"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 22 de junho de 2013

DILMA JOGA OS PROBLEMAS PARA DEBAIXO DO TAPETE - AFIRMA AÉCIO


"A velha política e o novo Brasil"
Por Aécio Neves, presidente nacional do PSDB e senador (MG)
 
O pronunciamento da presidente Dilma Rousseff contém erros e acertos. A Presidente acertou ao convocar, mesmo que com atraso, a rede nacional de rádio e TV - a primeira realmente necessária em sua administração - para apresentar à população e ao mundo a palavra do governo brasileiro sobre os últimos acontecimentos.
 
Errou, no entanto, no conteúdo. Reproduziu exatamente o tipo de ação política que está sendo rechaçada nas ruas de todo o país. Fez um discurso dissociado da verdade, reforçando a política como território distante de valores e da própria realidade.
 
A presidente perdeu uma oportunidade única de se conectar com a população. Para isso, precisaria ter reconhecido erros e responsabilidades para, em seguida, ter a legitimidade de transformar essa extraordinária manifestação por desejo de mudanças em combustível para uma verdadeira transformação no e do país.
 
No entanto, escolheu fazer um discurso que reproduz o tradicional jeitinho de fazer política no Brasil: empurrando os problemas para debaixo do tapete, fingindo que não tem nada a ver com o que está acontecendo, que é tudo responsabilidade dos outros, que só não fez melhor porque não foi permitido.
 
Fez, assim, um discurso como se a população brasileira fosse formada por alienados e desinformados. Ela está nas ruas justamente mostrando que não é. A presidente falou no seu compromisso com a transparência e com a luta contra a corrupção. Enquanto isso, no Brasil real, a mesma presidente proíbe a divulgação dos gastos das suas viagens ao exterior e, pensando nas eleições, abriga novamente no governo a influência de pessoas que ela mesma havia afastado sob suspeita de desvios.
Como forma de tentar demonstrar compromisso com a saúde, a presidente disse que os investimentos federais nesta área vêm aumentando, quando todo o país sabe que a participação do governo federal nos gastos nacionais do setor vem caindo de forma acentuada há 10 anos, desde que o PT assumiu o governo.Quando todo o país sabe que o governo se empenhou especialmente para impedir que a regulamentação da Emenda 29 fixasse patamar mínimo de 10% de investimento no setor para a esfera federal.
 
Com o foco das manifestações no transporte coletivo, a presidente diz agora que enfim discutirá o assunto. Nenhuma palavra para o fato do seu governo agir exatamente no sentido oposto: faz desonerações isoladas para atender lógicas e interesses específicos, estimulando a aquisição de veículos individuais e defendendo projetos mirabolantes, como o trem bala, em detrimento de investimento em metrôs das grandes cidades.
 
Depois de gastar milhões em publicidade para colocar o governo federal à frente das obras dos estádios, agora, candidamente, a presidente diz que nada tem a ver com isso, resumindo os recursos empregados a financiamentos a serem pagos por estados e empresas. Nenhuma palavra sobre os recursos de Tesouro Nacional que estão abastecendo os cofres do BNDES. Nenhuma observação sobre a óbvia constatação de que os recursos que estão financiando estádios poderiam estar financiando metrôs, estradas e hospitais.
 
Mas há, nessa afirmação da presidente, um aspecto positivo.É a primeira vez que o governo reconhece que obras realizadas por meio de financiamentos não devem ser consideradas obras federais, já que são recursos que serão pagos pelos tomadores. Registra-se, assim, uma nova e mais justa leitura sobre programas como o Luz Para Todos e o PAC, nos quais as obras realizadas com os financiamentos - que serão integralmente pagos por empresas, estados e municípios - têm sido apresentadas - sem nenhuma cerimônia, como obras da União.
 
Ao invés de dizer ao país que o governo não investiu na Copa - como se alguém pudesse acreditar nisso - não seria mais honesto mostrar as razões que levaram o governo a lutar pela oportunidade de realizá-la e depois investir nela?Não seria mais respeitoso com os milhões de brasileiros que estão nas ruas reconhecer a parcela de responsabilidade do seu governo - que, registre-se, não é só dele - com os problemas enfrentados hoje pela população?
 
Ao invés de oferecer aos brasileiros mais uma vaga carta de intenções, não teria feito melhor a presidente se tivesse se comprometido com medidas concretas? Se tivesse dito que orientaria o seu partido no Congresso a desistir de retirar poderes do Ministério Publico e de impedir a criação de novos partidos? Ou, como bem disse o Senador Agripino Maia, se dissesse que procuraria o presidente do STF para manifestar apoio à conclusão do processo do mensalão?
 
Quem ouviu a pronunciamento da Presidente da República ficou com a impressão de que se tratava de um governo começando agora e não de uma gestão que responde pelo que foi – e não foi – feito no país nos último 10 anos. Através da voz da presidente, a velha política falou ao novo Brasil que está nas ruas. Pena.
 
22 de junho de 2013
in coroneLeaks

MOVIMENTO SEM LIDERANÇA É CONTRA A CORRUPÇÃO

Quem a representa é quem comanda o país: o governo do PT, os partidos e os políticos.
Não é preciso grandes habilidades sociológicas para tirar o estrato das manifestações: a revolta é contra a corrupção. E a corrupção tem como representantes visíveis, não necessariamente nesta ordem, o governo petista, os partidos e os políticos em geral. Análise precipitada? Não. Pesquisa realizada pelo Datafolha em São Paulo indicou que 50% dos manifestantes estavam ali para protestar contra ela, a corrupção.
 
Na mesma pesquisa realizada entre os manifestantes, o escolhido como Presidente da República foi Joaquim Barbosa, que encarna a condenação dos mensaleiros corruptos do PT, o partido que corrompeu meio mundo para chegar e ficar no poder. Barbosa alcançou o triplo de intenções de votos de Dilma entre os entrevistados. 
 
Em segundo lugar na pesquisa, apareceu Marina Silva, que é quem melhor encarna os "sem partido", tendo em vista a sua pregação neste sentido, apesar de estar montando a própria legenda. Partidos, para o povo, são estruturas corruptas e aí entra de novo o grande motivo dos protestos: a corrupção. Não são os tais movimentos de borda que a sonhática do Xapuri tanto fala que alavancam a sua popularidade. O que a coloca nas preferências é a sua posição, mesmo que oportunista e marqueteira, contra os atuais partidos políticos, ao ponto de não ter apoiado  ninguém no segundo turno de 2010. 
 
Outro fato ocorrido ontem é revelador. O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) sugeriu, no twitter, a extinção dos atuais partidos políticos, diante da sua expulsão das manifestações. Virou a vidraça, sendo xingado, humilhado e contestado com veemência não pela sua ideia estapafúrdia, mas por não ter, antes de fazer a proposta, renunciado ao seu mandato, à sua legenda ou ao seu salário, comprovando que efetivamente estava defendendo a tese. Novamente, os manifestantes, desta vez os virtuais, marcaram posição contra os políticos. Estão exigindo atitudes.
 
Saindo das pessoas e indo para as pautas, as manifestações tiveram como pano de fundo, sempre, a corrupção. 
 
A Copa de 2014 é sinônimo de corrupção, com obras superfaturadas, obras prometidas e não cumpridas e sucessivos aditivos contratuais.
Os estádios, em vez de orgulho, despertaram ódio e revolta. Antes a corrupção conhecida era lá naquela ponte no fim do mundo, lá naquela barragem na selva, lá naquela estrada longínqua. Agora não. Agora a corrupção estava ali nos estádios da Copa das Confederações. Por isso a explosão de fúria contra a FIFA e contra Dilma Rousseff, expressada na sonora vaia recebida pelos mesmos no jogo inaugural da competição.
 
A PEC 37, mesmo que timidamente, também apareceu nas pautas dos manifestantes. Em função da campanha feita pelo MPF, é conhecida como a PEC da Impunidade, pois reduziria o poder de investigação do órgão, que seria entregue para uma polícia corrupta, comandada por governantes corruptos. Novamente, de forma atravessada, a corrupção está no centro da demanda.
 
O fim do voto secreto dos parlamentares é outra reivindicação. Desnecessário interpretar que a leitura feita pelo eleitor é de que existe venda de votos quando, na verdade, o sufrágio secreto também tem a função de proteger o parlamentar de pressões internas e externas, bem como de perseguições futuras. No entanto, como a venda de votos é escancarada - vide o Mensalão -, novamente a corrupção está no centro da demanda. Neste tópico, podemos incluir outros motivos citados nos cartazes e palavras de ordem dos protestos: o fim do foro privilegiado para parlamentares, a prisão imediata dos condenados pelo Mensalão e a renúncia de Renan Calheiros da presidência do Senado. Mas a maior de todas as provas de que a corrupção é a palavra de ordem que move todos os protestos é o pleito para que seja transformada em crime hediondo.
 
O PT e Dilma
 
O PT, que tentou levar suas bandeiras às ruas, queira ou não a mídia simpatizante, queira ou não o governo e sua máquina, queira ou não a ampla coalizão que dele se beneficia, está identificado umbilicalmente com a corrupção. As suas bandeiras não foram queimadas por tucanos. Foram queimados por carteiros, talvez a mais antiga categoria de trabalhadores do país.
A tentativa da #OndaVermelha convocada nas redes sociais pelo seu presidente, Rui Falcão, ao amanhecer do último dia de protestos, convocando a militância a ir às ruas, soou como uma provocação. E era. O resultado foi o esperado. Pacíficos manifestantes sem partido escorraçaram os petistas das ruas, juntamente com cutistas, psolistas e qualquer um que trouxesse uma cor ou um logotipo para as manifestações. 
 
É de registrar que, antes do pronunciamento de Dilma Rousseff, no dia de ontem, Rui Falcão voltou às redes sociais e postou a #hashtag TamoJuntoDilma, para ser usada pela militância virtual após o discurso. Resultado? Os manifestantes virtuais impuseram um #CalaBocaDilma que ocupou por horas e horas os trend topics mundiais. No mundo inteiro, esta foi a expressão mais tuitada.
 
Segundo o Datafolha, em pesquisa realizada entre os manifestantes da Avenida Paulista, Dilma saiu das manifestações com mais de 60% de ruim e péssimo por sua pífia reação diante das manifestações. Apenas 15% efetivamente aprovaram a sua ausência diante não somente da violência, mas também das reivindicações.
Para quem ostentava números exatamente inversos em todas as pesquisas de popularidade, a queda é brutal e tende a se espraiar pelo país, já que em todas as capitais houve manifestações com o mesmo tom e as mesmas palavras de ordem.
Novamente, frise-se, a corrupção foi a cola que uniu todos os cacos dos protestos.
 
Redes Sociais: Mobilização x Informação
É apropriado que os analistas não olhem apenas a força de mobilização das redes sociais, esquecendo que o principal instrumento usado para orientar e organizar os protestos, para o bem ou para o mal, foram os celulares e suas maravilhosas APPs. As redes sociais foram importantes muito mais pela informação do que pela mobilização porque trabalham um conteúdo cada vez mais rico.
Hoje, todas as provas da corrupção estão na rede. Grampos telefônicos. Fotos. Reproduções de processos.
Há uma intensa viralização de conteúdos sobre o tema e, em questão de horas, um vídeo no youtube atinge mais de um milhão de views. E atenção: se não há provas, as milícias virtuais de ONGS, de partidos e mesmo de governos as produzem para destruir reputações. Recortam uma notícia velha aqui, uma foto montada ali, um processo arquivado acolá, reúnem, em horas, um verdadeiro dossiê contra políticos, sejam eles honestos ou corruptos, dependendo da intenção. Depois, basta jogar no facebook com alguma ativação pelo twitter e o estrago está feito. Foi o que ocorreu. A mobilização contra a tarifa de ônibus em São Paulo, ao ser coibida com rigor pela PM paulista, foi o sinal para que os mais diversos grupos, agindo em rede, levassem as pautas contra a corrupção para as ruas. Havia uma motivação central, havia informação, havia canais de mobilização. Havia, também, a inspiração em movimentos mundiais realizados com sucesso e o mundo estava olhando para o Brasil. Nada mais clichê do que a menina enrolada na bandeira do Brasil oferecendo uma flor ao policial. Como disse FHC, a coisa está mais para Maio de 68 do que para Diretas Já.
 
O Fator Copa
 
Brasília, em especial, São Paulo e Rio com maior intensidade, recebem manifestações regularmente, diuturnamente. Brasília tem até cinco protestos por dia. Nas demais capitais, ocorrem marchas quase que diárias. Recentemente, índios invadiram o Congresso e tentaram invadir o Palácio do Planalto. Desta feita, no entanto, houve o fator Copa das Confederações. Para os manifestantes, a oportunidade de mostrar a sua poesia ou a sua violência para o mundo, já que todos os olhos estavam voltados para o Brasil. O sinal de que daria certo foi a vaia em Dilma, no jogo de abertura. Aqueles torcedores, pagando caro ingresso, bebida e pipoca, além de ter caminhado quilômetros em função da  desorganização do trânsito, ainda ouviriam discursos de políticos? De forma alguma. E a vaia cruzou o mundo e virou capa nos principais portais internacionais. Um a zero para os manifestantes, sem que houvesse uma só reação do governo. 
 
A partir da interpretação da vaia, via artigos e mais artigos, os jogos da Copa das Confederações e os estádios também passaram a ser alvos dos protestos. Tendo em vista que a segurança em eventos internacionais não é flexibilizada, a violência policial imperou, colocando mais combustível nos enfrentamentos entre manifestantes e polícia. Sim, a mídia tem a sua parcela de culpa ao demonizar a polícia, fazendo-a recuar e cruzar os braços, ao exibir repórteres feridos com balas de borracha. Não teve a mesma isenção para mostrar os manifestantes batendo em repórteres e em informar porque os seus jornalistas estavam na rua sem identificação.
 
A rua continua
 
Os protestos devem continuar enquanto houver a competição, pois ela virou símbolo da corrupção. Ontem, Dilma Rousseff foi extremamente infeliz ao tentar justificar o custo dos estádios. E ao tentar convencer a população sobre a transparência das contas públicas, quando esconde as suas despesas de viagem e os empréstimos que faz a alguns países socialistas, como Cuba e Nigéria.
 
O incensado João Santana, diante da gravidade dos fatos, teve que pedir ajuda a Franklin Martins para redigir a fala presidencial. O pronunciamento poderia ser qualificado de impecável, em outras oportunidades.
Com a sujeira da corrupção vertendo para as ruas soou falso, burocrático e vazio. Os tempos são outros. Não será nada fácil enganar o eleitor.Encantá-lo? Quase impossível.
 
22 de junho de 2013
in coroneLeaks

DILMA NÃO TRAZ NOVIDADES, FAZ AMEAÇAS E COMETE ERROS DE INFORMAÇÃO

 
 


O pronunciamento da presidente Dilma Rousseff nesta noite de sexta-feira (21.jun.2013) não trouxe nenhuma novidade a respeito do posicionamento do governo federal sobre as manifestações de rua. O mais notável foi seu tom de ameaça em vários trechos quando falou que o governo não vai “transigir” com atos de violência.
 
Mas o que fez o governo até agora? Há quase duas semanas que as principais cidades do país têm ficado paralisadas no final da tarde.
 
Como o Brasil é um país conservador, talvez o pronunciamento da presidente possa ter algum efeito tranquilizador em parte da população. Foi uma gravação realizada da forma mais conservadora possível. Em frente a um fundo de madeira, ela usando um blaser de tom amarelo acabou lendo no teleprompter por 9 minutos e 43 segundos. É uma fala muito longa sob qualquer métrica possível. Mas Dilma não tinha saída.
 
Como a presidente raramente dá entrevistas formais para mídia (exceto para falar de novelas ou “faits divers”), quando fala é necessário ficar descrevendo uma lista sem fim do que considera útil dizer para a população –mesmo que o governo já gaste mais de R$ 1 bilhão por ano em propaganda.
 
Em certa medida, o pronunciamento de Dilma tenta recuperar o tempo perdido por ela nos últimos dois anos e meio. Sobretudo quando chegou a dizer que vai se esforçar agora para incentivar uma “ampla reforma política”.

Essa expressão “reforma política” chega a provocar ataques de narcolepsia em quem acompanha o mundo do poder aqui em Brasília. Basta haver um problema de qualquer ordem no país que o presidente de turno fala sobre a necessidade de uma… reforma política. Passa a crise ou arrefecem os seus efeitos, a reforma política nunca sai.
 
Por que Dilma nunca falou sobre a necessidade de uma reforma política antes? Foi pega de surpresa agora?
 
Em outro trecho do pronunciamento, a presidente faz uma confusão com algo que ela própria patrocinou. Diz que a Lei de Acesso à Informação “deve ser ampliada para todos os poderes da República e instâncias federativas”. Como assim, ampliada? A lei já vale para todos os Poderes e para governos estaduais, prefeituras e União.
 
Talvez até de maneira inadvertida, Dilma acabou passando um pito em cadeia nacional de TV em prefeitos e governadores –que, de fato, cumprem de maneira precária a Lei de Acesso. E o que dizer da própria presidente, que acaba de decretar sigilo sobre todas as informações de gastos de suas viagens ao exterior? Como ela própria disse “a melhor forma de combater a corrupção é com transparência e rigor”. Pois é.
 
Em resumo, quem redigiu e copidescou o pronunciamento não estava muito familiarizado com o governo de Dilma Rousseff. E a própria presidente não fez a revisão necessária daquilo que leu no teleprompter. É desagradável quando ocorrem tantos descuidos em um texto para o qual a petista e sua equipe de marketing tiveram dois dias para produzir.
 
Sobre a Copa do Mundo e seus gastos, Dilma usou outra verdade pela metade para tentar conter a irritação dos indignados que foram à rua protestar. A presidente afirmou que todos os gastos para construir estádios e outras obras são empréstimos que serão pagos pelas empresas e Estados que receberam esse dinheiro. Não é bem assim. Tem muito dinheiro público, do BNDES, com juros que são subsidiados por todos os brasileiros.
 
Mesmo que as empresas e Estados paguem esses empréstimos (se é que vão pagar), terão recebido um grande benefício por causa dos juros camaradas. E mais: a maioria dos recursos foi para governos estaduais. Ou seja, se esses governos pagarem, ainda assim terá sido usado dinheiro público –portanto a presidente tergiversou ao dizer que não usaria fundos estatais. Já usou.
 
A suntuosidade das obras da Copa é um dos pouco pontos de consenso na irritação de quem têm ido às ruas protestar. Há uma sensação forte de que tudo foi feito apenas para turistas e a elite usarem.
 
Dilma também anunciou que convidará governadores e prefeitos de grandes cidades para aperfeiçoar as instituições e anunciar novos planos de ação.
 
Por exemplo, o Plano Nacional de Mobilidade Urbana. Agora? A menos de um ano da Copa do Mundo?
 
E os prefeitos e governadores em Brasília? Esse tipo de reunião é tão improdutiva como a do ministério de Dilma –que com 39 integrantes precisaria de mais de um dia de reunião se todos falassem por meia hora.
 
Tudo considerado, não dá para dizer que Dilma cometeu o mesmo erro de Fernando Collor (que em 1992 pediu aos brasileiros que se vestissem de verde e amarelo e todos usaram preto). Ainda assim, o resultado parece ter ficado longe do que a presidente precisaria para tentar recuperar a autoridade perdida nos últimos dias.
 
Eis a transcrição do pronunciamento lido por Dilma na TV.

22 de junho de 2013
Fernando Rodrigues - UOL

PRESSIONADO, MPL BANCADO COM GRAN,A 'OFICIAL', LARGA MANIFESTAÇÕES EM SP

MPL acusa onda conservadora e desiste de novas manifestações
 
O Movimento Passe Livre anunciou hoje a suspensão de novas manifestações em São Paulo. Segundo um dos integrantes do grupo, que pleiteia tarifa zero nos transportes públicos, "grupos conservadores se infiltraram nas manifestações" e defenderam, ontem, propostas como a redução da maioridade penal.
 
"A gente acha que grupos conservadores se infiltraram nos últimos atos para defender propostas que não nos representam", disse Rafael Siqueira, 38, professor de música e ativista do MPL desde 2006. De acordo com ele, o recuo do movimento foi decidido no final da noite de ontem, por consenso, após os incidentes na Paulista.
 
Até então, o MPL cogitava manter as manifestações na semana que vem em solidariedade às cidades que ainda não tiveram redução no valor das passagens e em favor da retirada de processos criminais a que respondem alguns manifestantes.
 
Siqueira afirmou que as agressões a militantes de partidos políticos na manifestação de ontem, na avenida Paulista e em outras cidades, também motivaram o grupo a tomar essa decisão. Em outras cidades, o MPL ainda analisa a possibilidade de manter os atos nos próximos dias.
 
"Mesmo que sejamos contra a política de transporte duma prefeitura do PT, achamos que o PT deve ter total garantia de participar das manifestações públicas", disse.
 
Durante o ato, o MPL conversou com alguns grupos de esquerda sobre a presença de "neofascistas" agredindo pessoas na rua. "É inconcebível essa onda oportunista da direita de tomar os atos para si."
 
Segundo o movimento, desde o ato de terça-feira, grupos de direita (não se sabe se organizados ou não) levaram às ruas pautas que não representam o MPL, o que gerou preocupação, pois "distorce a iniciativa".
 
"O que preocupa não é a participação das pessoas na rua, mas pessoas claramente contra as organizações sociais e que nunca participaram de manifestações, começarem agora a usar os atos para promover a barbárie."
 
A decisão de voltar ou não às ruas será tomada após conversa do MPL com grupos aliados --MPST (Movimento Popular dos Sem Terra), MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra), Ocupação Mauá e Periferia Ativa--, que deve acontecer até a semana que vem.
 
"Ainda não sabemos que estratégia tomar, vai ser uma conversa longa e franca entre todas as organizações no campo da esquerda pra que a gente não fique rachado entre a gente, precisamos manter a união, que é o mais importante."
 
"NACIONALISTAS"
 
Ontem, um grupo de manifestantes, denominados "nacionalistas" entrou em confronto com pessoas que estavam com bandeiras de partidos durante protesto contra tarifas na avenida Paulista, centro de São Paulo.
 
O principal confronto ocorreu entre um grupo de "nacionalistas" e manifestantes com bandeiras do PSTU e PT. Os "nacionalistas" queriam que o protesto prosseguisse sem bandeiras partidárias e sem a interferência de partidos políticos.
 
Após uma das confusões, o advogado Guilherme Nascimento, 26, deixou a avenida Paulista com um ferimento na cabeça. "Foi o PT que fez isso, me deram uma paulada". O rapaz foi carregado por amigos até um carro da Polícia Militar, que o levou a um pronto-socorro.
 
 
Um homem usou um taco de hockei para ameaçar petistas. Durante a confusão, uma mulher caiu no chão e quase foi pisoteada. Ao menos duas bandeiras do PSTU e uma do PT foram tomadas de manifestantes e queimadas na avenida Paulista.
 
Apolíticos partiram para cima dos partidários com chutes e socos. Parte deles respondeu com bandeiradas e pedradas. A Polícia jogou bombas de gás lacrimogêneo para conter a pancadaria.
 
Um grupo de nacionalistas armados com facas gritaram contra os manifestantes do PT dizendo que vão "meter a faca". Eles entoaram gritos e disseram que iam tomar todas as bandeiras
 
Membros do PSTU, PSOL, UNE, UJS (União Jovem Socialista) foram hostilizados por manifestantes na avenida Paulista, em frente à Fiesp. Juntos, os partidários começaram a deixar a região. A manifestante Fátima Sandalhel disse ter sofrido retaliações por vestir uma camiseta vermelha e estar próxima a grupos partidários.
 
"Nós estivemos em todas as manifestações anteriores para agora sermos expelidos na manifestação. Usar camisa vermelha é um direito, usar bandeira é um direito. O que aconteceu hoje aqui é um atentado à democracia", disse Sandalhel.
 
Houve um princípio de confusão, quando uma bandeira do PSTU foi rasgada e um militante partiu para cima de um manifestante. As pessoas também cantaram gritos de guerra contra o PT.
 
"Os caras com bandeira de partido querem levar vantagem. O Passe Livre está com o PT", disse o universitário Bruno Scorziello, 22, após tentar impedir a passagem do protesto.
 
Após a confusão, muitos militantes choraram: "Estão acabando com anos de luta. Não queremos reivindicar para nós, queremos somar", disse um deles sem se identificar.

22 de junho de 2013
ANA KREPP - FOLHA DE SÃO PAULO

"PLANO" DE DILMA 'TRAMBIQUE' JÁ FOI APRESENTADO DUAS VEZES DESDE 2007

Plano de Mobilidade anunciado por Dilma já foi apresentado por dois ministros desde 2007
 
 
O Plano de Mobilidade urbana anunciado pela presidente Dilma Rousseff em rede nacional de rádio e TV, na noite desta Sexta, é promessa há seis anos e já foi apresentado, em versões distintas, por dois ministros desde então.
 
O primeiro plano foi traçado em 2007 pelo então ministro das Cidades, Marcio Fortes, dentro do PAC da Mobilidade Urbana, a pedido do, à época, presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lembre aqui
 
No ano seguinte, pelas mãos da então ministra do Turismo, Marta Suplicy, em Maio de 2008 foi entregue a Dilma Rousseff – então chefe da Casa Civil de Lula, outro plano de mobilidade, elaborado pelo Ministério do Turismo. Veja aqui
 
O projeto previa R$ 38 bilhões em obras para mobilidade urbana justamente para o período da Copa, em São Paulo, Rio de Janeiro, Niterói, Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza, Recife, Olinda, Natal, Maceió e Brasília.
Na época, a ministra Marta garantiu serem fundamentais para o trânsito de turistas e a realização da Copa.
 
Passados cinco anos, os planos foram adaptados para a tutela do Ministério das Cidades, que mantém as obras a toque de caixa.

22 de junho de 2013
Leandro Mazzini - Folha de Sã Paulo

NENHUM PARTIDO VAI GANHAR COM PROTESTOS - AFIRMA FHC

Ex-presidente diz que políticos vão fracassar se tentarem capitalizar movimento. Tucano duvida da capacidade que eles terão de entender a insatisfação expressada pelos jovens nas ruas
 

 
A trilha sonora na sala do apartamento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no final da tarde de quinta-feira, era composta por sirenes de carros e pelo barulho dos helicópteros que passavam a caminho dos protestos na avenida Paulista.
 
"As passeatas vão ser grandes?", perguntou à Folha.

Aos 82 anos, completados na semana passada, o presidente está lançando um novo livro, sobre intelectuais que elaboraram grandes teorias sobre o país. Mas ele diz que nenhum teórico do passado poderia entender o que acontece hoje nas ruas.
 
Mais que isso, acredita que os políticos não têm condições de compreender a "insatisfação genérica" nem de capitalizá-la. "Tenho dúvidas se os partidos vão ter capacidade de captar tudo isso e transformar ao menos sua mensagem", diz. Leia a seguir trechos da entrevista.
-
O sr. está lançando um livro sobre intelectuais que fizeram grandes interpretações do Brasil. Como estes pensadores ajudam a entender as recentes manifestações nas ruas?
Fernando Henrique Cardoso - Eles não entenderiam e nem poderiam entender. Vivíamos num mundo das classes organizadas, ou desorganizadas querendo se organizar. Estas são manifestações que não são expressões de camadas organizadas. A primeira manifestação disso que vi foi em Paris em 1968. E isso ainda sem a internet.

 
Qual a maior mudança?
Aquele era um movimento a favor da autonomia e da liberdade. Mas a França tinha sindicatos, partidos, organização. Agora, com a internet, e com a fragmentação maior de classes, é diferente. O comando é quase inexistente, vai se formar na rua. As demandas são muitas, o pretexto pode ser qualquer um. Esta situação me lembra um ensaio meu chamado "A teoria do curto-circuito".

 
Vivemos um curto-circuito?
Sim. O preço do ônibus foi um estopim. Ali está desencapado um fio. Mas aí pega fogo em outros. Não foi a classe dominada, mas os jovens. São eles que estão gritando, não os que não podem pagar. Gritam contra a injustiça em geral. Corrupção, PEC 37 [proposta que reduz poderes do Ministério Público], o custo dos estádios, dos transporte.

 
Por que a insatisfação?
Porque a vida é pesada nas grandes cidades. Há sofrimento com o transporte, a poluição, a segurança. São problemas que afetam a todas as classes. O pobre leva duas horas no ônibus sofrendo. O rico fica irritado porque fica uma hora no carro. O rico está cercado de guardas. O pobre não tem guarda, mas os dois estão com medo. Talvez tenha aí também o começo da inflação e do esgotamento do crédito, agindo por baixo disso tudo. Mas o foco é um mal-estar inespecífico. Não acho que qualquer partido possa, deva ou consiga capitalizar o movimento.

 
Esse movimento vai mudar a maneira de fazer política?
Alguma mudança ocasiona, mas não sei se os partidos vão ter capacidade de captar tudo isso e transformar ao menos sua mensagem e a ligação com fenômenos como as mídias sociais.

 
O sr. disse em entrevista recente que tinha dúvidas se as interações em mídias sociais poderiam ser concretizadas em ações políticas. E agora?
Não estamos vendo ações propriamente políticas. O grande teórico disso é o [sociólogo] espanhol Manuel Castells. Diz que a conexão entre redes e vida institucional não se processou, e tem dúvidas se vai se processar. Nenhum partido no Brasil tem ligação com isso. Os manifestantes não se sentem representados pelos partidos e nem sei se querem.

 
Como o sr. viu a imagem do [prefeito] Fernando Haddad junto com [o governador] Geraldo Alckmin [ao anunciar a redução da tarifa de ônibus]?
Acho compreensível. São símbolos do que está aí. É como a vaia da Dilma.

 
Lula foi vaiado nos Jogos Pan-Americanos, em 2007.
Foi diferente. Ao citar nome de autoridade em estádio é normal a vaia. Mas vaiaram [Dilma] muito tempo. Não sei se é contra a Dilma, em si, mas contra o que está aí.

 
Há um desencantamento?
Sim. As pessoas melhoraram de vida, mas o governo é tão propagandista de uma maravilha virtual que há um descolamento. Veja os nomes de programas de governo. É tudo marquetagem: "Minha Casa, Minha Vida", "Minha Casa Melhor". Criaram uma camada virtual de bem-estar que agora o pessoal questiona. O dia a dia é mais duro do que o que o governo diz.


22 de junho de 2013
CASSIANO ELEK MACHADO - FOLHA DE SÃO PAULO

OS INIMIGOS DE HITLER

Livro conta pela primeira vez história do jornal 'Münchener Post', maior oponente do nazista na imprensa alemã
  
De todos os bilhões de folhas de papel jornal gastas ao longo da história para tratar de Adolf Hitler, as primeiríssimas saíram da gráfica de um jornalzinho chamado "Münchener Post".
 
Numa sexta-feira de maio de 1920, uma nota da seção "Assuntos de Munique" registrava: "Uma espécie de partido, que ainda anda de fraldas e aparenta ter saúde bem fraca, vem aparecendo às vezes em público, sob o nome de Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães'. Na terça-feira à noite, um senhor chamado Hitler falou sobre o programa desse partido'".
 
A reportagem informava que o tal senhor "pregou o antissemitismo nos moldes nacionalistas".
 
Mais do que pioneiro em farejar que era preciso ficar de olho no rapaz de bigode curto e fala inflamada, o "Post" converteu-se logo em seu mais encarniçado inimigo na imprensa alemã.
 
Num livro importante sobre o fenômeno nazista, "Para Entender Hitler" (Record, 2002), o jornalista norte-americano Ron Rosenbaum opina: "A batalha travada entre Hitler e os corajosos repórteres do Post' é um dos grandes dramas nunca relatados da história do jornalismo".
 
Uma jornalista brasileira radicada na Alemanha desde 1991 resolveu a questão. Em "A Cozinha Venenosa - Um Jornal Contra Hitler", livro que acaba de ser lançado aqui, Silvia Bittencourt, 49, conta pela primeira vez a história.
 
Fruto de três anos de trabalho, o volume, lançado pela editora Três Estrelas (do Grupo Folha), conta em minúcias as batalhas, que transcenderam as palavras, entre o diário e os nazistas.
 
Segundo Bittencourt, e a julgar pelo que relata Rosenbaum, não há nem na Alemanha livros sobre o "Post".
 
"Aqui ninguém conhece o Münchener Post', nem mesmo os políticos sociais-democratas atuais", diz a autora, em referência ao partido político alemão que criou o jornal, no final dos anos 1880.
 
ASCENSÃO
 
A pesquisa de Bittencourt se desenvolveu em especial em arquivos e bibliotecas de Munique, cidade na qual o austríaco Adolf (1889-1945) se estabeleceu em 1913.
 
Depois de ter lutado na Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, o até então artista frustrado encontra nos fundos de uma cervejaria no centro da cidade, em 1919, uma reunião de um pequeno partido trabalhador, onde começaria sua trajetória.
 
"De um desocupado, sem formação ou profissão alguma, Hitler se tornou, em poucos meses, uma estrela em Munique", diz Bittencourt.
 
Ao contar a trajetória do "Münchener Post", ela narra em detalhes a ascensão de Hitler e do partido, que saltou dos 200 filiados do final de 1919 aos 4 milhões de membros em 30 de janeiro de 1933, quando Hitler foi nomeado chanceler alemão.
 
O "Post" não duraria então mais do que 40 dias. Embora já tivesse sobrevivido a incontáveis atentados nazistas, o de 9 de março foi o final.
 
"Destroçaram os equipamentos de produção do jornal, como os linotipos. Colocaram barras de ferro nas engrenagens das prensas rotativas, a fim de impedir que elas voltassem a ser usadas, e lançaram os grandes barris de tinta de impressão sobre as calçadas", relata a autora.
 
O pequeno grupo de jornalistas que produzia o diário, que à época tinha dez páginas diárias e modestos 15 mil exemplares, não estava na Redação. Quase todos escaparam, um deles cruzando os Alpes a pé. Outros não tiveram a mesma sorte.
 
O editor de cultura, Julius Zerfass, foi um dos primeiros encarcerados no campo de concentração de Dachau, do qual seria solto no fim do ano.
 
"A Cozinha Venenosa", título do livro, era a maneira pela qual Hitler se referia ao jornal. No glossário do ditador, "veneno" era um termo usado para o mais abominável.
 
O jornal retribuía chamando o nazista de "arremessador piolhento de lama" ou classificando seu partido, já em 1923, como "o bacilo venenoso mais perigoso que o corpo do povo vem carregando consigo". Como diz Rosenbaum, se houve alguém na história que pode dizer "eu avisei" foram os repórteres do "Post", primeiros "a tentar alertar o mundo para a natureza da besta feroz que rastejava em direção a Berlim".

22 de junho de 2013
CASSIANO ELEK MACHADO -  FOLHA DE SÃO PAULO

"DESESPERO DE CAUSA"

RUTH DE AQUINO  é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)

  

 
Diante de mais de 1 milhão de brasileiros nas ruas contra tudo e todos na quinta-feira, em 120 cidades, o sentimento comum entre estudiosos era a “perplexidade”. Estavam perplexos com o tamanho dos protestos, a temperatura da indignação, a falta de lideranças claras, a nuvem difusa de reivindicações. Minha perplexidade sempre foi outra. Não entendia como ninguém saía às ruas contra a calamidade nos serviços essenciais e no baixíssimo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) brasileiro.
 
Era como se fôssemos impotentes para mudar as prioridades do país – já que, pelo voto, só conseguiríamos mudar o ruim pelo menos pior.

 Se o movimento começou com foco em passagens mais baratas – ou gratuitas – de ônibus, terminamos a semana numa catarse anárquica. Manifestantes e policiais perderam o controle. Hoje, se uma causa pudesse unir todos os manifestantes, ela seria: “Hay gobierno? Soy contra”.
 
O passe livre passou a ser o passo livre. A adrenalina tomou conta de jovens que se sentiam à margem do processo histórico e político do país, sem voz, sem ilusões, em busca de ideais. Pouquíssimos conhecem de verdade o que significa a palavra “ditadura”.

O protesto atual é perigoso para a paz social? Sim. Mas era mais previsível que a sucessão de estações do ano. Uma hora o brasileiro cordial estouraria – e seria convocado pelas redes sociais... porque foi assim em todos os países, independentemente das bandeiras. Não é isso que nós, profissionais da imprensa, prevíamos? Há anos temos denunciado escândalos na educação, na saúde, no transporte, na habitação, na infraestrutura, nos Três Poderes.
 
Há anos nos indignamos com os impostos escorchantes, a falta de representatividade dos partidos, a corrupção, a impunidade e o mau uso do dinheiro público. E nos revoltamos com as alianças espúrias que permitem a um odioso Marco Feliciano cuidar de direitos humanos e apoiar a “cura gay”.
 
O passe livre passou a ser o passo livre. A adrenalina tomou conta de jovens em busca de ideais
 
É triste e assustador ver a ação de vândalos e arruaceiros que depredam equipamento público, picham, invadem prédios do governo, quebram lojas, saqueiam, incendeiam. É triste e assustador ver a ação de policiais de choque que espirram pimenta numa senhora dentro de uma clínica para ela parar de falar, que jogam bombas em jovens de mãos ao alto voltando para casa pacificamente com a bandeira brasileira, que encurralam manifestantes em lanchonetes e jogam gás dentro, que lançam gás lacrimogêneo dentro de hospitais. Isso é receita de guerra alimentada por ódio.
 
Quando a revolta escapa ao controle, só favorece extremistas.

 É inadmissível que protestos pacíficos descambem para a intolerância às diferenças. Mesmo que a maioria dos jovens se diga apartidária, eles não têm o direito de incendiar bandeiras. Nem têm direito de hostilizar jornalistas ou queimar carros de empresas de comunicação. Esse comportamento é fascista.

 Faz seis anos que escrevo uma coluna semanal para ÉPOCA. Uso a arma possível: as palavras. Condenei tantas vezes Renan Calheiros e a votação secreta, que o alçou ao lugar de seu padrinho José Sarney, com a bênção de Dilma. Sugeri a criação da Contribuição dos Corruptos Municipais, Estaduais e Federais, a CCMEF. Listei “10 razões para se indignar”, no fim de 2010 e de 2011. Fiz campanha contra o voto compulsório. Perguntei ao leitor “Quando vamos moralizar o Poder?”.
 
Revoltei-me com a informação de que 13 milhões de brasileiros, ou 7% da população, não têm banheiro. Defendi que “precisam sair do escuro as relações entre as autoridades e as empresas de ônibus”. Afirmei que “não há vergonha na cara de um país que mata e despreza seus velhos por negligência” nas filas e corredores de hospitais.

 E, depois de escrever tudo isso com liberdade, não posso vestir a camisa da Editora Globo para cobrir os protestos. Corro o risco de ser linchada por um grupo minoritário de jovens ignorantes que confundem tudo, uns desmemoriados que desrespeitam o trabalho de tantos jornalistas investigativos, entre eles Caco Barcellos. Ou, então, corro o risco de levar uma bala de borracha na testa ou no olho, disparada por um policial de choque com sede de sangue.

 Posso relevar todos esses atos de estupidez, de lado a lado, sob um único argumento: a verdadeira democracia pressupõe um exercício ativo da população, uma vigilância perene sobre as instituições, uma participação atuante de jovens comprometidos com nossa história. E o Brasil enferrujou em anos de pasmaceira e populismo. Está na hora de aprender não só a cantar o hino, mas a respeitar as cidades. Está na hora de as forças da ordem honrarem sua farda e seu poder. Não ataquem inocentes – os senhores estão sendo filmados.

22 de junho de 2013
Ruth de Aquino, Epoca

75% DOS BRASILEIROS APOIAM OS PROTESTOS - AFIRMA IBOPE

 


A grossa maioria da população brasileira, 75%, apoia a onda de protestos que se alastrou pelo país nas últimas duas semanas. É o que revela pesquisa feita pelo Ibope em 79 municípios de todo país e divulgada por Época em sua edição deste final de semana. Apenas 6% dos entrevistados disseram ter participado das passeatas. Porém, 35% dos que não foram informaram que iriam.
 
A sondagem captou um paradoxo: a despeito do apoio maciço às manifestações, 69% declaram-se satisfeitos com a vida que levam atualmente. Quanto às expectativas em relação ao futuro, a sociedade dividiu-se em partes iguais: 43% dizem estar otimistas; outros 43% informam que estão menos otimistas do que estavam há dois anos.
 
O nariz torcido dos brasileiros aparece no trecho da sondagem em que os entrevistados foram convidados a atribuir uma nota aos políticos. Para 54%, Dilma Rousseff situa-se no intervalo que vai de zero a 6.

A maioria acha que estão nesse mesmo patamar o prefeito da sua cidade (65%), o governador do seu Estado (61%), os vereadores (77%), os senadores (78%), os deputados estaduais (77%) e os deputados federais (77%).



O Ibope quis saber qual é o principal motivo para os protestos.
Foram mencionadas, pela ordem, as seguintes motivações:
por melhor transporte público (77%), contra os políticos (47%), contra a corrupção (32%), por melhor saúde e educação (31%), contra a inflação (18%), por melhores serviços públicos (15%), por mais segurança (15%), contra a Copa no Brasil (11%), contra limites ao Ministério Público (6%) e contra a violência policial (3%).
 
Uma pesquisa feita pelo Datafolha apenas entre as pessoas que participaram dos protestos ocorridos em São Paulo na quinta-feira (20) acomodara os temas noutra ordem. Nessa sondagem, a corrupção ocupara o topo do ranking das motivações.
 
O Ibope também perguntou quais seriam hoje os maiores problemas do Brasil. Mencionaram-se:
saúde (78%), segurança pública (55%), educação (52%), drogas (26%), combate à corrupção (17%), miséria (11%), geração de empregos (10%), custo de vida (9%), impostos e taxas (8%), salários (7%) e habitação (4%).
 
Aferiu-se também a opinião dos brasileiros sobre o grau de violência das passeatas. Entre os que apoiam os protestos, 82% avaliam que houve violência por parte dos manifestantes. Percentual muito próximo dos 85% que enxergaram violência também da parte da polícia. Quer dizer: o fato de haver violência dos dois lados não impediu que a maioria apoiasse os protestos.
 
Noutro trecho, a pesquisa do Ibope fornece dados que ajudam a entender por que o futebol virou mote de passeata.
Em plena Copa das Confederações, quase um terço dos entrevistados (31%) não apoia a realização do evento no país. Quanto à Copa do Mundo de 2014, 29% desaprovam a escolha do Brasil para sediar a competição.

22 de junho de 2013
Josias de Souza - UOL

"ESTRANHA PRIMAVERA"

 
— Liderança é o cacete—, protesta uma jovem, com a expressão rútila. Um grito da sociedade fragmentária? Ou de uma sociedade na qual o cacete é o líder?
 
“Alguém mandou/mandou calar a cuíca/é coisa dos home”: por volta das 17 horas da última quinta-feira o refrão de Aldir Blanc e João Bosco ronca no som de um coreto montado no Paço Imperial. A outrora sede do Império tem um clima festivo que em nada anuncia o desfecho violento da noite.
 
Meninas com a máscara do “V de Vingança” — ou do vinagre, conforme for — produzem autorretratos para o Instagram.
 
A caminho da Candelária já se ouvem, em meio a emanações de incensos, as poucas palavras de ordem que darão o tom de uma manifestação que, antes de chegar à zona de conflito, na Prefeitura, transcorrerá numa cadência mais de passeio que de passeata:
 
“Vem pra rua, vem”.
 
“Eu sou Brasileiro, com muto orgulho, com muito amor...”
 
“Ei, Cabral, vai... (censurado)”.
 
Em frente ao CCBB, o ritmo de produção de cartazes com pilô e papelão dá à concentração um ar de grêmio ginasial.
 
“Fora Renan, Fora Collor, Fora Sarney”.
 
“Corrupção é crime hediondo.”
 
“Relaxa, reaça”
 
“Não à PEC 37!”
 
 
“Se não fores bravo, serás escravo”
 
“Cuidado, seu voto pode levar um ladrão ao Congresso”.
 
“Bala de borracha não. Bala Juquinha”
 
Nos olhos da massa juvenil, um brilho de esperança vaga, vã, não se sabe bem em que ou em quem, num futuro, no amor, talvez.
 
“Amor não tem Lei”, diz um cartaz, referindo-se ao projeto da cura gay.
 
“Amanheceu mais uma vez. É hora de acordar novamente para vencer”.
 
Vencer o quê? Quem é o inimigo? E o líder?
 
— Liderança é o cacete — protesta uma jovem com expressão rútila.
 
Um desejo orgânico, sem direção? Um grito da sociedade fragmentária?
 
Ou uma sociedade falocêntrica, machista, homofóbica, na qual o cacete é, de fato, o líder?
 
Afinal, já na andança da manifestação pela Presidente Vargas, há grupos que demandam que Dilma saia do armário, tire o sapato, deixe de ser fantoche.
 
Ou os extremistas, que “acusam” a presidente de lesbianismo e avisam que chegou a hora de “a putaiada” (ou seja, o todo da classe política) ir para o inferno.
 
Há quem, no meio disso tudo, encontre tempo para a dialética do esclarecimento. Um cartaz esclarece que preço e valor são coisas distintas. Outro, informa, em poucas palavras:
 
“Meu cu é laico.”
 
Há espaço também, e muito, para o nonsense, onde mora, amiúde, o perigo:
 
“Não empresário”.
 
Que empresário? Não o quê?
 
Numa grande faixa sustentada por um grupo de pós-adolescentes, é pedido o impeachment de Dilma. Um homem maduro, com aparência de ex-anarquista, dirige-se a eles:
 
— Como assim impeachment? Pra assumir o Renan? O Temer? Vão estudar política! Vão aprender os trâmites! Bando de ignorantes!
 
“Ao povo, a decisão.”
 
Que decisão? Através de que meios? De quem é a palavra de ordem? Ao menos, surgem palpites sobre quem deve silenciar:
 
“Cala a boca Pelé. Cala a boca Ronaldo. Vocês, calados, são poetas” (d’après Romário).
 
O padrão Fifa virou sufixo para reivindicações. “Hospitais padrão Fifa. “Educação padrão Fifa.” “Magistério padrão Fifa”. “Olê, olá, o professor vale mais que o Neymar”.
 
Mas... o que é que o Neymar tem a ver com a história? O salário de Neymar Jr. sai do bolso do povo? Onde está o nexo?
 
De passagem, alguém pergunta quanto está o jogo. Espanha cinco a zero. Só?
 
Das janelas, papel picado: aplausos. Do céu, o rosnar de um helicóptero: o povo acena, “u-hú”, para o poder, ou a mídia?
 
Uma trupe vem vindo com “Pra não dizer que não falei de flores” puxada pelo compasso de um berimbau.
 
“Show me the money Dudu!”
 
Mas... whos Dudu? Ah, Paes! Uma cabeça de nego explode e a massa pede: Paz! Paz!.
 
Um grupo de bombeiros com enormes faixas tenta angariar alguma simpatia.
 
Uma faixa avisa que o Congresso se transformou no bunker dos corruptos, e está derretendo, com os dias contados. De fato, houve fogo em Brasília, mas foi no Itamaraty. E, aqui, no Terreirão do Samba.
 
“Ou paramos a roubalheira, ou paramos o Brasil”.
 
“Spring is coming”.
 
O Brasil, aparentemente, já parou e uma estranha primavera antecipada anuncia-se. Talvez falte dar uma organizada. Chamar Paulo Barros para dividir as alas, ou as torcidas banidas para bater o bumbo e escolher as bandeiras. Em respeito à Graúna de Henfil, mostrada por um manifestante solitário, alguma temperança se faz urgente, para que se polvilhe mais pimenta na feijoada da causa e menos gás nos olhos de quem não tem nada a ver com a sede de sangue.
 
22 de junho de 2013
Arnaldo Bloch, O Globo

VIZINHANÇA DO RIO DE JANEIRO REAGE A DILMA "TRANBIQUE" COM UM VAIAÇO




Rio de Janeiro, Barra da Tijuca. Com uma filmadora enfiada dentro do celular, o morador de um edifício registrou o calor com que Dilma Rousseff foi recebida na noite passada ao entrar nos lares da vizinhança pela porta da televisão. Em meio a um acender e apagar de luzes, vaiaram-na com fervor patriótico.

Dilma interrompeu o Jornal Nacional para falar sobre a onda de protestos que ganhou as ruas há 14 dias. A fita começou a ser gravada no finalzinho de sua fala. Os apupos continuaram mesmo depois que Patrícia Poeta retomou a apresentação nada poética do noticiário do dia, apinhado de protestos e badernas.

São mesmo infindáveis as serventias da internet. Já se sabia que, com um computador, um programa adequado e uma banda larga, qualquer um pode editar seus próprios livros e ou fazer seus próprios CDs.
Verifica-se agora que, sem sair de casa, pode-se também registrar um vaiaço à presidente da República.

Ninguém depende mais de grandes estruturas para fazer o que quiser –inclusive convocar mega-passeatas. O mundo tornou-se um lugar inseguro, muito inseguro, inseguríssimo para os políticos.

22 de junho de 2013
Josias de Souza - UOL

"DISSERAM QUE EU TINHA VIRADO POTÊNCIA"

Os jovens acreditaram que o Brasil virou uma potência e querem o tratamento que cidadãos de uma potência merecem
 
O Primeiro-Ministro do Japão, Shinzo Abe, não cansa de dizer que os japoneses precisam se globalizar. Estreitar os laços de seu país com o resto do mundo é um dos fundamentos de seu programa de governo.
 
Essa política de internacionalização tem objetivo econômico. Um de seus eixos é a capacitação profissional. É apoiada pela Keidanren, que reúne os maiores conglomerados industriais do país.
 
A razão é simples: as empresas locais querem ampliar suas operações no mundo, mas não contam, no Japão, com suficiente mão de obra capaz de dominar ambientes internacionais. É aí que entra o governo: ajuda a financiar esse tipo de qualificação.
 
O programa japonês quer tirar vantagem de um processo social espontâneo, que já está em curso.
 
No Japão, a maioria dos universitários entre 18 e 23 anos é internacionalizada. Ainda tem dificuldades com línguas estrangeiras e não conta com as melhores conexões nos centros mundiais de produção de conhecimento.
 
Mas é a primeira geração do país que cresceu com uma janela aberta para o mundo.
 
Se quisesse --e muita gente quis--, podia arranjar amigos na Alemanha, comprar livros nos EUA e assistir a vídeos feitos por gente de qualquer lugar do planeta. Bastava uma conexão de internet.
 
Não é por acaso que, desmentindo o estereótipo de que os japoneses não querem contato com o exterior, pesquisa recente da Universidade de Waseda indicou que 82% de seus alunos gostariam de estudar em outros países.
 
Esse interesse pelo mundo não é, naturalmente, exclusivo do Japão. Está mais relacionado com a faixa etária e o uso de tecnologia que com a nacionalidade dos indivíduos.
 
É um fenômeno de jovens e permite àqueles com interesses e causas comuns reconhecerem-se e se organizarem em minutos, independentemente de onde estejam, porque a internet que os conecta chega a todo lugar.
 
A maior parte dos que iniciaram a onda de protestos no Brasil é jovem e se encaixa nesse perfil. Segundo o Datafolha, na primeira manifestação em SP, 77% dos participantes frequentavam universidades e 53% tinham menos de 25 anos.
 
É gente que tem mais energia e acesso a informação que a média da população; que sabe que o descaso e o desrespeito com os quais o povo brasileiro é tratado por seus governantes seriam inaceitáveis em qualquer país civilizado. Gente que aprendeu isso por comparação, olhando, como os japoneses, através de janelas abertas para o mundo.
 
Essa gente reclama que ser brasileiro está custando caro demais, e que, em outras partes do mundo, paga-se menos por qualidade de vida significativamente melhor. Essa gente pergunta com quem, em nosso país, fica a diferença entre o que se paga e o que se recebe.
 
Disseram que o Brasil tinha virado potência. Os jovens acreditaram. Agora, querem o tratamento que potências devem a seus cidadãos. Em situação semelhante, os jovens japoneses provavelmente agiriam igual.

22 de junho de 2013