Gostei da denominação “terrorismo transnacional e seus novos atores”. Porque terrorismo com velhos atores começou com o Papa Urbano II em 1096, proclamando a Primeira Cruzada no Concílio de Clermont, precisamente na França do pusilânime Sarcozy.
Foi uma proclamação de terror contra os Muçulmanos do mundo conhecido naquela época. E assim, os exércitos Cristãos oriundos da França chegam a Constantinopla, promovendo massacres e canibalismo em seu trajeto. Tudo bolado na França.
Em 1097 promovem a batalha de Doryleum e o cerco de Antiochia. Em 1110, quando a Universidade de Paris foi fundada, já começavam a idealizar a formação dos Cavaleiros Templares e dos Hospitalares, duas ordens monásticas e terroristas cristãs que se formaram em 1120.
Em 1123, os Cruzados (terroristas) promovem o Primeiro Concílio Laterano. Mas em 1144 a cidade de Edessa cai nas mãos dos maometanos. Pouco depois, já na Segunda Cruzada, houve o recuo do sítio de Damasco.
Damasco é ocupada por Nur ed-Din. Com os saques efetuados pelos Templares e pelos Hospitalares, se inicia em 1163 a construção da Notre Dame de Paris. Em 1174, Saladin se apodera de Damasco.
Em 1186, quando São Francisco de Assis era criancinha, o Papa Gregório VIII proclama a Terceira Cruzada Terrorista.
É um desfile monótono de terror perpetrado pelos Cruzados contra os Muçulmanos, quase que o tempo todo, até a última Cruzada, em 1291, com a queda do Acre.
Isso incentivou também o terror praticado pelos muçulmanos, claro. Surge a seita extremista denominada Os Assassinos, fundada por Hasan As’Sabah, que estabeleceu seu quartel general na fortaleza de Alamut (Ninho de Águia), bem no topo montanhoso do norte da Pérsia. Hasan lança uma campanha de terror contra os Cristãos e também contra os Muçulmanos Sunitas.
Vale também lembrar aqui que durante as Cruzadas houve o primeiro holocausto praticado contra os judeus, pelos cristãos, claro, não pelos muçulmanos.
A juventude que foi chamada para a missão terrorista dos Assassinos era conhecida como hashshasheen, ou “bebedores de hashish”, daí o termo assassinos.
Poco depois começa a primeira Jihad: Guerra Santa contra os franceses. (Foi quando o Papa convocou a Segunda Cruzada). Os grandes terroristas das Cruzadas eram todos franceses, como o famigerado Reynaldo de Chatillon (que foi decapitado por Saladin, pessoalmente).
São Luis, que participou das Cruzadas e morreu na Tunísia, em 1270, era francês. De sorte que o atual Papa Sarcozy sabe muito bem que quem inventou o terrorismo foi a França. Está apenas querendo tirar proveito, tirar vantagem do acontecimento na escola judáica, em favor de sua reeleição.
A História não mente. Como disse Einstein, “Testei o homem. É um inconsequente”.
24 de março de 2012
Paulo Solon
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
sábado, 24 de março de 2012
MINAS TEM AUMENTO DE 500% EM ATAQUES A CAIXAS ELETRÔNICOS DE BANCOS
Além do trabalho de reestruturar administrativamente a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), o secretário Rômulo Ferraz, que assumiu o comando da pasta na última segunda-feira, tem como uma das principais missões conter a onda de violência que avança em Minas.
Uma ocorrência, ontem, de explosão de um caixa eletrônico em uma agência do bairro Petrolândia, na divisa de Betim com Contagem, engrossou as estatísticas do Estado sobre esse tipo de ação.
A Polícia Militar não tem levantamento sobre a quantidade de ocorrências registradas, mas um levantamento feito pela reportagem revela números preocupantes. Enquanto em 2011, a média mensal de ataques a caixas eletrônicos não passava de um caso, com 12 registros ao longo do ano, nos três primeiros meses de 2012, com 18 ataques, a média mensal no Estado pulou para seis. Uma elevação de 500% nas estatísticas.
Os dados mostram que Minas segue um caminho perigoso, como acontece em outros Estados, a exemplo de São Paulo, que, neste ano, já registrou pelo menos 91 casos de explosões de caixas eletrônicos. O que chama a atenção também é que esse tipo de ocorrência, antes mais comum em cidades do interior, agora avança para a região metropolitana.
Raphael Ramos
24 de março de 2012
(Transcrito do jornal O Tempo)
Uma ocorrência, ontem, de explosão de um caixa eletrônico em uma agência do bairro Petrolândia, na divisa de Betim com Contagem, engrossou as estatísticas do Estado sobre esse tipo de ação.
A Polícia Militar não tem levantamento sobre a quantidade de ocorrências registradas, mas um levantamento feito pela reportagem revela números preocupantes. Enquanto em 2011, a média mensal de ataques a caixas eletrônicos não passava de um caso, com 12 registros ao longo do ano, nos três primeiros meses de 2012, com 18 ataques, a média mensal no Estado pulou para seis. Uma elevação de 500% nas estatísticas.
Os dados mostram que Minas segue um caminho perigoso, como acontece em outros Estados, a exemplo de São Paulo, que, neste ano, já registrou pelo menos 91 casos de explosões de caixas eletrônicos. O que chama a atenção também é que esse tipo de ocorrência, antes mais comum em cidades do interior, agora avança para a região metropolitana.
Raphael Ramos
24 de março de 2012
(Transcrito do jornal O Tempo)
O DESCONFORTO MORAL
'O desconforto moral' que nos obriga a comparar
Depois de diversos artigos, este abaixo nos força a comparar o nível chinfrim dos atuais "mandatários da Nação" com o alto nível dos militares. Você pode imaginar, por exemplo, o deputado Paulinho da Força Sindical escrevendo um artigo como o que está abaixo?
Ou, então, vejamos: quais seriam os parlamentares e outros capazes de um "Desconforto Moral"?
O DESCONFORTO MORAL
Todos, salvo raríssimas exceções, já tivemos aquela dorzinha chata que não passa, não tem remédio ou benzedura que dê jeito, e nem sabemos exatamente do que se trata.
Dói aqui e ali, mas passar, não passa.
Um belo dia, um luminar deu nome ao indigesto incômodo, é o tal de DESCONFORTO muscular.
Mas a dorzinha dá na cabeça, e no cérebro, também. No cérebro deve ser o DESCONFORTO CEREBRAL.
Sentimos o desconforto cerebral aumentando desde que passamos a ouvir uma vozinha insinuante a sussurrar, “ESQUECE”.
Mas esquecer o quê? “O passado”, respondeu a melíflua. Mas que passado? O da subversão, o do terrorismo, o do revanchismo? “Sim, e deixa de ser chato”, respondeu a donzela.
Mas por quê? “Meu caro irmão”, prosseguiu a maviosa sereia, “porque agora, eles estão no poder, eles estão no governo”.
“Mas esquecer como?” “As feridas não estão na carne, elas estão no coração, na dignidade maculada, na injustiça, no revanchismo sem quartel, no salário miserável, na perda de soberania, no loteamento da Nação”.
“Mas meu amigo, não olhe o retrovisor”, avisa a lânguida figura. “Não leva a nada. Esqueça o passado, viva a nova realidade, não chie, não reclame, de preferência não viva, e não perturbe os superiores”.
Ouvindo sem cessar estes conselhos que recrudesceram atualmente, o meu DESCONFORTO CEREBRAL, e creio que o de muitos tem aumentado, significativamente.
Ao que parece uma insinuação está sendo plantada nos corações e mentes dos desavisados, de forma a desarmar espíritos, e aceitar por cooptação de autoridades uma passividade perigosa.
Particularmente, preferimos ficar com as barbas de molho. É preciso olhar o presente, o passado, no mais distante, e no recente, para verificarmos que estamos num ninho de cobras.
A passividade pode atender a algumas autoridades, mas temos experiências funestas de que o que as atende significa apenas a quebra de galho, delas, que se deleitam com a abdicação da vontade livre e racional, com o silêncio e a pusilanimidade; quanto ao restante, em particular para os “agentes da repressão”, não significou nada, nem mesmo o menor apoio.
Não consta que a Comissão da Verdade será encerrada, que não serão proibidas as comemorações de 31 de março, e que as ações revanchistas terão fim, muito pelo contrario, elas prosseguirão, nos salários, nos equipamentos sucateados, nos baixos orçamentos, etc.
Por isso, encarecemos que as melosas vozinhas se calem, e de preferência nos esqueçam, pois muito aprendemos com o passado, que vivemos entre cobras peçonhentas, e a qualquer momento, elas darão o seu bote e, então, será muito pior, pois ao conviver com tal corja, padeceremos, eternamente de DESCONFORTO MORAL.
Brasília, DF, 24 de março de 2012
Gen. Bda Rfm Valmir Fonseca Azevedo Pereira
Depois de diversos artigos, este abaixo nos força a comparar o nível chinfrim dos atuais "mandatários da Nação" com o alto nível dos militares. Você pode imaginar, por exemplo, o deputado Paulinho da Força Sindical escrevendo um artigo como o que está abaixo?
Ou, então, vejamos: quais seriam os parlamentares e outros capazes de um "Desconforto Moral"?
O DESCONFORTO MORAL
Todos, salvo raríssimas exceções, já tivemos aquela dorzinha chata que não passa, não tem remédio ou benzedura que dê jeito, e nem sabemos exatamente do que se trata.
Dói aqui e ali, mas passar, não passa.
Um belo dia, um luminar deu nome ao indigesto incômodo, é o tal de DESCONFORTO muscular.
Mas a dorzinha dá na cabeça, e no cérebro, também. No cérebro deve ser o DESCONFORTO CEREBRAL.
Sentimos o desconforto cerebral aumentando desde que passamos a ouvir uma vozinha insinuante a sussurrar, “ESQUECE”.
Mas esquecer o quê? “O passado”, respondeu a melíflua. Mas que passado? O da subversão, o do terrorismo, o do revanchismo? “Sim, e deixa de ser chato”, respondeu a donzela.
Mas por quê? “Meu caro irmão”, prosseguiu a maviosa sereia, “porque agora, eles estão no poder, eles estão no governo”.
“Mas esquecer como?” “As feridas não estão na carne, elas estão no coração, na dignidade maculada, na injustiça, no revanchismo sem quartel, no salário miserável, na perda de soberania, no loteamento da Nação”.
“Mas meu amigo, não olhe o retrovisor”, avisa a lânguida figura. “Não leva a nada. Esqueça o passado, viva a nova realidade, não chie, não reclame, de preferência não viva, e não perturbe os superiores”.
Ouvindo sem cessar estes conselhos que recrudesceram atualmente, o meu DESCONFORTO CEREBRAL, e creio que o de muitos tem aumentado, significativamente.
Ao que parece uma insinuação está sendo plantada nos corações e mentes dos desavisados, de forma a desarmar espíritos, e aceitar por cooptação de autoridades uma passividade perigosa.
Particularmente, preferimos ficar com as barbas de molho. É preciso olhar o presente, o passado, no mais distante, e no recente, para verificarmos que estamos num ninho de cobras.
A passividade pode atender a algumas autoridades, mas temos experiências funestas de que o que as atende significa apenas a quebra de galho, delas, que se deleitam com a abdicação da vontade livre e racional, com o silêncio e a pusilanimidade; quanto ao restante, em particular para os “agentes da repressão”, não significou nada, nem mesmo o menor apoio.
Não consta que a Comissão da Verdade será encerrada, que não serão proibidas as comemorações de 31 de março, e que as ações revanchistas terão fim, muito pelo contrario, elas prosseguirão, nos salários, nos equipamentos sucateados, nos baixos orçamentos, etc.
Por isso, encarecemos que as melosas vozinhas se calem, e de preferência nos esqueçam, pois muito aprendemos com o passado, que vivemos entre cobras peçonhentas, e a qualquer momento, elas darão o seu bote e, então, será muito pior, pois ao conviver com tal corja, padeceremos, eternamente de DESCONFORTO MORAL.
Brasília, DF, 24 de março de 2012
Gen. Bda Rfm Valmir Fonseca Azevedo Pereira
PESQUISA MOSTRA O OPOSICIONISTA CAPRILES TECNICAMENTE EMPATADO COM O CAUDILHO HUGO CHÁVEZ NA CORRIDA PRESIDENCIAL
O jovem candidato oposicionista Henrique Capriles
O candidato oposicionista Henrique Capriles estaria tecnicamente empatado com o caudilho Hugo Chávez na corrida às eleições de outubro na Venezuela, revelou pesquisa mostrando que a diferença entre os dois é de apenas um ponto.
De acordo com a pesquisa de opinião, elaborada pela empresa Consultores 21, a candidatura de Capriles estaria em ascensão e teria uma intenção de voto de 45 por cento, em comparação com 46 por cento de Chávez.
Não obstante, os resultados da pesquisa de opinião contrastam amplamente com os resultados de outra sondagemdivulgada poucas semanas antes pela empresa Hinterlaces, que dava uma vantagem ao caudilho de 18 pontos à frente do governador do estado de Miranda.
Especialistas dizem que a diferença entre as pesquisas refletem as dificuldades de sondagens de opinião para medir a percepção do público na Venezuela, onde uma divisão nítida entre o que o eleitorado pensa sobre o presidente e seus pensamentos sobre o estado geral do país.
Patrícia Ruggeri, diretora da empresa Consultores 21, declarou que as últimas semanas tem favorecido Capriles, que emergiu como o candidato único da oposição nas eleições primárias efetuadas em 12 de fevereiro deste ano.Com as primárias, e a seleção de um candidato da oposição que agora tem nome, tem cara e que agora pode fazer campanha diretamente, se deteve a tendência ascendente que mostrava Chávez e voltamos a uma situação de empate em quase todas as perguntas apresentadas aos pesquisados", explicou Ruggeri.
24 de março de 2012
O candidato oposicionista Henrique Capriles estaria tecnicamente empatado com o caudilho Hugo Chávez na corrida às eleições de outubro na Venezuela, revelou pesquisa mostrando que a diferença entre os dois é de apenas um ponto.
De acordo com a pesquisa de opinião, elaborada pela empresa Consultores 21, a candidatura de Capriles estaria em ascensão e teria uma intenção de voto de 45 por cento, em comparação com 46 por cento de Chávez.
Não obstante, os resultados da pesquisa de opinião contrastam amplamente com os resultados de outra sondagemdivulgada poucas semanas antes pela empresa Hinterlaces, que dava uma vantagem ao caudilho de 18 pontos à frente do governador do estado de Miranda.
Especialistas dizem que a diferença entre as pesquisas refletem as dificuldades de sondagens de opinião para medir a percepção do público na Venezuela, onde uma divisão nítida entre o que o eleitorado pensa sobre o presidente e seus pensamentos sobre o estado geral do país.
Patrícia Ruggeri, diretora da empresa Consultores 21, declarou que as últimas semanas tem favorecido Capriles, que emergiu como o candidato único da oposição nas eleições primárias efetuadas em 12 de fevereiro deste ano.Com as primárias, e a seleção de um candidato da oposição que agora tem nome, tem cara e que agora pode fazer campanha diretamente, se deteve a tendência ascendente que mostrava Chávez e voltamos a uma situação de empate em quase todas as perguntas apresentadas aos pesquisados", explicou Ruggeri.
24 de março de 2012
SEM CONTROLES, NÃO HÁ VERDADEIRA DEMOCRACIA
A recorrente menção feita aos organismos de controle e seu papel em matéria de estrito interesse social está relacionada com o real funcionamento de uma democracia moderna. As repúblicas democráticas estabelecem a legitimidade da autoridade do Estado sobre duas bases:
1) uma evolução dinâmica do sistema representativo, para legitimar quem for eleito; e
2) o desenvolvimento e aprofundamento constante de um sistema de autocontrole estatal que atenda a desconfiança social a respeito do sistema e seus protagonistas.
A evolução do sistema representativo tem um limite: é impossível arbitrar mecanismos de democracia direta “à ateniense”, pela quantidade da população, entre centenas de outras razões. Portanto, o aprofundamento democrático é desenvolvido em todas as direções, para quantidade e maior qualidade dos mecanismos de autocontrole estatal.
Apesar disso, são criados órgãos de controle facilmente deturpados na função, para fingir controles que na realidade não existem, porque os controladores e os controlados são na prática política, empregados e chefes uns dos outros. Isso prejudica a qualidade da democracia e gera um evidente desinteresse social pelos controles, uma vez que sempre se revelam ineficazes.
Devemos avançar para uma melhor concepção dos órgãos de controle para minimizar os efeitos da corrupção estatal, e os danos que ocorrem, produto desta corrupção, e que indiretamente afetam a vida de todos.
A diminuição nos níveis de corrupção será diretamente proporcional à queda nos índices de pobreza, indigência, falta de moradia, recursos para a saúde e educação, etc…
24 de março de 2012
Horacio Minotti (constitucionalista argentino)
(Artigo publicado no Clarín)
1) uma evolução dinâmica do sistema representativo, para legitimar quem for eleito; e
2) o desenvolvimento e aprofundamento constante de um sistema de autocontrole estatal que atenda a desconfiança social a respeito do sistema e seus protagonistas.
A evolução do sistema representativo tem um limite: é impossível arbitrar mecanismos de democracia direta “à ateniense”, pela quantidade da população, entre centenas de outras razões. Portanto, o aprofundamento democrático é desenvolvido em todas as direções, para quantidade e maior qualidade dos mecanismos de autocontrole estatal.
Apesar disso, são criados órgãos de controle facilmente deturpados na função, para fingir controles que na realidade não existem, porque os controladores e os controlados são na prática política, empregados e chefes uns dos outros. Isso prejudica a qualidade da democracia e gera um evidente desinteresse social pelos controles, uma vez que sempre se revelam ineficazes.
Devemos avançar para uma melhor concepção dos órgãos de controle para minimizar os efeitos da corrupção estatal, e os danos que ocorrem, produto desta corrupção, e que indiretamente afetam a vida de todos.
A diminuição nos níveis de corrupção será diretamente proporcional à queda nos índices de pobreza, indigência, falta de moradia, recursos para a saúde e educação, etc…
24 de março de 2012
Horacio Minotti (constitucionalista argentino)
(Artigo publicado no Clarín)
AS DISPUTAS PELA INDUSTRIALIZAÇÃO
Embora haja um certo senso comum favorável ao crescimento econômico, nada indica que exista consenso em torno da retomada firme da industrialização. Oligopólios estrangeiros, instituições financeiras, agraristas, ecologistas radicais, setores industriais específicos, alguns setores sindicais e mesmo governamentais, têm visões próprias sobre a industrialização que, na verdade, colocam empecilhos à sua implantação.
Os oligopólios estrangeiros instalados no Brasil consideram que a industrialização deve se limitar a preencher algumas lacunas produtivas ainda não presentes no país. E se opõem, fortemente, a que a industrialização amplie a concorrência nos setores onde exercem seu regime de oligopólio. As negociações com o México, em torno das importações de veículos, são um bom exemplo de como as multinacionais do setor operam para manter seu domínio no mercado interno, em prejuízo dos consumidores brasileiros. O governo está perdendo uma boa oportunidade para esclarecer o assunto, ao não dar as explicações necessárias, nem divulgá-las como merecem.
As instituições financeiras preferem continuar lucrando em cima do dinheiro fictício e da especulação de curto prazo, ao invés de investirem nos setores produtivos industriais, de retorno menor e de mais longo prazo. Uma parte dos agraristas está convencida de que o agronegócio é quem realmente oferece condições para o Brasil se desenvolver, e luta para que o governo continue financiando o setor com taxas subsidiadas.
Outra parte supõe que a agricultura familiar é a que oferece as condições para um desenvolvimento ambientalmente sustentável, além de garantir a seguridade alimentar, e simplesmente se opõe a que os investimentos se dirijam à industrialização.
Os ecologistas radicais se opõem ao desenvolvimento industrial porque consideram que essa forma de desenvolvimento é ambientalmente destrutiva, está historicamente superada, e deveria ser substituída por outro modelo, que não sabem bem qual é.
Os diferentes setores industriais aprovam a industrialização, desde que seus setores sejam os principais beneficiados. Uma parte dos sindicalistas também embarca num ponto de vista idêntico. E setores do governo, embora sinalizem positivamente para a necessidade da industrialização, impõem embaraços à sistematização de um plano estratégico que conforme uma força social e política consistente em apoio a ela.
Para se ter uma idéia de quanto estamos atrasados nessa questão estratégica para os destinos do país, basta passar uma vista sobre os planos existentes. Em geral, eles desdenham a experiência histórica de que, em qualquer processo de industrialização, deve-se ter como pressuposto a necessidade de um certo equilíbrio entre os setores fabricantes de bens de consumo, os setores fabricantes de equipamentos para a produção de bens de consumo e os setores fabricantes de máquinas ferramentas para a produção de equipamentos.
Um país que não produz máquinas/ferramentas para a fabricação de máquinas e equipamentos industriais, agrícolas e de serviços, certamente permanecerá dependente de outros países industriais. Pode até conseguir um alto grau de desenvolvimento na fabricação de equipamentos e de bens de consumo. Porém, especialmente nesta era em que as ciências e tecnologias se transformaram nas principais forças produtivas a serviço dos homens, a dependência externa de máquinas ferramentas imporá um pedágio crescente ao desenvolvimento industrial e econômico interno.
Esta é uma das principais fraquezas da indústria brasileira. São muito poucas as empresas locais fabricantes de máquinas/ferramentas, não somente de última geração, mas também de gerações intermediárias. Algo idêntico ocorre com a fabricação de equipamentos produtores de bens de consumo. Neste caso, muitas empresas brasileiras fabricam tais equipamentos, ou podem fabricá-los, mas nem sempre a preços competitivos em virtude do chamado Custo Brasil.
Embora boa parte dos empresários acuse os salários por esse Custo, ele na verdade tem por base os altos juros, o câmbio valorizado e, em parte, um sistema de proteção comercial aos preços administrados das empresas oligopolistas.
Se existem planos que atendam à necessidade de superar essas fraquezas, eles devem estar enfurnados em alguma repartição e são do conhecimento de poucos. Se não existem, o que é mais provável, eles fazem uma falta importante para a criação de uma força social e política, que abranja os trabalhadores, a pequena burguesia urbana e rural, e setores da burguesia nacional, e possa desempenhar um papel determinante no desenvolvimento soberano do país.
Se Juscelino Kubitscheck, no final da década de 1950, conseguiu fazer isso com seu Plano de Metas, que afinal era um plano de abertura indiscriminada aos capitais estrangeiros e de implantação de uma industrialização torta, por que um governo dirigido pela esquerda não é capaz de fazer algo idêntico, mas com uma abertura ao exterior que tenha um viés definido de nacionalização e de democratização, e com uma industrialização em que o setor de fabricação de máquinas ferramentas de nova e alta tecnologia tenha destaque especial?
(Transcrito do Correio da Cidadania)
Wladmir Pomar
24 de março de 2012
Os oligopólios estrangeiros instalados no Brasil consideram que a industrialização deve se limitar a preencher algumas lacunas produtivas ainda não presentes no país. E se opõem, fortemente, a que a industrialização amplie a concorrência nos setores onde exercem seu regime de oligopólio. As negociações com o México, em torno das importações de veículos, são um bom exemplo de como as multinacionais do setor operam para manter seu domínio no mercado interno, em prejuízo dos consumidores brasileiros. O governo está perdendo uma boa oportunidade para esclarecer o assunto, ao não dar as explicações necessárias, nem divulgá-las como merecem.
As instituições financeiras preferem continuar lucrando em cima do dinheiro fictício e da especulação de curto prazo, ao invés de investirem nos setores produtivos industriais, de retorno menor e de mais longo prazo. Uma parte dos agraristas está convencida de que o agronegócio é quem realmente oferece condições para o Brasil se desenvolver, e luta para que o governo continue financiando o setor com taxas subsidiadas.
Outra parte supõe que a agricultura familiar é a que oferece as condições para um desenvolvimento ambientalmente sustentável, além de garantir a seguridade alimentar, e simplesmente se opõe a que os investimentos se dirijam à industrialização.
Os ecologistas radicais se opõem ao desenvolvimento industrial porque consideram que essa forma de desenvolvimento é ambientalmente destrutiva, está historicamente superada, e deveria ser substituída por outro modelo, que não sabem bem qual é.
Os diferentes setores industriais aprovam a industrialização, desde que seus setores sejam os principais beneficiados. Uma parte dos sindicalistas também embarca num ponto de vista idêntico. E setores do governo, embora sinalizem positivamente para a necessidade da industrialização, impõem embaraços à sistematização de um plano estratégico que conforme uma força social e política consistente em apoio a ela.
Para se ter uma idéia de quanto estamos atrasados nessa questão estratégica para os destinos do país, basta passar uma vista sobre os planos existentes. Em geral, eles desdenham a experiência histórica de que, em qualquer processo de industrialização, deve-se ter como pressuposto a necessidade de um certo equilíbrio entre os setores fabricantes de bens de consumo, os setores fabricantes de equipamentos para a produção de bens de consumo e os setores fabricantes de máquinas ferramentas para a produção de equipamentos.
Um país que não produz máquinas/ferramentas para a fabricação de máquinas e equipamentos industriais, agrícolas e de serviços, certamente permanecerá dependente de outros países industriais. Pode até conseguir um alto grau de desenvolvimento na fabricação de equipamentos e de bens de consumo. Porém, especialmente nesta era em que as ciências e tecnologias se transformaram nas principais forças produtivas a serviço dos homens, a dependência externa de máquinas ferramentas imporá um pedágio crescente ao desenvolvimento industrial e econômico interno.
Esta é uma das principais fraquezas da indústria brasileira. São muito poucas as empresas locais fabricantes de máquinas/ferramentas, não somente de última geração, mas também de gerações intermediárias. Algo idêntico ocorre com a fabricação de equipamentos produtores de bens de consumo. Neste caso, muitas empresas brasileiras fabricam tais equipamentos, ou podem fabricá-los, mas nem sempre a preços competitivos em virtude do chamado Custo Brasil.
Embora boa parte dos empresários acuse os salários por esse Custo, ele na verdade tem por base os altos juros, o câmbio valorizado e, em parte, um sistema de proteção comercial aos preços administrados das empresas oligopolistas.
Se existem planos que atendam à necessidade de superar essas fraquezas, eles devem estar enfurnados em alguma repartição e são do conhecimento de poucos. Se não existem, o que é mais provável, eles fazem uma falta importante para a criação de uma força social e política, que abranja os trabalhadores, a pequena burguesia urbana e rural, e setores da burguesia nacional, e possa desempenhar um papel determinante no desenvolvimento soberano do país.
Se Juscelino Kubitscheck, no final da década de 1950, conseguiu fazer isso com seu Plano de Metas, que afinal era um plano de abertura indiscriminada aos capitais estrangeiros e de implantação de uma industrialização torta, por que um governo dirigido pela esquerda não é capaz de fazer algo idêntico, mas com uma abertura ao exterior que tenha um viés definido de nacionalização e de democratização, e com uma industrialização em que o setor de fabricação de máquinas ferramentas de nova e alta tecnologia tenha destaque especial?
(Transcrito do Correio da Cidadania)
Wladmir Pomar
24 de março de 2012
RETRATAÇÃO: TENHO QUE DAR O MEU BRAÇO A TORCER, PELO MENOS ATÉ AGORA!
Romário bota para quebrar: “Na Copa 2014, a corrupção vai correr solta. Como deputado, vou acompanhar e escancarar a bandalha”
"Prefiro esbarrar com essa turma só mesmo nos corredores do Congresso" (Foto: VEJA.com)
Amigos, o Baixinho fala por si. Confiram essa ótima entrevista concedida à jornalista Renata Betti, de VEJA, publicada na edição da revista que está nas bancas.
“ELES NÃO QUEREM SABER DE NADA”
Ele foi craque nos gramados, mas quando chegou à Câmara dos Deputados viu que o jogo ali era mais bruto que o dos zagueiros desleais que enfrentou. O “baixinho”, porém, não desiste.
Eleito com 147 mil votos pelo Rio de Janeiro, Romário, 46 anos, chegou à Câmara dos Deputados em Brasília, no ano passado, com o afiado instinto de artilheiro que fez dele um dos maiores craques do futebol brasileiro em todos os tempos. Romário, porém, logo descobriu que seria difícil jogar naquele campo.
“Aquilo ali é o palco que uma panelinha de políticos usa para dar show na TV”, diz o deputado de primeira viagem do PSB, que, descrente da política partidária, concentrou sua ação parlamentar na defesa da causa dos deficientes brasileiros.
São de sua autoria duas iniciativas que melhoram a renda e dão mais garantias a eles.
Desde que Ivy, sua sexta filha, fruto do terceiro casamento, nasceu com a síndrome de Down, há sete anos, Romário se entregou a ela e à luta para tornar melhor a vida das pessoas portadoras de necessidades especiais.
Disse Romário a VEJA: “Essa menina mudou minha vida”.
Como é sua vida como deputado em Brasília?
Evito frequentar os mesmos lugares que os políticos. Na verdade, fujo deles. Não é por nada, não, mas, com exceção de um ou outro, prefiro esbarrar com essa turma só mesmo nos corredores do Congresso.
Não são boas companhias?
Fiz amizade com um pessoal, mas, vou lhe dizer uma coisa, ali só uma minoria de gente vale a pena conhecer. De mais de 500 deputados, uns 400 não querem saber de nada. Nada mesmo. Dão as caras, colocam a digital para marcar presença e se mandam. Vejo isso o tempo todo.
Virou cena tão comum que ninguém demonstra um pingo de constrangimento em fazer o teatro. Muita gente ali ocupa cargo de líder, é tratada como autoridade, mas está no quarto, quinto mandato e nunca propôs nem uma emendazinha.
Como pode? Passam anos no bem-bom do poder sem cumprir uma vírgula do que prometeram. Mas, quando vão à tribuna, os caras falam bonito que só vendo.
Qual é o estilo Romário na tribuna?
Até hoje, consegui falar duas vezes porque fui sorteado. Tirando o sorteio, só dá para iniciantes como eu terem acesso à tribuna nos horários em que o plenário está às moscas. É a panelinha que manda.
Os donos do microfone são os líderes e os deputados com mais tempo de casa. Eu mantenho o estilo Romário, sem muita firula nem enrolação. Às vezes, me embaralho com o nome das coisas.
É muita sigla e título para decorar: “Vossa excelência” para cá, “líder” para lá.
Se tenho dúvida, pergunto para alguém do meu lado ou procuro a resposta na internet. Até aí, tiro de letra. Mas a tribuna ainda é um lugar muito estranho para mim.
Estranho por quê?
O debate não segue uma linha lógica de raciocínio porque a maior preocupação ali é dar show para a televisão. Outro dia, um deputado começou a falar de salário mínimo. Aí, um outro chegou e ficou discursando sobre a ponte que tombou na cidade dele.
Ou seja, a conversa não chegou a lugar nenhum. Uma loucura.
Quando pisei lá pela primeira vez, aquilo me deprimiu. Queria fugir. Pensava o tempo todo: “Cara, me meti numa roubada”.
Mas fui me acostumando e, mesmo com essas esquisitices, estou gostando. No Brasil, falou que é político, as portas se abrem na mesma hora.
Em seu primeiro discurso: "microfone só com sorteio" (Foto: Ailton de Freitas / O Globo)
Aconteceu com você?
Mesmo sendo o Romário, antes eu ligava cinco, dez vezes para o Ministério do Esporte, em busca de parceria para alguns projetos, e ninguém me retornava. Agora, é completamente diferente.
Às vezes, leva um pouco de tempo, mas as pessoas me recebem, me ouvem. O poder atrai. Para aprovar minhas propostas, falei com ministro, líder da oposição, todo mundo.
Recebeu tratamento de deputado ou de celebridade do futebol?
No começo, não teve jeito. Entrei para o grupo das “celebridadezinhas” do Congresso. Fazer o quê? Mas acho que já me distanciei bastante daquele grupo. Tem cara famoso ali só esquentando cadeira.
Nunca dá o ar da graça no plenário nem faz nada de útil. Até daria nome aos bois, e olha que não são poucos, mas, sabe como é, daqui a pouco preciso do apoio de um e outro e acabo pagando caro pela língua.
Você foi bem recebido pelo alto clero, os caciques da Câmara dos Deputados?
Me dou mais com os novatos e com o pessoal da pelada (entre eles, o ex-boxeador Popó, do PRB-BA, e o ex-goleiro do Grêmio Danrlei, do PSD-RS). Agora, vamos combinar que essa coisa de alto e baixo clero não tem valor nenhum.
De fora, todo mundo acha que lá no alto está a nata da nata, mas isso é balela. O que mais tem no andar de cima é gente que não se coça para nada, quando não sai por aí se metendo em pilantragem.
Pelo que você viu até agora, dá para fazer carreira na política?
Talvez. Fizeram, no ano passado, uma pesquisa de intenção de voto para a Prefeitura do Rio e eu apareci com 6% logo de saída. Fiquei animado, mas o meu partido decidiu apoiar o Eduardo Paes (PMDB) e eu desisti de concorrer desta vez.
Posso também seguir carreira de comentarista de futebol. É uma das profissões mais fáceis do mundo. O que mais tem por aí é palpiteiro que não entende nada do negócio se dando bem. Gente que, quando teve a chance de botar toda essa sabedoria em prática, no campo, só deu vexame.
O que acha da atual seleção brasileira?
Sempre gostei do trabalho do Mano Menezes, o atual técnico da seleção, mas se o time ficar nesse nível aí, jogando essa bolinha, talvez seja hora de pensar em mudar de treinador. Está duro ficar na frente da televisão vendo jogo do Brasil.
Ser técnico de futebol é bem mais complicado do que ser comentarista. Eu treinei o Vasco por dois jogos e saí com a certeza de que não levo jeito para a coisa. É muito ego de jogador para administrar.
Sinceramente, se aparecesse um Romário na minha frente, não conseguiria aturar o cara.
Por quê?
Eu era muito chato.
Para começar, me achava o máximo. Passava dos limites e não estava nem aí. Se era o melhor, queria os meus privilégios. Cada um que conquistasse os seus. Mulheres na concentração era o básico. Com 18 anos, virei milionário e fiquei completamente deslumbrado. Era um favelado e, de repente, podia escolher carro, casa, roupa de marca. Tinha a mulher que eu quisesse.
Por isso, entendo o comportamento de um jogador como o Neymar. Ele sou eu uns vinte anos atrás.
É um tipo diferente do Adriano, por exemplo.
"O Adriano gosta de voltar para as raízes. O Neymar sou eu, 20 anos atras"
Em que o Neymar e o Adriano são diferentes?
O Adriano gosta de voltar para as raízes. Prefere viver na comunidade a morar no Leblon. Aliás, comunidade não. É favela mesmo. E ali, claro, tem mais risco de se envolver com problemas.
Eu às vezes visito a favela onde nasci, o Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, mas prefiro viver na Barra da Tijuca, com a rede de futevôlei a dez passos do meu apartamento e do lado do shopping onde compro meus ternos Armani.
Por que deixou de pagar a pensão de uma de suas ex-mulheres?
Por uma questão matemática. Para mim, dez dividido por dois é cinco. Para a Mônica [sua primeira mulher], é oito. Vai fazer o quê? Toda semana tenho de comparecer a alguma audiência porque ela me colocou na Justiça. Já virou rotina.
Esse foi meu primeiro casamento. Eu tinha 20 e poucos anos. Pode ter gente que não bota fé nisso, mas mudei muito com o nascimento da minha filha caçula, a Ivy.
Qual foi sua reação quando soube que ela nasceu com síndrome de Down?
Fiquei em choque nas primeiras horas depois do parto. A Isabella [mãe da menina] tinha feito dois exames no pré-natal. O primeiro indicava que o bebê tinha um risco razoável de nascer com Down. O segundo praticamente descartou a hipótese. Então, não estava preparado para aquilo.
Quando o médico me avisou, eu me perguntava: “Por que isso foi acontecer logo comigo? O que eu fiz de errado?”. Já tinha cinco filhos, todos eram normais.
Eu mesmo quis dar a notícia à Isabella. Disse: “Nossa menininha nasceu diferente”. Ela sorriu, emocionada, e respondeu: “Calma, vai ficar tudo bem”. A reação dela me deu muita força.
"Essa menina mudou minha vida" (Foto: VEJA.com)
Em algum momento você pensou em esconder a situação?
Nunca. O médico ainda não tinha nem diagnosticado qual era a síndrome de Ivy quando deixei o hospital e fui treinar. Naquele tempo eu jogava no Vasco. Convoquei a imprensa e contei: “Minha filha nasceu. Ela não é perfeita, mas estou muito feliz”.
Desde o começo, tive o instinto de deixar tudo bem transparente. Se o próprio pai age com preconceito, escondendo a criança, ela vai ter pouca chance de ter uma vida legal.
Sei de muitos pais que rejeitam o filho com Down, a ponto de não saírem de casa com ele. Pagam uma babá e deixam a criança de lado, como se não fosse sua.
Depois que comecei a me envolver nesse mundo, descobri umas celebridades que têm filhos assim e jamais trouxeram o assunto à tona. Não dou os nomes por respeito, mas acho uma pouca-vergonha.
É angustiante perceber limitações em sua filha?
As expectativas precisam se ajustar, claro. A Ivy tem o tipo mais brando de Down, a síndrome de mosaico, e se vira muito bem.
Os primeiros quatro anos de vida foram os mais difíceis. Ela fez fisioterapia intensiva, porque tinha a musculatura mais fraca. Ainda vai à fonoaudióloga e à natação. Fiz e faço tudo o que posso pela Ivy.
Hoje com 7 anos, conta até 100 em português, até 20 em inglês, identifica as cores e até as marcas de carro. Na escola, está só um ano atrasada.
O que sabia sobre a síndrome de Down antes de ela nascer?
Nada. Quando o problema não é com você, ele não o sensibiliza. Depois que ela nasceu, comecei a conversar com outras famílias e a ler tudo sobre o assunto.
Ainda bem que tive minha filha numa fase menos baladeira. Crianças assim precisam de muito carinho.
Ela sofre preconceito?
Na minha frente, ninguém nunca teve coragem de manifestar. Mas as pessoas no Brasil ainda olham diferente para os deficientes. Felizmente, o assunto está aos poucos deixando de ser tabu.
É uma de minhas bandeiras no Congresso e em casa. A Ivy é a primeira a falar sobre sua síndrome. Outro dia, a gente estava andando na rua quando cruzamos com uma menina que também tinha Down.
Minha filha comentou na mesma hora: “Papai, olha, essa garota é igual à Ivy?”. Perguntei como sabia disso, e ela apontou para o próprio rosto, orgulhosa, dizendo: “Porque ela é assim”.
O que muda na CBF com a renúncia do presidente Ricardo Teixeira?
Nada.
Basta dizer que o novo presidente, o José Maria Marin, surrupiou uma medalha dos meninos do Corinthians na caradura. Botou no bolso e levou para casa.
Não tenho nenhuma ilusão. Trocamos um ruim por outro pior. Que diferença faz? Eu nunca escondi minha aversão à figura do Ricardo Teixeira e não é agora que vou dar uma de elegante.
"Para mim, não muda nada na CBF. Foi a troca de um ruim por outro pior"
Por que você brigou com Ricardo Teixeira?
É uma história antiga. Um dia, antes da Copa do Mundo de 2002, ele apertou minha mão bem firme, olhou nos meus olhos e disse, com aquela pose de mandachuva: “Romário, você está dentro do time”.
Ainda perguntei se o Felipão [o então técnico da seleção Luiz Felipe Scolari] não ia se opor. Era direito dele não querer me escalar. Teixeira respondeu: “Eu mando nisto aqui. Pode fazer as malas”.
Três dias depois, meu nome estava fora da lista de convocados. Nunca mais me dirigi ao Ricardo Teixeira. O cara não tem palavra.
O secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, exagerou nas críticas que fez à organização da Copa no Brasil?
Ele foi arrogante e mal-educado, o que não me surpreende, mas está certo no que diz.
Nosso atraso é absurdo mesmo. A Copa até vai sair do papel, mas vão erguer uns puxadinhos aqui, fazer umas maquiagens ali. Tudo mais caro do que deveria por causa da pressa. Muita gente se beneficiará disso. Pode escrever.
Vai chover obra emergencial sem licitação e a corrupção vai correr solta. Como deputado, pretendo acompanhar o processo de perto e escancarar a bandalha.
24 de março de 2012
omascate
NOTA AO PÉ DO TEXTO
A retratação apresentada, que redime a figura política de Romário, penso que se o post foi colocado por OMASCATE, que se encontra no arquivo do dia 22 de março de 2012, sob o título FALAR É FÁCIL, ou talvez ao post ROMÁRIO BOLA MURCHA - PISOU NA BOLA no blog TÔ VENDO TUDO.
De qualquer modo louvo a atitude de OMASCATE, um blog que sempre mereceu o meu respeito, e agora, mais ainda. A honestidade de opinião é sinal de caráter. Ou a louvação se estende ao blog TÔ VENDO TUDO.
A confusão é que ambos criticaram Romário pelas suas críticas a COPA 2014.
Não estamos aqui para denegrir quem quer que seja, mas para denunciar e criticar o que deve ser denunciado e criticado.
m.americo
"Prefiro esbarrar com essa turma só mesmo nos corredores do Congresso" (Foto: VEJA.com)
Amigos, o Baixinho fala por si. Confiram essa ótima entrevista concedida à jornalista Renata Betti, de VEJA, publicada na edição da revista que está nas bancas.
“ELES NÃO QUEREM SABER DE NADA”
Ele foi craque nos gramados, mas quando chegou à Câmara dos Deputados viu que o jogo ali era mais bruto que o dos zagueiros desleais que enfrentou. O “baixinho”, porém, não desiste.
Eleito com 147 mil votos pelo Rio de Janeiro, Romário, 46 anos, chegou à Câmara dos Deputados em Brasília, no ano passado, com o afiado instinto de artilheiro que fez dele um dos maiores craques do futebol brasileiro em todos os tempos. Romário, porém, logo descobriu que seria difícil jogar naquele campo.
“Aquilo ali é o palco que uma panelinha de políticos usa para dar show na TV”, diz o deputado de primeira viagem do PSB, que, descrente da política partidária, concentrou sua ação parlamentar na defesa da causa dos deficientes brasileiros.
São de sua autoria duas iniciativas que melhoram a renda e dão mais garantias a eles.
Desde que Ivy, sua sexta filha, fruto do terceiro casamento, nasceu com a síndrome de Down, há sete anos, Romário se entregou a ela e à luta para tornar melhor a vida das pessoas portadoras de necessidades especiais.
Disse Romário a VEJA: “Essa menina mudou minha vida”.
Como é sua vida como deputado em Brasília?
Evito frequentar os mesmos lugares que os políticos. Na verdade, fujo deles. Não é por nada, não, mas, com exceção de um ou outro, prefiro esbarrar com essa turma só mesmo nos corredores do Congresso.
Não são boas companhias?
Fiz amizade com um pessoal, mas, vou lhe dizer uma coisa, ali só uma minoria de gente vale a pena conhecer. De mais de 500 deputados, uns 400 não querem saber de nada. Nada mesmo. Dão as caras, colocam a digital para marcar presença e se mandam. Vejo isso o tempo todo.
Virou cena tão comum que ninguém demonstra um pingo de constrangimento em fazer o teatro. Muita gente ali ocupa cargo de líder, é tratada como autoridade, mas está no quarto, quinto mandato e nunca propôs nem uma emendazinha.
Como pode? Passam anos no bem-bom do poder sem cumprir uma vírgula do que prometeram. Mas, quando vão à tribuna, os caras falam bonito que só vendo.
Qual é o estilo Romário na tribuna?
Até hoje, consegui falar duas vezes porque fui sorteado. Tirando o sorteio, só dá para iniciantes como eu terem acesso à tribuna nos horários em que o plenário está às moscas. É a panelinha que manda.
Os donos do microfone são os líderes e os deputados com mais tempo de casa. Eu mantenho o estilo Romário, sem muita firula nem enrolação. Às vezes, me embaralho com o nome das coisas.
É muita sigla e título para decorar: “Vossa excelência” para cá, “líder” para lá.
Se tenho dúvida, pergunto para alguém do meu lado ou procuro a resposta na internet. Até aí, tiro de letra. Mas a tribuna ainda é um lugar muito estranho para mim.
Estranho por quê?
O debate não segue uma linha lógica de raciocínio porque a maior preocupação ali é dar show para a televisão. Outro dia, um deputado começou a falar de salário mínimo. Aí, um outro chegou e ficou discursando sobre a ponte que tombou na cidade dele.
Ou seja, a conversa não chegou a lugar nenhum. Uma loucura.
Quando pisei lá pela primeira vez, aquilo me deprimiu. Queria fugir. Pensava o tempo todo: “Cara, me meti numa roubada”.
Mas fui me acostumando e, mesmo com essas esquisitices, estou gostando. No Brasil, falou que é político, as portas se abrem na mesma hora.
Em seu primeiro discurso: "microfone só com sorteio" (Foto: Ailton de Freitas / O Globo)
Aconteceu com você?
Mesmo sendo o Romário, antes eu ligava cinco, dez vezes para o Ministério do Esporte, em busca de parceria para alguns projetos, e ninguém me retornava. Agora, é completamente diferente.
Às vezes, leva um pouco de tempo, mas as pessoas me recebem, me ouvem. O poder atrai. Para aprovar minhas propostas, falei com ministro, líder da oposição, todo mundo.
Recebeu tratamento de deputado ou de celebridade do futebol?
No começo, não teve jeito. Entrei para o grupo das “celebridadezinhas” do Congresso. Fazer o quê? Mas acho que já me distanciei bastante daquele grupo. Tem cara famoso ali só esquentando cadeira.
Nunca dá o ar da graça no plenário nem faz nada de útil. Até daria nome aos bois, e olha que não são poucos, mas, sabe como é, daqui a pouco preciso do apoio de um e outro e acabo pagando caro pela língua.
Você foi bem recebido pelo alto clero, os caciques da Câmara dos Deputados?
Me dou mais com os novatos e com o pessoal da pelada (entre eles, o ex-boxeador Popó, do PRB-BA, e o ex-goleiro do Grêmio Danrlei, do PSD-RS). Agora, vamos combinar que essa coisa de alto e baixo clero não tem valor nenhum.
De fora, todo mundo acha que lá no alto está a nata da nata, mas isso é balela. O que mais tem no andar de cima é gente que não se coça para nada, quando não sai por aí se metendo em pilantragem.
Pelo que você viu até agora, dá para fazer carreira na política?
Talvez. Fizeram, no ano passado, uma pesquisa de intenção de voto para a Prefeitura do Rio e eu apareci com 6% logo de saída. Fiquei animado, mas o meu partido decidiu apoiar o Eduardo Paes (PMDB) e eu desisti de concorrer desta vez.
Posso também seguir carreira de comentarista de futebol. É uma das profissões mais fáceis do mundo. O que mais tem por aí é palpiteiro que não entende nada do negócio se dando bem. Gente que, quando teve a chance de botar toda essa sabedoria em prática, no campo, só deu vexame.
O que acha da atual seleção brasileira?
Sempre gostei do trabalho do Mano Menezes, o atual técnico da seleção, mas se o time ficar nesse nível aí, jogando essa bolinha, talvez seja hora de pensar em mudar de treinador. Está duro ficar na frente da televisão vendo jogo do Brasil.
Ser técnico de futebol é bem mais complicado do que ser comentarista. Eu treinei o Vasco por dois jogos e saí com a certeza de que não levo jeito para a coisa. É muito ego de jogador para administrar.
Sinceramente, se aparecesse um Romário na minha frente, não conseguiria aturar o cara.
Por quê?
Eu era muito chato.
Para começar, me achava o máximo. Passava dos limites e não estava nem aí. Se era o melhor, queria os meus privilégios. Cada um que conquistasse os seus. Mulheres na concentração era o básico. Com 18 anos, virei milionário e fiquei completamente deslumbrado. Era um favelado e, de repente, podia escolher carro, casa, roupa de marca. Tinha a mulher que eu quisesse.
Por isso, entendo o comportamento de um jogador como o Neymar. Ele sou eu uns vinte anos atrás.
É um tipo diferente do Adriano, por exemplo.
"O Adriano gosta de voltar para as raízes. O Neymar sou eu, 20 anos atras"
Em que o Neymar e o Adriano são diferentes?
O Adriano gosta de voltar para as raízes. Prefere viver na comunidade a morar no Leblon. Aliás, comunidade não. É favela mesmo. E ali, claro, tem mais risco de se envolver com problemas.
Eu às vezes visito a favela onde nasci, o Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, mas prefiro viver na Barra da Tijuca, com a rede de futevôlei a dez passos do meu apartamento e do lado do shopping onde compro meus ternos Armani.
Por que deixou de pagar a pensão de uma de suas ex-mulheres?
Por uma questão matemática. Para mim, dez dividido por dois é cinco. Para a Mônica [sua primeira mulher], é oito. Vai fazer o quê? Toda semana tenho de comparecer a alguma audiência porque ela me colocou na Justiça. Já virou rotina.
Esse foi meu primeiro casamento. Eu tinha 20 e poucos anos. Pode ter gente que não bota fé nisso, mas mudei muito com o nascimento da minha filha caçula, a Ivy.
Qual foi sua reação quando soube que ela nasceu com síndrome de Down?
Fiquei em choque nas primeiras horas depois do parto. A Isabella [mãe da menina] tinha feito dois exames no pré-natal. O primeiro indicava que o bebê tinha um risco razoável de nascer com Down. O segundo praticamente descartou a hipótese. Então, não estava preparado para aquilo.
Quando o médico me avisou, eu me perguntava: “Por que isso foi acontecer logo comigo? O que eu fiz de errado?”. Já tinha cinco filhos, todos eram normais.
Eu mesmo quis dar a notícia à Isabella. Disse: “Nossa menininha nasceu diferente”. Ela sorriu, emocionada, e respondeu: “Calma, vai ficar tudo bem”. A reação dela me deu muita força.
"Essa menina mudou minha vida" (Foto: VEJA.com)
Em algum momento você pensou em esconder a situação?
Nunca. O médico ainda não tinha nem diagnosticado qual era a síndrome de Ivy quando deixei o hospital e fui treinar. Naquele tempo eu jogava no Vasco. Convoquei a imprensa e contei: “Minha filha nasceu. Ela não é perfeita, mas estou muito feliz”.
Desde o começo, tive o instinto de deixar tudo bem transparente. Se o próprio pai age com preconceito, escondendo a criança, ela vai ter pouca chance de ter uma vida legal.
Sei de muitos pais que rejeitam o filho com Down, a ponto de não saírem de casa com ele. Pagam uma babá e deixam a criança de lado, como se não fosse sua.
Depois que comecei a me envolver nesse mundo, descobri umas celebridades que têm filhos assim e jamais trouxeram o assunto à tona. Não dou os nomes por respeito, mas acho uma pouca-vergonha.
É angustiante perceber limitações em sua filha?
As expectativas precisam se ajustar, claro. A Ivy tem o tipo mais brando de Down, a síndrome de mosaico, e se vira muito bem.
Os primeiros quatro anos de vida foram os mais difíceis. Ela fez fisioterapia intensiva, porque tinha a musculatura mais fraca. Ainda vai à fonoaudióloga e à natação. Fiz e faço tudo o que posso pela Ivy.
Hoje com 7 anos, conta até 100 em português, até 20 em inglês, identifica as cores e até as marcas de carro. Na escola, está só um ano atrasada.
O que sabia sobre a síndrome de Down antes de ela nascer?
Nada. Quando o problema não é com você, ele não o sensibiliza. Depois que ela nasceu, comecei a conversar com outras famílias e a ler tudo sobre o assunto.
Ainda bem que tive minha filha numa fase menos baladeira. Crianças assim precisam de muito carinho.
Ela sofre preconceito?
Na minha frente, ninguém nunca teve coragem de manifestar. Mas as pessoas no Brasil ainda olham diferente para os deficientes. Felizmente, o assunto está aos poucos deixando de ser tabu.
É uma de minhas bandeiras no Congresso e em casa. A Ivy é a primeira a falar sobre sua síndrome. Outro dia, a gente estava andando na rua quando cruzamos com uma menina que também tinha Down.
Minha filha comentou na mesma hora: “Papai, olha, essa garota é igual à Ivy?”. Perguntei como sabia disso, e ela apontou para o próprio rosto, orgulhosa, dizendo: “Porque ela é assim”.
O que muda na CBF com a renúncia do presidente Ricardo Teixeira?
Nada.
Basta dizer que o novo presidente, o José Maria Marin, surrupiou uma medalha dos meninos do Corinthians na caradura. Botou no bolso e levou para casa.
Não tenho nenhuma ilusão. Trocamos um ruim por outro pior. Que diferença faz? Eu nunca escondi minha aversão à figura do Ricardo Teixeira e não é agora que vou dar uma de elegante.
"Para mim, não muda nada na CBF. Foi a troca de um ruim por outro pior"
Por que você brigou com Ricardo Teixeira?
É uma história antiga. Um dia, antes da Copa do Mundo de 2002, ele apertou minha mão bem firme, olhou nos meus olhos e disse, com aquela pose de mandachuva: “Romário, você está dentro do time”.
Ainda perguntei se o Felipão [o então técnico da seleção Luiz Felipe Scolari] não ia se opor. Era direito dele não querer me escalar. Teixeira respondeu: “Eu mando nisto aqui. Pode fazer as malas”.
Três dias depois, meu nome estava fora da lista de convocados. Nunca mais me dirigi ao Ricardo Teixeira. O cara não tem palavra.
O secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, exagerou nas críticas que fez à organização da Copa no Brasil?
Ele foi arrogante e mal-educado, o que não me surpreende, mas está certo no que diz.
Nosso atraso é absurdo mesmo. A Copa até vai sair do papel, mas vão erguer uns puxadinhos aqui, fazer umas maquiagens ali. Tudo mais caro do que deveria por causa da pressa. Muita gente se beneficiará disso. Pode escrever.
Vai chover obra emergencial sem licitação e a corrupção vai correr solta. Como deputado, pretendo acompanhar o processo de perto e escancarar a bandalha.
24 de março de 2012
omascate
NOTA AO PÉ DO TEXTO
A retratação apresentada, que redime a figura política de Romário, penso que se o post foi colocado por OMASCATE, que se encontra no arquivo do dia 22 de março de 2012, sob o título FALAR É FÁCIL, ou talvez ao post ROMÁRIO BOLA MURCHA - PISOU NA BOLA no blog TÔ VENDO TUDO.
De qualquer modo louvo a atitude de OMASCATE, um blog que sempre mereceu o meu respeito, e agora, mais ainda. A honestidade de opinião é sinal de caráter. Ou a louvação se estende ao blog TÔ VENDO TUDO.
A confusão é que ambos criticaram Romário pelas suas críticas a COPA 2014.
Não estamos aqui para denegrir quem quer que seja, mas para denunciar e criticar o que deve ser denunciado e criticado.
m.americo
HISTÓRIAS DO FOLCLORE POLÍTICO BRASILEIRO
RIO – Amaral Peixoto, 74 anos, senador do MDB do Rio, no dia 15 de dezembro de 79, quando o PMDB e o PDS estavam sendo criados, passou três horas trancado com o ministro da Justiça Petrônio Portela, 54 anos, traçando seu destino político, por causa do controle do PMDB do Rio por Chagas Freitas. Petrônio queria uma resposta de Amaral para levar a Figueiredo :
- Como é, senador, então o senhor vem mesmo para o PDS?
- Vou. Mas há uma condição inarredável. Preciso do aval do Presidente.
- Não há problema. O Presidente o convocará.
Amaral pega o avião, voa para o Rio.
AMARAL
No dia seguinte, o deputado José Alves Torres, o Zeca Torres, liderado fiel de Amaral, vai visita-lo :
- Como é, comandante? Tudo resolvido? Os jornais dizem que o senhor conversou longamente com Petrônio e acertou a ida para o partido do governo.
- Conversamos, sim. Mas ainda não acertei com o governo. Só vamos com o aval pessoal do Presidente.
- Por que a duvida, comandante?
-
Ora, meu filho, não basta fazer o acerto com o Petrônio. Ele pode sair do ministério, pode morrer, quem é que vai continuar a cumprir o acordo?
- Mas, comandante, o Petrônio está forte no ministério e é muito jovem.
- Sei disso. Mas tudo pode acontecer. Ele pode cair, morrer.
No dia 6 de janeiro, Petrônio morria de enfarte. Que boca!
JURACY
Amaral Peixoto contou à revista “Visão” :
- “Quando ia ser promulgado o Ato Institucional nº 2 (27 de outubro de 65), Juracy Magalhães, ministro da Justiça de Castelo Branco, me declarou que, pelo seu passado revolucionário, de liberal, não poderia permanecer no governo. Que o presidente Castelo Branco, dada a pressão que havia nos meios militares, seria obrigado de qualquer maneira a baixar um Ato, fazendo aquilo que o Congresso não queria fazer”.
“Eu respondi que seria preferível que Castelo fizesse um Ato Institucional, porque o Congresso se desmoralizaria votando aquelas medidas. E Juracy me disse que aconselharia o presidente Castelo a fazer, embora, pelo seu passado, não pudesse continuar no ministério”.
“Juracy dizia que não ficaria no ministério porque o AI-2 era uma medida ditatorial. Tanto assim que, se tivesse querido, teria sido ministro do doutor Getulio (depois de 37), com quem tinha boas relações – e realmente tinha – e nunca aceitou. Mas acho que depois ele se esqueceu disso, porque assinou o AI-2 e continuou no ministério da Justiça”.
GETULIO
Eleito presidente da Republica em 1950, Getulio Vargas foi jantar na noite de Natal na casa da filha Alzirinha e do genro Ernani do Amaral Peixoto, também eleito governador do Estado do Rio.
O jovem jornalista José Lino Grunwald, estudante, comentou o abatimento em que estava Cristiano Machado, candidato do PSD, derrotado por ele. Getulio perguntou a Amaral:
- Já me falaram. É verdade mesmo, Amaral?
- É, presidente.E, pior do que abatido, está muito maguado, sofrido.
- Ora, Amaral, mais do que o Cristiano, sofreu o Cristo.
50 ANOS
Durante 50 anos, de 1937 a 87, Amaral Peixoto liderou o Estado do Rio e, depois da fusão com a Guanabara, em 74, comandou o MDB e, a partir de 80, o PDS do Rio.
Interventor do Estado do Rio de 37 a 45, fundador do PSD em 45, deputado constituinte de 46, governador do Estado do Rio de 51 a 55, embaixador do governo Kubitschek nos Estados Unidos, de 56 a 59, ministro da Viação de JK de 59 a 61, ministro do Tribunal de Contas da União de 61 a 62, ministro da Reforma Administrativa do governo João Goulart em 63, deputado federal de 63 a 71, senador de 71 a 87.
Presidente nacional do PSD de 51 até 65, quando Castelo Branco extinguiu os partidos com o AI-2, a firme e corajosa liderança de Amaral Peixoto, desafiando os vetos militares e do governo udenista de Café Filho, e as dissidencias do PSD do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Pernambuco, foi decisiva para a consolidação da candidatura de Juscelino e sua vitória na eleição.
Veio o golpe de 64, fundou o MDB e nele ficou até ser dissolvido.
100 ANOS
Amaral nasceu no Rio, antigo Distrito Federal, em 14 de julho de 1905 e morreu em 12 de março de 89. Bom livro sobre ele: “Artes da Política, Diálogo com Amaral Peixoto”-CPDOC-FGV (Nova Fronteira).
24 de março de 2012
do Jornalista Sebatião Nery
- Como é, senador, então o senhor vem mesmo para o PDS?
- Vou. Mas há uma condição inarredável. Preciso do aval do Presidente.
- Não há problema. O Presidente o convocará.
Amaral pega o avião, voa para o Rio.
AMARAL
No dia seguinte, o deputado José Alves Torres, o Zeca Torres, liderado fiel de Amaral, vai visita-lo :
- Como é, comandante? Tudo resolvido? Os jornais dizem que o senhor conversou longamente com Petrônio e acertou a ida para o partido do governo.
- Conversamos, sim. Mas ainda não acertei com o governo. Só vamos com o aval pessoal do Presidente.
- Por que a duvida, comandante?
-
Ora, meu filho, não basta fazer o acerto com o Petrônio. Ele pode sair do ministério, pode morrer, quem é que vai continuar a cumprir o acordo?
- Mas, comandante, o Petrônio está forte no ministério e é muito jovem.
- Sei disso. Mas tudo pode acontecer. Ele pode cair, morrer.
No dia 6 de janeiro, Petrônio morria de enfarte. Que boca!
JURACY
Amaral Peixoto contou à revista “Visão” :
- “Quando ia ser promulgado o Ato Institucional nº 2 (27 de outubro de 65), Juracy Magalhães, ministro da Justiça de Castelo Branco, me declarou que, pelo seu passado revolucionário, de liberal, não poderia permanecer no governo. Que o presidente Castelo Branco, dada a pressão que havia nos meios militares, seria obrigado de qualquer maneira a baixar um Ato, fazendo aquilo que o Congresso não queria fazer”.
“Eu respondi que seria preferível que Castelo fizesse um Ato Institucional, porque o Congresso se desmoralizaria votando aquelas medidas. E Juracy me disse que aconselharia o presidente Castelo a fazer, embora, pelo seu passado, não pudesse continuar no ministério”.
“Juracy dizia que não ficaria no ministério porque o AI-2 era uma medida ditatorial. Tanto assim que, se tivesse querido, teria sido ministro do doutor Getulio (depois de 37), com quem tinha boas relações – e realmente tinha – e nunca aceitou. Mas acho que depois ele se esqueceu disso, porque assinou o AI-2 e continuou no ministério da Justiça”.
GETULIO
Eleito presidente da Republica em 1950, Getulio Vargas foi jantar na noite de Natal na casa da filha Alzirinha e do genro Ernani do Amaral Peixoto, também eleito governador do Estado do Rio.
O jovem jornalista José Lino Grunwald, estudante, comentou o abatimento em que estava Cristiano Machado, candidato do PSD, derrotado por ele. Getulio perguntou a Amaral:
- Já me falaram. É verdade mesmo, Amaral?
- É, presidente.E, pior do que abatido, está muito maguado, sofrido.
- Ora, Amaral, mais do que o Cristiano, sofreu o Cristo.
50 ANOS
Durante 50 anos, de 1937 a 87, Amaral Peixoto liderou o Estado do Rio e, depois da fusão com a Guanabara, em 74, comandou o MDB e, a partir de 80, o PDS do Rio.
Interventor do Estado do Rio de 37 a 45, fundador do PSD em 45, deputado constituinte de 46, governador do Estado do Rio de 51 a 55, embaixador do governo Kubitschek nos Estados Unidos, de 56 a 59, ministro da Viação de JK de 59 a 61, ministro do Tribunal de Contas da União de 61 a 62, ministro da Reforma Administrativa do governo João Goulart em 63, deputado federal de 63 a 71, senador de 71 a 87.
Presidente nacional do PSD de 51 até 65, quando Castelo Branco extinguiu os partidos com o AI-2, a firme e corajosa liderança de Amaral Peixoto, desafiando os vetos militares e do governo udenista de Café Filho, e as dissidencias do PSD do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Pernambuco, foi decisiva para a consolidação da candidatura de Juscelino e sua vitória na eleição.
Veio o golpe de 64, fundou o MDB e nele ficou até ser dissolvido.
100 ANOS
Amaral nasceu no Rio, antigo Distrito Federal, em 14 de julho de 1905 e morreu em 12 de março de 89. Bom livro sobre ele: “Artes da Política, Diálogo com Amaral Peixoto”-CPDOC-FGV (Nova Fronteira).
24 de março de 2012
do Jornalista Sebatião Nery
A REVOLUÇÃO DOS BICHOS (CAP. 8)
CAPÍTULO VIII
Poucos dias mais tarde, quando já amainara o terror causado pelas execuções, alguns animais lembraram-se - ou julgaram lembrar-se - de que o Sexto Mandamento rezava: "Nenhum animal matará outro animal." Embora ninguém o mencionasse ao alcance dos ouvidos dos porcos ou dos cachorros, parecia-lhes que a matança ocorrida não se ajustava muito bem com isso. Quitéria pediu a Benjamim que lesse o Sexto Mandamento e quando Benjamim, como sempre, respondeu que se recusava a envolver-se em tais assuntos, procurou Maricota. Esta leu para ela o Sexto Mandamento. Dizia: "Nenhum animal matará outro animal, sem motivo." De uma ou outra maneira, as duas últimas palavras haviam escapado à memória dos bichos. Mas estes viam agora que o Sexto Mandamento não fora violado; sim, pois, evidentemente, havia boas razões para matar os traidores que se haviam aliado a Bola-de-Neve.
Durante aquele ano, os bichos trabalharam ainda mais que no ano anterior. A reconstrução do moinho de vento, as paredes com o dobro de espessura, sua conclusão no prazo marcado, juntamente com o trabalho normal da granja, era tudo tremendamente laborioso. Momentos houve em que lhes pareceu que estavam trabalhando mais do que no tempo de Jones, sem se alimentarem melhor.
Nos domingos de manhã, Garganta, segurando uma comprida folha de papel, lia, para eles relações de estatísticas comprobatórias de que a produção de todas as classes de gêneros alimentícios aumentara de duzentos, trezentos ou quinhentos por cento, conforme o caso. Os bichos não viam razão para desacreditá-lo, especialmente porque já não conseguiam lembrar-se com clareza das exatas condições de antes da Revolução. Mesmo assim, dias havia em que prefeririam ter menos estatísticas e mais comida.
Todas as ordens, agora, eram transmitidas por meio de Garganta ou de outro porco. Napoleão não era visto em público mais do que uma vez cada quinze dias. E, quando aparecia, era acompanhado, não só pela sua matilha de cães, mas também por um garnisé preto que marchava à sua frente, atuando como arauto, soltando um cocoricó antes de cada fala de Napoleão. Mesmo na casa grande, diziam, ele habitava um apartamento separado dos demais. Fazia as refeições sozinho, com dois cachorros para servi-lo, e comia no serviço de jantar de porcelana da cristaleira da sala. Anunciou-se também que a espingarda seria disparada anualmente na data do aniversário de Napoleão, assim como nos outros dois aniversários.
- • -
Agora já não mencionavam Napoleão como "Napoleão" simplesmente. Referiam-se a ele de maneira formal, como "nosso Líder, o Camarada Napoleão", e os porcos gostavam de inventar para ele títulos tais como Pai de Todos os Bichos, Terror da Humanidade, Protetor dos Apriscos, Amigo dos Pintainhos e assim por diante. Garganta, em seus discursos, com lágrimas rolando pelo focinho, falava na sabedoria de Napoleão, na bondade de seu coração, no profundo amor que devotava aos animais de todos os lugares, mesmo - e especialmente - aos infelizes animais que ainda viviam na ignorância e na escravidão, em outras granjas. Tomara-se usual atribuir a Napoleão o crédito de todos os êxitos e de todos os golpes de sorte. Ouvia-se, freqüentemente, uma galinha comentar para outra: "Sob a orientação de nosso Líder, o Camarada Napoleão, pus cinco ovos em seis dias"; ou duas vacas, bebendo juntas no açude, exclamarem: "Graças à liderança do Camarada Napoleão, que gosto bom tem esta água!" O sentimento geral da granja era bem expresso num poema (poema dos bichos X de Luis Inácio) intitulado "O Camarada Napoleão", composto por Mínimo, que era assim:
Amigo dos órfãos!
Fonte da Felicidade!
Senhor do balde de lavagem!
Oh, minh'alma arde
Em fogo quando eu te vejo
Assim, calmo e soberano,
Como o sol na imensidão,
Camarada Napoleão!
Tu és aquele que tudo dá, tudo
Quanto as pobres criaturas amam.
Barriga cheia duas vezes por dia, palha limpa onde rolar;
Todos os bichos, grandes, pequenos,
Dormem tranqüilos, enquanto
Tu zelas por nós na solidão,
Camarada Napoleão!
Tivesse eu um leitão e
Antes mesmo que atingisse
O tamanho de um garrafão ou de um barril
Já teria aprendido a ser, eternamente,
Um teu fiel e leal seguidor. E o primeiro
Guincho que daria meu leitão. seria:
"Camarada Napoleão!"
Napoleão aprovou esse poema e mandou escrevê-lo no grande celeiro, na parede oposta àquela onde estavam os Sete Mandamentos. Sobre ele foi colocado um retrato de Napoleão de perfil, feito por Garganta.
Enquanto isso, por intermédio de Whymper, Napoleão envolvera-se em negociações complicadíssimas com Frederick e Pilkington. As pilhas de madeira ainda não estavam vendidas. Dentre os dois, Frederick era o mais ansioso por colocar-lhes a mão, mas não oferecia um preço razoável. Ao mesmo tempo circulavam renovados boatos de que Frederick e seus homens estavam planejando atacar a Granja dos Bichos e destruir o moinho de vento, cuja construção lhe causara enorme ciúme. Sabia-se que Bola-de-Neve ainda estava oculto na Granja Pinchfield. Em meio ao verão correu entre os animais a notícia alarmante de que três galinhas se haviam apresentado confessando que, instigadas por Bola-de-Neve, haviam conspirado para assassinar Napoleão.
Foram executadas imediatamente e se tomaram novas medidas para a segurança de Napoleão. Quatro cachorros passaram a montar guarda junto à sua cama, durante a noite, um em cada canto, e um jovem porco de nome Rosito recebeu a tarefa de provar a comida, para evitar que ele fosse envenenado.
Mais ou menos por essa época, foi anunciado que Napoleão acertara vender as pilhas de madeira ao Sr. Pilkington; ia assinar também um acordo regular para a troca de certos produtos entre a Granja dos Bichos e Foxwood. As relações entre Napoleão e Pilkington, embora mantidas apenas por intermédio de Whymper, eram agora quase amistosas. Os bichos não confiavam em Pilkington, ser humano que era, mas preferiam-no a Frederick, a quem tanto temiam quanto odiavam.
Com o passar do verão e estando o moinho de vento perto da conclusão, os boatos de um iminente e traiçoeiro ataque tornavam-se cada vez mais fortes. Frederick, dizia-se, tencionava trazer contra eles vinte homens armados de espingardas e já subornara os magistrados e a polícia, de forma que, se conseguissem colocar as mãos nas escrituras de propriedade da Granja dos Bichos, não surgisse problema algum. Além disso, filtravam-se de Pinchfield terríveis histórias a respeito das barbaridades a que Frederick submetia seus animais. Havia chicoteado um cavalo velho até liquidá-lo, matava as vacas de fome, assassinara um cachorro jogando-o numa fornalha, divertia-se de noite assistindo a brigas de galos, em cujas esporas colocava pedaços de lâminas de barbear. O sangue dos animais fervia de ódio quando ouviam contar o que se fazia contra seus camaradas e, às vezes, alguns pediam que lhes fosse permitido sair para atacar Pinchfield, expulsar os humanos e libertar os bichos. Porém, Garganta aconselhava-os a evitar essas atitudes violentas e a confiar na estratégia do Camarada Napoleão.
Não obstante, crescia o sentimento de ódio com relação a Frederick. Certo domingo de manhã, Napoleão apareceu no celeiro e declarou que jamais, em tempo algum, admitiria vender as pilhas de madeira a Frederick; considerava abaixo de sua dignidade, disse, fazer negócios com patifes daquela espécie. Os pombos, que continuavam a espalhar as mensagens da Revolução, foram proibidos de pôr os pés em qualquer ponto de Foxwood e receberam ordem de modificar seu slogan de "Morte à Humanidade" para "Morte a Frederick".
Entrementes, no fim do verão, foi revelada outra das maquinações de Bola-de-Neve. A lavoura de trigo estava cheia de joio e descobriu-se que Bola-de-Neve havia misturado sementes de joio às do trigo. Um ganso que tomara parte no feito confessou sua culpa a Garganta e suicidou-se comendo frutinhas de erva-moura. Os animais ficaram sabendo também que Bola-de-Neve jamais havia recebido, como pensavam muitos até então, a comenda de "Herói Animal, Primeira Classe". Era apenas uma lenda, criada algum tempo depois da Batalha do Estábulo pelo próprio Bola-de-Neve.
Muito ao contrário, em vez de condecorado, ele fora repreendido por demonstrar covardia durante a batalha. Novamente, alguns bichos ouviram isso com perplexidade, mas Garganta conseguiu convencê-los de que fora um lapso de suas memórias. . .
No outono, após um tremendo e exaustivo esforço, pois a colheita se fizera ao mesmo tempo, o moinho de vento estava concluído. Restava ainda instalar a maquinaria e Whymper andava tratando das compras, mas a estrutura já estava pronta. Contra todas as dificuldades, a despeito da inexperiência, dos implementos primitivos, da falta de sorte e da perfídia de Bola-de-Neve, a obra estava concluída no exato dia marcado! Cansados, mas orgulhosos, os bichos deram voltas e mais voltas em torno de sua obra-prima, que lhes parecia ainda mais linda do que da primeira vez. Além-disso, as paredes tinham agora o dobro da espessura. Exceto explosivos, nada poderia colocá-las abaixo. E ao pensarem nas modificações que suas vidas sofreriam quando as pás estivessem girando e os dínamos em ação – ao pensarem em tudo isso, o cansaço os abandonava e eles saltavam ao redor do moinho de vento, dando gritos de alegria.
Napoleão em pessoa, acompanhado dos seus cachorros e do seu garnisé, veio inspecionar o trabalho concluído; congratulou-se com os animais pelo feito e anunciou que o moinho se chamaria "Moinho Napoleão".
Dois dias mais tarde, os animais foram convidados para uma reunião especial no celeiro. E ficaram abobados de surpresa quando Napoleão comunicou ter vendido a madeira a Frederick. No dia seguinte, os caminhões de Frederick chegariam para o carregamento. Durante todo o período de aparente amizade com Pilkington, Napoleão na realidade negociara um acordo secreto com Frederick.
Todas as relações com Foxwood foram cortadas e enviadas a Pilkington mensagens insultuosas. Os pombos receberam ordem de não pousar mais na Granja Pinchfield e mudar o slogan de "Morte a Frederick" para "Morte a Pilkington". Ao mesmo tempo Napoleão assegurou a todos que as histórias sobre o iminente ataque à Granja dos Bichos eram inteiramente falsas e que os boatos a respeito da crueldade de Frederick para com os animais eram muito exagerados.
Todos esses boatos eram, provavelmente, coisa de Bola-de-Neve e seus agentes. Parecia, agora, que Bola-de-Neve, na realidade, não estava escondido na Granja Pinchfield; aliás nunca estivera lá, em toda sua vida, vivia (e cercado de muito luxo, sabiam agora) em Foxwood, sendo, além do mais, pensionista de Pilkington há muitos anos.
Os porcos estavam quase em êxtase com a esperteza de Napoleão. Fingindo ser amigo de Pilkington, obrigara Frederick a aumentar seu preço em doze libras. Porém, a qualidade superior da mente de Napoleão, dizia Garganta, estava no fato de não confiar em ninguém, nem mesmo em Frederick. Este quisera pagar a madeira com uma coisa chamada cheque, que era, ao que diziam, um pedaço de papel com uma promessa de pagamento escrita. Mas Napoleão era vivo demais para isso. Exigiu o pagamento em notas autênticas de cinco libras, que deveriam ser entregues antes da retirada da madeira. Frederick já pagara; e a soma era suficiente para comprar a maquinaria do moinho de vento. A madeira já fora retirada com grande rapidez.
Quando todo carregamento estava bem longe, houve outra reunião especial no celeiro, para os bichos examinarem as notas de Frederick. Sorrindo beatificamente e usando suas condecorações, Napoleão recos tara-se numa cama de palha, com o dinheiro a seu lado, cuidadosamente empilhado numa travessa da cozinha da casa-grande. Os animais passavam lentamente em fila e cada um olhava o tempo que quisesse. Sansão espichou o focinho para cheirar as notas e as delicadas coisinhas agitaram-se e farfalharam com sua respiração. Três dias mais tarde, houve um deus-nos-acuda. Whymper, branco como cera, chegou afobado com sua bicicleta, deixou-a caída no pátio e correu para dentro da casa. Daí a momentos ouviu-se um pavoroso rugido de raiva vindo do apartamento de Napoleão. A notícia do que sucedera espalhou-se pela granja com a rapidez de um raio. As notas eram falsas! Frederick levara a madeira de graça!
Napoleão imediatamente chamou os animais e com um vozeirão de arrepiar proclamou a sentença de morte contra Frederick. Ao ser capturado, disse, Frederick seria queimado vivo. Ao mesmo tempo avisou que, depois daquela insídia, deveriam esperar pelo pior. Frederick e seus homens poderiam desencadear a qualquer momento o tão falado ataque. Foram colocadas sentinelas em todos os caminhos que conduziam à granja. Além disso, quatro pombos foram mandados a Foxwood com uma mensagem conciliadora, que levava as esperanças de restabelecer as boas relações com Pilkington.
Logo na manhã seguinte sobreveio o ataque. Os animais estavam fazendo a refeição matinal, quando as sentinelas chegaram correndo com a notícia de que Frederick e seus seguidores já haviam atravessado a porteira das cinco barras. Corajosamente, os bichos saíram ao seu encontro, mas desta vez não obteriam uma vitória fácil como a da Batalha do Estábulo. Eram quinze homens, com meia dúzia de espingardas, e abriram fogo tão logo chegaram a cinqüenta metros.
Os animais não puderam fazer frente à saraivada de balas e, a despeito dos esforços de Napoleão e Sansão para fazê-los voltar à luta, retrocederam. Muitos já estavam feridos. Refugiaram-se no casario da granja e ficaram olhando prudentemente pelos buracos.
Toda pastagem, inclusive o moinho de vento, caíra nas mãos do inimigo. Até Napoleão estava perplexo.
Caminhava de um lado para o outro, sem proferir palavra, com o rabo rígido e contraído. Olhares ansiosos eram lançados na direção de Foxwood. Se Pilkington e seus homens os ajudassem, ainda poderiam ganhar a parada. Porém, nesse momento, voltaram os quatro pombos enviados no dia anterior, um deles trazendo um pedaço de papel da parte de Pilkington, com as palavras "Bem feito" escritas a lápis.
Enquanto isso, Frederick e seus homens se haviam detido junto ao moinho de vento. Os animais continuavam observando e viram surgir um pé-de-cabra e um malho. Correu um murmúrio de aflição. Iam botar abaixo o moinho de vento.
- Impossível - exclamou Napoleão. - As paredes são grossas demais para isso. Nem em uma semana conseguirão. Coragem, camaradas.
Benjamim, porém, observava atentamente a atividade dos homens. Lentamente, com um ar de quem se diverte, meneou o focinho.
- Exatamente o que eu supunha - disse ele. Vocês não vêem o que eles estão fazendo? Daqui a pouco vão colocar explosivos naquele buraco.
Aterrorizados, os bichos esperaram. Era impossível abandonar a proteção das casas. Daí a pouco os homens saíram correndo em todas as direções. Ouviu-se, logo após, um estrondo ensurdecedor. Os pombos revolutearam no ar e os animais todos, exceto Napoleão, jogaram-se ao chão.
Quando se levantaram outra vez, havia uma gigantesca nuvem preta no lugar do moinho. Aos poucos, a brisa se dissolveu. O moinho de vento havia desaparecido!
Aquilo devolveu a coragem aos animais. O medo e o desânimo que sentiam foram engolfados pelo tremendo ódio - que os dominou ante aquela vilania inominável. Um brado de vingança subiu aos ares; sem esperar ordens, reuniram-se e, como um só corpo, lançaram-se contra o inimigo. Desta vez não fugiram às balas cruéis que caíam sobre eles, em saraivadas. Foi uma batalha horrível, selvagem.
Os homens atiraram várias vezes e quando os animais os alcançaram foi aquela pancadaria em todas as direções, com porretes e tacões de bota. Morreram uma vaca, três ovelhas e dois gansos, e quase todo mundo ficou ferido. Até Napoleão, que dirigia as operações da retaguarda, teve a ponta do rabicho arranhada por um balim. Mas aos homens não tocou melhor sorte. Três tiveram as cabeças quebradas pelos golpes de Sansão; outro, a barriga furada pelo chifre de uma vaca; outro viu suas calças quase arrancadas por Lulu e Ferrabrás. E quando os nove cachorros da guarda pessoal de Napoleão, que este mandara realizar um movimento por trás da sebe, apareceram de repente no flanco dos humanos, latindo furiosamente, o pânico os dominou. Perceberam o perigo de serem cercados.
Frederick gritou a seus homens que se retirassem enquanto havia passagem, e em seguida o inimigo fugia acovardado para salvar a vida. Os animais perseguiram-nos até o fundo do campo, aplicando-lhes ainda os últimos golpes ao atravessarem a sebe de pilriteiro.
Haviam vencido, mas estavam feridos e sangravam. Lentamente, começaram a voltar para a granja. A vista dos camaradas mortos, estirados sobre a relvas comoveu alguns até as lágrimas. E por alguns minutos detiveram-se num triste silêncio no local onde existira o moinho. Sim, ele sumira; fora-se quase todo o seu trabalho. Até os alicerces estavam parcialmente destruídos. E desta vez para reconstruí-lo não bastaria erguer de novo pedras caídas ali mesmo: estas também haviam desaparecido. A força da explosão as arremessara a centenas de metros. Era como se o moinho jamais houvesse existido.
Ao se aproximarem do sítio, Garganta, que estivera inexplicavelmente ausente da luta, veio-lhes ao encontro, sacudindo o rabicho e guinchando de satisfação. E os animais ouviram, da direção da granja, o troar solene da espingarda.
- A troco de quê está atirando aquela arma? - perguntou Sansão.
- Para celebrar nossa vitória! - exclamou Garganta.
- Vitória. Que vitória? - gritou Sansão. Tinha os joelhos sangrando, perdera uma ferradura, rachara o casco e uma dúzia de chumbinhos haviam-se alojado em sua pata traseira.
- Você pergunta que vitória, camarada? Mas então não expulsamos o inimigo do nosso solo, do solo sagrado da Granja dos Bichos?
- Mas eles destruíram o moinho de vento. Nosso trabalho de dois anos!
- Que importa? Construiremos outro moinho de vento. Construiremos meia dúzia de moinhos de vento, se quisermos. Vocês não percebem, camaradas, que coisa formidável realizamos? O inimigo ocupava este mesmo chão em que pisamos. E agora, graças à liderança do Camarada Napoleão, nós o ganhamos centímetro por centímetro!
- Quer dizer, ganhamos o que já era nosso - retrucou Sansão.
- Essa foi a nossa vitória - insistiu Garganta.
Coxearam até o pátio. As balas, sob o couro de Sansão, aferroavam dolorosamente. Ele enxergava à sua frente a pesada tarefa de reconstruir o moinho de vento e, mesmo em imaginação, já se atirava ao trabalho. Pela primeira vez, entretanto, ocorreu-lhe a lembrança de que já tinha onze anos de idade e que talvez seus músculos já não tivessem a mesma força de antes.
Porém, quando os bichos viram tremular a bandeira verde, ouviram a arma atirar novamente - sete tiros ao todo - e o discurso que Napoleão fez congratulando-se com a atuação deles, pareceu-lhes que, afinal de contas, haviam obtido uma grande vitória. Os animais caídos na batalha tiveram funerais solenes.
Sansão e Quitéria puxaram o carroção que serviu de carro fúnebre e Napoleão abriu em pessoa o cortejo. Dedicaram-se dois dias inteiros às celebrações. Houve canções, discursos, novos disparos da espingarda e o prêmio especial de uma maçã para cada animal, cinqüenta gramas de milho para cada ave e três biscoitos para cada cachorro. Proclamou-se que a batalha se chamaria Batalha do Moinho de Vento e que Napoleão havia criado nova comenda, a Ordem da Bandeira Verde, que conferira a si próprio.
Em meio ao regozijo geral, o assunto das notas de dinheiro foi esquecido.
Foi alguns dias depois disso que os porcos encontraram, na adega da casa-grande, uma caixa de uísque. Passara despercebida na época da ocupação. Naquela noite chegou da casa o som de uma cantoria em que, para surpresa de todos, se ouviam trechos de Bichos da Inglaterra. Mais ou menos às nove e meia da noite, Napoleão, usando um velho chapéu coco de Jones, foi visto claramente emergir da porta traseira, dar um rápido galope em volta do pátio e sumir pela porta outra vez. Na manhã seguinte, um silêncio profundo tomara conta da casa. Ao que parecia, nenhum porco estava de pé. Eram quase nove horas quando apareceu Garganta, vacilante e deprimido, com os olhos embaçados o rabicho mole, com um aspecto seriamente doentio. Chamou todo mundo e disse que tinha péssimas notícias para dar. O Camarada Napoleão estava à morte!
Ouviu-se um grito de lamento Colocaram palha fora da porta da casa e os animais entraram pé ante pé.
Com lágrimas nos olhos, perguntavam-se que seria deles se o Líder faltasse. Correu o boato de que Bola-de-Neve afinal conseguira envenenar a comida de Napoleão. As onze, Garganta saiu de novo para fazer outra proclamação. Como último ato sobre a terra, o Camarada Napoleão expedira o seguinte decreto: a ingestão de álcool seria punida com a morte.
Já à noite, Napoleão parecia um pouco melhor e na manhã seguinte Garganta pôde anunciar sua franca recuperação.
Na tarde desse dia Napoleão voltou à atividade e no dia seguinte soube-se que dera instruções a Whymper para comprar, em Willingdon, alguns folhetos sobre fermentação e destilação.
Uma semana depois, Napoleão deu ordem que fosse arado o pequeno potreiro atrás do pomar, anteriormente destinado ao repouso dos animais aposentados. Espalhou-se que a pastagem estava cansada e necessitava de uma nova semeadura, porém logo se soube que Napoleão pretendia semeá-la com cevada.
Mais ou menos nessa época, aconteceu um incidente que nenhum dos bichos pôde compreender. Certa noite, à meia-noite mais ou menos, ouviu-se um ruído de queda no pátio e os animais correram de suas baias para ver o que sucedera. Era uma noite de lua. Ao pé da parede do fundo do grande celeiro, na qual estavam escritos os Sete Mandamentos, encontraram uma escada quebrada em dois pedaços. Garganta, momentaneamente aturdido, jazia estatelado junto a ela, tendo ao lado uma lanterna, uma brocha e uma lata de tinta branca, entornada. Os cachorros fizeram imediatamente um círculo em torno de Garganta e escoltaram-no de volta à casa-grande, tão logo ele pôde caminhar. Os bichos não conseguiam fazer sequer idéia do que significava aquilo, exceto Benjamim, que torceu o focinho com um ar de compreensão e pareceu entender o que se passara, mas nada disse.
Porém, alguns dias mais tarde, Maricota, lendo os Sete Mandamentos, notou que havia outro mandamento mal recordado pelos animais. Todos pensavam que o Quinto Mandamento era "Nenhum animal beberá álcool", mas haviam esquecido duas palavras. Na realidade, o Mandamento dizia: "Nenhum animal beberá álcool em excesso."
*** *** ****
(Capítulo anterior (VII) ver arquivo do dia 21 de março de 2012)
24 de março de 2012
Poucos dias mais tarde, quando já amainara o terror causado pelas execuções, alguns animais lembraram-se - ou julgaram lembrar-se - de que o Sexto Mandamento rezava: "Nenhum animal matará outro animal." Embora ninguém o mencionasse ao alcance dos ouvidos dos porcos ou dos cachorros, parecia-lhes que a matança ocorrida não se ajustava muito bem com isso. Quitéria pediu a Benjamim que lesse o Sexto Mandamento e quando Benjamim, como sempre, respondeu que se recusava a envolver-se em tais assuntos, procurou Maricota. Esta leu para ela o Sexto Mandamento. Dizia: "Nenhum animal matará outro animal, sem motivo." De uma ou outra maneira, as duas últimas palavras haviam escapado à memória dos bichos. Mas estes viam agora que o Sexto Mandamento não fora violado; sim, pois, evidentemente, havia boas razões para matar os traidores que se haviam aliado a Bola-de-Neve.
Durante aquele ano, os bichos trabalharam ainda mais que no ano anterior. A reconstrução do moinho de vento, as paredes com o dobro de espessura, sua conclusão no prazo marcado, juntamente com o trabalho normal da granja, era tudo tremendamente laborioso. Momentos houve em que lhes pareceu que estavam trabalhando mais do que no tempo de Jones, sem se alimentarem melhor.
Nos domingos de manhã, Garganta, segurando uma comprida folha de papel, lia, para eles relações de estatísticas comprobatórias de que a produção de todas as classes de gêneros alimentícios aumentara de duzentos, trezentos ou quinhentos por cento, conforme o caso. Os bichos não viam razão para desacreditá-lo, especialmente porque já não conseguiam lembrar-se com clareza das exatas condições de antes da Revolução. Mesmo assim, dias havia em que prefeririam ter menos estatísticas e mais comida.
Todas as ordens, agora, eram transmitidas por meio de Garganta ou de outro porco. Napoleão não era visto em público mais do que uma vez cada quinze dias. E, quando aparecia, era acompanhado, não só pela sua matilha de cães, mas também por um garnisé preto que marchava à sua frente, atuando como arauto, soltando um cocoricó antes de cada fala de Napoleão. Mesmo na casa grande, diziam, ele habitava um apartamento separado dos demais. Fazia as refeições sozinho, com dois cachorros para servi-lo, e comia no serviço de jantar de porcelana da cristaleira da sala. Anunciou-se também que a espingarda seria disparada anualmente na data do aniversário de Napoleão, assim como nos outros dois aniversários.
- • -
Agora já não mencionavam Napoleão como "Napoleão" simplesmente. Referiam-se a ele de maneira formal, como "nosso Líder, o Camarada Napoleão", e os porcos gostavam de inventar para ele títulos tais como Pai de Todos os Bichos, Terror da Humanidade, Protetor dos Apriscos, Amigo dos Pintainhos e assim por diante. Garganta, em seus discursos, com lágrimas rolando pelo focinho, falava na sabedoria de Napoleão, na bondade de seu coração, no profundo amor que devotava aos animais de todos os lugares, mesmo - e especialmente - aos infelizes animais que ainda viviam na ignorância e na escravidão, em outras granjas. Tomara-se usual atribuir a Napoleão o crédito de todos os êxitos e de todos os golpes de sorte. Ouvia-se, freqüentemente, uma galinha comentar para outra: "Sob a orientação de nosso Líder, o Camarada Napoleão, pus cinco ovos em seis dias"; ou duas vacas, bebendo juntas no açude, exclamarem: "Graças à liderança do Camarada Napoleão, que gosto bom tem esta água!" O sentimento geral da granja era bem expresso num poema (poema dos bichos X de Luis Inácio) intitulado "O Camarada Napoleão", composto por Mínimo, que era assim:
Amigo dos órfãos!
Fonte da Felicidade!
Senhor do balde de lavagem!
Oh, minh'alma arde
Em fogo quando eu te vejo
Assim, calmo e soberano,
Como o sol na imensidão,
Camarada Napoleão!
Tu és aquele que tudo dá, tudo
Quanto as pobres criaturas amam.
Barriga cheia duas vezes por dia, palha limpa onde rolar;
Todos os bichos, grandes, pequenos,
Dormem tranqüilos, enquanto
Tu zelas por nós na solidão,
Camarada Napoleão!
Tivesse eu um leitão e
Antes mesmo que atingisse
O tamanho de um garrafão ou de um barril
Já teria aprendido a ser, eternamente,
Um teu fiel e leal seguidor. E o primeiro
Guincho que daria meu leitão. seria:
"Camarada Napoleão!"
Napoleão aprovou esse poema e mandou escrevê-lo no grande celeiro, na parede oposta àquela onde estavam os Sete Mandamentos. Sobre ele foi colocado um retrato de Napoleão de perfil, feito por Garganta.
Enquanto isso, por intermédio de Whymper, Napoleão envolvera-se em negociações complicadíssimas com Frederick e Pilkington. As pilhas de madeira ainda não estavam vendidas. Dentre os dois, Frederick era o mais ansioso por colocar-lhes a mão, mas não oferecia um preço razoável. Ao mesmo tempo circulavam renovados boatos de que Frederick e seus homens estavam planejando atacar a Granja dos Bichos e destruir o moinho de vento, cuja construção lhe causara enorme ciúme. Sabia-se que Bola-de-Neve ainda estava oculto na Granja Pinchfield. Em meio ao verão correu entre os animais a notícia alarmante de que três galinhas se haviam apresentado confessando que, instigadas por Bola-de-Neve, haviam conspirado para assassinar Napoleão.
Foram executadas imediatamente e se tomaram novas medidas para a segurança de Napoleão. Quatro cachorros passaram a montar guarda junto à sua cama, durante a noite, um em cada canto, e um jovem porco de nome Rosito recebeu a tarefa de provar a comida, para evitar que ele fosse envenenado.
Mais ou menos por essa época, foi anunciado que Napoleão acertara vender as pilhas de madeira ao Sr. Pilkington; ia assinar também um acordo regular para a troca de certos produtos entre a Granja dos Bichos e Foxwood. As relações entre Napoleão e Pilkington, embora mantidas apenas por intermédio de Whymper, eram agora quase amistosas. Os bichos não confiavam em Pilkington, ser humano que era, mas preferiam-no a Frederick, a quem tanto temiam quanto odiavam.
Com o passar do verão e estando o moinho de vento perto da conclusão, os boatos de um iminente e traiçoeiro ataque tornavam-se cada vez mais fortes. Frederick, dizia-se, tencionava trazer contra eles vinte homens armados de espingardas e já subornara os magistrados e a polícia, de forma que, se conseguissem colocar as mãos nas escrituras de propriedade da Granja dos Bichos, não surgisse problema algum. Além disso, filtravam-se de Pinchfield terríveis histórias a respeito das barbaridades a que Frederick submetia seus animais. Havia chicoteado um cavalo velho até liquidá-lo, matava as vacas de fome, assassinara um cachorro jogando-o numa fornalha, divertia-se de noite assistindo a brigas de galos, em cujas esporas colocava pedaços de lâminas de barbear. O sangue dos animais fervia de ódio quando ouviam contar o que se fazia contra seus camaradas e, às vezes, alguns pediam que lhes fosse permitido sair para atacar Pinchfield, expulsar os humanos e libertar os bichos. Porém, Garganta aconselhava-os a evitar essas atitudes violentas e a confiar na estratégia do Camarada Napoleão.
Não obstante, crescia o sentimento de ódio com relação a Frederick. Certo domingo de manhã, Napoleão apareceu no celeiro e declarou que jamais, em tempo algum, admitiria vender as pilhas de madeira a Frederick; considerava abaixo de sua dignidade, disse, fazer negócios com patifes daquela espécie. Os pombos, que continuavam a espalhar as mensagens da Revolução, foram proibidos de pôr os pés em qualquer ponto de Foxwood e receberam ordem de modificar seu slogan de "Morte à Humanidade" para "Morte a Frederick".
Entrementes, no fim do verão, foi revelada outra das maquinações de Bola-de-Neve. A lavoura de trigo estava cheia de joio e descobriu-se que Bola-de-Neve havia misturado sementes de joio às do trigo. Um ganso que tomara parte no feito confessou sua culpa a Garganta e suicidou-se comendo frutinhas de erva-moura. Os animais ficaram sabendo também que Bola-de-Neve jamais havia recebido, como pensavam muitos até então, a comenda de "Herói Animal, Primeira Classe". Era apenas uma lenda, criada algum tempo depois da Batalha do Estábulo pelo próprio Bola-de-Neve.
Muito ao contrário, em vez de condecorado, ele fora repreendido por demonstrar covardia durante a batalha. Novamente, alguns bichos ouviram isso com perplexidade, mas Garganta conseguiu convencê-los de que fora um lapso de suas memórias. . .
No outono, após um tremendo e exaustivo esforço, pois a colheita se fizera ao mesmo tempo, o moinho de vento estava concluído. Restava ainda instalar a maquinaria e Whymper andava tratando das compras, mas a estrutura já estava pronta. Contra todas as dificuldades, a despeito da inexperiência, dos implementos primitivos, da falta de sorte e da perfídia de Bola-de-Neve, a obra estava concluída no exato dia marcado! Cansados, mas orgulhosos, os bichos deram voltas e mais voltas em torno de sua obra-prima, que lhes parecia ainda mais linda do que da primeira vez. Além-disso, as paredes tinham agora o dobro da espessura. Exceto explosivos, nada poderia colocá-las abaixo. E ao pensarem nas modificações que suas vidas sofreriam quando as pás estivessem girando e os dínamos em ação – ao pensarem em tudo isso, o cansaço os abandonava e eles saltavam ao redor do moinho de vento, dando gritos de alegria.
Napoleão em pessoa, acompanhado dos seus cachorros e do seu garnisé, veio inspecionar o trabalho concluído; congratulou-se com os animais pelo feito e anunciou que o moinho se chamaria "Moinho Napoleão".
Dois dias mais tarde, os animais foram convidados para uma reunião especial no celeiro. E ficaram abobados de surpresa quando Napoleão comunicou ter vendido a madeira a Frederick. No dia seguinte, os caminhões de Frederick chegariam para o carregamento. Durante todo o período de aparente amizade com Pilkington, Napoleão na realidade negociara um acordo secreto com Frederick.
Todas as relações com Foxwood foram cortadas e enviadas a Pilkington mensagens insultuosas. Os pombos receberam ordem de não pousar mais na Granja Pinchfield e mudar o slogan de "Morte a Frederick" para "Morte a Pilkington". Ao mesmo tempo Napoleão assegurou a todos que as histórias sobre o iminente ataque à Granja dos Bichos eram inteiramente falsas e que os boatos a respeito da crueldade de Frederick para com os animais eram muito exagerados.
Todos esses boatos eram, provavelmente, coisa de Bola-de-Neve e seus agentes. Parecia, agora, que Bola-de-Neve, na realidade, não estava escondido na Granja Pinchfield; aliás nunca estivera lá, em toda sua vida, vivia (e cercado de muito luxo, sabiam agora) em Foxwood, sendo, além do mais, pensionista de Pilkington há muitos anos.
Os porcos estavam quase em êxtase com a esperteza de Napoleão. Fingindo ser amigo de Pilkington, obrigara Frederick a aumentar seu preço em doze libras. Porém, a qualidade superior da mente de Napoleão, dizia Garganta, estava no fato de não confiar em ninguém, nem mesmo em Frederick. Este quisera pagar a madeira com uma coisa chamada cheque, que era, ao que diziam, um pedaço de papel com uma promessa de pagamento escrita. Mas Napoleão era vivo demais para isso. Exigiu o pagamento em notas autênticas de cinco libras, que deveriam ser entregues antes da retirada da madeira. Frederick já pagara; e a soma era suficiente para comprar a maquinaria do moinho de vento. A madeira já fora retirada com grande rapidez.
Quando todo carregamento estava bem longe, houve outra reunião especial no celeiro, para os bichos examinarem as notas de Frederick. Sorrindo beatificamente e usando suas condecorações, Napoleão recos tara-se numa cama de palha, com o dinheiro a seu lado, cuidadosamente empilhado numa travessa da cozinha da casa-grande. Os animais passavam lentamente em fila e cada um olhava o tempo que quisesse. Sansão espichou o focinho para cheirar as notas e as delicadas coisinhas agitaram-se e farfalharam com sua respiração. Três dias mais tarde, houve um deus-nos-acuda. Whymper, branco como cera, chegou afobado com sua bicicleta, deixou-a caída no pátio e correu para dentro da casa. Daí a momentos ouviu-se um pavoroso rugido de raiva vindo do apartamento de Napoleão. A notícia do que sucedera espalhou-se pela granja com a rapidez de um raio. As notas eram falsas! Frederick levara a madeira de graça!
Napoleão imediatamente chamou os animais e com um vozeirão de arrepiar proclamou a sentença de morte contra Frederick. Ao ser capturado, disse, Frederick seria queimado vivo. Ao mesmo tempo avisou que, depois daquela insídia, deveriam esperar pelo pior. Frederick e seus homens poderiam desencadear a qualquer momento o tão falado ataque. Foram colocadas sentinelas em todos os caminhos que conduziam à granja. Além disso, quatro pombos foram mandados a Foxwood com uma mensagem conciliadora, que levava as esperanças de restabelecer as boas relações com Pilkington.
Logo na manhã seguinte sobreveio o ataque. Os animais estavam fazendo a refeição matinal, quando as sentinelas chegaram correndo com a notícia de que Frederick e seus seguidores já haviam atravessado a porteira das cinco barras. Corajosamente, os bichos saíram ao seu encontro, mas desta vez não obteriam uma vitória fácil como a da Batalha do Estábulo. Eram quinze homens, com meia dúzia de espingardas, e abriram fogo tão logo chegaram a cinqüenta metros.
Os animais não puderam fazer frente à saraivada de balas e, a despeito dos esforços de Napoleão e Sansão para fazê-los voltar à luta, retrocederam. Muitos já estavam feridos. Refugiaram-se no casario da granja e ficaram olhando prudentemente pelos buracos.
Toda pastagem, inclusive o moinho de vento, caíra nas mãos do inimigo. Até Napoleão estava perplexo.
Caminhava de um lado para o outro, sem proferir palavra, com o rabo rígido e contraído. Olhares ansiosos eram lançados na direção de Foxwood. Se Pilkington e seus homens os ajudassem, ainda poderiam ganhar a parada. Porém, nesse momento, voltaram os quatro pombos enviados no dia anterior, um deles trazendo um pedaço de papel da parte de Pilkington, com as palavras "Bem feito" escritas a lápis.
Enquanto isso, Frederick e seus homens se haviam detido junto ao moinho de vento. Os animais continuavam observando e viram surgir um pé-de-cabra e um malho. Correu um murmúrio de aflição. Iam botar abaixo o moinho de vento.
- Impossível - exclamou Napoleão. - As paredes são grossas demais para isso. Nem em uma semana conseguirão. Coragem, camaradas.
Benjamim, porém, observava atentamente a atividade dos homens. Lentamente, com um ar de quem se diverte, meneou o focinho.
- Exatamente o que eu supunha - disse ele. Vocês não vêem o que eles estão fazendo? Daqui a pouco vão colocar explosivos naquele buraco.
Aterrorizados, os bichos esperaram. Era impossível abandonar a proteção das casas. Daí a pouco os homens saíram correndo em todas as direções. Ouviu-se, logo após, um estrondo ensurdecedor. Os pombos revolutearam no ar e os animais todos, exceto Napoleão, jogaram-se ao chão.
Quando se levantaram outra vez, havia uma gigantesca nuvem preta no lugar do moinho. Aos poucos, a brisa se dissolveu. O moinho de vento havia desaparecido!
Aquilo devolveu a coragem aos animais. O medo e o desânimo que sentiam foram engolfados pelo tremendo ódio - que os dominou ante aquela vilania inominável. Um brado de vingança subiu aos ares; sem esperar ordens, reuniram-se e, como um só corpo, lançaram-se contra o inimigo. Desta vez não fugiram às balas cruéis que caíam sobre eles, em saraivadas. Foi uma batalha horrível, selvagem.
Os homens atiraram várias vezes e quando os animais os alcançaram foi aquela pancadaria em todas as direções, com porretes e tacões de bota. Morreram uma vaca, três ovelhas e dois gansos, e quase todo mundo ficou ferido. Até Napoleão, que dirigia as operações da retaguarda, teve a ponta do rabicho arranhada por um balim. Mas aos homens não tocou melhor sorte. Três tiveram as cabeças quebradas pelos golpes de Sansão; outro, a barriga furada pelo chifre de uma vaca; outro viu suas calças quase arrancadas por Lulu e Ferrabrás. E quando os nove cachorros da guarda pessoal de Napoleão, que este mandara realizar um movimento por trás da sebe, apareceram de repente no flanco dos humanos, latindo furiosamente, o pânico os dominou. Perceberam o perigo de serem cercados.
Frederick gritou a seus homens que se retirassem enquanto havia passagem, e em seguida o inimigo fugia acovardado para salvar a vida. Os animais perseguiram-nos até o fundo do campo, aplicando-lhes ainda os últimos golpes ao atravessarem a sebe de pilriteiro.
Haviam vencido, mas estavam feridos e sangravam. Lentamente, começaram a voltar para a granja. A vista dos camaradas mortos, estirados sobre a relvas comoveu alguns até as lágrimas. E por alguns minutos detiveram-se num triste silêncio no local onde existira o moinho. Sim, ele sumira; fora-se quase todo o seu trabalho. Até os alicerces estavam parcialmente destruídos. E desta vez para reconstruí-lo não bastaria erguer de novo pedras caídas ali mesmo: estas também haviam desaparecido. A força da explosão as arremessara a centenas de metros. Era como se o moinho jamais houvesse existido.
Ao se aproximarem do sítio, Garganta, que estivera inexplicavelmente ausente da luta, veio-lhes ao encontro, sacudindo o rabicho e guinchando de satisfação. E os animais ouviram, da direção da granja, o troar solene da espingarda.
- A troco de quê está atirando aquela arma? - perguntou Sansão.
- Para celebrar nossa vitória! - exclamou Garganta.
- Vitória. Que vitória? - gritou Sansão. Tinha os joelhos sangrando, perdera uma ferradura, rachara o casco e uma dúzia de chumbinhos haviam-se alojado em sua pata traseira.
- Você pergunta que vitória, camarada? Mas então não expulsamos o inimigo do nosso solo, do solo sagrado da Granja dos Bichos?
- Mas eles destruíram o moinho de vento. Nosso trabalho de dois anos!
- Que importa? Construiremos outro moinho de vento. Construiremos meia dúzia de moinhos de vento, se quisermos. Vocês não percebem, camaradas, que coisa formidável realizamos? O inimigo ocupava este mesmo chão em que pisamos. E agora, graças à liderança do Camarada Napoleão, nós o ganhamos centímetro por centímetro!
- Quer dizer, ganhamos o que já era nosso - retrucou Sansão.
- Essa foi a nossa vitória - insistiu Garganta.
Coxearam até o pátio. As balas, sob o couro de Sansão, aferroavam dolorosamente. Ele enxergava à sua frente a pesada tarefa de reconstruir o moinho de vento e, mesmo em imaginação, já se atirava ao trabalho. Pela primeira vez, entretanto, ocorreu-lhe a lembrança de que já tinha onze anos de idade e que talvez seus músculos já não tivessem a mesma força de antes.
Porém, quando os bichos viram tremular a bandeira verde, ouviram a arma atirar novamente - sete tiros ao todo - e o discurso que Napoleão fez congratulando-se com a atuação deles, pareceu-lhes que, afinal de contas, haviam obtido uma grande vitória. Os animais caídos na batalha tiveram funerais solenes.
Sansão e Quitéria puxaram o carroção que serviu de carro fúnebre e Napoleão abriu em pessoa o cortejo. Dedicaram-se dois dias inteiros às celebrações. Houve canções, discursos, novos disparos da espingarda e o prêmio especial de uma maçã para cada animal, cinqüenta gramas de milho para cada ave e três biscoitos para cada cachorro. Proclamou-se que a batalha se chamaria Batalha do Moinho de Vento e que Napoleão havia criado nova comenda, a Ordem da Bandeira Verde, que conferira a si próprio.
Em meio ao regozijo geral, o assunto das notas de dinheiro foi esquecido.
Foi alguns dias depois disso que os porcos encontraram, na adega da casa-grande, uma caixa de uísque. Passara despercebida na época da ocupação. Naquela noite chegou da casa o som de uma cantoria em que, para surpresa de todos, se ouviam trechos de Bichos da Inglaterra. Mais ou menos às nove e meia da noite, Napoleão, usando um velho chapéu coco de Jones, foi visto claramente emergir da porta traseira, dar um rápido galope em volta do pátio e sumir pela porta outra vez. Na manhã seguinte, um silêncio profundo tomara conta da casa. Ao que parecia, nenhum porco estava de pé. Eram quase nove horas quando apareceu Garganta, vacilante e deprimido, com os olhos embaçados o rabicho mole, com um aspecto seriamente doentio. Chamou todo mundo e disse que tinha péssimas notícias para dar. O Camarada Napoleão estava à morte!
Ouviu-se um grito de lamento Colocaram palha fora da porta da casa e os animais entraram pé ante pé.
Com lágrimas nos olhos, perguntavam-se que seria deles se o Líder faltasse. Correu o boato de que Bola-de-Neve afinal conseguira envenenar a comida de Napoleão. As onze, Garganta saiu de novo para fazer outra proclamação. Como último ato sobre a terra, o Camarada Napoleão expedira o seguinte decreto: a ingestão de álcool seria punida com a morte.
Já à noite, Napoleão parecia um pouco melhor e na manhã seguinte Garganta pôde anunciar sua franca recuperação.
Na tarde desse dia Napoleão voltou à atividade e no dia seguinte soube-se que dera instruções a Whymper para comprar, em Willingdon, alguns folhetos sobre fermentação e destilação.
Uma semana depois, Napoleão deu ordem que fosse arado o pequeno potreiro atrás do pomar, anteriormente destinado ao repouso dos animais aposentados. Espalhou-se que a pastagem estava cansada e necessitava de uma nova semeadura, porém logo se soube que Napoleão pretendia semeá-la com cevada.
Mais ou menos nessa época, aconteceu um incidente que nenhum dos bichos pôde compreender. Certa noite, à meia-noite mais ou menos, ouviu-se um ruído de queda no pátio e os animais correram de suas baias para ver o que sucedera. Era uma noite de lua. Ao pé da parede do fundo do grande celeiro, na qual estavam escritos os Sete Mandamentos, encontraram uma escada quebrada em dois pedaços. Garganta, momentaneamente aturdido, jazia estatelado junto a ela, tendo ao lado uma lanterna, uma brocha e uma lata de tinta branca, entornada. Os cachorros fizeram imediatamente um círculo em torno de Garganta e escoltaram-no de volta à casa-grande, tão logo ele pôde caminhar. Os bichos não conseguiam fazer sequer idéia do que significava aquilo, exceto Benjamim, que torceu o focinho com um ar de compreensão e pareceu entender o que se passara, mas nada disse.
Porém, alguns dias mais tarde, Maricota, lendo os Sete Mandamentos, notou que havia outro mandamento mal recordado pelos animais. Todos pensavam que o Quinto Mandamento era "Nenhum animal beberá álcool", mas haviam esquecido duas palavras. Na realidade, o Mandamento dizia: "Nenhum animal beberá álcool em excesso."
*** *** ****
(Capítulo anterior (VII) ver arquivo do dia 21 de março de 2012)
24 de março de 2012
THIS IS BRAZIL!
O Estatuto do Torcedor – lei 10.671/03 – proíbe o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios, ou arenas, como prefere o jornalismo contemporâneo. Proíbe ou proibia? Com a proximidade da Copa de 2014, o governo quer suspender a restrição imposta pelo Estatuto. Com isto, a venda de bebidas nos estádios ficaria liberada no âmbito federal, mas continuaria proibida nos estados que possuem legislação própria. É o caso de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Bahia e Rio Grande do Sul. A Fifa teria então de negociar com cada governo local o fim da restrição.
O governo quer ou queria? Difícil saber. Ora diz que quer, ora que não quer. Ocorre que a Copa, entre outros produtos, é patrocinada pela Budweiser. E quer vender seu peixe nos estádios. Mais ainda, com reserva de mercado: só a Budweiser poderá ser vendida. Para tranquilizar a Fifa, nos últimos dias o governo prometeu - in extremis, se for o caso - uma medida provisória que liberaria o álcool em todos os Estados. Mas atenção: só durante a Copa. Suspende-se a lei para atender os interesses do futebol. Passada a Copa, a lei volta a viger.
Em 2007, o então presidente Lula e os governadores dos 12 estados que vão abrigar os jogos de 2014 assumiram, o compromisso de permitir a venda de bebidas nos estádios. A lei? Ora, a lei... A lei que se lixe. O que importa é a Copa.
Divertido país este nosso, onde a vigência de leis pode ser interrompida para atender a interesses econômicos. Mais que divertido, ridículo. O Brasil emergente se equipara à África. Em 2010, para atender à Fifa, o ministério da Indústria e Comércio da África do Sul liberou a venda de bebidas alcoólicas nos estádios, até então proibida.
Se alguém pensa que isto é novidade no Brasil, é porque não tem memória. Memória que está faltando à imprensa tupiniquim. Nesta discussão toda, não vi jornalista algum lembrando o precedente levantado por Marta Suplicy, em 2003. Naquele ano, a então prefeita de São Paulo, renovou o contrato para a realização do Grande Prêmio de Fórmula 1 em São Paulo, que passou a vigorar até 2009. O problema é que várias das escuderias de F-1 eram patrocinadas por empresas fabricantes de cigarro.
O então presidente Lula desatou o nó górdio baixando medida provisória, a pedido de Marta. E assim foi revogada uma lei de 1996, que proibia a propaganda de cigarros em eventos esportivos. Foi também contrariada outra lei de 2000, que restringia a propaganda de cigarros aos pontos de venda.
Na ocasião, até mesmo José Serra, ex-ministro da Saúde, andou declarando que eventos de grande apelo internacional, como a Fórmula 1, têm grande importância turística para o país e que a solução seria aproveitar a mídia que geram para propaganda contra cigarros. Solução de jerico: permitir a propaganda de cigarros para gerar propaganda contra cigarros. O que não é de espantar em Serra. Em algum momento de sua campanha presidencial – lembro muito bem – esteve em Santa Cruz do Sul (RS) prometendo seu apoio à indústria do tabaco.
Semana passada, eu comentava a insólita decisão do Supremo Tribunal Federal, a de legalizar o caos legislativo para evitar o caos jurídico. Na ocasião se descobriu que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) não podia existir legalmente. Foi criado por medida provisória (MP), que por lei tem de passar por comissão especializada antes de ir ao plenário. Mas não passou.
O ICMBio foi criado pela lei 11.516, de 28 de agosto de 2007, em função de lobbies ianques que queriam criar um herói amazônico, na figura de um comunista obsoleto, que pretendia impedir o desmatamento através dos "empates” - manifestações em que os seringueiros protegiam as árvores com seus próprios corpos. A única coisa que o Instituto gerou até agora, pelo que se sabe, foi a candidatura de Marina Silva - o ET de Xapuri - à Presidência da República.
O Supremo Tribunal Federal (STF) – que tem entre suas funções julgar o que é constitucional ou não – decidiu então que o ICMBio tinha existência ilegal. E deu ao Congresso o generoso prazo de 24 meses para que aprovasse uma nova norma sob pena de a autarquia ser extinta. Até aí, o imbróglio teria conserto. Ocorre que, desde 2007, mais de 400 outras MPs haviam chegado ao plenário sem cumprir aquele requisito legal. Hoje, cerca de 50 MPs tramitam no Senado, sem terem passado pela tal comissão. Se a decisão prevalecesse elas caducariam imediatamente.
Então deixa estar como está. Uma lei foi revogada por ser descumprida sistematicamente. No Brasil, como diria Pessoa, leis são papéis pintados com tinta. Ou talvez papeizinhos, como diria Serra. São coisas que se revogam a qualquer momento e conforme os interesses do momento.
A partir deste ano da graça, que ninguém mais se queixe de projetos de lei que não passam no Congresso. Já existe um recurso infalível para fazer passar leis: chame a Fifa.
Por ocasião do Grande Prêmio Brasil em São Paulo, Bernie Ecclestone, o dirigente da F-1, demonstrou entender este país nosso:
- This is Brazil!
24 de março de 2012
janer cristaldo
O governo quer ou queria? Difícil saber. Ora diz que quer, ora que não quer. Ocorre que a Copa, entre outros produtos, é patrocinada pela Budweiser. E quer vender seu peixe nos estádios. Mais ainda, com reserva de mercado: só a Budweiser poderá ser vendida. Para tranquilizar a Fifa, nos últimos dias o governo prometeu - in extremis, se for o caso - uma medida provisória que liberaria o álcool em todos os Estados. Mas atenção: só durante a Copa. Suspende-se a lei para atender os interesses do futebol. Passada a Copa, a lei volta a viger.
Em 2007, o então presidente Lula e os governadores dos 12 estados que vão abrigar os jogos de 2014 assumiram, o compromisso de permitir a venda de bebidas nos estádios. A lei? Ora, a lei... A lei que se lixe. O que importa é a Copa.
Divertido país este nosso, onde a vigência de leis pode ser interrompida para atender a interesses econômicos. Mais que divertido, ridículo. O Brasil emergente se equipara à África. Em 2010, para atender à Fifa, o ministério da Indústria e Comércio da África do Sul liberou a venda de bebidas alcoólicas nos estádios, até então proibida.
Se alguém pensa que isto é novidade no Brasil, é porque não tem memória. Memória que está faltando à imprensa tupiniquim. Nesta discussão toda, não vi jornalista algum lembrando o precedente levantado por Marta Suplicy, em 2003. Naquele ano, a então prefeita de São Paulo, renovou o contrato para a realização do Grande Prêmio de Fórmula 1 em São Paulo, que passou a vigorar até 2009. O problema é que várias das escuderias de F-1 eram patrocinadas por empresas fabricantes de cigarro.
O então presidente Lula desatou o nó górdio baixando medida provisória, a pedido de Marta. E assim foi revogada uma lei de 1996, que proibia a propaganda de cigarros em eventos esportivos. Foi também contrariada outra lei de 2000, que restringia a propaganda de cigarros aos pontos de venda.
Na ocasião, até mesmo José Serra, ex-ministro da Saúde, andou declarando que eventos de grande apelo internacional, como a Fórmula 1, têm grande importância turística para o país e que a solução seria aproveitar a mídia que geram para propaganda contra cigarros. Solução de jerico: permitir a propaganda de cigarros para gerar propaganda contra cigarros. O que não é de espantar em Serra. Em algum momento de sua campanha presidencial – lembro muito bem – esteve em Santa Cruz do Sul (RS) prometendo seu apoio à indústria do tabaco.
Semana passada, eu comentava a insólita decisão do Supremo Tribunal Federal, a de legalizar o caos legislativo para evitar o caos jurídico. Na ocasião se descobriu que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) não podia existir legalmente. Foi criado por medida provisória (MP), que por lei tem de passar por comissão especializada antes de ir ao plenário. Mas não passou.
O ICMBio foi criado pela lei 11.516, de 28 de agosto de 2007, em função de lobbies ianques que queriam criar um herói amazônico, na figura de um comunista obsoleto, que pretendia impedir o desmatamento através dos "empates” - manifestações em que os seringueiros protegiam as árvores com seus próprios corpos. A única coisa que o Instituto gerou até agora, pelo que se sabe, foi a candidatura de Marina Silva - o ET de Xapuri - à Presidência da República.
O Supremo Tribunal Federal (STF) – que tem entre suas funções julgar o que é constitucional ou não – decidiu então que o ICMBio tinha existência ilegal. E deu ao Congresso o generoso prazo de 24 meses para que aprovasse uma nova norma sob pena de a autarquia ser extinta. Até aí, o imbróglio teria conserto. Ocorre que, desde 2007, mais de 400 outras MPs haviam chegado ao plenário sem cumprir aquele requisito legal. Hoje, cerca de 50 MPs tramitam no Senado, sem terem passado pela tal comissão. Se a decisão prevalecesse elas caducariam imediatamente.
Então deixa estar como está. Uma lei foi revogada por ser descumprida sistematicamente. No Brasil, como diria Pessoa, leis são papéis pintados com tinta. Ou talvez papeizinhos, como diria Serra. São coisas que se revogam a qualquer momento e conforme os interesses do momento.
A partir deste ano da graça, que ninguém mais se queixe de projetos de lei que não passam no Congresso. Já existe um recurso infalível para fazer passar leis: chame a Fifa.
Por ocasião do Grande Prêmio Brasil em São Paulo, Bernie Ecclestone, o dirigente da F-1, demonstrou entender este país nosso:
- This is Brazil!
24 de março de 2012
janer cristaldo
A USP E A CORROSÃO DO CARÁTER
Acadêmicos brasileiros pouco afeitos à cultura imaginam que noções éticas, morais, científicas surgem apenas em textos considerados relevantes nas seitas universitárias.
A preguiça e a pressa na publicação, unidas, logo brotam juízos “definitivos” sobre algum campo do pensamento. Assim ocorre com o tema antigo sobre a presença ou ausência de caráter nas pessoas.
Os supostos pesquisadores consideram que o conceito de uma corrupção do caráter aparece com o sociólogo norte-americano Richard Sennett. Esse teórico, é certo, muito ajuda a entender a vida moderna. Seu livro sobre o caráter corrompido integra uma série de textos que narram, com olhar clínico, as mudanças e o estilhaçamento de valores na sociedade urbana ocidental.
Com a flexibilização do trabalho e a insegurança resultante, temos a massa dos que perderam a confiança nos governos e nos mercados. Outra obra de Sennett indica a crise da sociedade e do Estado. Trata-se do monumental “O Declínio do Homem Público”. Ali, ele demonstra o quanto as formas do Estado foram enfraquecidas, após o século 18, em proveito das “intimidades tirânicas”, os movimentos que prometem às minorias a defesa de seus direitos sem passar pelos mecanismos do poder público.
Baseando-se na “identidade” assumida pelos indivíduos, tais movimentos assumem formas repressivas das quais é quase impossível escapar. Antes de ser um cidadão, o sujeito pertenceria à sua “comunidade”, cujas causas importam mais do que as coletivas. A primeira vítima da corrosão do caráter é a vida pública. Movimentos como os descritos por Sennett conduzem milhões às ruas para exercer pressão sobre a sociedade e o Estado. Mas pouco ou nada fazem diante de descalabros ocorridos na economia, no Judiciário, no Executivo, nos Parlamentos.
A identidade maior deixa de ser a cidadania e se transfere para instâncias que defendem particularidades. Sennett respeita os referidos modelos intimistas, mas também mostra o quanto sua pauta é unilateral e autoritária, tiranizando seus adeptos.
A corrosão do caráter é potencializada quando os grupos e indivíduos assumem o perfil da militância. O militante padrão, por mimetismo, sacrifica normas éticas, sociais e políticas em proveito de seu movimento, visto por ele como a fonte última dos valores.
Todos os demais âmbitos seriam movidos por interesses escusos. A maior parte do material histórico e sociológico usado por Sennett vem dos EUA e da Europa.
No Brasil, temos um campo mais complexo. Aqui, longe de permanecerem distantes e hostis aos poderes públicos, lutando contra eles na concorrência para dominar indivíduos e grupos, movimentos sociais mantêm excelentes tratos com os governos e Parlamentos. Eles sabem aplicar ventosas nos cofres estatais (as ONGs…) de modo a expandir suas forças, mas guardam a retórica contrária ao Estado.
A busca de verbas põe a militância ao dispor de partidos políticos hegemônicos. O militante exerce seu fervor de tal modo que, em pouco tempo, pratica o que suas doutrinas condenavam ou condenam.
O militante, cujo caráter foi corroído, julga que os interesses sociais alheios à sua pauta são “burgueses”, “abstratos”, “conservadores”. Ele se imagina autorizado a manter em lugares estratégicos oligarcas exímios na arte de roubar os cofres públicos. Na superfície, movimentos como a UNE (e suas subsidiárias) arvoram palavras de esquerda. Mas dão suporte às mais retrógradas forças políticas. Líderes estudantis que ontem lutavam contra a corrupção, ao subirem ao poder de Estado, guardam excelentes relações com oligarcas truculentos.
Entre as manifestações contra Fernando Collor e o realismo de hoje não existiria, para a esquerda oficial, nenhum elo. Os valores antes repetidos qual ladainhas são ditos “bravatas” pelos que aderiram à razão de Estado corrompida. A militância é processo corrosivo a ser notado em todas as profissões. Em todos os setores da vida social e política ela dissolve valores efetivos em prol dos dirigentes demagógicos e de suas alianças em proveito próprio.
A que assistimos na USP nos últimos dias? Lutas contra o arbítrio autoritário dos oligarcas? Denúncias de corrupção política (que lesa milhões de brasileiros em termos de educação, saúde, cultura, ciência e tecnologia)? Batalhas contra a falta de democracia nos grandes partidos, nos quais os dirigentes são donos das alianças, das candidaturas, dos cofres, sem ouvir as bases? Movimentos contra o privilégio de foro, algo que faz de nosso Estado um absolutismo contrário à República? A pauta dos militantes, professores e alunos é alienada em todos os sentidos, da marijuana ao populismo rasteiro. Militantes fazem sua revolução em escala micrológica contra o reitor, mas os dirigentes nacionais do movimento estudantil negociam apoio aos donos do poder, os verdadeiros soberanos.
Aviso aos bajuladores do petismo: a noção de caráter é velha como o saber humano e foi estudada, sobretudo, por um pensador “burguês”, Immanuel Kant. Para ele, o caráter é “marca distintiva do ser humano como racional, dotado de liberdade”. O caráter “indica o que o ser humano está preparado para fazer a si mesmo”. Dentre as técnicas para a corrosão do caráter, as drogas são as piores. É irresponsabilidade ética afirmar que elas não prejudicam os usuários ou “ajudam a melhorar a imaginação nas artes e nas ciências”.
A leitura de pesquisas como a de Alba Zaluar, sobre a indústria das drogas, traria prudência aos seus apologetas nos câmpus. Militantes sempre ignoram e combatem a liberdade e a dignidade alheias, basta ver as multidões que apoiaram tiranias modernas, do fascismo ao stalinismo.
Hoje, na USP, a militância aposenta a busca de “mudar o mundo”. Sobram os coquetéis Molotov para a defesa do nada, da irrelevância absoluta, da morte.
24 de março de 2012
Roberto Romano
Fonte: O Estado de S. Paulo, 23/11/2011
A preguiça e a pressa na publicação, unidas, logo brotam juízos “definitivos” sobre algum campo do pensamento. Assim ocorre com o tema antigo sobre a presença ou ausência de caráter nas pessoas.
Os supostos pesquisadores consideram que o conceito de uma corrupção do caráter aparece com o sociólogo norte-americano Richard Sennett. Esse teórico, é certo, muito ajuda a entender a vida moderna. Seu livro sobre o caráter corrompido integra uma série de textos que narram, com olhar clínico, as mudanças e o estilhaçamento de valores na sociedade urbana ocidental.
Com a flexibilização do trabalho e a insegurança resultante, temos a massa dos que perderam a confiança nos governos e nos mercados. Outra obra de Sennett indica a crise da sociedade e do Estado. Trata-se do monumental “O Declínio do Homem Público”. Ali, ele demonstra o quanto as formas do Estado foram enfraquecidas, após o século 18, em proveito das “intimidades tirânicas”, os movimentos que prometem às minorias a defesa de seus direitos sem passar pelos mecanismos do poder público.
Baseando-se na “identidade” assumida pelos indivíduos, tais movimentos assumem formas repressivas das quais é quase impossível escapar. Antes de ser um cidadão, o sujeito pertenceria à sua “comunidade”, cujas causas importam mais do que as coletivas. A primeira vítima da corrosão do caráter é a vida pública. Movimentos como os descritos por Sennett conduzem milhões às ruas para exercer pressão sobre a sociedade e o Estado. Mas pouco ou nada fazem diante de descalabros ocorridos na economia, no Judiciário, no Executivo, nos Parlamentos.
A identidade maior deixa de ser a cidadania e se transfere para instâncias que defendem particularidades. Sennett respeita os referidos modelos intimistas, mas também mostra o quanto sua pauta é unilateral e autoritária, tiranizando seus adeptos.
A corrosão do caráter é potencializada quando os grupos e indivíduos assumem o perfil da militância. O militante padrão, por mimetismo, sacrifica normas éticas, sociais e políticas em proveito de seu movimento, visto por ele como a fonte última dos valores.
Todos os demais âmbitos seriam movidos por interesses escusos. A maior parte do material histórico e sociológico usado por Sennett vem dos EUA e da Europa.
No Brasil, temos um campo mais complexo. Aqui, longe de permanecerem distantes e hostis aos poderes públicos, lutando contra eles na concorrência para dominar indivíduos e grupos, movimentos sociais mantêm excelentes tratos com os governos e Parlamentos. Eles sabem aplicar ventosas nos cofres estatais (as ONGs…) de modo a expandir suas forças, mas guardam a retórica contrária ao Estado.
A busca de verbas põe a militância ao dispor de partidos políticos hegemônicos. O militante exerce seu fervor de tal modo que, em pouco tempo, pratica o que suas doutrinas condenavam ou condenam.
O militante, cujo caráter foi corroído, julga que os interesses sociais alheios à sua pauta são “burgueses”, “abstratos”, “conservadores”. Ele se imagina autorizado a manter em lugares estratégicos oligarcas exímios na arte de roubar os cofres públicos. Na superfície, movimentos como a UNE (e suas subsidiárias) arvoram palavras de esquerda. Mas dão suporte às mais retrógradas forças políticas. Líderes estudantis que ontem lutavam contra a corrupção, ao subirem ao poder de Estado, guardam excelentes relações com oligarcas truculentos.
Entre as manifestações contra Fernando Collor e o realismo de hoje não existiria, para a esquerda oficial, nenhum elo. Os valores antes repetidos qual ladainhas são ditos “bravatas” pelos que aderiram à razão de Estado corrompida. A militância é processo corrosivo a ser notado em todas as profissões. Em todos os setores da vida social e política ela dissolve valores efetivos em prol dos dirigentes demagógicos e de suas alianças em proveito próprio.
A que assistimos na USP nos últimos dias? Lutas contra o arbítrio autoritário dos oligarcas? Denúncias de corrupção política (que lesa milhões de brasileiros em termos de educação, saúde, cultura, ciência e tecnologia)? Batalhas contra a falta de democracia nos grandes partidos, nos quais os dirigentes são donos das alianças, das candidaturas, dos cofres, sem ouvir as bases? Movimentos contra o privilégio de foro, algo que faz de nosso Estado um absolutismo contrário à República? A pauta dos militantes, professores e alunos é alienada em todos os sentidos, da marijuana ao populismo rasteiro. Militantes fazem sua revolução em escala micrológica contra o reitor, mas os dirigentes nacionais do movimento estudantil negociam apoio aos donos do poder, os verdadeiros soberanos.
Aviso aos bajuladores do petismo: a noção de caráter é velha como o saber humano e foi estudada, sobretudo, por um pensador “burguês”, Immanuel Kant. Para ele, o caráter é “marca distintiva do ser humano como racional, dotado de liberdade”. O caráter “indica o que o ser humano está preparado para fazer a si mesmo”. Dentre as técnicas para a corrosão do caráter, as drogas são as piores. É irresponsabilidade ética afirmar que elas não prejudicam os usuários ou “ajudam a melhorar a imaginação nas artes e nas ciências”.
A leitura de pesquisas como a de Alba Zaluar, sobre a indústria das drogas, traria prudência aos seus apologetas nos câmpus. Militantes sempre ignoram e combatem a liberdade e a dignidade alheias, basta ver as multidões que apoiaram tiranias modernas, do fascismo ao stalinismo.
Hoje, na USP, a militância aposenta a busca de “mudar o mundo”. Sobram os coquetéis Molotov para a defesa do nada, da irrelevância absoluta, da morte.
24 de março de 2012
Roberto Romano
Fonte: O Estado de S. Paulo, 23/11/2011
MORREU CHICO ANYSIO
A lição de Chico:
“Não posso consertar nada, mas tenho obrigação de denunciar tudo” “Muita falta me faz o contato com vocês. Porque eu sou um artista fiel ao meu público. Sempre trabalhei para as classes C, D e E. É assim que vejo o trabalho do humorista: eu não posso consertar nada, mas tenho obrigação de denunciar tudo. Foi isso que eu sempre tentei fazer. E acho que fiz. Porque estou fora da TV aberta há tantos anos e as pessoas continuam me reconhecendo e, o que é melhor, gostando de mim”
Eis, nas palavras do próprio Chico Anysio, uma síntese exemplar do seu trabalho. Pode soar como a voz de um marciano, hoje, mas é a visão de mundo de um humanista. Um artista que sempre fez humor popular com fé no poder iluminador e transformador das palavras.
Chico nunca fugiu aos temas do seu tempo. Concordando-se ou não com a sua opinião, sempre colocou o dedo na ferida.
Discutiu as mais variadas formas de opressão, preconceito e exclusão social, sempre pela ótica do humor. Falou de religião, fé, misticismo, riu do mundo das celebridades, inclusive da própria Globo, mergulhou no universo do futebol, encarou o racismo, preconceito sexual…
Veja se você é capaz de lembrar de um tema que algum dos 209 personagens criados por Chico não tenha falado… “Fiz um sucesso que considero inconcebível”, diz Chico no DVD. “Fiquei 36 anos na Rede Globo com um programa que só mudava de título, mas no fundo era a mesma coisa, era eu fazendo tipos, sempre liderando o horário, e sempre sendo o primeiro programa a ser vendido e o melhor vendido a cada ano. Uma coisa gloriosa. Uma carreira que não posso reclamar de nada.”
“Chico Especial” é o principal registro oficial, até hoje, do trabalho do humorista. “Esse DVD tem a pretensão de contar uma história. A história da minha vida como artista”, ele diz, no depoimento de 20 minutos que encerra o disco 1.
Chico começou em 1947, na rádio Guanabara. Dez anos depois, ao estrear na TV Rio, pensou: “Tenho que inventar alguma coisa para mim. Eu vou ser aquele que faz vários.”
Em 1971, contratado pela Globo com a verba economizada pela emissora após demitir Chacrinha no ano anterior, propôs a Boni fazer “Chico City”.
Acho que este é o título que mais se aproxima do legado do artista. Mas é preciso dizer que Chico não criou só uma cidade, mas um mundo próprio.
24 de março de 2012
Dirceu Ayres
ELVIS MORREU, MAS STALIN VIVE
Artigos - Governo do PT
Para os senadores socialistas brasileiros, dar pitaco na política externa norte-americana é um dever. Mas nada de apontar o dedo para os horrores que a ditadura comunista cubana impõe aos dissidentes e a toda população da ilha-cárcere.
Confesso que volta e meia me vejo assistindo, pela tevê, às sessões do Senado Federal ou às da Câmara dos Deputados, embora esta últimas, não raro, se assemelhem a uma fila de telefone público mandando recados para o interior.
Pois foi num desses cateterismos televisivos através do coração da democracia brasileira que me deparei, na última quinta-feira, com a transmissão de uma sessão da Comissão de Relações Exteriores do Senado, sob a presidência do senador Fernando Collor.
Na pauta, dois requerimentos apresentados por Eduardo Suplicy. O paulista, com sua retórica de hipnotizador, propôs o envio de duas moções.
Uma ao governo dos Estados Unidos pedindo a desocupação de Guantánamo, a liberdade dos cinco agentes cubanos presos e condenados pela justiça norte-americana, e o fim do tal embargo comercial que ninguém respeita.
A outra moção seria dirigida a Cuba, pedindo a libertação dos presos políticos e o levantamento das restrições às entradas e saídas de cidadãos cubanos no próprio país.
Para quem não sabe, cubanos só saem de Cuba com beneplácito do governo ou dos tubarões. E o beneplácito do governo é o menos provável.
A primeira moção teve aprovação resoluta, unânime, indiscutível. A segunda abatumou. Os senadores Ranulfe Rodrigues, Vanezza Grazziotin, Fernando Collor e, principalmente, Delcídio do Amaral, entenderam inconveniente que o Brasil se imiscuísse em assuntos internos de Cuba. A moção foi rejeitada. Em vão Pedro Simon e Ana Amélia expressaram surpresa com a escancarada contradição. A maioria dos presentes não viu problemas em dar palpites à política norte-americana, mas fazer o mesmo em relação a Cuba, sim, constituiria grave intromissão em assuntos internos de uma nação soberana.
Exclame-se, amigo leitor. Xingue. Mas escolha adjetivos que correspondam a um diagnóstico político correto. Aquela turma conta muito com a ingenuidade alheia. Preza imensamente a ingenuidade alheia!
Graças a essa ingenuidade, pela qual o ocorrido aponta direto para a rematada incoerência e para o absurdo, eles se dão o direito de fazer política segundo uma lógica própria, uma racionalidade disciplinada e obedecendo a um mínimo ético que é o máximo da malícia.
As pessoas tendem a concluir assim: "Um peixinho de aquário perceberia tal contradição!". Sim, um peixinho de aquário e um senador stalinista. Então, entenda: qualquer deles, jamais votaria moção contra Cuba. Os repórteres que perguntaram à presidente Dilma e ao governador Tarso o que tinham a dizer sobre direitos humanos por lá, depois das recentes visitas à ilha, proporcionaram a ambos oportunidade de tecer pesadas críticas aos Estados Unidos.
Sem qualquer embaraço. Sobre Cuba, nada. Contradição? Não, apenas ética stalinista.
Tudo pela causa, camaradas! Digam-me quando não foi assim. É por serem assim que tais autoridades, homens e mulheres, fazem um discurso sobre direitos humanos no Brasil, criam um Ministério da Mulher - e andam aos abraços com as autoridades iranianas.
Vou encerrar reproduzindo parte de um artigo no qual Eça de Queiroz, em 1871, expressou seu constrangimento ante o que via acontecer em seu Portugal. No caso, ele menciona a Espanha.
Nós deveríamos colocar-nos, pelos mesmos e muitos outros motivos, também constrangidos diante do mundo. Diz ele:
"O país não pode, em sua honra, consentir que os espanhóis o venham ver. O país está atrasado, embrutecido, remendado, sujo, insípido. O país precisa fechar-se por dentro e correr as cortinas. E é uma impertinência introduzir no meio de nosso total desarranjo, hóspedes curiosos, interessados, de luneta sarcástica".
Com a sociedade ingenuamente adaptada a uma crise moral de rosto sujo e cauda longa, podíamos, muito bem, passar sem ressuscitar entre nós e exibir ao mundo uma ética stalinista de malícia e conveniência que se impõe sobre tudo. Espere a incoerência e não se surpreenderá jamais.
Percival Puggina
24 Março 2012
Para os senadores socialistas brasileiros, dar pitaco na política externa norte-americana é um dever. Mas nada de apontar o dedo para os horrores que a ditadura comunista cubana impõe aos dissidentes e a toda população da ilha-cárcere.
Confesso que volta e meia me vejo assistindo, pela tevê, às sessões do Senado Federal ou às da Câmara dos Deputados, embora esta últimas, não raro, se assemelhem a uma fila de telefone público mandando recados para o interior.
Pois foi num desses cateterismos televisivos através do coração da democracia brasileira que me deparei, na última quinta-feira, com a transmissão de uma sessão da Comissão de Relações Exteriores do Senado, sob a presidência do senador Fernando Collor.
Na pauta, dois requerimentos apresentados por Eduardo Suplicy. O paulista, com sua retórica de hipnotizador, propôs o envio de duas moções.
Uma ao governo dos Estados Unidos pedindo a desocupação de Guantánamo, a liberdade dos cinco agentes cubanos presos e condenados pela justiça norte-americana, e o fim do tal embargo comercial que ninguém respeita.
A outra moção seria dirigida a Cuba, pedindo a libertação dos presos políticos e o levantamento das restrições às entradas e saídas de cidadãos cubanos no próprio país.
Para quem não sabe, cubanos só saem de Cuba com beneplácito do governo ou dos tubarões. E o beneplácito do governo é o menos provável.
A primeira moção teve aprovação resoluta, unânime, indiscutível. A segunda abatumou. Os senadores Ranulfe Rodrigues, Vanezza Grazziotin, Fernando Collor e, principalmente, Delcídio do Amaral, entenderam inconveniente que o Brasil se imiscuísse em assuntos internos de Cuba. A moção foi rejeitada. Em vão Pedro Simon e Ana Amélia expressaram surpresa com a escancarada contradição. A maioria dos presentes não viu problemas em dar palpites à política norte-americana, mas fazer o mesmo em relação a Cuba, sim, constituiria grave intromissão em assuntos internos de uma nação soberana.
Exclame-se, amigo leitor. Xingue. Mas escolha adjetivos que correspondam a um diagnóstico político correto. Aquela turma conta muito com a ingenuidade alheia. Preza imensamente a ingenuidade alheia!
Graças a essa ingenuidade, pela qual o ocorrido aponta direto para a rematada incoerência e para o absurdo, eles se dão o direito de fazer política segundo uma lógica própria, uma racionalidade disciplinada e obedecendo a um mínimo ético que é o máximo da malícia.
As pessoas tendem a concluir assim: "Um peixinho de aquário perceberia tal contradição!". Sim, um peixinho de aquário e um senador stalinista. Então, entenda: qualquer deles, jamais votaria moção contra Cuba. Os repórteres que perguntaram à presidente Dilma e ao governador Tarso o que tinham a dizer sobre direitos humanos por lá, depois das recentes visitas à ilha, proporcionaram a ambos oportunidade de tecer pesadas críticas aos Estados Unidos.
Sem qualquer embaraço. Sobre Cuba, nada. Contradição? Não, apenas ética stalinista.
Tudo pela causa, camaradas! Digam-me quando não foi assim. É por serem assim que tais autoridades, homens e mulheres, fazem um discurso sobre direitos humanos no Brasil, criam um Ministério da Mulher - e andam aos abraços com as autoridades iranianas.
Vou encerrar reproduzindo parte de um artigo no qual Eça de Queiroz, em 1871, expressou seu constrangimento ante o que via acontecer em seu Portugal. No caso, ele menciona a Espanha.
Nós deveríamos colocar-nos, pelos mesmos e muitos outros motivos, também constrangidos diante do mundo. Diz ele:
"O país não pode, em sua honra, consentir que os espanhóis o venham ver. O país está atrasado, embrutecido, remendado, sujo, insípido. O país precisa fechar-se por dentro e correr as cortinas. E é uma impertinência introduzir no meio de nosso total desarranjo, hóspedes curiosos, interessados, de luneta sarcástica".
Com a sociedade ingenuamente adaptada a uma crise moral de rosto sujo e cauda longa, podíamos, muito bem, passar sem ressuscitar entre nós e exibir ao mundo uma ética stalinista de malícia e conveniência que se impõe sobre tudo. Espere a incoerência e não se surpreenderá jamais.
Percival Puggina
24 Março 2012
LULA, O MARECHAL TITO DE UMA IUGOSLÁVIA CHAMADA PT
Pode parecer normal, coisa do jogo político, mas, lamento, não é. Ao contrário: estamos diante da expressão de uma crise. Hoje foi a vez de Fernando Haddad visitar Lula e ter uma foto da dupla divulgada pelo Instituto Lula. Nem a rainha da Inglaterra — para usar a metonímia (viu, Pedrinho?) da realeza — tem sua vida tão documentada. A razão é simples. Não temos mais monarquias absolutistas no mundo, exceção feita à Arábia Saudita e a alguns paisecos que se tornaram folclóricos. Lula é o monarca absolutista com maior visibilidade no Ocidente.
Por enquanto, o ex-presidente não pode falar. Então ele envia recados por intermédio de suas visitas: Lula acha isso; Lula pensa aquilo; Lula quer aquele outro. Lula é, em suma, um elemento perversamente unificador da política.
Escrevo “perversamente unificador” porque nada cresce à sua sombra, como se vê. Diga o que se quiser de Dilma — que é intolerante com a corrupção (pode ser), com o fisiologismo (pode ser), com os oportunistas (pode ser) —, só não se diga que ela é uma liderança política. Se vai ser ainda, veremos.
A verdade é que a crise que está aí instalada — e, convenham, sem um motivo muito claro; não para que seja tão crispada ao menos — é fruto de um notável autoritarismo de Lula e, como dito, de seu absolutismo.
Dilma, a exemplo do próprio Haddad em escala municipal, é uma invenção sua. Dá pra discutir se o PT tinha ou não tinha outros nomes viáveis; dá pra debater se a escolha obedecia a uma equação ditada pelo marketing; dá para indagar se havia ou não gente mais competente no próprio PT… Uma coisa, no entanto, é absolutamente indiscutível: Lula tinha experiência política para governar (goste-se ou não de sua gestão). Dilma era uma aposta, na origem, de impressionante irresponsabilidade política.
Esclareço o que digo, já que, hoje em dia, o sentido das palavras parece viver uma certa falência. Não acho que Dilma esteja fazendo um governo temerário ou irresponsável, não! É medíocre, é fraco, não tem eixo nem rumo. Mas estamos muito longe do caos, é evidente. O que quero dizer com isso é que, dada a sua brutal inexperiência no jogo político e óbvia inabilidade, ela até que se sai bem. Ao contrário da fala do Gigante Adamastor (Os Lusíadas), com Dilma, o dano é menor do que o perigo — este era imenso; até que está saindo barato.
Como tudo está em transe na base governista e como a oposição vive seu momento silencioso (o DEM acuado pelas denúncias contra o senador Demóstenes Torres; o PSDB nacional, parece, pela falta do que dizer), Lula, que ainda não pode falar em público, se torna a única voz ainda firme da política; aquele de quem se espera algum norte, alguma articulação mágica, alguma resposta.
Que coisa! Em meio a tanta barulheira, a política se tornou refém do silêncio de Lula. É um sinal de fraqueza da oposição, sim!, incapaz de articular uma reação mesmo a um governo descoordenado.
Mas também é evidência de que o PT é, assim, uma espécie de Iugoslávia do Marechal Tito. A balcanização o espreita. É questão de tempo.
24 de março de 2012
Reinaldo Azevedo
Por enquanto, o ex-presidente não pode falar. Então ele envia recados por intermédio de suas visitas: Lula acha isso; Lula pensa aquilo; Lula quer aquele outro. Lula é, em suma, um elemento perversamente unificador da política.
Escrevo “perversamente unificador” porque nada cresce à sua sombra, como se vê. Diga o que se quiser de Dilma — que é intolerante com a corrupção (pode ser), com o fisiologismo (pode ser), com os oportunistas (pode ser) —, só não se diga que ela é uma liderança política. Se vai ser ainda, veremos.
A verdade é que a crise que está aí instalada — e, convenham, sem um motivo muito claro; não para que seja tão crispada ao menos — é fruto de um notável autoritarismo de Lula e, como dito, de seu absolutismo.
Dilma, a exemplo do próprio Haddad em escala municipal, é uma invenção sua. Dá pra discutir se o PT tinha ou não tinha outros nomes viáveis; dá pra debater se a escolha obedecia a uma equação ditada pelo marketing; dá para indagar se havia ou não gente mais competente no próprio PT… Uma coisa, no entanto, é absolutamente indiscutível: Lula tinha experiência política para governar (goste-se ou não de sua gestão). Dilma era uma aposta, na origem, de impressionante irresponsabilidade política.
Esclareço o que digo, já que, hoje em dia, o sentido das palavras parece viver uma certa falência. Não acho que Dilma esteja fazendo um governo temerário ou irresponsável, não! É medíocre, é fraco, não tem eixo nem rumo. Mas estamos muito longe do caos, é evidente. O que quero dizer com isso é que, dada a sua brutal inexperiência no jogo político e óbvia inabilidade, ela até que se sai bem. Ao contrário da fala do Gigante Adamastor (Os Lusíadas), com Dilma, o dano é menor do que o perigo — este era imenso; até que está saindo barato.
Como tudo está em transe na base governista e como a oposição vive seu momento silencioso (o DEM acuado pelas denúncias contra o senador Demóstenes Torres; o PSDB nacional, parece, pela falta do que dizer), Lula, que ainda não pode falar em público, se torna a única voz ainda firme da política; aquele de quem se espera algum norte, alguma articulação mágica, alguma resposta.
Que coisa! Em meio a tanta barulheira, a política se tornou refém do silêncio de Lula. É um sinal de fraqueza da oposição, sim!, incapaz de articular uma reação mesmo a um governo descoordenado.
Mas também é evidência de que o PT é, assim, uma espécie de Iugoslávia do Marechal Tito. A balcanização o espreita. É questão de tempo.
24 de março de 2012
Reinaldo Azevedo
MORRE CHICO ANYSIO
Não preciso tecer maiores comentários sobre quem foi o Chico Anísio. O Brasil inteiro conhecia sua figura, gerações riram com seu humor inteligente e eclético.
Uma perda irreparável para a arte brasileira.
E o que me deixa mais triste é ver que tem uma legião de felasdumapota para desencarnar e o cramulhão se recusa a chamar as senhas dessa cambada...
E vamos nós aqui, aguentando, Sebentos, Fidéis, Chavez, Almadinejades, etc..etc...etc..
Mas...é a vida.
E la nave va....
omascate
23 de março de 2012
A BRUTAL CONCENTRAÇÃO DA RENDA TRIBUTÁRIA PELO GOVERNO FEDERAL
IMPRESSIONANTE: RENEGOCIAÇÃO DA DÍVIDA DOS ESTADOS REVELA BRUTAL CONCENTRAÇÃO DA RENDA TRIBUTÁRIA PELO GOVERNO FEDERAL
O governo federal aceitou renegociar a dívida dos estados com a União, informou uma fonte do Palácio do Planalto. A mudança vai entrar em vigor no final do primeiro semestre ou no máximo começo do segundo. Hoje, Santa Catarina deve R$ 9,98 bilhões ao Tesouro Nacional, e é obrigada por lei a enviar 13% da arrecadação de impostos de cada mês para o Tesouro Nacional.
O impacto da renegociação será a liberação de recursos e o governo federal vai condicionar a mudança a obrigação do dinheiro ser aplicado em investimentos. Cálculos da Secretaria da Fazenda estimam que o Estado teria R$ 350 milhões extras (veja matéria ao lado).
Os critérios de como a medida sairá do papel começam a ser discutidos numa audiência em Brasília em que os 27 governadores serão convidados. O encontro deve ser realizado em 19 de abril e na sequência será montado um grupo de trabalho para os estados apresentarem suas sugestões.
A renegociação da dívida é considerada prioridade pelo governo estadual porque os juros comem dois de cada R$ 3 pagos ao Tesouro Nacional. Esta condição criou um situação curiosa. Quando o acordo foi fechado, em 1998, Santa Catarina devia R$ 4,31 bilhões. Desde esta época foram pagos R$ 7,32 bilhões, mas ainda assim falta pagar quase R$ 10 bilhões.
Em entrevista coletiva no começo deste mês, o Secretário da Fazenda, Nelson Serpa, explicou que o problema é o indexador da dívida. Fixado em 6% mais IGP-DI, ele faz que de a maior parte dos desembolsos sirva apenas para pagar juros.
Em março, essa combinação ficou em 6,61%, próximo aos 9,75% da taxa básica Selic. Mas o que é caro hoje, foi um baita negócio em marco de 1998, data de assinatura do contrato com o governo federal.
Os juros começaram aquele ano em 37,47%. Passando o final de semana em Campos Novos, o secretário da Fazenda informou, via assessoria de imprensa, que a mudança no cálculo dos juros da dívida pública é uma boa notícia que já era esperada.
Serpa estará em Brasília nesta semana para tratar da questão da unificação do ICMS para importados e vai aproveitar a viagem para conversar sobre o assunto. A tentativa de renegociação da dívida é um velho desejo dos governadores e os sinais de que o clima estava favorável começaram a aparecer no início de 2012.
Durante uma reunião do Confaz, conselho que reúne os secretários da Fazenda, Nelson Barbosa, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, avisou que até dezembro o governo federal trataria do tema. Logo que assumiu a liderança do governo no Senado, na semana passada, o senador Eduardo Braga (PMDB-AM) defendeu a renegociação.
24 de março de 2012
Do site do Diário Catarinense
O governo federal aceitou renegociar a dívida dos estados com a União, informou uma fonte do Palácio do Planalto. A mudança vai entrar em vigor no final do primeiro semestre ou no máximo começo do segundo. Hoje, Santa Catarina deve R$ 9,98 bilhões ao Tesouro Nacional, e é obrigada por lei a enviar 13% da arrecadação de impostos de cada mês para o Tesouro Nacional.
O impacto da renegociação será a liberação de recursos e o governo federal vai condicionar a mudança a obrigação do dinheiro ser aplicado em investimentos. Cálculos da Secretaria da Fazenda estimam que o Estado teria R$ 350 milhões extras (veja matéria ao lado).
Os critérios de como a medida sairá do papel começam a ser discutidos numa audiência em Brasília em que os 27 governadores serão convidados. O encontro deve ser realizado em 19 de abril e na sequência será montado um grupo de trabalho para os estados apresentarem suas sugestões.
A renegociação da dívida é considerada prioridade pelo governo estadual porque os juros comem dois de cada R$ 3 pagos ao Tesouro Nacional. Esta condição criou um situação curiosa. Quando o acordo foi fechado, em 1998, Santa Catarina devia R$ 4,31 bilhões. Desde esta época foram pagos R$ 7,32 bilhões, mas ainda assim falta pagar quase R$ 10 bilhões.
Em entrevista coletiva no começo deste mês, o Secretário da Fazenda, Nelson Serpa, explicou que o problema é o indexador da dívida. Fixado em 6% mais IGP-DI, ele faz que de a maior parte dos desembolsos sirva apenas para pagar juros.
Em março, essa combinação ficou em 6,61%, próximo aos 9,75% da taxa básica Selic. Mas o que é caro hoje, foi um baita negócio em marco de 1998, data de assinatura do contrato com o governo federal.
Os juros começaram aquele ano em 37,47%. Passando o final de semana em Campos Novos, o secretário da Fazenda informou, via assessoria de imprensa, que a mudança no cálculo dos juros da dívida pública é uma boa notícia que já era esperada.
Serpa estará em Brasília nesta semana para tratar da questão da unificação do ICMS para importados e vai aproveitar a viagem para conversar sobre o assunto. A tentativa de renegociação da dívida é um velho desejo dos governadores e os sinais de que o clima estava favorável começaram a aparecer no início de 2012.
Durante uma reunião do Confaz, conselho que reúne os secretários da Fazenda, Nelson Barbosa, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, avisou que até dezembro o governo federal trataria do tema. Logo que assumiu a liderança do governo no Senado, na semana passada, o senador Eduardo Braga (PMDB-AM) defendeu a renegociação.
24 de março de 2012
Do site do Diário Catarinense
MISCELÂNEA DO SANATÓRIO
Senador DEMóstenes Fones
Por causa de suas ligações com o bicheiro e notório contraventor Carlinhos Cachoeira, o senador DEMóstenes Fones - Epa! - DEMóstenes Torres, paladino da justiça e da honradez, sofre uma cascata de acusações.
As denúncias vão desde 298 telefonemas trocados, passam por fogões presenteados e chegam ao pedido de um empréstimo de R$ 3 mil feito pelo senador àquele que não poderia ser pior companhia para um dos últimos bastiões da moralidade política, um ferrenho e denodado defensor dos fracos e oprimidos.
Besteira mostrar espanto diante de um quadro como este. É coisa corriqueira. Filme que já se viu. Olhe bem com quem andam aqueles em que você vota; com quem andam aqueles a quem você elege e reelege.
A única novidade nesse episódio é que havia um impensável e permanente diálogo entre uma pessoa e um político. Nesses tempos bicudos só os políticos falam; pessoas escutam, calam, consentem.
No Brasil de hoje, nada mais normal do que ver despencar um moralista como DEMóstenes Fones, quer dizer, DEMóstenes Torres.
*** *** ***
Republicanagem
Está em tudo que é jornal e holofote:
Corte de verba na Esplanada atinge aliados e poupa o PT. Dilma resolveu endurecer o controle de gastos na administração.
O diabo é que a dureza é mais pesada em cima dos ministérios concedidos aos sócios minoritários da coalizão pela governabilidade. É isso que está originando esse rebu danado no Congresso que bate pé e reclama enquanto não ganha Malzebier da Brahma.
O bloqueio de R$ 55 bilhões em despesas previstas no Orçamento deixa claro que os ministérios que estão nas mãos do PMDB, PSB, PR, PP, PDT, PCdoB e PRB perderam quase um quarto das verbas de livre aplicação. Coisa de 24%.
Só o PMDB do vice-mais presidente Michel Temer teve um corte que representa a metade das verbas disponíveis para os seus quatro ministérios.
Enquanto isso, na sesmaria de 14 pastas sob propriedade do PT ou nos terrenos ocupados por ungidos diretos de Dilma, a porrada dos cortes ficou abaixo de um décimo dos recursos para compras e investimentos.
Mas então qual é a notícia, qual é a novidade? Dessas facções todas da base aliada, qual delas causa mais problemas do que o PT para o governo Dilma?!? Nenhuma, todo mundo sabe disso.
Então, nada mais justo sob o "jeito PT de governar" do que a primeira-mulher-presidenta da República tratar bem aquele que ainda precisa ser coalizado. Os outros partidos todos já são companheiros consagrados. Agora o governo Dilma precisa, como sempre antes nesse país, trazer o PT para o seu lado.
*** *** ***
Angu de caroço
A Comissão da verdade, invencionice de Maria do Rosário que não sabe mais o que fazer para não fazer nada, está um angu de caroço. Dilma não se anima a nomear ninguém.
A criatura não acha criaturas isentas. Quem não foi opressor foi oprimido e vice-versa ao contrário, reciprocamente e coisa e tal. Difícil encontrar uma alma justa que no fundo, no fundo, não alimente um sentimentozinho de vendetta.
Se, um dia encontrarem um grupo de cidadãos acima de qualquer suspeita, tomara que eles comecem investigando os agraciados com a bolsa-ditadura. Esta invenção de indenizações milionárias é concedida pelos cofres republicanos aos anistiados velhos companheiros cansados de guerra que fizeram das suas peripécias urbanas e pelas margens do Araguaia um trampolim para a vida mansa que sempre planejaram.
Enquanto isso, os aposentados que trabalharam a vida inteira estão sendo torturados pelo fator previdenciário e reajustes anuais abaixo da inflação.
Quem se aposentou há dez anos com o equivalente a dez salários mínimos, recebe hoje menos de quatro. Uma afronta à Constituição e uma tortura para os aposentados. Comissão à parte, este é, na verdade, o angu de caroço que não dá para digerir.
24 de março de 2012
sanatório da notícia
Por causa de suas ligações com o bicheiro e notório contraventor Carlinhos Cachoeira, o senador DEMóstenes Fones - Epa! - DEMóstenes Torres, paladino da justiça e da honradez, sofre uma cascata de acusações.
As denúncias vão desde 298 telefonemas trocados, passam por fogões presenteados e chegam ao pedido de um empréstimo de R$ 3 mil feito pelo senador àquele que não poderia ser pior companhia para um dos últimos bastiões da moralidade política, um ferrenho e denodado defensor dos fracos e oprimidos.
Besteira mostrar espanto diante de um quadro como este. É coisa corriqueira. Filme que já se viu. Olhe bem com quem andam aqueles em que você vota; com quem andam aqueles a quem você elege e reelege.
A única novidade nesse episódio é que havia um impensável e permanente diálogo entre uma pessoa e um político. Nesses tempos bicudos só os políticos falam; pessoas escutam, calam, consentem.
No Brasil de hoje, nada mais normal do que ver despencar um moralista como DEMóstenes Fones, quer dizer, DEMóstenes Torres.
*** *** ***
Republicanagem
Está em tudo que é jornal e holofote:
Corte de verba na Esplanada atinge aliados e poupa o PT. Dilma resolveu endurecer o controle de gastos na administração.
O diabo é que a dureza é mais pesada em cima dos ministérios concedidos aos sócios minoritários da coalizão pela governabilidade. É isso que está originando esse rebu danado no Congresso que bate pé e reclama enquanto não ganha Malzebier da Brahma.
O bloqueio de R$ 55 bilhões em despesas previstas no Orçamento deixa claro que os ministérios que estão nas mãos do PMDB, PSB, PR, PP, PDT, PCdoB e PRB perderam quase um quarto das verbas de livre aplicação. Coisa de 24%.
Só o PMDB do vice-mais presidente Michel Temer teve um corte que representa a metade das verbas disponíveis para os seus quatro ministérios.
Enquanto isso, na sesmaria de 14 pastas sob propriedade do PT ou nos terrenos ocupados por ungidos diretos de Dilma, a porrada dos cortes ficou abaixo de um décimo dos recursos para compras e investimentos.
Mas então qual é a notícia, qual é a novidade? Dessas facções todas da base aliada, qual delas causa mais problemas do que o PT para o governo Dilma?!? Nenhuma, todo mundo sabe disso.
Então, nada mais justo sob o "jeito PT de governar" do que a primeira-mulher-presidenta da República tratar bem aquele que ainda precisa ser coalizado. Os outros partidos todos já são companheiros consagrados. Agora o governo Dilma precisa, como sempre antes nesse país, trazer o PT para o seu lado.
*** *** ***
Angu de caroço
A Comissão da verdade, invencionice de Maria do Rosário que não sabe mais o que fazer para não fazer nada, está um angu de caroço. Dilma não se anima a nomear ninguém.
A criatura não acha criaturas isentas. Quem não foi opressor foi oprimido e vice-versa ao contrário, reciprocamente e coisa e tal. Difícil encontrar uma alma justa que no fundo, no fundo, não alimente um sentimentozinho de vendetta.
Se, um dia encontrarem um grupo de cidadãos acima de qualquer suspeita, tomara que eles comecem investigando os agraciados com a bolsa-ditadura. Esta invenção de indenizações milionárias é concedida pelos cofres republicanos aos anistiados velhos companheiros cansados de guerra que fizeram das suas peripécias urbanas e pelas margens do Araguaia um trampolim para a vida mansa que sempre planejaram.
Enquanto isso, os aposentados que trabalharam a vida inteira estão sendo torturados pelo fator previdenciário e reajustes anuais abaixo da inflação.
Quem se aposentou há dez anos com o equivalente a dez salários mínimos, recebe hoje menos de quatro. Uma afronta à Constituição e uma tortura para os aposentados. Comissão à parte, este é, na verdade, o angu de caroço que não dá para digerir.
24 de março de 2012
sanatório da notícia
PERIGOSO DEFICIT DE US$ 68 BILHÕES
Mesmo crescendo de forma acanhada, em torno de 3% ao ano, o Brasil precisará de mais poupança externa para fechar as suas contas.
Segundo o Banco Central, diante do apetite dos brasileiros por produtos importados, da dificuldade da indústria de competir lá fora, do incremento das viagens internacionais e das fortes remessas de lucros pelas multinacionais, o rombo nas transações correntes com o exterior teve de ser revisto para cima.
Ou seja, em vez de US$ 65 bilhões, o buraco fechará este ano em US$ 68 bilhões.
Essa forte dependência de capital estrangeiro, segundo os especialistas, é o principal motivo de o governo estar recorrendo a medidas paliativas para conter o derretimento do dólar frente ao real em vez de um arsenal verdadeiramente poderoso.
Uma postura mais radical do Ministério da Fazenda, como o controle de capitais, poderia afugentar de tal forma os investidores, que faltariam recursos para financiar o deficit em transações correntes.
O BC poderia até recorrer às reservas internacionais para suprir as necessidades. Mas a desconfiança em relação ao país só agravaria os problemas. No passado, todas as vezes em que o Brasil quebrou, a crise começou no câmbio.
A dependência da economia brasileira de recursos que vêm de fora é antiga. E o motivo é um só: o país não dispõe de poupança suficiente para financiar o seu crescimento.
Pelas contas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de poupança encerrou 2011 em 17,3% do Produto Interno Bruto (PIB). É a pior relação entre nas nações que formam os Brics.
Na China, governo e população economizam 53,8% do total das riquezas. Por isso, o país é um dos campeões mundiais em investimentos em infraestrutura. Na Índia, a taxa chega a 35,4% e na Rússia, a 28,2%.
Diante desse quadro, o diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP), Yoshiaki Nakano, é taxativo:
se o deficit em conta-corrente continuar aumentando, o governo ficará sem margem de manobra para conter a valorização do real ante o dólar.
A seu ver, nem mesmo a volta do câmbio fixo em substituição ao sistema de taxas flutuantes seria viável com um rombo externo crescente.
"Com um deficit crescente, o espaço para o governo agir ficará menor. Hoje, felizmente, o país tem reservas internacionais (de US$ 362 bilhões), que ajudam bastante", comentou. José Luís Oreiro, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), compartilha dessa visão.
"A tendência é que o deficit piore, pois, hoje, as exportações estão infladas pelo aumento dos preços dos produtos básicos que o país exporta", disse.
Pelos dados do BC, o buraco nas contas externas em 2012 será maior que o previsto porque a balança comercial se mostrou fraca neste início de ano — a previsão inicial era de superavit de US$ 23 bilhões, mas esse número caiu para US$ 21 bilhões.
Alguns economistas são ainda mais pessimistas e projetam saldo de US$ 17 bilhões. O rombo na conta de serviços, que engloba os gastos dos brasileiros com viagens internacionais, aluguel de máquinas e equipamentos lá fora, também foi revisado e aumentou em mais US$ 3 bilhões.
No total, o buraco das transações correntes passou de 2,45% para 2,57% do PIB.
Investimentos
A grande preocupação dos economistas está na forma como o deficit será financiado a partir deste ano. Pelas projeções do BC, diferentemente de 2011, o Investimento Estrangeiro Direto (IED) não ingressará no país em volume suficiente para cobrir o rombo.
Enquanto o buraco se aproxima dos US$ 70 bilhões, o IED deve ficar em US$ 50 bilhões. A diferença terá de vir do capital especulativo — dinheiro de estrangeiros mais sensível ao humor dos mercados, podendo deixar o país a qualquer momento.
Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, considera que, em função do excesso de dinheiro em circulação no mundo, o Brasil ainda pode se dar ao luxo de ter um deficit externo com tendência de alta.
Ele fez, porém, um alerta:
"Sabemos como o passado nos puniu por causa da dependência por capitais. Por isso, sempre vale a pena a reflexão sobre nossas contas externas".
Por enquanto, o governo considera positivo o fluxo de investimentos para o setor produtivo brasileiro. Nas projeções do BC, o primeiro trimestre do ano deve fechar com um ingresso de US$ 13 bilhões, valor que, anualizado, superaria as previsões e ficaria em US$ 52 bilhões.
Na avaliação de Túlio Maciel, chefe do Departamento Econômico do BC, não há nada a temer em relação ao deficit nas transações correntes. "Economias emergentes têm a característica de necessidade de poupança externa", ponderou.
Em fevereiro, especificamente, o rombo nas contas externas ficou em US$ 1,7 bilhão, abaixo das previsões de US$ 2,5 bilhões do mercado. Em março, deve atingir US$ 4,5 bilhões.
Gasto recorde no exterior
O brasileiro gastou como nunca no exterior em fevereiro. Não à toa, o deficit na conta viagem atingiu US$ 1,1 bilhão, o maior patamar para o mês, segundo levantamento realizado pelo Banco Central desde 1947.
Frente a fevereiro de 2011, o rombo foi 48,35% maior.
No primeiro bimestre, houve incremento 27,14% no deficit. Para o chefe do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel, o carnaval foi o principal motivo para a expansão das despesas dos brasileiros.
A tendência, acrescentou ele, é de que a diferença entre o que os turistas estrangeiros gastam no país e o que os brasileiros deixam lá fora seja maior em todo o ano de 2012.
Tanto que a autoridade monetária reviu ontem para cima a projeção de deficit no ano: de US$ 14,5 bilhões para US$ 15,5 bilhões.
24 de março e 2012
VICTOR MARTINS » ROSANA HESSEL Correio Braziliense
Segundo o Banco Central, diante do apetite dos brasileiros por produtos importados, da dificuldade da indústria de competir lá fora, do incremento das viagens internacionais e das fortes remessas de lucros pelas multinacionais, o rombo nas transações correntes com o exterior teve de ser revisto para cima.
Ou seja, em vez de US$ 65 bilhões, o buraco fechará este ano em US$ 68 bilhões.
Essa forte dependência de capital estrangeiro, segundo os especialistas, é o principal motivo de o governo estar recorrendo a medidas paliativas para conter o derretimento do dólar frente ao real em vez de um arsenal verdadeiramente poderoso.
Uma postura mais radical do Ministério da Fazenda, como o controle de capitais, poderia afugentar de tal forma os investidores, que faltariam recursos para financiar o deficit em transações correntes.
O BC poderia até recorrer às reservas internacionais para suprir as necessidades. Mas a desconfiança em relação ao país só agravaria os problemas. No passado, todas as vezes em que o Brasil quebrou, a crise começou no câmbio.
A dependência da economia brasileira de recursos que vêm de fora é antiga. E o motivo é um só: o país não dispõe de poupança suficiente para financiar o seu crescimento.
Pelas contas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de poupança encerrou 2011 em 17,3% do Produto Interno Bruto (PIB). É a pior relação entre nas nações que formam os Brics.
Na China, governo e população economizam 53,8% do total das riquezas. Por isso, o país é um dos campeões mundiais em investimentos em infraestrutura. Na Índia, a taxa chega a 35,4% e na Rússia, a 28,2%.
Diante desse quadro, o diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP), Yoshiaki Nakano, é taxativo:
se o deficit em conta-corrente continuar aumentando, o governo ficará sem margem de manobra para conter a valorização do real ante o dólar.
A seu ver, nem mesmo a volta do câmbio fixo em substituição ao sistema de taxas flutuantes seria viável com um rombo externo crescente.
"Com um deficit crescente, o espaço para o governo agir ficará menor. Hoje, felizmente, o país tem reservas internacionais (de US$ 362 bilhões), que ajudam bastante", comentou. José Luís Oreiro, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), compartilha dessa visão.
"A tendência é que o deficit piore, pois, hoje, as exportações estão infladas pelo aumento dos preços dos produtos básicos que o país exporta", disse.
Pelos dados do BC, o buraco nas contas externas em 2012 será maior que o previsto porque a balança comercial se mostrou fraca neste início de ano — a previsão inicial era de superavit de US$ 23 bilhões, mas esse número caiu para US$ 21 bilhões.
Alguns economistas são ainda mais pessimistas e projetam saldo de US$ 17 bilhões. O rombo na conta de serviços, que engloba os gastos dos brasileiros com viagens internacionais, aluguel de máquinas e equipamentos lá fora, também foi revisado e aumentou em mais US$ 3 bilhões.
No total, o buraco das transações correntes passou de 2,45% para 2,57% do PIB.
Investimentos
A grande preocupação dos economistas está na forma como o deficit será financiado a partir deste ano. Pelas projeções do BC, diferentemente de 2011, o Investimento Estrangeiro Direto (IED) não ingressará no país em volume suficiente para cobrir o rombo.
Enquanto o buraco se aproxima dos US$ 70 bilhões, o IED deve ficar em US$ 50 bilhões. A diferença terá de vir do capital especulativo — dinheiro de estrangeiros mais sensível ao humor dos mercados, podendo deixar o país a qualquer momento.
Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, considera que, em função do excesso de dinheiro em circulação no mundo, o Brasil ainda pode se dar ao luxo de ter um deficit externo com tendência de alta.
Ele fez, porém, um alerta:
"Sabemos como o passado nos puniu por causa da dependência por capitais. Por isso, sempre vale a pena a reflexão sobre nossas contas externas".
Por enquanto, o governo considera positivo o fluxo de investimentos para o setor produtivo brasileiro. Nas projeções do BC, o primeiro trimestre do ano deve fechar com um ingresso de US$ 13 bilhões, valor que, anualizado, superaria as previsões e ficaria em US$ 52 bilhões.
Na avaliação de Túlio Maciel, chefe do Departamento Econômico do BC, não há nada a temer em relação ao deficit nas transações correntes. "Economias emergentes têm a característica de necessidade de poupança externa", ponderou.
Em fevereiro, especificamente, o rombo nas contas externas ficou em US$ 1,7 bilhão, abaixo das previsões de US$ 2,5 bilhões do mercado. Em março, deve atingir US$ 4,5 bilhões.
Gasto recorde no exterior
O brasileiro gastou como nunca no exterior em fevereiro. Não à toa, o deficit na conta viagem atingiu US$ 1,1 bilhão, o maior patamar para o mês, segundo levantamento realizado pelo Banco Central desde 1947.
Frente a fevereiro de 2011, o rombo foi 48,35% maior.
No primeiro bimestre, houve incremento 27,14% no deficit. Para o chefe do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel, o carnaval foi o principal motivo para a expansão das despesas dos brasileiros.
A tendência, acrescentou ele, é de que a diferença entre o que os turistas estrangeiros gastam no país e o que os brasileiros deixam lá fora seja maior em todo o ano de 2012.
Tanto que a autoridade monetária reviu ontem para cima a projeção de deficit no ano: de US$ 14,5 bilhões para US$ 15,5 bilhões.
24 de março e 2012
VICTOR MARTINS » ROSANA HESSEL Correio Braziliense
CORTE DE INVESTIMENTOS POUPA MINISTÉRIOS DO PT
O endurecimento do controle de gastos na administração de Dilma Rousseff pesa mais sobre os ministérios entregues aos sócios minoritários da coalizão governista, o que ajuda a explicar a crise na base de sustentação parlamentar do Planalto.
Uma análise do recente bloqueio de R$ 55 bilhões em despesas previstas no Orçamento deste ano mostra que as dez pastas entregues a PMDB, PSB, PR, PP, PDT, PC do B e PRB perderam quase um quarto das verbas de livre aplicação -exatos 23,9%.
Dono da segunda maior bancada do Congresso, o PMDB do vice-presidente Michel Temer teve corte de nada menos que a metade das verbas disponíveis em seus quatro ministérios. Já nas 14 pastas ocupadas pelo PT ou por indicações diretas de Dilma, o impacto dos cortes ficou em apenas um décimo dos recursos destinados a compras e investimentos -o levantamento não considera gastos obrigatórios, como o pagamento de salários e aposentadorias. Os dados explicitam a assimetria da divisão de poder na Esplanada, mais aguda na atual administração.
Os petistas assumem áreas mais prioritárias e, portanto, menos sujeitas a ajustes, caso de Saúde e Educação, além de postos de decisão, como Fazenda e Planejamento.
Os aliados ficam com a periferia orçamentária destinada ao varejo político, cujos exemplos principais são as obras e projetos de interesse de deputados e senadores distribuídas entre Turismo, Integração Nacional, Esporte, Cidades e Agricultura.
Essa lógica já vigorava, com contrastes mais amenos, sob o ex-presidente Lula. Mas o antecessor de Dilma pôde relaxar controles fiscais e expandir gastos, prioritários ou não, ao longo de todo o seu segundo mandato.
A generosidade do período, em especial no ano eleitoral de 2010, contribuiu para alimentar a alta da inflação e deixou como herança a necessidade de reequilibrar as contas do Tesouro -ainda mais porque a crise internacional tornou menos provável a sucessão de recordes na arrecadação tributária.
Com a escassez de dinheiro, tornou-se mais evidente a hierarquia de órgãos, programas e forças políticas.Os ministérios do Esporte (PC do B) e do Turismo (PMDB) sofreram cortes superiores a 70% de suas verbas livres, formadas principalmente por despesas incluídas no Orçamento pelos congressistas e conhecidas como emendas parlamentares.
Das pastas entregues aos aliados, a mais poupada foi a dos Transportes, que concentra obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Mas o ministério é foco de conflito entre Planalto e PR desde a troca de Alfredo Nascimento por Paulo Passos, preferido da presidente.
Cidades, do PP, também escapou de um corte maior por abrigar o programa Minha Casa, Minha Vida, sobre o qual, porém, o partido tem pouca ou nenhuma influência.
As pastas da cota do PT e de Dilma já respondiam por 75% dos recursos disponíveis na Esplanada. Após o corte, a fatia subiu para 78%.(
24 de março de 2012
Folha de São Paulo)
Uma análise do recente bloqueio de R$ 55 bilhões em despesas previstas no Orçamento deste ano mostra que as dez pastas entregues a PMDB, PSB, PR, PP, PDT, PC do B e PRB perderam quase um quarto das verbas de livre aplicação -exatos 23,9%.
Dono da segunda maior bancada do Congresso, o PMDB do vice-presidente Michel Temer teve corte de nada menos que a metade das verbas disponíveis em seus quatro ministérios. Já nas 14 pastas ocupadas pelo PT ou por indicações diretas de Dilma, o impacto dos cortes ficou em apenas um décimo dos recursos destinados a compras e investimentos -o levantamento não considera gastos obrigatórios, como o pagamento de salários e aposentadorias. Os dados explicitam a assimetria da divisão de poder na Esplanada, mais aguda na atual administração.
Os petistas assumem áreas mais prioritárias e, portanto, menos sujeitas a ajustes, caso de Saúde e Educação, além de postos de decisão, como Fazenda e Planejamento.
Os aliados ficam com a periferia orçamentária destinada ao varejo político, cujos exemplos principais são as obras e projetos de interesse de deputados e senadores distribuídas entre Turismo, Integração Nacional, Esporte, Cidades e Agricultura.
Essa lógica já vigorava, com contrastes mais amenos, sob o ex-presidente Lula. Mas o antecessor de Dilma pôde relaxar controles fiscais e expandir gastos, prioritários ou não, ao longo de todo o seu segundo mandato.
A generosidade do período, em especial no ano eleitoral de 2010, contribuiu para alimentar a alta da inflação e deixou como herança a necessidade de reequilibrar as contas do Tesouro -ainda mais porque a crise internacional tornou menos provável a sucessão de recordes na arrecadação tributária.
Com a escassez de dinheiro, tornou-se mais evidente a hierarquia de órgãos, programas e forças políticas.Os ministérios do Esporte (PC do B) e do Turismo (PMDB) sofreram cortes superiores a 70% de suas verbas livres, formadas principalmente por despesas incluídas no Orçamento pelos congressistas e conhecidas como emendas parlamentares.
Das pastas entregues aos aliados, a mais poupada foi a dos Transportes, que concentra obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Mas o ministério é foco de conflito entre Planalto e PR desde a troca de Alfredo Nascimento por Paulo Passos, preferido da presidente.
Cidades, do PP, também escapou de um corte maior por abrigar o programa Minha Casa, Minha Vida, sobre o qual, porém, o partido tem pouca ou nenhuma influência.
As pastas da cota do PT e de Dilma já respondiam por 75% dos recursos disponíveis na Esplanada. Após o corte, a fatia subiu para 78%.(
24 de março de 2012
Folha de São Paulo)
Assinar:
Postagens (Atom)