Às vésperas do julgamento do mensalão, o empresário Marcos Valério ameaça de novo revelar detalhes de encontros secretos que teria mantido com o então presidente Lula antes do escândalo
Pouca gente tem mais intimidade com o ex-presidente Lula do que o ex-metalúrgico Paulo Okamotto. Além de amigo pessoal, ele sempre atuou como uma espécie de assessor de luxo do ex-presidente, principalmente em assuntos que envolvem dinheiro.
No Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, Lula foi presidente e Okamotto, diretor de finanças. Na primeira campanha presidencial disputada pelo petista, em 1989, Okamotto era o tesoureiro.
Essa relação de confiança ganhou outra conotação quando se soube, durante o escândalo do mensalão, que Okamotto pagara do próprio bolso uma dívida do presidente.
A operação levantou uma série de dúvidas, principalmente porque a dívida foi saldada em dinheiro vivo e não havia registro algum do responsável pela quitação.
Coube ao próprio Okamotto esclarecer o mistério: ele tinha em mão uma procuração do presidente que lhe dava poderes para atuar em seu nome.
O polivalente Okamotto anda às voltas com uma missão político-financeira muito mais complicada: foi encarregado de manter sob controle – e acima de tudo em silêncio – o empresário Marcos Valério.
Às vésperas do julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal, Valério está chantageando o ex-presidente Lula e o PT.
Denunciado pelo procurador-geral da República como operador do maior esquema de corrupção da historia, Marcos Valério era dono de duas agências de publicidade que escondiam uma câmara de compensação.
Em 2002, na campanha que elegeu o ex-presidente Lula, a agência, entre outras coisas, providenciou o envio ao exterior de mais de 10 milhões de reais para pagar as despesas de campanha do PT – dinheiro arrecadado no Brasil, provavelmente de corrupção, e remetido para fora do país de maneira ilegal.
No governo Lula, o esquema ganhou sofisticação. A agência passou a receber recursos diretamente dos cofres públicos, simulava prestação de serviços e subornava congressistas e partidos políticos.
Segundo o Ministério Público, 74 milhões de reais foram desviados.
Encarregado da contabilidade da “organização criminosa”, Valério responde pelos crimes de corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e evasão de divisas.
Somadas, as penas podem chegar a 43 anos de prisão. O empresário se diz guardião de um valioso e delicado segredo.
Em maio, quando os ministros do STF já debatiam a data do início do julgamento, petistas influentes foram mobilizados para conter a ofensiva de Marcos Valério.
De Belo Horizonte, onde mora, o operador do mensalão fez chegar à cúpula do PT a ameaça: depois de refletir muito, teria finalmente decidido procurar o Ministério Público para revelar alguns segredos – o principal deles, supostos detalhes de suas conversas com Lula em Brasília.
O ex-presidente sempre negou a existência de qualquer vínculo entre ele e o operador do mensalão antes, durante e depois do escândalo.
Para mostrar que não estava blefando, como já fizera em outras ocasiões, o empresário disse que enviaria às autoridades um vídeo com um depoimento bombástico, gravado por ele em três cópias e escondido em lugares seguros.
Seria parte do acordo de delação premiada com os procuradores. Seu arsenal também incluiria mensagens e documentos que provariam suas acusações.
Paulo Okamotto, que hoje é diretor-presidente do Instituto Lula, foi um dos que receberam o recado – prontamente decodificado por um grupo de assessores próximos ao ex-presidente, que entrou em ação para evitar turbulências na reta final do processo.
Desde as primeiras chantagens de Valério em 2005, o ex-tesoureiro era incumbido de intermédiar as conversas com o empresário, que cobrava proteção e dinheiro.
O advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, petista histórico e também integrando do círculo íntimo de Lula, foi destacado para descobrir se as ameaças, desta vez, procediam. Ele procurou pessoas próximas a Marcos Valério, advogados, integrantes do Ministério Público, políticos e empresários.
Ouviu a história sobre o depoimento em vídeo, mas não encontrou uma evidência de que ele realmente existia. Greenhalgh, há mais de um ano, é um dos encarregados de conversar com Marcos Valério. Ele se reuniu com o empresário algumas vezes em seu escritório em São Paulo.
“O Greenhalgh é o pacificador, é quem sempre dá as garantia a ele”, disse a VEJA uma fonte de confiança de Valério.
O advogado não sabe se o vídeo existe ou não, porém descobriu que o tal acordo de delação premiada era mais um blefe do empresário. Um blefe calculado para gerar calafrios e advertir os petistas sobre antigos compromissos assumidos.
Segundo um assessor do empresário, a cúpula do partido prometeu que lançaria mão de todos os instrumentos possíveis para livrá-lo da cadeia.
Procurado, o advogado Greenhalgh não retornou as ligações. Paulo Okamotto admitiu ter participado de reuniões com Marcos Valério, mas disse que isso nada tem a ver com ameaças ou chantagens: “Ele queria me encontrar porque às vezes queria saber das coisas. Em geral, ele quer saber como está a política, preocupado com algumas coisas”.
O mensaleiro escolheu como consultor o melhor amigo do ex-presidente, que chantageia há sete anos. Indagado se a consultoria também envolvia assuntos financeiros, Okamotto explicou:
“Ele tem uma pendência lá com o partido, uma pendência lá de empréstimos, coisa do partido”, referindo-se ao processo em que Valério cobra judicialmente 55 milhões de reais do PT, como pagamento dos empréstimos fictícios que abasteceram o mensalão.
E concluiu em tom enigmático: “O Marco Valério tinha relação com o partido, ele fez coisas com o partido. Eu nunca acompanhei isso. Então, quem pariu Mateus que o embale, né, meu querido?!”
Não é a primeira vez que o operador do mensalão ameaça envolver o ex-presidente Lula no caso. Em 2005, quando começaram a surgir provas contundentes do envolvimento de Marcos Valério no esquema, e suas ligações umbilicais com o PT, o empresário ligou para o então presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha, disse que faria um acordo de delação premiada e advertiu:
“Avisa ao barbudo que tenho bala contra ele”.
Ameaçou, também, revelar o nome das empresas que abasteceram o caixa dois da campanha de Lula em 2002 e fulminar ministros que haviam recebido parte do dinheiro.
Pelo seu silêncio, Valério impôs algumas condições. Queria garantia de que não seria preso e uma bolada de 200 milhões de reais. As denúncias nunca se materializaram.
Em 2010, Marcos Valério fez uma confidência no gabinete de uma autoridade de Brasília: “O Delúbio (Soares) me levou para um futebol no Palácio”.
A autoridade tentou mostrar indiferença diante do que acabara de ouvir, mas sabia mito bem o que aquilo significava. O objetivo era apenas enviar mais um recado. Delúbio garantiu que essa visita nunca existiu.
Pouco antes de deixar a Presidência, Lula disse que se dedicaria a provar que o mensalão não existiu. Mas, em flagrante contradição, em 2005, no ápice do escândalo, o então presidente se penitenciou:
“Eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. Não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos de pedir desculpas. O PT tem de pedir desculpas”.
Apesar de reconhecer o crime, a estratégia já naquela época era afirmar que toda a fraude aconteceu sem que o líder máximo do partido soubesse.
Teoria que o próprio Lula acabou por fragilizar em depoimento ao Supremo Tribunal Federal, quando confirmou que realmente fora advertido pelo deputado Roberto Jefferson sobre a existência do mensalão antes de o escândalo eclodir.
Segundo o próprio Lula, na ocasião estavam presentes os ministros Aldo Rebelo e Walfrido Mares Guia e o deputado Arlindo Chinaglia – o mesmo que Jefferson acusou na semana passada de ter lhe oferecido vantagens para que ele não denunciasse a fraude.
Arlindo Chináglia disse que isso não é verdade
Na reta final, blefando ou não, é no mínimo estranho que, sete anos depois do mensalão, Marcos Valério continue ameaçando o PT – e o PT continue assombrado com as ameaças de Marcos Valério.
21 de julho de 2012
Rodrigo Rangel – Veja