"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 24 de julho de 2012

DISCUTINDO "O CORINGA" COM JABOR

Comentando o massacre do Colorado hoje no Estado (aqui), Jabor se permite fazer voar o seu pessimismo apocalíptico.
Já andei por esses territórios escuros...

Cada vez mais, nessa sua primavera do nada, ele pensa despudoradamente como quem se entrega a um ganir. Na sua ânsia de analisado de negar mistério ao mistério e procurar causalidade em tudo, tem usado a sua inteligência com a mesma absoluta dispensa de filtros ou seleção prévia de alvos com que o atirador sorridente usou suas armas naquele cinema do Colorado.

Tentação temerária, essa de atribuir à inteligência a missão de varrer O Mistério da face da Terra!
Insisto nisso porque não é de hoje que suspeito que, na raiz desses massacres, está justamente a aridez da vida sem mistério.

Jabor nota, a certa altura, que "quando o Código Hays da terrível censura careta dos anos 30 foi extinto em Hollywood, a sexualidade continuou ausente dos filmes. Só floresceu a brutalidade total, o substitutivo puritano para o sexo".

É verdade, sobretudo agora.

Mas essa sugestão de que ainda é ao patrulhamento das suas avozinhas para que não durmam com as mãos por baixo dos lençóis, bulindo "nas partes", que se deve a entrega desses "puritanos" ultrareprimidos à violência é Freud demais pro meu caminhãozinho!
Eu não acredito nem por um minuto que religião, nos dias que correm, pese tanto assim nem praqueles caras dos grotões do Islã para os quais qualquer violação redunda em pesado castigo físico e até na morte. Até eles já sabem que isso é só mais uma das ferramentas covardes do jogo do poder e que não existe mão de deus nenhuma nessa brutalidade toda.

Que dirá os americanos do ano da graça de 2012!
Por que, então, derrubada a "censura careta dos anos 30", só a "brutalidade total" floresceu nos filmes de Hollywood?

Porque o ato de infligir a morte ao outro e suas multiplicações - a brutalidade total, o assassinato, o genocídio - são o último limite do proibido, a derradeira transgreção da qual não se pode sair impune, o último território ao qual homens e mulheres, velhos e crianças, não podem ir e voltar livremente a qualquer hora do dia ou da noite, até do computador do escritório enquanto trabalham ou fazem a lição de casa.

Já não digo matar simplesmente, mas matar a esmo ainda é o unico modo infalível de se impor à atenção alheia (e já quase nem isso).

O sexo até a última das suas perversões, nesta era da internet, é a essência do déjavu, do óbvio, do já sabido. Nem Pedro Bial no seu dia mais inspirado consegue produzir o mais leve rubor na face de uma criança que seja explorando o filão desse "tabu".
Suspeito, portanto, que é a arte quem imita a vida, nesse caso, como sempre realimentada até o empanturramento pela força do dinheiro.
Quem sou eu pra ensinar padre nosso a vigário!

Mas a mágica do cinema, o fascínio que ele exerce sempre esteve na possibilidade que ele enseja de tornar possivel o impossível, de materializar o apenas sonhável, de colocar o espectador onde ele nunca poderia estar, de passar o limite do não retorno e retornar.
"Cinema verdade" nunca deu ibope porque de realidade já temos, todos nós, muito mais do que somos capazes de engolir. O que falta cada vez mais é o que se não sabe; é o que se não pode saber. O que falta cada vez mais é espaço para o sonho, é espaço para o mistério.

É essa a fresta pela qual sempre se esgueirou a esperança. Já foi "na outra vida", já foi no "Novo Mundo", já foi "além da última fronteira" que dormiu a utopia à espera de que os audazes, os santos, os sonhadores e até os machucados viessem abraça-la.
Hoje onde é que ela se esconde?
Já a dor, dói como sempre doeu...

Resta sempre a alternativa de se provar sublime para quem não suporta ver a sua ser ignorada. Mas isso não é para quem quer. Daí haver sempre mais tarantinos que chaplins e woody allens, tanto no cinema quanto na vida real.

fernaslm
24 de julho de 2012

PEDRA NO CAMINHO

”Que mal esse homem fez ao Estado, à União, às pessoas? Ele é uma pessoa maravilhosa, que só ajuda as pessoas”.

Andressa Mendonça, mulher de Carlinhos Cachoeira, garantindo que o maridão só não foi canonizado porque o Código Penal continua em vigor.

OS DESMENTIDOS DE MARCOS VALÉRIO CONFIRMAM QUE LULA PRECISA TRATAR COM MUJITO CARINHO A CAIXA PRETA MAIS PERIGOSA DO PAÍS

 

Como revelou a edição de VEJA desta semana, o grão-mensaleiro Marcos Valério comunicou a amigos de Lula que, se não fosse tratado com o carinho que merece a mais perigosa caixa-preta do país, poderia ceder à tentação de contar detalhes de conversas que teve com o ex-presidente antes da descoberta do mensalão. Nesta segunda-feira, instado pelo portal Terra a comentar a reportagem, Valério confirmou a ameaça com duas frases grávidas de entrelinhas.

“Eu sou igual ao doutor Delúbio, nunca endureci o dedo para ninguém e não vai ser agora, às vésperas do julgamento”, começou o declarante. “Eu não tenho nenhum confidente em Brasília, principalmente lá, onde não vou há anos”, terminou. Traduzidas as frases, o que se ouve são dois desmentidos que ratificam e ampliam as informações divulgadas por VEJA.

A primeira lembra aos interessados que, como Delúbio Soares, Valério sabe muito e não contou nada, está pagando sozinho por pecados coletivos e espera que os danos morais e financeiros sejam devidamente compensados. Ao frisar que nunca endureceu o dedo, está dizendo que poderia ter feito o contrário. O indicador só enrijece se existe algo ou alguém a apontar. Não fez isso e não fará às vésperas do julgamento, sublinha. Mas nada impede que faça depois. Depende do desfecho do caso.

Ao afirmar na segunda frase que não tem confidentes em Brasília e não aparece por lá há alguns anos, Valério confirma outra informação da reportagem: os encontros com Paulo Okamotto e Luiz Eduardo Greenhalgh, que repassaram o recado a Lula, ocorreram em São Paulo. Não foi necessário reaparecer no local do crime. Antes da descoberta do esquema criminoso, ele passava mais tempo em Brasília do que em Belo Horizonte e entrava sem bater em gabinetes inacessíveis para a gente comum. Até ser reduzido a caso de polícia e descobrir como é passar a noite na cadeia.

Em setembro de 2011, nas alegações finais apresentadas ao Supremo Tribunal Federal pela defesa de Marcos Valério, o advogado Marcelo Leonardo afirmou que o elenco formado por 38 réus do processo do mensalão só ficará completo com a incorporação do protagonista ausente. Dois trechos do documento resumem a ópera:

“É um raríssimo caso de versão acusatória de crime em que o operador do intermediário aparece como a pessoa mais importante da narrativa, ficando mandantes e beneficiários em segundo plano”, escreveu o advogado. “Alguns, inclusive, de fora da imputação, embora mencionados na narrativa, como o próprio presidente LULA”.

“A classe política (…) habilidosamente deslocou o foco das investigações dos protagonistas políticos (LULA, seus ministros, dirigentes do PT etc) para o empresário (…) dando-lhe uma dimensão que não tinha e não teve”.

Letras maiúsculas são gritos gráficos. As menções a LULA berram silenciosamente as ameaças sussurradas pelo diretor financeiro do bando. Ninguém tem tanto a dizer quanto Marcos Valério.

Augusto Nunes
24 de julho de 2012

GUIA DO PETISTA MILITANTE

 

"Faça tanto sucesso quanto o Dilmaboy"

Depois de José Serra comparar, no sábado passado, em São Paulo, a ação de militantes petistas na internet a tropas nazistas, o PT, veja só, resolveu lançar um portal nacional para doutrinar os internautas petistas nas artes da campanha.

Batizado de Guia Digital do Militante, o site ensina a criar perfis nas redes sociais, orienta sobre como “melhor utilizar” as ferramentas de Twitter e Facebook durante o período eleitoral e oferece materiais de campanha para candidatos (templates prontos para sites e blogs de campanha).
O arsenal petista pode ser acessado pelos militantes que preencherem um cadastro específico do partido, com nome, data de nascimento, telefone, e-mail, cidade e estado. Veja o que o PT ensina sobre o uso do YouTube, por exemplo:

– Se inscreva no canal do seu candidato e diga que “gostou” dos vídeos. Assim como no Facebook, a participação nos comentários aqui também é fundamental. Vídeos criativos sempre são bem-vindos. Faça seu diário de campanha (vlogger); filme eventos de campanha; entreviste militantes e, se der, faça tanto sucesso com seus vídeos quanto o Dilmaboy, manifestação espontânea da militância que virou um dos assuntos mais falados na última campanha presidencial.
Entre os mandamentos, aparecem, por exemplo, estes dois:

- Lembre-se: é muito mais fácil convencer um indeciso do que um militante adversário. Fortaleça nossos candidatos nas esferas de debate, mas concentre esforços nos eleitores indecisos.
- Sempre que possível, cite os bons resultados que o PT obteve com os programas federais.

24 de julho de 2012
Por Lauro Jardim

POVO BRASILEIRO PAGA FESTINHA DO GOVERNO DILMA EM COMITÊ ABORTISTA DA ONU

    
          Artigos - Governo do PT 
Ô povo que gosta de ser enganado!

Durante sua campanha na última eleição presidencial, vendo-se pressionada pela oposição do povo brasileiro ao seu radical histórico pró-aborto, Dilma Rousseff
assinou o compromisso de não descriminalizar o aborto. Foi um sacrifício imenso, pois legalizar o aborto está não só nas entranhas de sua antiga militância comunista, mas também no próprio coração do seu partido, o PT.

Contudo, depois de eleita, Dilma imitou Lula, que em 2002 também havia feito compromisso com 500 líderes protestantes, pentecostais e neopentecostais de não permitir que seu governo promovesse o aborto e o homossexualismo. Semelhante compromisso não foi necessário com a CNBB, companheira na fundação do PT.

Lula nunca conseguiu cumprir seu compromisso e Dilma não parece querer ser infiel aos descompromissos dele.

Além de enviar técnicos de saúde ao exterior para conhecer em detalhes projetos cuja finalidade é garantir o chamado “aborto seguro”, o Ministério da Saúde também tem prorrogado há mais de dois anos convênios com a Fundação Oswaldo Cruz cuja intenção é o estudo para legalizar por completo o aborto no Brasil.
Mais recentemente, Dilma nomeou Eleonora Menicucci como ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM). Eleonora, além de ativa feminista e militante pró-aborto, era companheira de atividades terroristas comunistas no passado de Dilma. Seu currículo inclui uma viagem à Colômbia em 1995 para aprender a fazer abortos. De terrorismo contra o governo do Brasil, ambas passaram para o terrorismo contra os bebês em gestação. Hoje, Eleonora é membro do Grupo de Estudos sobre Aborto (GEA), da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos.


Fundada no início da década de 1990 por 40 organizações feministas, a Rede cresceu com o apoio da Fundação MacArthur, uma poderosa instituição americana que é um dos principais financiadores do aborto no mundo inteiro. A Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos desempenha um papel importante na mudança das mentalidades na luta pela descriminalização do aborto. Na prática, a Rede tem espaço em vários conselhos de Saúde e é apoiada pela ONU, em Nova Iorque.

Foi para Nova Iorque, neste mês, que a ministra Eleonora Menicucci voou, onde, ao lado da assessora especial Marinei Luiz Bonfim, cumpriu agenda entre os dias 8 e 9. O único motivo da viagem, segundo informa a agenda oficial disponível no site da SPM, foi a celebração dos 30 anos da criação do Committee on the Elimination of Descrimination against Women (CEDAW), ou Comitê da ONU para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. O Comitê tem usado e abusado de questões das mulheres para promover práticas abortivas em países como o Brasil. Apesar dos protestos de vários paises, o Comitê tem persistido em cobrar a legalização do aborto de governos de várias partes do mundo.

Por motivos óbvios, Eleonora se sente em família no Comitê da CEDAW. Portanto, por nada neste mundo ela poderia perder o aniversário de um órgão tão importante da ONU para as feministas do mundo inteiro.
A data também foi amplamente festejada pela embaixadora do Brasil nos Estados Unidos, Maria Luiza Ribeiro Viotti, que abriu, para receber a ministra e convidados, a Residência Oficial brasileira, localizada na Rua 79, em Nova York.

Estimativa feita pelo Portal Fé em Jesus aponta que, para a viagem da ministra e sua assessora, foram gastos aproximadamente R$ 4 mil em diárias e outros R$ 20 mil com as passagens aéreas, levando em consideração o pagamento de bilhetes de ida e volta a Nova Iorque na classe executiva, onde costumam viajar autoridades de Estado e assessores especiais. Na TAM, por exemplo, cada trecho nesta classe sai a R$ 5.768,00 para viagens a Nova Iorque realizadas este mês.

Pesquisas de opinião pública já mostraram que 70 por cento do povo brasileiro não quer que a legalização do aborto. Entretanto, esse mesmo povo banca as despesas e luxo de indivíduos que vão a ONU celebrar o que o povo não defende.

A relação do governo brasileiro com o Comitê da CEDAW não é recente. Em 2005 o governo Lula reconheceu, junto ao Comitê abortista, o aborto como direito humano. Na ocasião, foi entregue ao Comitê o documento intitulado “Sexto Informe Periódico do Brasil ao Comitê da ONU para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher” onde, nas páginas 9 e 10, ele reconhece o aborto como um direito humano da mulher e reafirma novamente diante da ONU decisão do governo de revisar a legislação punitiva do aborto.

A viagem este mês da ministra Menicucci a Nova Iorque especialmente para o aniversário da CEDAW revela que o governo do PT tem os mesmos interesses e ambições do Comitê da CEDAW, a quem fez a promessa, em 2005, de lutar em favor do aborto livre no Brasil.

Essa é uma promessa que Dilma e suas ministras abortistas estão lutando para cumprir, apesar da vontade oposta do povo e apesar do compromisso assinado por ela em 2010.
O lema socialista delas para o povo parece ser: “Aceite nossas mentiras, que gostamos!”

A resposta do povo, nas urnas que sempre elevam ao governo os mentirosos e suas intenções abortistas sanguinárias, é: “Me engana que eu gosto!”

Gosta mesmo. Está até bancando farras de abortistas brasileiros em Nova Iorque e outros lugares do mundo!
Ô povo que gosta de ser enganado!

Julio Severo  
24 de julho de 2012

MALAFAIA, O DEBATE POLÍTICO E SOFISMAS DE CRISTÃOS BURROS

    
          Artigos - Religião 
       
Silas Malafaia, ao propor uma participação política democrática de seu grupo está mais a favor do estado laico do que os mentirosos do lado humanista. Essa é a mensagem que deve ser passada, e os que estão do lado conservador devem transmiti-la.

Segue matéria do Notícias Gospel Mais:

Com a proximidade das eleições um assunto que muito vem sendo discutido é a participação da Igreja e das lideranças religiosas no processo eleitoral. Nessa segunda feira, o pastor Silas Malafaia publicou em seu site um texto no qual apresenta cinco argumentos para que a religião e a política andem juntas.
Malafaia publicou seus argumentos como comentário às declarações feitas pelo professor de filosofia da universidade de Harvard, o americano Michael Sandel, que declarou recentemente que a política precisa se abrir à religião e acolher as convicções religiosas no debate público.

O professor afirma que o que deve ser afastado da política não é a religião, mas o dogmatismo e a intolerância, que podem ser provenientes tanto de ideologias religiosas quanto seculares.
- A política diz respeito às grandes questões e aos valores fundamentais. Então, a política precisa estar aberta às convicções morais dos cidadãos, não importa a origem. Alguns cidadãos extraem convicções morais de sua fé, enquanto outros são inspirados por fontes não religiosas – disse o filósofo.
De acordo com o pastor, em sua primeira razão para que a religião ande lado a lado com a política, a afirmação de Jesus “Dai a César o que é de César, dai a Deus o que é de Deus”, teria servido para mostrar o compromisso do cristão com a cidadania humana e celestial. A mesma razão é citada pelo pastor em seu segundo argumento, quando Romanos 13:7.
Em seguida Malafaia afirma que a Igreja, enquanto corpo místico de Cristo, não precisa de nenhum político para se estabelecer, mas que os cristãos não devem se omitir nesse aspecto para que os “filhos das trevas” não venham influenciar e determinar sobre a vida social.
- Existe um jogo pesado e creio que satanás está por trás disto. Todos podem influenciar na política: metalúrgicos, médicos, filósofos, sociólogos etc. Todo tipo de ideologia, inclusive a ideologia humanista/materialista, que nega a existência de Deus, pode influenciar na política. Mas o estilo de vida cristã, não! Isto é um absurdo! O povo de Deus não pode cair neste jogo. As nações mais poderosas e democráticas do mundo foram influenciadas, em todas as suas instâncias, pelo cristianismo – afirma o pastor em seu quarto argumento.
Por último, Malafaia afirma que não foi levantado por Deus para ser um político, mas sim para influenciar em todos os campos da vida. Ele afirma ainda que o pastor tem “autoridade bíblica para orientar as ovelhas de Jesus em todas as áreas”.
Meus comentários

Devo deixar bem claro que tenho medo de uma teocracia, pois ateus como eu não se dariam muito bem em um ambiente teocrático. Entretanto, o que Silas pede é a participação ATIVA de cristãos na política, o que não tem nada a ver com teocracia.
Ora, se um humanista pode participar da política, por que um cristão não pode? Essa é a concepção criada no imaginário popular por um grupo de interesse (esquerdistas), que NÃO QUEREM a participação dos religiosos tradicionais, mas sendo os esquerdistas os religiosos políticos da parada, isso significa que eles querem impor a religião deles sobre o restante. Algo como se dissessem: “A única religião permitida na atuação política é a religião política, que envolve o marxismo e humanismo, mas a religião cristã não pode ser permitida”. Não é preciso elaborar uma teoria complexa para notarmos que estamos diante de um caso de vested interest aí.
Curiosamente, muitos ainda não perceberam e acabam caindo nos truques, como o deste comentarista da matéria, Victor Lima: “Há muito conquistamos a separação entre a igreja e o estado, um verdadeiro progresso. O que esse cara quer é um retrocesso, abandonando tudo o que já conseguimos e voltando à época em que a igreja e o estado de misturavam. Esse cara é uma ameaça à democracia.”

Quais os truques que Victor tenta? Para começar, de acordo com o jogo de rótulos, ele tenta impor a si mesmo (e ao seu grupo) o rótulo de “defensor do estado laico”. Esse rótulo, ao ser utilizado, tenta fazer com que a platéia o perceba como o defensor da liberdade de religião, enquanto o seu oponente seria rotulado como aquele que quer “tolher” sua liberdade. O problema é que o estado laico nem de longe proibe que pessoas de uma determinada religião participem politicamente. Pelo contrário, o BANIMENTO de um grupo de participação religiosa aí sim é uma violação dos princípios do estado laico. Por isso, Silas Malafaia, ao propor uma participação política democrática de seu grupo está mais a favor do estado laico do que os mentirosos do lado humanista. Essa é a mensagem que deve ser passada, e os que estão do lado conservador deviam transmiti-la.

Além do truque básico, Vitor atribui ao oponente rótulos como “retrocesso” e “inimigo do estado laico”, além de uma “ameaça à democracia”. Notem que o jogo é exatamente esse, e este mapeamento comprova tudo o que este blog tem afirmado em termos de dinâmica social do jogo político. Entretanto, a verdade nos mostra que é Victor o obscurantista da questão, por tentar proibir um grupo de participar politicamente, o que poderia rotulá-lo como discriminador de grupos.
Por outro lado, ainda temos alguns cristãos mansos que aceitaram a camisa de força imposta pelo adversário e, mesmo sendo cristãos, querem repelir o discurso de Silas. Alceu Santos disse: “Ô meu Deus!… Que tristeza ler isso de um homem que se diz profeta de Deus para nossa nação! Ainda bem que a minha pátria é a celeste e estou aqui de passagem!”. Oscar da Silva Santos afirma: “Só lembrando que a idolatria entrou no cristianismo quando se começou a fazer concessões para que fosse melhor aceito em Roma.”

Ou seja, eles estão colocando lenha na fogueira que está sendo armada para queimá-los, e jogando para o time adversário. Foi para tratar pessoas deste tipo que sugeri a técnica do esmagamento mental.

Nas redes sociais, quem quiser atuar politicamente terá que ficar atento a detalhes como estes, em que temos oponentes ao conservadorismo que estão dominando o frame através de um efetivo jogo de rótulos (mesmo que mintam de forma contumaz), ao passo que muitos do lado conservador ainda estão embebidos de uma comovente ingenuidade. Ou a situação é mudada através da conscientização (e sugiro que vocês esclareçam os seus amigos conservadores a respeito desses truques o máximo possível), ou então a guerra política está perdida.
A mensagem tem que ser clara: “Se há uma Bancada Gay, por que não pode existir uma Bancada Cristã?”. E em seguida acusar os esquerdistas de discriminadores de cristãos, rastrear as ações mais relevantes, e ainda questionar ferrenhamente os conservadores e/ou cristãos que caíram nas artimanhas do adversário. Nesse momento, a proposta de Silas Malafaia merece apoio, e quaisquer truques feitos pelo oponente devem ser desmascarados. E quanto aos cristãos mansos? Desculpem-me, fellas, não é momento de tolerar “fogo amigo”.

Luciano Ayan
24 de julho de 2012

Nota do editor: Silas Malafaia está absolutamente certo em defender uma maior participação dos cristãos na política, e seu combate à agenda gayzista é exemplar. Sua incoerência, entretanto, está no que pratica. Manifestou, em duas eleições presidenciais, apoio a Lula, quando já era notória a sanha do PT em implementar radicalmente toda a estratégia do marxismo cultural. Para a prefeitura do Rio de Janeiro, está apoiando Eduardo Paes, que está decidido em tornar a cidade o maior destino do "turismo gay" no mundo. Também afirmou, em abril, que se o candidato apóia o gayzismo mas pode vir a favorecer aos cristãos, merece também o voto destes.

Título original: Dicas de guerra política na questão do apoio de Silas Malafaia à junção entre cristianismo e política'

DEBATENDO COM OS GUARDADORES DE PORCOS

    
          Artigos - Cultura 
A ciência só tem razão de ser se houver uma perspectiva de ordenamento do universo. E ordem implica causalidade, finalidade, efeitos, estruturas, ato, potência, etc. A ciência natural depende desses conceitos filosóficos para sobreviver como área do conhecimento.

Participei de um debate entre ateus e cristãos, na Rádio Vlogs, no dia 9 de junho. Foram convidados os militantes ateístas mais badalados do Youtube: Daniel Fraga, Yuri Grecco e Guilherme Tomishio. E do meu lado, participaram meus dois grandes amigos católicos Rodolpho Loreto e Samuel Cardoso. A questão mais dificultosa dessa empreitada foi explicar, através de esquemas lógicos, racionais e filosóficos, o porquê da ciência, da filosofia, da moral e da própria civilização perderem totalmente o sentido sem a existência de Deus.


Durante o imbróglio, parecia que falávamos línguas diferentes. Os ateus militantes, presos a um dogmatismo cientificista e fragmentário de pensamento, raciocinavam em círculos e não conseguiam concatenar um silogismo elementar e decente. E os cristãos esforçados tentavam, a todo custo, através de uma explicação racional, manter a coerência a favor do cristianismo.

Na prática, porém, acabamos por reconhecer que a luta foi inglória. Não entendiam nada. Criticavam o que não foi dito. Ou pior, apelavam a falácias para refutarem o que não conheciam. O debate chegou a tal nível, que os ateus se prestaram a atacar a própria filosofia, para defender seus postulados materialistas. Se não bastasse o fato de ignorarem os elementos básicos de uma boa discussão filosófica, depois do debate, uma turba de ateus começou a escrever impropérios contra a filosofia no Youtube. Pareciam ofendidos porque a filosofia clássica não corroborava com as idéias panfletárias deles. Ou pior, para eles, a filosofia se tornou inútil e foi substituída pela “ciência”.

Tal discurso é no mínimo, curioso, pois o que costumam chamar de “ciência natural” e “método científico” são meros produtos da filosofia. E mais: defendiam o “empirismo”, outra cria do pensamento filosófico. Ou seja, os ateus, em nome da ciência, acabam por decapitá-la.

Como a boa filosofia não presta para a propaganda ateísta, o negócio mesmo foi sacrificar Aristóteles, Platão, Santo Tomás e uma boa parte do conhecimento antigo e medieval, uma vez que os ateus são “moderninhos”, “avançadinhos”, ainda que ignorem completamente o que criticam.

Por outro lado, foi engraçado perceber que os ateus, ao defenderem a ausência de Deus no universo, acabaram por comprovar sua irracionalidade intrínseca. Atribuíam ao acaso e ao nada o elemento criador de tudo que existe na realidade. Não contive o riso ao notar que os materialistas e ateístas militantes insistiam em defender racionalmente um universo irracional. Nós, cristãos, demonstrávamos que o universo seria incompreensível, se fosse arbitrário e mesmo irracionalmente criado.

Não é por acaso que vi manifestações patéticas na Internet, de gente que estava chegando ao panteísmo mais genuíno, idolatrando as forças da natureza, tal como as seitas de bruxinhas wicca e outros tipos pagãos. Na prática, os materialistas e o ateístas são panteístas, na medida em que atribuem uma ordem racional a elementos impessoais da natureza. E a elementos inócuos e de peso morto, como o acaso.

Ficamos perplexos quando Guilherme Tomishio afirmou que existem fenômenos incausados na natureza, evocando a física quântica. Perguntei, cá com meus botões, será que ele descobriu Deus através de algum fenômeno quântico, já que está afirmando, ilogicamente, que pode provar algum tipo de causa incausada?

Tomishio deve ser tão imortal quanto Deus para afirmar uma tese tão absurda como essa. Ou, no máximo, vai atribuir à natureza o próprio ser divino. Ele cometeu outro deslize terrível, como físico, ao afirmar que o vácuo é o mesmo que o nada. A argumentação saiu do plano da ciência propriamente dita, para se tornar algo bem esotérico, produto da cabeça criativa e ilógica de um pretenso cientista.

Yuri Grecco tinha uma linha de pensamento engraçada. Quando ele criticava cada postulado cristão, na prática, seu argumento acabava dando razão para o oponente. A pérola, que ficou para os anais do anedotário da internet, foi ele dizer, como biólogo, que o sexo não tem a finalidade principal de reprodução da espécie, mas tão somente como uma tal “exaptação”. Até o dado momento, Yuri Grecco, que se dizia “darwinista”, acabou de jogar na lata do lixo “A Origem das Espécies” e a “A Origem do Homem” (se é que ele tais livros). Agora dá para entender por que Yuri Grecco deixou de ser professor para virar lavador de pratos no Canadá.

Não podemos negar que ele fez um grande favor à educação brasileira ao deixar de ensinar tantas idiotices em nome de seus caprichos mentais. Ao menos, como lavador de pratos ou, quem sabe, guardador de porcos, ele se torne uma pessoa mais útil. Pena que ele não nos poupe de suas tolices quando grava no Youtube.

Depois do debate, raramente nós, cristãos, vimos uma expressão tão prepotente de ignorância e estupidez. Yuri Grecco publicou um vídeo infeliz no Youtube, afirmando que compreender Deus pela teologia é o mesmo que ser estilista para descobrir se a pessoa está nua. A pergunta que não quer calar é: este notório ignorante já leu alguma linha da Patrística e da Escolástica para criticá-la? A resposta é: não. Se ele ignora até mesmo os postulados evolucionistas que tanto advoga, que dirá o que seja teologia, salvo, é claro, por verdadeiras falácias estereotipadas sobre a religião!

Daniel Fraga e Tomishio são os dogmáticos do positivismo, ainda que não saibam construir nexos lógicos ou mesmo entender o que significa a filosofia positivista. Na prática, ao falarem de ciência, não demonstravam conhecer o que seja “método científico”. Pelo contrário, tudo o que se via era um emaranhado de clichês produzidos pela revista Superinteressante. Na lógica deles, tudo que não passava pelo crivo da ciência e do empirismo, logo, era prova de inexistência. Várias coisas não existiriam, se aplicássemos este conceito.

A política, a moral, a epistemologia, a metafísica, os sentimentos, a consciência, a estética, e mesmo o pensamento científico não existiriam, dentro desse método turvo de análise da realidade. Ademais, havia uma confusão entre método científico e técnica, já que confundiam os instrumentos da investigação de algum fenômeno natural com o uso prático de ferramentas ou demais outros procedimentos técnicos ao bom uso do homem. A técnica, necessariamente, não precisa de ciência para existir. Ela é, inclusive, anterior ao pensamento científico.

Quando um ateu militante diz que devemos agradecer à ciência e esquecer a religião por temos a tecnologia, percebe-se que nem sabe do que está falando. Ele confunde técnica com ciência. É claro que a ciência potencializou, racionalizou e aperfeiçoou a técnica. Entretanto, o caso é que a ciência só tem razão de ser se houver uma perspectiva de ordenamento do universo. E ordem implica causalidade, finalidade, efeitos, estruturas, ato, potência, etc. A ciência natural depende desses conceitos filosóficos para sobreviver como área do conhecimento, sem o qual, vira um esoterismo caricatural, uma reles palpitaria de ateus militantes de internet.

Parecíamos escolásticos medievais falando latim, explicando aos camponeses da roça, aos guardadores de porcos, aspectos centrais da ciência e da teologia. Os ateus barulhentos do Youtube tentaram negativar em massa meus vídeos. E mais, tentaram anular o fiasco, com torcida organizada em torno de seus três ídolos. E pensei, cá com meus botões: há certas pessoas que deveriam fazer ofícios mecânicos, capinar no mato, cuidar do arado, ou quem sabe, comer capim. O que menos faltam são indivíduos com espírito de rebanho. Tal é a impressão que os ateus militantes nos deram, num debate cansativo no qual passaram incríveis vexames.

Escrito por Leonardo Bruno
24 de julho de 2012

DA SÉRIE: NÃO LEIA JORNALÕES, NEM ASSISTA À TV . NÃO HÁ NEM HAVERÁ ESTADO ALAUITA NA SÍRIA

 

Muitos jornalistas e figuras da oposição síria têm insistido em que os alauitas estariam planejando voltar às Montanhas Alawitas, em tentativa para criar e estabelecer estado separado nas chamadas Montanhas Costeiras, na Síria. Absolutamente inverossímil. Aqui, as cinco principais razões pelas quais não há nem haverá estado alawita.



1. Os alawitas sempre tentaram deixar as montanhas e chegar às cidades. Depois que a França ocupou a Síria em 1920, os primeiros censos mostraram profunda segregação demográfica entre sunitas e alauitas. Em nenhuma cidade com mais de 200 habitantes sunitas e alauitas viviam juntos.
As cidades costeiras de Latakia, Jeble, Tartus e Banyas eram cidades sunitas, com vizinhos cristãos; mas não havia alauitas nas vizinhanças. Só em Antióquia os alauitas vivem na cidade; e essa cidade foi capital de uma região separada, autônoma, Iskandarun, que foi cedida aos turcos em 1938. Em 1945, só se registraram 400 alauitas como habitantes de Damasco.

Desde o fim da era otomana, os alauitas fluem para fora da região das montanhas que acompanham o litoral, para viver nas cidades. O estabelecimento, pelos franceses, de um estado alauita autônomo junto à costa, e o alto recrutamento de alauitas para o exército aceleraram esse processo de urbanização e de mistura de religiões nas cidades sírias.

A Síria de Bashar Assad acelerou ainda mais a urbanização dos alauitas, depois que foram pela primeira vez admitidos nas universidades, às quais chegaram em grande número, e em postos de serviço público, em todos os ministérios e instituições nacionais.

2. O projeto dos Assads para resolver o problema da divisão sectária na Síria foi promover a integração dos alauitas como “muçulmanos”. Os Assads promoveram estado secular e tentaram fazer desaparecer as tradições sectárias e a ideia de uma “identidade alauita”.

Nunca se criaram instituições alauitas para fixar ou promover alguma identidade alauita cultural, religiosa ou qualquer outro particularismo. Os Assads jamais trabalharam para promover qualquer coisa que se possa chamar, ainda que só por analogia, “um estado alauita”.

Ao contrário, os Assads recorreram ao passado, para definir os alauitas como muçulmanos. Bashar Assad é casado com uma muçulmana sunita, o que se integrou ao projeto de construir uma nação sem diferenças religiosas que se apresentaria como exemplo de integração. Sempre disse que seu objetivo é promover uma visão “secular” da Síria.

3. Assad jamais tomou qualquer medida para lançar o que pudesse ser apresentado como bases de algum ‘estado alauita’. Não há infraestrutura nacional na região costeira que possa sustentar um estado: não há aeroporto, nem usinas de energia elétrica, nem indústrias importantes que gerem empregos locais ou qualquer instrumento para construir qualquer tipo de economia nacional.
4. Nenhum país reconheceria algum estado definido como “estado alauita”.

5. Talvez mais importante que tudo isso, um estado alauita não teria como defender-se. É possível que as shabbihas [gangues armadas] e as brigadas armadas de alauitas [que o governo sírio diz que estão sendo armadas por estrangeiros] tentem voltar às Montanhas Alawitas, no caso de serem expulsas da capital. Mas por quanto tempo poderiam permanecer lá?

Tão logo os grupos sunitas sírios se unam – o que provavelmente acontecerá, se tiver sucesso a estratégia ocidental de criar sectarismos na luta na Síria – eles próprios se encarregarão de por fim a qualquer resistência alauita que venha a constituir-se na Síria, ou a forças remanescentes das gangues armadas que estão lutando nas grandes cidades.

Seja qual for o grupo que venha a dominar em Damasco e no controle do Estado na Síria, esse grupo dominará sem dificuldade qualquer resistência alauita que se tenha já constituído ou venha a constituir-se. Terão o dinheiro e a legitimidade, e terão apoio internacional para pôr fim a quaisquer ‘separatismos’ que se inventem na Síria. E a Síria não sobreviveria sem a costa.

Mais importante que isso, a Síria não aceitará nenhum tipo de divisão que implique perder as cidades portuárias de Tartus e Latakia. Nenhuma dessas cidades pode ser dita hoje ‘alauita’ e todas as cidades costeiras continuam a ter populações majoritariamente sunitas.

Joshua Landis (Syria Comment)

Joshua Landis é diretor do Centro de Estudos do Oriente Médio
e professor associado da University of Oklahoma, EUA.

DE REIS INÚTEIS E DE SEUS VASSALOS

 

Um dos mais ácidos panfletos da História, contra a monarquia, é o livro de Étienne de la Boétie, Discours de la Servitude Volontaire. É texto de um adolescente prodígio, que o redigiu antes dos 18 anos, conforme seu amigo maior, e a quem o autor confiou os originais, Michel de Montaigne.

Étienne morreu aos 33 anos, e Montaigne não se atreveu a publicar o texto famoso, que ficou conhecido anos depois de sua própria morte. Redigido no século 16, só no século 17 o livro passou a ser editado e a ser lido, assim mesmo com muitas cautelas.

La Boétie, no fabuloso talento prematuro, em que se misturam, ao mesmo tempo, certa ousadia que só a boa fé juvenil autoriza, e fantástica erudição clássica, pergunta-se por que os homens se submetem à vontade de um só, sem que nada, nem na natureza, nem na razão, determine essa submissão.

A monarquia de hoje não é a mesma daqueles séculos, em que os reis, não todos, mas muitos deles, comandavam seus exércitos e corriam todos os riscos nas batalhas, como, entre outros soberanos franceses, fizeram Francisco I e Henrique IV.
As famílias reais de nosso tempo estão mais para a comédia do que para a tragédia; mais para a farsa do que para o drama. Luis 16 foi o último dos reis a ter a sua cabeça decapitada. Antes dele, Carlos I da Inglaterra, também conheceu o cepo e a lâmina do carrasco.
Os Romanov, dominados por um grande embusteiro, que foi Rapustin, eram de um terceiro tipo, o de retardados mentais, não obstante a crueldade com que reprimiam seu povo, e não foram decapitados, mas fuzilados.

Hoje, os poucos príncipes destronados são meros adornos de festas milionárias. Ninguém se preocupou, nem se preocupa mais, em cortar as cabeças coroadas, porque elas não valem muita coisa, a não ser a despesa que os povos pagam, para que encabecem a lista das celebridades inúteis.



OS ESCÂNDALOS REAIS

Os escândalos da família real espanhola, que estão na ordem do dia, fermentam novamente a reivindicação republicana na península, oitenta e um anos depois da abdicação de Afonso XIII. O retorno da monarquia foi útil ao processo de normalização espanhola, depois da morte de Franco.

Todas as forças políticas aceitaram a fórmula, a fim de evitar nova guerra civil. Cumprido esse papel positivo, a instituição começa a ser um estorvo. O rei, neto de Alfonso XIII, nunca aceitou, em sua alma, o regime democrático e, em fevereiro de 1981, segundo indícios fortes, esteve à frente da conspiração militar contra o governo democrático, que levou à invasão do parlamento pelo tenente-coronel Antonio Tejero Molina.
O monarca só interveio, com visível contragosto, pela televisão, depois que a reação dos militares democráticos, no interior dos quartéis, e o pronunciamento dos governos vizinhos inviabilizaram o golpe.

Agora, os escândalos reais se sucedem. Enquanto o governo conservador de Mariano Rajoy corta o orçamento social e a Espanha se submete aos ditados da Alemanha, com o povo em desespero protestando nas ruas, revela-se que as despesas da Casa Real chegam a quase seiscentos milhões de euros, incluídos os gastos com as viagens, a manutenção dos numerosos palácios, a segurança da família do soberano pelas forças armadas e outras despesas indiretas.

A insensibilidade do Rei diante do sofrimento do povo que chega, até mesmo, ao escárnio, em certos momentos, como nas caçadas aos elefantes da África e aos ursos da Romênia, vem retirando a credibilidade de seus súditos. Tanto nos meios intelectuais, quanto entre os trabalhadores espanhóis, começa a adensar-se um movimento para o fim do sistema monárquico e a instauração de uma república democrática.

Ontem, a Espanha foi às ruas, em oitenta cidades, para protestar contra a aprovação de medidas de arrocho contra os trabalhadores, entre elas o fim do 13º salário. Em Madri, os bombeiros e os policiais civis, chegaram a solidalizar-se com os manifestantes, e se opuseram a participar da repressão. Um grupo, com seus capacetes postos, desnudou-se. Um cartaz explicava que o governo os deixara “en pelotas”. O clima era o da véspera de grandes acontecimentos.

As nossas relações com a Espanha monárquica devem ser reavaliadas. Com todas as suas dificuldades atuais, as elites espanholas continuam a tratar-nos como se fôssemos colônia de Madri – o que só fomos, e por acidente histórico, entre 1580 e 1640. Em 1580, depois da morte de D.

Sebastião, no norte da África, e de seu sucessor, o Cardeal D. Henrique, o trono de Portugal foi ocupado por Felipe II, tio de D. Sebastião. A coroa só foi recuperada para os portugueses, em 1640, pelo Duque de Bragança.

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SUPERIORIDADE DAS ELITES

As grandes virtudes do povo espanhol sempre foram, e continuam a ser, insultadas pela sua anacrônica, cara e ociosa nobreza, por nascimento ou pelo êxito nos negócios. E, ao longo de sua história, talvez a Espanha não tenha tido família real tão insignificante, e tão corrompida como a de agora.

As dificuldades econômicas da Espanha de hoje são o resultado desse espírito de presunçosa superioridade de suas elites. Ao entrar para a Comunidade Econômica Européia, e obter vultosos recursos do grupo, os espanhóis, em lugar de investi-los no interior do país, usaram-nos para adquirir empresas na América Latina, principalmente no Brasil.
Era uma nova forma de colonialismo que, apesar do saqueio, manso e “legal” de nossos recursos, principalmente depois da embasbacada regência de Fernando Henrique Cardoso, não serviu ao povo espanhol, embora tenha enriquecido muitos banqueiros.

Agora, o próprio genro do Rei é acusado de agir como criminoso, ao lavar dinheiro mal havido e transferir, só para Luxemburgo, mais de 700 mil euros. Suspeita-se de que muito mais dinheiro não honrado foi remetido para o Exterior.
Esse genro, Iñaki Undagarin, recebe mais de um milhão de euros por ano, como conselheiro da Telefónica de Espanha para a América Latina. E na América Latina, quem contribui com mais lucros para a empresa espanhola é exatamente o Brasil.

A nossa postura é de solidariedade para com o povo espanhol. Esse grande povo nada tem a ver com esses señoritos que ainda se imaginam no tempo de Carlos V e de Felipe II. Estar com o povo espanhol é não favorecer aqueles que o oprimem.

Mauro Santayana
24 de julho de 2012

COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS: UMA AUTARQUIA FEDERAL OU ESTADUAL?

 

Alguns acontecimentos recentes da história da autarquia que fiscaliza o mercado financeiro, e que confere ao seu Presidente a alcunha de “Xerife” do mercado de capitais brasileiro, justificam a pergunta-título deste modesto artigo, pois como dizia Aristóteles, nada melhor do que a observação dos fatos naturais para se chegar ao conhecimento científico.

Pois bem, a notícia veiculada pelo jornalista Lauro Jardim, na Revista Veja deste domingo, deixa muito claro que o Ministério da Fazenda e a Presidente Dilma Roussef ficaram “descontentes”, para dizer-se o mínimo, com a absolvição de Fernando Cavendish, dono da empresa Delta, pelo colegiado da CVM, absolvição esta capitaneada pelo voto do então diretor-relator Otávio Yazbek. Vai então, aqui, a primeira observação: se a absolvição não agradou ao Ministério da Fazenda, a quem compete nomear os diretores e o Presidente da CVM, a quem agradou? E a resposta vem a cavalo: a Sergio Cabral, cumpadre de Cavendish. A ele, certamente agradou.

Assome-se a isto que, depois da pressão feita pelo Governador Sergio Cabral junto ao TRF, no julgamento da multa milionária de 504 milhões de reais, anulada pela sua 7ª Turma Especializada, ficou muito claro que a CVM também deve ter sofrido uma enorme pressão do Governador, para caracterizar como “operação fraudulenta” uma operação de mercado onde a própria CVM aplicou mais de meio bilhão de reais em multa sem provar a existência de prejuízo – ou pelo menos quantifica-lo – outra pergunta, se faz ainda mais pertinente: A CVM É UMA AUTARQUIA FEDERAL OU ESTADUAL?
Com a palavra, Aristóteles…

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DEU NA VEJA: “SOB SUSPEITA”

Cavendish: Dilma no pé

Cavendish: Dilma no pé
Nos últimos tempos, Fernando Cavendish não tem tido sossego com Dilma Rousseff. Depois de declarar a Delta inidônea para novas obras públicas, agora o governo vai tentar anular o resultado de um julgamento da CVM que absolveu Cavendish, acusado de fraude na BM&F, em 2003. O Ministério da Fazenda vai alegar que Otávio Yazbeck, relator do caso, teria que se declarar impedido de participar do julgamento por já ter assessorado corretoras envolvidas no processo.

Por Lauro Jardim

Carlos Newton
24 de julho de 2012

PENSAMENTO DO DIA

Livre pensar é só pensar (Millôr Fernandes)





REDES SOCIAIS COMEÇAM A REALMENTE INFLUIR DECISIVAMENTE NA CAMPANHA ELEITORAL

 

Desde o último dia 5 os candidatos estão autorizados pelo Tribunal Superior Eleitoral a fazer campanha na internet. Pela resolução do próprio TSE, podem ser usados sites dos candidatos, do partido ou da coligação com o endereço eletrônico registrado no tribunal. Também está aberta a propaganda nas ferramentas das redes sociais desde que geridas pelo candidato, partido ou coligação. A resolução do TSE impede apenas a veiculação de qualquer propaganda paga nesses portais.

O fato é que os políticos já estão conscientes de que o uso da internet e das redes sociais começa a influir decisivamente nas campanhas eleitorais. O uso de ferramentas da internet, em especial as redes sociais, tem feito parte da rotina dos parlamentares e vai ser um poderoso trunfo nas eleições municipais de outubro.

O senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), membro da Executiva Nacional, recomenda que os candidatos do seu partido usem a internet como um importante instrumento eleitoral. O parlamentar, mesmo sem estar envolvido atualmente na campanha, mantém uma equipe só para divulgar sua atividade política e o manter informado das demandas de seu eleitorado.

“Somando as minhas redes sociais, já tenho mais de 60 mil seguidores. No meu estado, o jornal de maior circulação tem tiragem diária de 18 mil exemplares”, compara Eunício Oliveira, em entrevista à Agência Brasil.

O líder do PT no Senado, Walter Pinheiro (PT-BA), diz que os candidatos ao cargo de prefeito devem estar atentos às manifestações dos cidadãos na rede. “Ao contrário da TV e do rádio, a internet é uma qualificadora do caminho de volta. Nela, há interatividade imediata entre o eleitor e o candidato”, salienta

O presidente do DEM, José Agripino Maia (RN), também destaca o poder instantâneo da rede mundial de computadores. Para ele, o custo praticamente zero nas campanhas eleitorais na rede é outro ponto positivo. Veterano no uso das mídias sociais, ele ressalta a importância que os comitês das campanhas devem dar à internet, assim como a TV e o rádio, na formação da opinião do eleitorado.

“É uma ferramenta que deve ser usada como um instrumento de comunicação e debate de ideias”, diz Agripino.
Traduzindo: os cabos-eleitorais precisam mostrar serviço, para não perderem os empregos. O avanço da tecnologia é perverso e não perdoa ninguém.

QUANDO O HUMOR RETRATA A REALIDADE


24 de julho de 2012

FLOR DE PLÁSTICO





O que aconteceu quando Jaguaribara foi inundada por um açude e deu origem à primeira cidade planejada do Ceará, com avenidas largas, casas e saneamento para todos

por Paula Scarpin
Sempre que um morador de Jaguaribara morria fora da cidade, o povo enlutado percorria os 15 quilômetros da estradinha até o encontro com a rodovia mais próxima para recepcionar o caixão e começar dali mesmo o cortejo. Num fim de tarde, em outubro de 1985, Giovane Araújo voltava de férias e avistou a multidão na entrada da cidade. “Deve ter morrido alguém importante”, pensou.

Conforme se aproximava, só ouvia falar do prefeito Francini Guedes. “Tive a certeza de que você tinha morrido, homem”, disse recentemente Araújo em sua sala na Câmara dos Vereadores. Guedes, em visita à cidade, riu e explicou: “Eu tinha mandado avisar à população que estava voltando de Fortaleza com novidades sobre a barragem do Castanhão.”

“Rapaz, ouvi dizer que o Castanhão agora vai sair do papel e sua cidade vai ficar embaixo d’água”, dissera a Guedes outro prefeito da região, Franciné Girão, numa conferência na capital. “Imagina um prefeito saber de uma notícia dessas assim, em porta de travessa”, indignou-se Guedes. Para esclarecer tudo, falou com o governador Gonzaga Mota – que confirmou ter autorizado estudos preliminares para a construção da barragem.

O Castanhão era uma lenda em Jaguaribara, a quase 300 quilômetros de Fortaleza. As crianças aprendiam na escola que, em 1911, o geólogo americano Roderic Crandall, contratado pelo Serviço de Geologia e Mineralogia, havia descoberto no Boqueirão do Cunha um ponto ideal para represar o rio Jaguaribe e aumentar a oferta de água na área. Arquivado, o projeto voltara à baila em 1955, no governo de Juscelino Kubitschek, mas foi logo preterido pela construção da barragem de Orós.

O tema ficou então bem menos popular que a morte de Tristão Gonçalves, revolucionário da Confederação do Equador que, segundo consta nos livros, foi morto numa emboscada nas adjacências, em 1825, pondo Jaguaribara no mapa e inspirando um marco de pedra como homenagem.

Trinta anos depois de Juscelino, no entanto, uma enchente do rio Jaguaribe ressuscitou o Castanhão. O governo estadual alardeou um projeto de açude fundamental para o desenvolvimento da região: ele garantiria o abastecimento de mais de 2,5 milhões de pessoas em Fortaleza, além de fornecer água para o complexo industrial e portuário de Pecém, planejado para ser polo siderúrgico e de refino de petróleo. A barragem teria potencial para gerar 22,5 megawatts de energia elétrica e produzir 4 mil toneladas de peixe por ano – sem falar no potencial turístico.

Seu volume chegaria a 6,7 bilhões de metros cúbicos, três vezes maior do que Orós, e se justificaria para controlar as inundações: seguraria a água para irrigação nos períodos de seca e conteria as enchentes no baixo Jaguaribe nos anos chuvosos.

Localizada no médio Jaguaribe, Jaguaribara não era castigada por enchentes como a de 1985. A seca também não era um problema: com seus 610 quilômetros de curso, o Jaguaribe já foi o maior rio intermitente do mundo, mas fora perenizado com a construção de Orós. Dentro do limite do Polígono das Secas, a cidadezinha era tão verde que não parecia caatinga. Ficava à beira do rio, e a grande maioria de seus 8 mil habitantes vivia dele: quase todos na pecuária e na agricultura de subsistência nas vazantes, além de lavadeiras e pescadores. O governo alardeava as benesses do açude em panfletos e cartazes. Poucos duvidavam de que o sacrifício de uma cidade tão pequena fosse um mal necessário.

No intervalo de trinta anos entre a construção de Orós e o anúncio dos estudos para a construção do Castanhão, contudo, a “era das grandes barragens” havia passado na maior parte do mundo. Se no começo do século xxo represamento da água para abastecimento e geração de energia simbolizava o domínio do homem sobre a natureza, mais de cem anos depois estudos de impactos socioambientais tiveram peso na preferência pela construção de sequências de pequenas barragens em vez de uma só de grande porte.

Pelo menos em teoria, não era diferente no Brasil. Na enchente de 1985, engenheiros cearenses do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, o DNOCS, apresentaram um projeto defendendo a construção de doze barragens de médio porte na região. O Castanhão poderia ser uma delas, mas com apenas 1,2 bilhão de metros cúbicos – e não 6,7 bilhões. O projeto assinado pelo governo estadual, porém, veio de outra instituição, o Departamento Nacional de Obras de Saneamento, o dnos, com sede no Rio de Janeiro, e pegou de surpresa os engenheiros cearenses com um plano de Castanhão com quase 7 bilhões de metros cúbicos – o equivalente a 2,5 Baías da Guanabara.

engenheiro Cássio Borges, que foi diretor de Hidrologia do DNOCS por mais de vinte anos, posicionou-se de imediato contra a ideia da construção da imensa barragem e se tornou a voz mais estridente na luta. Borges compilou estudos e artigos de jornais e publicou em 1999 o livro A Face Oculta da Barragem do Castanhão. Nele, argumenta que o projeto com aquele volume de água seria de uma megalomania sem justificativas técnicas. No exemplar de A Face Oculta disponível na biblioteca municipal de Fortaleza, há uma dedicatória para o governador Tasso Jereissati, assinada pelo então presidente do sindicato dos engenheiros, com os seguintes apelos: “Confiamos na lucidez e no alto senso de responsabilidade de V. Exa.” e “Ainda há tempo.”

A primeira crítica de Cássio Borges dizia respeito à localização do açude: a apenas 150 quilômetros do mar, na área mais irrigada do estado. Segundo ele, o DNOCS nunca projetou uma barragem naquele local porque ela estava longe de ser uma prioridade. “As obras-chave para regularizar o abastecimento do estado deveriam ser Banabuiú, Castanheiro e Aurora”, disse-me Borges. “Esta última seria capaz de distribuir as águas do rio São Francisco pelos estados da Paraíba e Rio Grande do Norte, além do Ceará, e com um custo de construção até oito vezes menor que o do Castanhão.”

Borges afirmou que o volume ideal de armazenamento do açude é de apenas 1,2 bilhão de metros cúbicos. “Toda barragem acima de sua capacidade ótima de acumulação só serve para evaporar”, escreveu. Segundo ele, um espelho d’água tão grande, numa área tão quente, teria uma evaporação de milhões de hectolitros. Com o volume de 6,7 bilhões de metros cúbicos, o Castanhão perderia 36 metros cúbicos por segundo para a atmosfera – cerca de dezoito caixas d’água por segundo.
E o mais importante: se o açude fosse construído com 1,2 bilhão de metros cúbicos, a inundação da cidade de Jaguaribara seria poupada.

O engenheiro estranhou quando o dnospublicou as informações técnicas do Castanhão, estimando a área do reservatório em quase 300 quilômetros quadrados. Rechecou as projeções com uma equipe e chegou a uma área inferior em mais de 50 quilômetros quadrados. Considerando o erro inadmissível, levou o assunto aos seus superiores, e a informação foi repassada ao dnos– que se limitou a corrigir o cálculo e pedir sigilo.

O prefeito Francini Guedes usou o erro como argumento contra o projeto numa reunião com o governador Tasso Jereissati e o ministro encarregado da obra, Vicente Fialho. A revelação causou mal-estar e Fialho chegou a propor a punição de Cássio Borges. Guedes protestou e o assunto terminou ali.

imagem do prefeito Francini Guedes em Jaguaribara, nas eleições municipais de 1982, não era das melhores. Nascido na vizinha Alto Santo, foi viver em Fortaleza, onde veio a cursar economia. Na faculdade, conheceu uma estudante de medicina jaguaribarense, com quem se casou. O pai dela era um médico influente na cidade que, ao saber dos planos do genro de fazer mestrado na França, convenceu Guedes a se candidatar à prefeitura, oferecendo seu apoio.

Ele ganhou por pouco e não tinha maioria na Câmara. Em busca de sustentação, aproximou-se de uma celebridade local, a irmã Bernadete Neves. A freira paraibana, branquinha e mignon, havia chegado a Jaguaribara poucos anos antes. Liderara uma missão da congregação Filhas do Coração Imaculado de Maria, e atuava na Comissão Pastoral da Terra, instituição da Igreja Católica, famosa por aliar a catequização à mobilização política.

O ex-prefeito e a freira são amigos até hoje. Bernadete frequenta a casa de Guedes em Fortaleza e serve de guru emocional para toda a família. Mas quando o assunto é política, o afeto é deixado de lado. A irmã está alinhada ao PT. O político, que já foi eleito duas vezes deputado pelo PSDB e presidiu o diretório estadual do partido, é tão convicto que tem um barco chamado Tucano I.

Na época da barragem, Bernadete e Guedes também tiveram reações opostas. A freira queria mobilizar a população para derrubar o projeto, e o prefeito, que dava a luta como perdida, acreditava que deveria garantir as indenizações da população.

Guedes conseguiu uma verba do governo para que um grupo de Jaguaribara visitasse outras cidades que precisaram ser transpostas.

O grupo visitou a barragem de Sobradinho, na Bahia. Souberam que algumas famílias ainda não haviam sido reassentadas e começaram a se preocupar.

Conheceram São Rafael, no Rio Grande do Norte, transposta para a construção da barragem Armando Ribeiro Gonçalves, e a barragem de Itaparica, em Petrolândia, Pernambuco. Encontraram casas mal construídas, rachaduras, esgotos e fossas estourando, moradores que não haviam sido indenizados. A preocupação aumentou.

Bernadete Neves acionou sua rede de contatos e procurou orientação do Movimento dos Atingidos por Barragens. Com aliados também dentro do governo, a irmã e seus adeptos não faltavam a nenhuma reunião em que o assunto fosse o Castanhão.
“A gente saía de Jaguaribara às três da madrugada, ia de ônibus ou caminhão, o que desse, levando uma panela de comida”, disse. “Às vezes, as cadeiras estavam todas reservadas, mas a gente fazia de conta que não via, se sentava no chão e exigia a palavra.” Ela abriu um armário de ferro, na casa paroquial de Jaguaribara, e mostrou as prateleiras de pastas etiquetadas em que guarda atas das mais de mil reuniões que frequentou desde o anúncio da construção da barragem.

A Associação de Moradores de Jaguaribara foi fundada em 1989, quando se abriu a concorrência para a construção da barragem. A primeira ação da Associação foi recolher 229 assinaturas apontando a inconstitucionalidade do edital, já que não constava dele o obrigatório Relatório de Impacto Ambiental. Jeso Freitas, o primeiro presidente da entidade, lembrou com saudade desse período crítico:
“Era uma cidade onde não acontecia nada, e de repente todo mundo precisou se unir para defender o lugar em que a gente cresceu: era reunião na praça, viagem, peça de teatro, debate.”

Bernadete Neves conheceu as irmãs Célia e Fátima Guabiraba, que trabalhavam na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em Fortaleza e começavam a organizar o Instituto da Memória do Povo Cearense, um misto de museu, biblioteca, editora de livros e produtora de filmes. A convite de Bernadete, elas foram a Jaguaribara e organizaram oficinas de fotografia, teatro e cordel, e fizeram registros de reuniões e festividades. Célia Guabiraba conseguiu uma câmera com um amigo e produziu Castanhão: A Resistência de um Povo. Intercalando cortes bruscos, imagens tremidas de entrevistas e discussões dos moradores, mostraram no vídeo uma entrevista do ministro Vicente Fialho na televisão defendendo a barragem.

Ao final, um grupo de jovens cantava o hino de Jaguaribara, que acabara de ser composto: “Estão querendo destruir nossa cidade/ Com a barragem Castanhão/ Adeus, Jaguaribara/ Adeus, meu coração.” Ao violão, com um cabelo vasto, barba e 20 quilos mais magro, Jeso Freitas, o presidente da Associação, lembrava um revolucionário dos anos 60.

Como o governo estadual havia pedido um financiamento de 350 milhões de dólares ao Banco Mundial, a Associação de Moradores convenceu mais de 2 mil pessoas a enviar cartas pedindo que o dinheiro não fosse liberado. Algumas das cartas eram confusas: diziam que a construção do açude contribuiria para a destruição da floresta amazônica. O Banco Mundial reestudou o projeto e julgou o pedido improcedente. Após dez anos de indefinição, no final de 1995, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou a ordem de serviço para que fossem iniciadas as obras de construção da barragem.

lhando para trás, vejo esse período como uma época de contracultura, de tropicália de Jaguaribara, guardadas as proporções”, disse Honorina Queiroz no gramado de sua casa, em nova Jaguaribara, usando a internet sem fio em seu notebook. Professora de geografia e filosofia na rede estadual, ela viveu a agitação na adolescência. “A gente sabia que a cidade ia durar pouco, então aproveitava cada cantinho, não saía de dentro do rio, fazia piquenique, pescava e assava o peixe ali”, contou. “E havia uma preocupação em registrar tudo, todo mundo estava produzindo teatro,poesia, cordel.”

Enquanto a nova cidade ainda estava sendo construída, Honorina foi conhecer as obras e ficou encantada com as casas novas, as ruas largas, a escola, as praças. “Mas, quando a gente voltou à velha Jaguaribara, a ficha caiu”, lembrou. “A gente olhava aquela esquina em que a gente tinha namorado, a casa de nossos avós, e entendeu que logo nada mais daquilo ia existir. Foi o maior chororô.”

Célia Guabiraba convidou um grupo de jovens para organizar a Casa da Memória de Jaguaribara. Os integrantes batiam de porta em porta e perguntavam aos moradores se gostariam de doar algum objeto para o museu da cidade. Entre as relíquias, estão um banco de madeira de mais de 200 anos, a camisa com marca de bala e sangue que o pai de uma moradora vestia quando foi assassinado, uma garrafa de cerâmica que passou por três gerações e a bicicleta colorida de uma criança que quis participar das doações.

O professor de educação física Ivan Bezerra depositou três grandes álbuns de fotografia sobre a mesa de jantar. Preferiu ele mesmo manusear os volumes, abrindo com cuidado as capas aveludadas e virando delicadamente os papéis de seda. Meses antes de o Castanhão cobrir a velha Jaguaribara, ele contratou um fotógrafo profissional e fez questão de acompanhá-lo para orientar uma a uma as 113 edificações que queria registrar.

“Sei que todo mundo sofre, mas a dor de ninguém aqui se compara à minha”, disse, ao fechar o último álbum. E explicou: a história da família Bezerra se confunde com a história de Jaguaribara. O território onde ficava a antiga cidade era originalmente um sítio de propriedade dos avós de Ivan Bezerra. Segundo ele, foi a solidariedade cristã que fez seus parentes doarem parte significativa do território original para a construção de prédios públicos, de moradias humildes, de ruas, da praça principal e da própria igreja matriz.

ova Jaguaribara começou a ser construída em 1995. Ivan Bezerra achou que receberia uma gorda indenização pelas terras. Mas a maioria delas não era escriturada, ou o usucapião estava valendo havia muito tempo. Restava a alternativa de que as terras escrituradas fossem recompensadas. Quase caiu para trás quando soube qual era o valor da indenização pelo metro quadrado de suas terras: entre 15 centavos e 4 reais, no máximo. Precavido, pesquisara quatro cidades da região, e soube que em Tabuleiro do Norte o metro quadrado valia 90 reais.

Quando passou a informação para o grupo encarregado da mudança, riram dele. “Nunca me senti tão humilhado”, disse. “E tanto que a minha família fez por essa cidade.”

Ivan Bezerra foi o último a deixar Jaguaribara. Na cidade nova, passou muito tempo fechado em casa. Toma antidepressivos até hoje e se consulta com um psicólogo em Fortaleza. Dez anos depois, mais forte, pretende se candidatar à prefeitura.

O DNOCS assumiu tanto a construção da barragem quanto a da nova cidade. O Departamento encomendara uma pesquisa de seis alternativas para a relocação a uma empresa de consultoria. Foram estudadas as características físicas, como geologia, relevo, recursos naturais e vegetação dos lugares onde se poderia fazer a nova cidade. Verificou-se também o impacto ambiental e o potencial econômico de cada local para desenvolvimento da população. Os habitantes escolheram a nova localidade. Ela ficava na junção de Jaguaribara com três outros municípios – que também precisaram submeter suas populações a um plebiscito para autorizar a construção.

Falava-se que seria uma cidade moderna, com uma igreja nos moldes da de Brasília ou de Pampulha. Mas a Igreja Matriz de Santa Rosa de Lima era um xodó da população, que exigiu que a nova igreja tivesse os moldes da antiga. O governo do estado assumiu o projeto de reassentamento e formou um grupo com a socióloga Afonsina Lima e os arquitetos Marcelo Colares e Luiza Marilac. Eles praticamente moraram na cidade durante sete anos, tentando envolver a população no projeto.

O trio alugou uma casa e passava quase toda a semana ali, frequentando rodinhas de senhoras nas calçadas, botequins, tomando banho de rio com as lavadeiras. “Nunca assisti a tantas missas na minha vida”, disse Colares. Para ele, o projeto do DNOCS “não era ruim, mas desagradava porque tinha sido imposto”.

O modelo da igreja também foi votado num plebiscito. Em seu apartamento na praia de Iracema, em Fortaleza, Afonsina Lima contou que, tentando usar uma linguagem apropriada à população, a pergunta do plebiscito era: “Você prefere que a nova igreja seja: igual / igual, mas maior / ou diferente?” Ela se lembrou às gargalhadas de uma cédula que veio com a observação: “Vocês, doutores, querem parecer inteligentes... mas se é igual, não pode ser maior, se é maior, não é igual!” Ainda assim, essa alternativa foi a que ganhou.

O arquiteto encarregado tentou mudar os altares dos santos, mas a população, revoltada, exigiu que tudo fosse exatamente igual. As imagens sagradas foram transportadas num carro do Corpo de Bombeiros, como numa romaria motorizada, seguida por dezenas de ônibus, carros e motos. Antes da demolição da igreja velha, o altar passou por uma “dessacralização”, feita por um padre.

Marcelo Colares explicou por que os prédios todos tiveram que ser demolidos: “Além de a água do Castanhão ser destinada ao consumo humano, e os prédios juntarem lodo e micro-organismos, eles não foram construídos para se sustentar embaixo d’água. Poderiam acontecer acidentes tanto em embarcações quanto com algum mergulhador gaiato que resolvesse visitar a igreja submersa.”

Parque da Saudade foi a primeira obra concluída na nova Jaguaribara. O cemitério da cidade velha encerrou suas atividades dois anos antes da mudança. Os que morreram no intervalo foram os primeiros habitantes da nova cidade, construída a 55 quilômetros da original. Os corpos que estavam enterrados no antigo cemitério foram exumados depois da mudança dos vivos, e organizados em gavetas no Parque da Saudade. O solo também foi removido e preenchido com cal virgem – exigência do Relatório de Impacto Ambiental. Como o Castanhão era voltado para consumo humano, não poderia haver vestígios de restos mortais na velha Jaguaribara.

stagiários e arquitetos desenharam a planta da cidade velha e organizaram uma tabela indenizatória. Havia cinco tamanhos diferentes de casas, de 50 a 150 metros quadrados. Cada morador ganharia uma casa igual ou maior que a antiga. Quem tivesse mais de um imóvel, ou um com mais de 150 metros quadrados, receberia o restante em indenizações. Quem morava de aluguel ou de favor, receberia um imóvel menor, de 36 metros quadrados.

Havia ainda quem preferisse receber apenas o dinheiro da indenização, para reconstruir a vida em outra cidade. Houve um único caso, de uma senhora, que quis o terreno e a indenização da casa em dinheiro, para construir a nova como bem entendesse. Era Luzia Brejeira, a cafetina de Jaguaribara. Vislumbrando o lucro nos peões carentes, foi a primeira a partir, com suas meninas, para a cidade ainda em construção. Dito e feito: no seu terreno, os peões construíramuma mansão em troca de favores.

Para cada tamanho de casa, os arquitetos desenharam três plantas diferentes, “para não ficar parecendo conjunto habitacional”, como explicou Colares. Todos queriam morar perto de seus antigos vizinhos, mas montar essa vizinhança era um quebra-cabeça. Como os imóveis eram maiores, a área urbana da cidade saltou de 50 para 300 hectares. Por causa disso, precisaram aumentar o número de praças, já que as Nações Unidas recomendam 16 metros quadrados de área verde para cada habitante.

Como a população tinha a palavra final, os arquitetos faziam campanhas quando consideravam uma modificação essencial. Foi o que ocorreu com o revestimento de paralelepípedos nas ruas. “É muito mais caro do que o asfalto, mas é muito melhor em termos de drenagem do solo, de dissipação do calor e até de limite de velocidade”, justificou o Colares.

Mas não houve tempo para discutir os novos jardins, e contrataram um técnico da Embrapa para assessorar o plantio de rua. O técnico enfatizou que, por ser uma área virgem, era preciso ter cuidado redobrado: uma vegetação estranha ao ecossistema da região poderia causar o desequilíbrio ecológico. Só se usou mata nativa. E como uma árvore leva anos para crescer, foi necessário trazer 10 mil árvores já grandes da mata para a cidade. “Admito o erro porque aprendi com ele”, disse Colares. “Para retirar cada árvore, foi necessário abrir uma clareira.”

Quando as obras terminaram, em agosto de 2001, foi organizado um cronograma de mudanças rua a rua. Na noite anterior, em cada rua se fazia uma festa de despedida. O cineasta cearense Rosemberg Cariry registrou algumas delas. Em quatro fitas de material bruto, há inúmeras imagens de velhinhos tocando forró em ruas de terra batida, com pouca iluminação, e casais dançando juntinho – tudo em ambiente de velório.

A Granero foi contratada para fazer a mudança. Doentes, idosos, grávidas e mulheres com crianças de colo foram transportados de ambulância. Em 25 de setembro de 2001, o governador Tasso Jereissati inaugurou a cidade de nova Jaguaribara com uma solenidade na praça da Igreja Matriz, seguida de uma missa campal em que o discurso preponderante era uma analogia com a chegada à Terra Prometida.
No fim, subiu ao palco o cantor Fagner, que animou a festa madrugada adentro. A freira Bernadete Neves não quis tomar parte. Mas, fã de Fagner, dormiu na casa paroquial para poder escutar o show.

Pouco tempo depois da mudança, Colares foi chamado às pressas para acudir um fenômeno. Hordas de insetos de toda sorte haviam invadido a cidade e consumiam mantimentos, portas e móveis. Como a ideia das plantas nativas não fizera sucesso – alguns moradores não queriam “mato” na frente de casa –, substituíram a árvore da caatinga, sem folhas nove meses por ano, por outras de sombra aconchegante. Foi necessário fazer um bloqueio químico na cidade para acabar com a praga.

A maioria dos moradores da zona rural preferiu não se mudar imediatamente. Circulava o boato de que a barragem levaria mais de dez anos para subir, e eles esperavam a concretização dos projetos de irrigação, pecuária ou pesca antes de abandonar suas casas. Dona Odá e o marido, Chico Moreira, decidiram ficar um pouco mais até venderem os animais e se aposentarem.
Dona Odá, no entanto, se sentiu mal e desmaiou. Passou por neurologista, psiquiatra e fez uma batelada de exames em Fortaleza. O diagnóstico foi depressão clínica por medo da mudança. Chico Moreira ficou no sítio, mas começou a ter medo de assaltos. A região estava deserta, muita gente tinha ido embora, as linhas de telefone haviam sido cortadas e ele ouviu dizer que havia saqueadores se aproveitando da situação. Numa noite, ouviu um barulho e encontrou dois homens dentro de sua casa. Ágil aos 70 anos, ele os espantou com uma espingarda. Vendeu o restante dos animais muito abaixo do preço e foi embora no dia seguinte.

rimeira cidade planejada do Ceará, nova Jaguaribara é a única do estado com 100% de saneamento básico – Fortaleza não chega a 60%. Planejada para crescer até 75 mil habitantes, poderia ter sido idealizada pelo barão Haussmann: suas ruas e calçadas são largas e têm canteiros centrais. Não há cruzamentos, apenas retornos e rotatórias. Predominam as vias de mão única. Os novos prédios públicos têm arquitetura moderna e foi construído até um aeroporto com capacidade para voos comerciais.
O ponto de encontro da velha Jaguaribara, a pracinha da Igreja Matriz de Santa Rosa de Lima, migrou com o mesmo nome, mas ganhou outras treze concorrentes.
Dez anos depois da mudança, entretanto, a cidade nova continua com os mesmos 8 mil habitantes, em sua maioria aposentados ou desempregados. Os poucos donos de carros na cidade não veem necessidade de obedecer aos retornos e rotatórias, a mão dupla é a regra em todas as faixas. No “perímetro urbano”, não é mais permitido plantar e criar animais para consumo na cidade.

A arrecadação de impostos, que já era inexpressiva, diminuiu. Todos na cidade, até a secretária que lhe oferece um cafezinho, tratam o prefeito Edvaldo Almeida Silveira por “Bacurau” – uma ave que dorme pouco e, segundo ele, uma referência ao fato de ser trabalhador. Ele alega que ficou impossível arcar com os gastos do município sem uma contribuição gorda.
Até o ano passado, pingava na conta da prefeitura uma cota de 96 mil reais do governo estadual, e a conta não fechava. Bacurau pediu o dobro da cota para janeiro, e a burocracia travou o processo: até a cota de sempre parou de ser depositada. Como solução emergencial, o prefeito optou por cortar gastos.

Sentado numa cadeira de plástico em sua sala, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jaguaribara apontou para um vasto terreno seco e cercado em frente à sua casa. “Nosso projeto de irrigação é esse tabuleiro aí, que está assim há oito anos”, disse Francisco Saldanha.
“A promessa é que teremos pecuária leiteira, mas ainda nem plantaram o capim – e depois de plantado, ainda leva noventa dias para o gado poder comer.” Aos 76 anos, ele sempre viveu do trabalho de subsistência.

“A gente tem uma casa boa, que não tinha lá, mas sempre tinha alguma vaquinha para comer, um açude para ir pescar, ninguém passava necessidade. Nós temos água encanada aqui, mas a gente não tem dinheiro para pagar, então a gente usa pouco. Tem gente que a cada três meses vende um animal para pagar a água.”

Saldanha começou a tirar galões do canal que está sendo construído para transportar a água do Castanhão para o porto de Pecém e a capital. Seguranças armados, que vigiam o canal dia e noite, avisaram que isso não era permitido, mas ele insistiu. Um dia, chegando ao canal, foi cercado por um grupo de seguranças e policiais. “Disseram que ninguém pode mexer na água. Respondi que quando a gente veio para cá a promessa não foi essa. E agora é para servir a Fortaleza e nós aqui sofrendo?” Acuado, vendeu as vacas e hoje só cria galinhas.

'Não tiro uma vírgula do que escrevi no meu livro”, disse Cássio Borges. “Hoje o Castanhão não serve para nada além da piscicultura, função que o rio Jaguaribe já exercia na velha Jaguaribara.” Para o engenheiro, o canal com capacidade de 26 metros cúbicos por segundo que está sendo construído para transportar água do açude para Fortaleza e Pecém é obsoleto. “Pecém só precisaria de 3 metros cúbicos por segundo, e Fortaleza até agora não precisou de uma só gota do Castanhão”, disse. “É possível que no futuro venha a precisar, mas é para isso que está sendo feita a transposição do rio São Francisco.”

Muitas famílias ainda viviam espalhadas pelo campo na região que seria coberta pelo Castanhão em 2004. As comportas haviam sido abertas, mas o açude dependia da chuva para atingir sua capacidade máxima. Naquele ano, a estação chuvosa foi intensa, e muitos moradores foram pegos desprevenidos. Giovane Araújo, presidente da Câmara de Vereadores, foi convocado às pressas para resgatar as famílias com um helicóptero. “Imaginei que ninguém ia querer subir no helicóptero, mas fiz a primeira tentativa”, disse. Não deu outra. Muita gente já estava presa em ilhas formadas pelas áreas mais altas. Araújo não conseguiu resgatar ninguém assim.

Voltou para a terra e seguiu de barco no resgate. Passou 21 dias dormindo no Castanhão, embaixo de chuva, comandando o resgate das famílias. Nenhuma pessoa morreu afogada, mas não foi possível salvar todos os animais. “O jumento, por exemplo, paralisa”, explicou. “Eu fazia uma viagem com uma família e, quando voltava, ele estava com a água na barriga. Mais uma viagem, e ele com água no pescoço. Na terceira, estava morto. Não sei qual é esse instinto dele, de não procurar sobreviver.”

“Eu nunca tive um sonho que se passasse aqui, na cidade nova”, disse a mãe de Giovane Araújo, dona Loló, sentada numa cadeira de balanço no seu alpendre. “Eu gostava daquela vida mais simples. O marido ia pescar no rio que passava atrás de casa, eu cozinhava para as crianças. Quando a gente chegou, o velho adorou a cidade, dizia que isso aqui era o progresso. Mas ele não durou vinte dias, logo morreu de uma barriga d’água que trouxe de lá.”

Na velha Jaguaribara, dona Loló gostava de pôr a cadeira na calçada e ficar até a noite conversando com os vizinhos. Como as casas eram conjugadas, todos moravam perto. “Hoje quase não se vê esse convívio, parece uma cidade-fantasma”, disse. Logo que se mudou, se perdia com frequência nas ruas da nova Jaguaribara.

Nas poucas vezes em que saía de casa, para ir à missa, ia para um lado diferente. Quando encontrava um conhecido, tinha vergonha de perguntar para que lado era a própria casa: “Para me prevenir, parei de ir à missa de sandália de salto.”

Além de muitas pessoas se perderem porque as casas eram parecidas, muita gente se incomodava com o fato de os vizinhos passarem por dentro dos quintais para cortar caminho. Não demoraram a subir muros e personalizar os imóveis com cores diferentes e texturatos.

egunda-feira é dia de missa no cemitério em Jaguaribara. Como os moradores decidiram em plebiscito pelo modelo de cemitério-parque, sem jazigos, o único vestígio simbólico para diferenciar a popularidade dos defuntos (ou o peso do luto dos remanescentes) são os arranjos de flores. Em meio a uma monotonia de crisântemos, murchos ou de plástico, reina soberano um túmulo com um arranjo fresco de rosas brancas no formato de um coração, e a clássica inscrição “Saudades de amigos e familiares”. O corpo de Idelfonso Maia Cunha jaz ali há um ano, mas seu séquito de fãs mantém o túmulo impecável. Ele foi o responsável pelo preenchimento de várias valas no Parque da Saudade.

Matador profissional nascido no município de Alto Santo, mas jaguaribarense de coração, ele esteve na capa de uma revista Isto É de agosto de 1988, sob o título de “O maior matador do Nordeste”.

Acusado de mais de quarenta mortes, cumpriu quase vinte anos de pena e vivia entre Jaguaribara, onde deixou três viúvas, e Fortaleza, onde foi morto. “Acho que veio mais gente no enterro dele do que na inauguração da cidade”, lembrou Jeso Freitas durante uma visita ao cemitério. Ex-presidente da Associação de Moradores e coordenador da Casa da Memória de Jaguaribara, Freitas contou que o povo tem certa simpatia pela figura de Cunha, que representava o pistoleiro nordestino à moda antiga: conquistador, vingativo, e justiceiro em muitos casos. “As pessoas o comparam com os traficantes hoje e o veem com nostalgia”, disse.

Poucas horas antes de uma missa no cemitério, a funerária Anjo da Guarda preparou uma festa de inauguração no centro de nova Jaguaribara, com sorteios de brindes e música alta. A três quadras dali, um rapaz entrou correndo numa barbearia, seguido por um homem armado que atirou nele, no barbeiro e em um cliente.
O rapaz morreu na hora, mas os ferimentos no barbeiro e no cliente não foram graves. Segundo se espalhou rapidamente, o rapaz vendia cocaína para um traficante rival, e foi morto para servir de exemplo. Mortes como essas são comuns na nova Jaguaribara, e houve quem brincasse que o dono da funerária era, na verdade, o traficante.
Uma semana antes, os moradores vizinhos ao cemitério ouviram gritos de socorro e barulhos de tiros vindos do terreno ao lado. Na manhã seguinte, encontraram o corpo de um rapaz. “Essa escuridão também facilita”, acredita Jeso Freitas.

No ano passado, a Companhia Energética do Ceará ganhou o direito de cortar a iluminação pública de Jaguaribara, depois de sete meses de inadimplência geral. O prefeito Bacurau explicou a situação assim: “Pensa num jovem que ganha um carrão do pai, mas não tem nenhuma renda. O pai precisa pagar as prestações, pôr gasolina e pagar também o estudo do filho até ele poder se manter e manter o carro sozinho.”

O prefeito está no final de seu terceiro mandato, o primeiro deles na cidade nova. O carrão a que ele se refere é a nova Jaguaribara, o caprichado prêmio de consolação
que os habitantes da cidade original ganharam quando ela foi condenada pela construção do açude Castanhão.

Jeso Freitas critica o fato de o prefeito passar por cima de resoluções do plano-piloto da cidade, autorizando a liberação de quiosques nas praças e as casas populares com a metragem inferior à mínima de 75 metros quadrados, e até sem saneamento básico. Para Bacurau, não há conflito em liberar o comércio numa cidade em que o desemprego é o maior problema. “Outros grandes comerciantes também desobedeceram ao plano-piloto e construíram um 2º andar na loja, mas disso ninguém fala”, disse. “Só o pobre é criticado porque é visto como estorvo.”

Segundo ele, a companhia de água deve providenciar em breve o saneamento das casinhas, e não houve precipitação porque era uma urgência, “até mesmo porque na outra cidade não existia saneamento básico e todo mundo vivia bem”. Para ele, “o plano diretor foi rasgado há muito tempo – e tinha que ser rasgado, porque era um sonho”.

24 de julho de 2012