa (1997) e Nos braços de estranhos (2000), de Mark Jonathan Harris; e The Last Days (1998), de James Moll; ou filmes de ficção baseados em fatos reais, como Estrelas (1959), de Konrad Wolf; A passageira (1963), de Andrzej Munk; O jardim dos Finzi Contini (1970), de Vittorio de Sica; A escolha de Sofia (1982), de Alan Pakula; A lista de Schindler (1993), de Spielberg; ou O pianista (2003), de Polanski, são obras que, em diferentes gêneros, abordam a realidade do Holocausto, ampliando nossa consciência, agindo no sentido de alertar a humanidade sobre os perigos das idéias, das palavras e dos atos que conduzem ao anti-semitismo, ao totalitarismo, ao genocídio – fenômenos que estão longe de desaparecer de nosso mundo.

janeiro 2, 2011
Luiz Nazario

[1] LANZMANN, Claude. “Hier ist kein Warum”, in Au sujet de Shoah – Le film de Claude Lanzmann. Paris: Belin, p. 279.
[2] LANZMANN, Claude. [Entrevista]. American Imago, v. 48, 1991, n° 4, p. 473-496.
[3] LANZMANN, Claude. [Entrevista]. American Imago, v. 48, 1991, n° 4, p. 473-496.
[4] BITOMSKY, Hartmut; MÜHLENBROCK, Heiner, apud ROSENBERG, Karen, Mit Avantgarde-Verfahren gegen die Avantgarde der Nazizeit, Kinetmathek, n° 78, ano 29, mar. 1992.
[5] WIESEL, Elie. A dessacralização do Holocausto. O Estado de Sao Paulo, Caderno Cultura, n° 466, 1° jul. 1989, p. 1-2.
[6] O iídiche falado na Europa Oriental, especialmente na Polônia.
[7] LIMA, Luiz Costa. O sagrado como deserto. Folha de S. Paulo, 30 mai. 2004.
[8] LIMA, Luiz Costa. O sagrado como deserto. Folha de S. Paulo, 30 mai. 2004.
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07 de maio de 2102