"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 27 de agosto de 2012

JULGAMENTO DO MENSALÃO: O QUE FOI MAIS IMPORTANTE NO 15o. DIA


 

O julgamento de Sócrates, na Atenas antes de Cristo, se não inaugura, bem marca a teatralidade dos julgamentos judiciais.

De lá para cá, o teatro se aperfeiçoou, os oradores se qualificaram na fala, no conteúdo e o acompanhamento pelo espectador ganhou expressive reforço com a imprensa televisiva, a exemplo da TV Justiça.

O julgamento do mensalão não é diferente.

Em meio a tanto esforço na tentativa de convencer seus pares, os ministros do Supremo Tribunal Federal – STF, a par de toda a discussão jurídica e técnica, imprimem a teatralidade ao julgamento. Com citações pop, de Cazuza a Chico Buarque, passando por doutrinadores de peso, estrangeiros e brasileiros, e até pelo jovem e talentoso mestrando da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Bruno Bodart, os ministros dispensam boa parte do tempo a desfilar um sem número de citações.

Mas na tarde de hoje a Ministro Rosa Weber rompeu essa postura, quase que lógica nos grandes julgamentos do STF.

Proferiu um voto objetivo, estritamente técnico e sem divagações.

Alinhou-se em parte ao voto do Relator, Joaquim Barbosa, e em parte ao voto do Revisor, Ricardo Lewandowski.

Rosa Weber tomou posse no Supremo no último 19 de dezembro, um dia antes do recesso do Judiciário.

Teve uma carreira toda voltada à atuação na Justiça do Trabalho, de onde vem desde a primeira instância como juíza de carreira aprovada em quarto lugar no concurso de 1975, no Rio Grande do Sul.

Agora, poucos meses após vestir a toga no Supremo, está diante de um processo criminal complexo, provavelmente o mais complexo até aqui, e assim será por muitos anos no STF.

Complexidade que se mostra não só pela pluralidade de crimes ou de réus envolvidos, mas principalmente pela pluralidade de julgadores, que desde o início demonstram divergências sensíveis de convencimento e de organização.

Mas no palco Rosa Weber não divagou. Fez o suficiente. Iniciou trazendo lições estritamente técnicas de direito penal e foi direto ao ponto, lembrando que o estabelecimento das controvérsias cabe ao Relator e ao Revisor. Aos demais, basta que acompanhem um ou outro. Simples assim.

Fosse pelas dicas da Ministra, o julgamento do mensalão poderia ter dia e hora para o anúncio do resultado.

Além disso, não haveria dúvidas acerca da possibilidade de participação do Ministro Cezar Peluso, com aposentadoria para a próxima semana, e do próprio Presidente da Corte, Ministro Ayres Britto, que deixará compulsoriamente a magistratura, também por força de aposentadoria, em novembro.

Contudo, ainda não se sabe em qual ato vai a peça. Aliás, não se pode prever quantos atos serão e quem serão os atores ao final.

 27 de agosto de 2012
Murilo Leitão, advogado do escritório Lira Rodrigues, Coutinho e Aragão Advocacia, Brasília/DF.

"A PIADA, OS MARCIANOS E AS INSTITUIÇÕES"

Certamente Delúbio Soares passará para a História republicana como um cínico e um frasista, pois algumas de suas tiradas tiveram grande repercussão. Assim, ao falar do mensalão, inventou a expressão "recursos não contabilizados", não sem expor um sorriso irônico em suas declarações. Nunca teve o menor pudor em utilizar a linguagem para encobrir todos os seus malfeitos, contando com a impunidade, no futuro.

Entre os seus, foi até agraciado com o retorno ao partido, braço-mãe que o acolheu depois de uma encenação de expulsão, apenas retórica, com vista a apaziguar a opinião pública, aterrada, por assim dizer, com o abandono petista da ética na política.


Entre outras considerações de Delúbio, uma encontrou eco bastante grande à época, a de que o "mensalão" em alguns anos viraria "piada de salão". Alguns anos já se passaram e o Supremo Tribunal defronta-se agora com os fatos geradores da "piada" e suas consequências. Seguro de suas posições e de seus apoios, o ex-tesoureiro do PT pretendeu colocar-se como "profeta", anunciando o futuro. Evidentemente, o personagem não tem a estatura dos profetas bíblicos, mas cada sociedade tem os anunciadores do futuro que merece. Mas será que sua profecia se vai realizar?

A "piada" estava alicerçada na alegação - depois difundida por várias lideranças petistas - de que o mensalão não existiu, como se nossa Suprema Corte estivesse agora às voltas com o julgamento de algo inexistente. Como se poderia julgar o inexistente? Seria tal pergunta risível se não estivesse assentada em toda uma campanha de convencimento da opinião pública visando a tornar um fato de desvio de recursos públicos e aparelhamento partidário do Estado, em particular de uma de suas instituições, o Banco do Brasil, num não fato.

Ou seja, o irreal seria o fundamento de uma certa concepção partidária, baseada no enfraquecimento sistemático das instituições republicanas e da moralidade pública.

Os advogados de defesa, salvo exceções, adotaram a atitude de marcianos chegando a um planeta desconhecido. Não sabiam de nada do que tinha ocorrido, desconheciam os fatos. Suas defesas apresentaram um conjunto de anjos que não tinham a menor ideia de nada, como se o julgamento do Supremo fosse somente o resultado de um grande equívoco que esses doutos, regiamente pagos, teriam a missão de esclarecer. Abraçaram a concepção da piada, refinada, se é que se pode utilizar esse termo, na formulação de que o mensalão não existiu.

Os réus estariam ali por mera casualidade, fruto provavelmente de uma conjunção astral desfavorável, nada que o tempo e "bons" argumentos não pudessem resolver. E "bons" argumentos seriam precisamente os que demonstrariam a inexistência de crimes, capazes de convencer os ministros de que o mensalão foi uma invenção midiática ou uma tentativa de "golpe de Estado". Ou a maior parte dos advogados vive em Marte ou compartilha o cinismo de Delúbio e seguidores. A piada e a afirmação da inexistência do mensalão pertencem ao planeta deles - esperamos que não ao nosso.

A denúncia do procurador-geral da República, seguida e enriquecida pelo relator, Joaquim Barbosa, e também pelo revisor, Ricardo Lewandowski, permite recolocar a "piada" e as declarações da simples existência de "caixa 2" em seus devidos lugares. Tudo indica, nestes primeiros dias de julgamento, que a "profecia" delubiana não se vai realizar, mostrando um tribunal à altura da defesa das instituições, pois, enfim, é disso mesmo que se trata. Com efeito, as instituições não podem tornar-se uma piada, sob o risco de os risos serem anunciadores de um porvir sombrio.

O relatório do ministro Joaquim Barbosa, extremamente sério, bem argumentado e rico em informações, foi, em linguagem não jurídica, a exposição do mapa do crime, como se falava antigamente em mapa do tesouro, escondido por piratas que assaltavam e agiam à revelia da lei. Seguiu a trilha desses "piratas modernos", que diferem dos antigos por se apresentarem bem vestidos e usarem, alguns, óculos em vez dos tapa-olhos de outrora. Aqueles tinham charme, enquanto os atuais são apenas banais. A vantagem dos antigos, por assim dizer, consistia em mostrar o que eram, que não tinham nada a ocultar, à diferença dos "modernos", que pretendem passar por homens da sociedade, aceitos por suas práticas "criminosas", aliás, "inexistentes".

Os fatos apresentados e demonstrados expõem todo o caminho de desvio de recursos públicos, com dezenas de milhares de faturas falsas, com responsáveis públicos desviando em proveito próprio e de suas agremiações partidárias fundos que pertencem, em última instância, aos contribuintes. Já aparece com nitidez, nesta fase primeira do julgamento, o aparelhamento partidário do Estado no governo Lula, como se as instituições fossem instrumentos carentes de validade e de legitimidade próprias. O risco de tal conduta está em considerar as instituições como meros meios a serviço de finalidades partidárias, que se erigem como primeiras.

O trabalho da Polícia Federal, do Ministério Público e dos ministros do Supremo que até agora se manifestaram permite ver em funcionamento instituições que existem independentemente de governos e partidos. A trilha do tesouro roubado está sendo desvendada, com as primeiras condenações de alguns envolvidos. O mapa foi apresentado. Resta, agora, seguir as pegadas dos que cometeram os atos criminosos.

Nesta altura do julgamento, não será mais possível voltar para a negação dos fatos, para a inexistência do crime. O problema a ser ainda julgado reside nos pés das pegadas, nos agentes que trilharam o caminho do crime. Isto é, cabe agora determinar as responsabilidades individuais, que, elas também, devem ser provadas, sob risco de atentarmos, por outro lado, contra os direitos individuais.

O mapa já foi apresentado, faltam ainda os responsáveis.

27 de agosto de 2012
Denis Rosenfield
O Estado de São Paulo

 

58,4% DOS ARGENTINOS JÁ DESAPROVAM A GESTÃO DE CRISTINA KIRCHNER

 
Governadores pedem mudança na Constituição para permitir reeleições para a presidente
 
BUENOS AIRES - A presidente Cristina Kirchner, eleita em outubro passado com 54,11% dos votos, ostentava uma popularidade de 60% em dezembro, durante a posse de seu segundo mandato. Mas, de lá para cá, os problemas econômicos, somados aos escândalos de corrupção, provocaram uma queda abrupta de sua imagem. Atualmente, segundo uma pesquisa da consultoria Mangement & Fit, somente 35,4% dos argentinos aprovam a gestão de Cristina. Outros 58,4% a desaprovam.

Cristina Kirchner cai nas pesquisas - Efe
Efe
 
Cristina Kirchner cai nas pesquisas
Esta é a primeira vez que a desaprovação da presidente Cristina Kirchner supera sua aprovação desde a morte do ex-presidente Nestor Kirchner (2003-2007) em 2010. O velório e o funeral do ex-presidente - que era considerado o verdadeiro poder no governo de sua mulher - desatou um sentimento de compaixão pela presidente que foi capitalizado por Cristina, que na época estava em baixa.

Mas, a oposição não tem motivos de celebrar, pois nenhum líder dos partidos que opõem-se à presidente foi favorecido pela queda atual de Cristina. A atomizada oposição argentina, de forma geral, recebe em média uma desaprovação de 69,2% dos argentinos.

A analista política Mariel Fornoni, da Management & Fit, disse ao Estado que a elevada desaprovação simultânea do governo e da oposição é "um sinal claro de que as pessoas estão insatisfeitas com os líderes políticos de forma geral". Segundo Fornoni, a desaprovação da população sobre Cristina aumentou por causa dos escândalos de corrupção que abalam seu gabinete, além dos problemas econômicos do país. "As pessoas consideram que os problemas são decorrentes da política econômica da presidente Cristina", afirma. "E, em época de esfriamento econômico, os casos de corrupção irritam mais o povo".

A oposição, segundo a analista, "não está fazendo seu papel, e portanto, perdeu prestígio entre os argentinos".

Re-reeleição

Apesar da queda, vários setores do governo estão manobrando rapidamente para instalar a ideia de uma reforma da Constituição Nacional, aproveitando a divisão da oposição. O plano é reformar a carta magna, de forma a permitir uma chance de segunda reeleição consecutiva de Cristina, algo que a constituição atual impede. Esta possibilidade é denominada de "re-reeleição" pelos argentinos.

Diversos governadores kirchneristas afirmaram nos últimos dias que essa reforma é necessária e que apoiam a permanência de Cristina no poder mais além de 2015. Um deles, Jorge Sapag, de Neuquén, indicou que "o povo é quem decide se há ou não re-reeleição. Acho que não devemos proscrever ninguém". Vários governadores também pretendem reformar suas constituições provinciais, de forma a permitir reeleições estaduais indefinidas.

No entanto, os analistas afirmam que o respaldo dos governadores é circunstancial, já que, na hipótese em que não se concretizem as chances de uma segunda reeleição, a presidente sofreria uma fuga de aliados.

Para não depender tanto da estrutura de seu partido, o Justicialista (Peronista), o governo está estimulando os grupos de militância kirchnerista, tal como "La Cámpora" (a juventude kirchnerista), o "Movimento Evita" (composto por desempregados e piqueteiros) e o "Kolina" (organização criada pela cunhada de Cristina, a ministra da Ação Social Alicia Kirchner, que controla uma milionária caixa de subsídios sociais). Estes grupos, considerados o "kirchnerismo puro", formaram há poucos dias uma frente comum, denominada "Unidos e Organizados".

Economia

A pesquisa da Management & Fit também sustenta que sete de cada dez argentinos consideram que a economia "vai por um mal caminho" e desaprovam a gestão econômica do governo Kirchner. Seis de cada dez considera que a situação ficará pior daqui para a frente. Além disso, metade dos argentinos consideram que suas situações econômicas pessoais piorarão ao longo dos próximos meses.

A crescente inflação é a principal preocupação dos argentinos na área econômica. Segundo o relatório mensal da Universidade Di Tella, que verifica as expectativas de inflação dos argentinos, a população espera uma inflação de 30% nos próximos doze meses. Na contra-mão, o governo da presidente Cristina afirma que a inflação não passará de 10%, enquanto que os economistas independentes sustentam que superaria os 25%.

27 de agosto de 2012
Ariel Palacios, correspondente em Buenos Aires
 

O SISTEMA DE MERCADO NO LESTE EUROPEU E AS MUDANÇAS DE 1989

    
          Artigos - Economia 
Se a Guerra Fria foi uma contenda entre a liberdade econômica e a repressão, como alguém pode dizer que o lado soviético perdeu? “Não,” diz Buchar, “o Ocidente foi tremendamente derrotado...”. Como qualquer um pode ver, o livre mercado não é consistentemente
defendido no Ocidente.

Após 1989, quando o mundo comunista começou a desfazer-se, o velho sistema econômico neoestalinista do Leste Europeu foi alvo de reformas. A qualidade da reforma econômica variou de país para país assim como foram variados os estabelecimentos dos Estados de Direito. Embora seja verdadeiro o fato de algumas economias do Leste Europeu terem se afastado do invasivo controle governamental, muitas outras permaneceram na mão de apparatchiks, mafiosos e “ex-”oficiais da polícia secreta. Deste modo, a liberdade econômica não teve muito espaço naquela região.

 
Por que as reformas de mercado no Leste Europeu foram decepcionantes em tantos aspectos? “Não é o que as pessoas pensam”, disse o cineasta Robert Buchar, que lançou seu tão esperado documentário The Collapse of Communism: The Untold Story. Eu falei com Buchar [clique aqui para ouvir] sobre o seu documentário para perguntar o que ele descobriu ao entrevistar os participantes chave dos eventos de 1989, incluindo o diretor da CIA Robert Gates. Uma das coisas mais interessantes aconteceu quando Buchar tentou entrevistar um dos principais líderes do Partido Comunista da Tchecoslováquia em 1989, Rudolf Hegenbart, que recusou dizer qualquer coisa oficialmente.
“O pessoal de Havel orientou-me a não dizer nada ou eu poderia acabar no fundo do lago” disse Hegenbart para Buchar. Mais tarde, Buchar enviou para Hegenbart uma cópia do seu livro (baseado no documentário) que mostra como as mudanças no Leste Europeu foram enganosas e mal entendidas, especialmente no Ocidente. “Sim, basicamente você está certo em tudo o que escreveu nesse livro. Nos ensinaram tudo isso em Moscou quando estudamos lá”, admitiu Hegenbart.
 
Buchar nasceu na Tchecoslováquia comunista e atualmente leciona no Columbia College em Chicago onde é chefe do programa de cinematografia. “Eu era de uma família burguesa”, explica Buchar, “como meu pai era um empresário, ele tinha a própria companhia com sessenta empregados”.
Evidentemente, empresários eram criminosos no velho regime comunista e os filhos deles tinham qualquer oportunidade negada. Buchar saiu de sua cidade natal e foi para Praga, onde as pessoas não conheciam seu passado. “Eu consegui entrar em uma escola em Praga e, quando me mudei para lá, meu arquivo [da polícia secreta] não mudou comigo [...] Eu não tinha passado” devaneou Buchar. Mas o passado de Buchar acabou alcançando ele novamente: “Mais tarde, por volta de 1972, quando os russos reforçaram o controle sobre tudo... por não estar no Partido [Comunista] eu não poderia trabalhar na mídia”.
Quando ficou impossível para ele trabalhar, ele procurou a liberdade no Ocidente.
 
O documentário de Buchar apresenta o testemunho de ex-oficiais da polícia secreta tcheca, que alegam que a Revolução de Veludo em 1989 foi orquestrada por Moscou. O corpo de testemunhas sobre o assunto é grande e confiável, diz Buchar. “Não apenas... (os) sujeitos que falaram no meu documentário; há muitas outras pessoas com quem eu conversei que recusaram a dizer oficialmente qualquer coisa a esse respeito (...) pois elas temiam por suas vidas [...] Há vários documentos – está muito bem documentado o fato disso ter sido um plano preconcebido […] para mudar o regime e os russos vinham trabalhando nisso há décadas...”.
 
Buchar entrevistou um oficial da polícia secreta que desempenhou um papel em um dos acontecimentos chave da revolução de 1989. “Ele era apenas uma pequena peça de um grande quebra-cabeça”, comentou Buchar. “Ele basicamente fez o que lhe foi ordenado [...] Ele era o encarregado de criar a organização estudantil. O objetivo era penetrar nos movimentos dissidentes [...] e organizar a demonstração de 17 de novembro de 1989, que desencadeou [...] a revolução. E no fim dessa demonstração ele fez o papel de um estudante [...] morto pela tropa de choque. É claro que era uma farsa”.
 
A União Soviética e seus países-satélite podem ter mudado o sistema econômico se olharmos superficialmente, mas boa parte daquilo que foi o espaço econômico soviético permanece sob indireto (senão direto) controle governamental. Essa nova forma de controle conta com intermediários financeiros, redes de agentes e o crime organzado. Usando um capitalismo de compadres, junto com o submundo da lavagem de dinheiro, o sistema econômico pós-soviético está se espalhando por todos os lugares.
Ele pode até mesmo estar colonizando o sistema de mercado do Ocidente, enfim, contaminando o todo.
 
Se a Guerra Fria foi uma contenda entre a liberdade econômica e a repressão, como alguém pode dizer que o lado soviético perdeu? “Não,” diz Buchar, “o Ocidente foi tremendamente derrotado...”. Como qualquer um pode ver, o livre mercado não é consistentemente defendido no Ocidente. Nós pressupomos que o mercado irá triunfar, mas nós não temos um plano. O outro lado definitivamente tem um plano.
“Se você assistir o meu documentário você verá que Robert Gates dá a versão oficial dos eventos de acordo com a CIA”, completa Buchar. Mas essa não é a verdadeira, ou pelo menos, toda a história. “ Vladimir Bukovsky é um dos pontos centrais do meu projeto, pois ele possui provas documentais do Partido Comunista da União Soviética [...] Ninguém pode negar esses documentos...”
 
É questionável se o plano de Moscou funcionou em todos os países do antigo bloco. Atualmente, a República Checa é avaliada pelo Índice de Liberdade Econômica - 2012 da Heritage Foundation como “moderadamente livre”, figurando no 30º lugar. É claro que isso não reflete os níveis secretos de controle aos quais podem operar as máfias e os oficiais conectados ao velho sistema.
De modo mais evidente, alguns países do Leste Europeu continuaram manifestadamente repressivos, como as ex-repúblicas soviéticas Bielorússia, Ucrânia e Uzbesquistão. Outras repúblicas como Azerbaijão, Moldávia e Rússia são avaliadas como “majoritariamente não-livres”.
 
A liberdade parece ter prevalecido, porém, nas ex-repúblicas soviéticas Estônia (16ª no ranking) e Lituânia (23ª), consideradas “majoritariamente livres” pelo Índice da Heritage Foundation. Essas, claro, estão entre as menores e menos significantes das repúblicas soviéticas; e talvez elas foram as mais sofisticadas no uso das oportunidades apresentadas pela queda da União Soviética.
 
Em última análise, porém, devemos ver o colapso do bloco comunista como um equívoco. Essa verdade foi indiscutivelmente trazida à tona no documentário de Buchar. E ele ainda avisou no fim da entrevista que fiz com ele: “Muitas pessoas hoje em dia estão refletindo sobre o que está acontecendo nos Estados Unidos e como se chegou a isso [...] Ninguém está realmente olhando o todo para perceber que não é um problema interno; é um problema externo. O que aconteceu aqui não é apenas por nossa causa, mas é por causa de outras forças que operam em uma escala global”.
 
 Escrito por Jeffrey Nyquist
Publicado no Financial Sense.
Tradução: Leonildo Trombela Junior

UM AVISO DE C.S.LEWIS

    
          Artigos - Cultura 
LewisA civilização parece ser a invenção de uma espécie agora extinta.
Nicolás Gómez Dávila

Há uma plena percepção do que é certo e do que é errado na consciência humana, e este é um dado universal, confirmado na análise e na história dos povos e de suas culturas.

Comparam-se os padrões e preceitos, e lá está ela: uma lei eterna que a razão humana apreende. Dela falou o apóstolo Paulo: “a obra da lei escrita em seus corações” (Rm. 2:14-15). Ele não falava de cristãos, mas dos gentios, e por extensão, de todo e qualquer homem.

Da presença dessa lei natural na consciência humana falaram Tomás de Aquino, Calvino, e outros grandes teólogos e filósofos cristãos. Uma abordagem interessante é a de C. S. Lewis em ‘A Abolição do Homem’, no qual chamava essa lei natural de ‘Tao’ e aponta, citando sábios de diferentes civilizações e ciclos históricos, para a presença manifesta da defesa dos mesmos princípios morais.

São chineses, egípcios, indianos, gregos, judeus, babilônicos, nórdicos, saxões. Todos em plena concordância. As diferenças existem, obviamente, mas há, sim, um grande núcleo comum de princípios.

Antes que o militante laicista venha com aquela conversinha mole de que “não preciso ser religioso para ser bom", aviso: nunca surgiu uma grande cultura, uma grande civilização, sem uma religião forte. E a queda do Império Romano foi, antes de tudo, a queda de uma cultura que desprezou seus princípios fundantes.
Dali, o ocidente cristão floresceria; encerrava-se o ciclo greco-romano e pagão. T. S. Eliot tratou dessa relação indissociável entre religião e cultura em suas ‘Notas para uma Definição de Cultura’. A própria decadência desta Europa tida como pós-cristã e supostamente multiculturalista, mas que vai se islamizando a cada dia é um exemplo disto, visível para qualquer observador sensato.
E tem mais. O próprio C. S. Lewis, em ‘Cristianismo Puro e Simples desenvolveu um argumento para a própria existência de Deus com base na moralidade. Se não existisse uma lei moral universal, discordâncias morais não fariam sentido; necessariamente, essa lei moral universal exigem um Legislador Moral, que deve ser perfeitamente bom, justo, e preocupado com a conduta moral humana.

Resumindo: o mal te incomoda? Pois bem. Não haveria sede, se não houvesse a Água da Vida.
Um dos mais graves problemas de nossa época, advindo da total imanentização do pensamento, dessa tentativa, sobretudo iluminista, de restringir o conhecimento humano àquilo que é meramente material, é essa rejeição não só da origem espiritual da moralidade, como do Legislador, Deus; e daí, o corolário, com suas implicações terríveis para a sociedade: o desprezo a todo este vasto campo comum da percepção plena dos princípios éticos universais.
Muito tem sido feito, e muito dinheiro tem sido gasto para se destruir essa percepção, e a revolução cultural promovida sobretudo pela Nova Esquerda nas últimas décadas é o mais notório empreendimento neste sentido.

A conquista da hegemonia cultural por parte do movimento comunista tinha, já entre seus principais proponentes, Antonio Gramsci, esse objetivo declarado: a modificação do senso comum. Não é preciso dizer que tais revolucionários viam a fé cristã como seu principal inimigo.
E que há mesmo entre cristãos pessoas apoiando esse projeto, e poucos se escandalizem com isso, eis um fato que evidencia o quanto estamos mergulhados neste processo revolucionário.

Aborto, gayzismo, feminismo, sexo livre, liberação das drogas e a manipulação da linguagem com o ‘politicamente correto’ (aguardem o infanticídio e a pedofilia, que virá disfarçada de “sexo intergeracional” ou coisa assim).
Tudo isso foi programado. Não só para caçar e incriminar os cristãos e todo aquele que invoque princípios morais universais, mas para negar fatos elementares da condição humana.
Para transformar todo e qualquer ser humano num robô dócil e obediente aos mentores desse novo totalitarismo, que é sutil, hedonista e idiotizante, elaborado pelos típicos intelectuais modernos que pretendem não só remodelar a humanidade conforme seus umbigos, mas também dominá-la.

Para concluir, deixo um trecho de ‘A Abolição do Homem’ (Martins Fontes, 2005), livro no qual C. S. Lewis também tratou brilhantemente das consequências da rejeição a essa lei natural gravada no coração dos homens, e que tem, na atualidade, sobretudo nas classes políticas, artísticas, e intelectuais dominantes, seus opositores mais fanáticos.

Nos sistemas antigos, tanto o tipo de homem que os educadores pretendiam produzir quanto seus motivos para fazê-lo estavam prescritos pelo Tao — uma norma que sujeitava os próprios professores e frente à qual não pretendiam ter a liberdade da transgressão. Não reduziam os homens a um esquema por eles estabelecido.

Transmitiam o que tinham recebido: iniciavam o jovem neófito nos mistérios da humanidade que a todos concernia. Exatamente como as velhas aves ensinando as novas a voar. Mas isso vai mudar. Os valores agora são meros fenômenos naturais. Juízos de valor serão produzidos no aluno como parte do condicionamento. Qualquer que seja o Tao, ele será o produto, e não a razão, da educação.

Os Manipuladores se livraram disso tudo. É mais uma parte da Natureza que eles conquistaram. A origem última de toda ação humana já não é, para eles, algo dado. Eles a têm sob seu domínio —tal como a eletricidade: é função dos Manipuladores controlá-la, não obedecer-lhe. Sabem como produzir a consciência e decidem qual tipo de consciência irão produzir.

Estão fora desse processo e acima dele. Pois estamos chegando ao último estágio da luta humana contra a Natureza. A última vitória foi obtida. A natureza humana foi conquistada e conquistou qualquer que seja o sentido que essas palavras possam ter agora. Os Manipuladores, nesse ponto, estarão em condição de escolher que tipo artificial de Tao irão impor à raça humana, segundo as razões que lhes convierem.

27 de agosto de 2012
Escrito por Editoria MSM

(Artigo inspirado numa das últimas aulas de Olavo de Carvalho em seu Seminário de Filosofia, na qual o filósofo discorre sobre as questões tratadas no artigo 'Já notaram?'.)

AS CONDENAÇÕES PARCIAIS DO MENSALÃO

Marcos Valério e Pizzolato já condenados. Faltam dois votos para condenar João paulo Cunha.


Até agora, no embate entre o ministro relator e o ministro revisor, Joaquim Barbosa vai levando vantagem sobre Ricardo Lewandowski. Marcos Valério e Henrique Pizzolato já estão condenados, com seis votos cada, e o deputado João Paulo Cunha passou a ter o voto de quatro ministros a favor de sua condenação no processo do mensalão. Cármen Lúcia, Luiz Fux e Rosa Weber pediram a condenação do petista com base na argumentação do relator, Joaquim Barbosa.



Apenas José Antonio Dias Toffoli pediu sua absolvição, como fez o revisor Ricardo Lewandowski. Por enquanto, o placar de 4 a 2 favorece a posição da Procuradoria Geral da República.

Toffoli, que preferiu não se declarar impedido mesmo sendo amigo de José Dirceu e ter sido subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil em 2005, votou pela absolvição do petista das acusações de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e peculato, além de absolver Marcos Valério e sócios no caso do suposto desvio de recursos públicos da Câmara dos Deputados – acusados de corrupção ativa e peculato.

Ele, no entanto, condenou os réus no caso de desvio de dinheiro público do Banco do Brasil, assim como todos os ministros até agora. Henrique Pizzolato foi condenado pelos ministros por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato; e Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach por corrupção ativa e peculato no caso do Banco do Brasil.

A ministra Rosa Weber disse que se pronunciará sobre o crime de lavagem de dinheiro posteriormente. Com esses votos, Valério – e sócios – e Pizzolato já têm 6 votos pela condenação de pelo menos dois crimes cada um. O placar configura maioria, já que o Supremo é composto por 11 membros.
Lewandowski e Toffoli, por sua subserviência, estão fazendo papel ridículo. A atuação demonstra por que é pr4eciso exigir que os ministros do Supremo tenham notório saber. Os dois são patéticos.

27 de agosto de 2012
Carlos Newton

VAI FALTAR TERRA PARA PLANTAR

 

A fragilidade dos modelos de segurança alimentar implementados em todo o mundo ficou exposta pela dura seca que provocou quebra da safra americana de milho e soja da ordem de 120 milhões de toneladas -quase a totalidade da safra brasileira desses dois produtos.



Internamente, o governo americano está às voltas com uma complicada questão: os setores que usam o milho para alimentação humana ou animal estão pressionando o governo para reduzir os incentivos à produção de etanol, que consome 40% da safra de milho.

Até a ONU, preocupada com o encarecimento dos alimentos, entrou nessa linha. Se o governo Obama aceitar as razões invocadas por esses setores, terá de importar combustível fóssil, caro e poluente, com consequências negativas para a sociedade americana. Se não aceitar, carnes e lácteos ficarão mais caros.

Por outro lado, os elevados preços do milho e da soja estimulam produtores desses grãos no hemisfério Sul, que já se preparam para plantar grandes safras.

Enquanto isso, os produtores de frangos e suínos daqui, não conseguindo repassar as altas de custo aos consumidores, reduzem a criação de pintos e de leitões. Estaremos, então, importando uma inflação sobre a qual não temos responsabilidade, uma vez que produzimos o suficiente para nosso abastecimento e grandes sobras exportáveis.

Que lições tirar desse drama?

Em primeiro lugar, que a discussão sobre segurança alimentar é precária, porque centrada só em sua “perna” do abastecimento.
Governos se preocupam com ela, porque é ela que dá votos: povo abastecido não cria problemas. Mas esquecem que não há abastecimento sem a outra “perna”, a da produção. Esta nunca é olhada com a mesma atenção -sempre fica no ar a sensação de que “alguém” vai produzir o suficiente, e não é assim. Políticas públicas são necessárias para um setor tão sensível a um fator incontrolável como o clima.

Estoque de segurança é outro tema delicado. Estoques deprimem preços, porque o mercado, sabendo de excedentes, não valoriza os produtos.
Financiá-los é dever de governos e da governança global.
E países como o nosso deveriam aproveitar esse desastre e negociar um plano de longo prazo que nos permitisse avançar sobre os mercados com aumento de produção de carnes e de etanol. Mas não só para aproveitar este ano de crise, e sim com um projeto estratégico que considerasse a sustentabilidade produtiva para mais de uma década.

Não parece que essa visão esteja presente entre nossos formuladores de políticas. Ao contrário. Em recente seminário no GVAgro sobre gestão territorial agrícola, o pesquisador da Embrapa Evaristo Miranda disse:
“Nos últimos 15 anos, um número significativo de áreas foi destinado à proteção ambiental e ao uso territorial exclusivo de populações minoritárias. Parte dessas iniciativas foi feita sem o conhecimento de seu real alcance territorial. Hoje, as áreas protegidas abrangem 30% do Brasil. E a área ambiental reivindica a proteção adicional de quase 3 milhões de km².

A demanda de novas terras indígenas é da ordem de 100 mil a 150 mil km². As demandas para atender toda a reforma agrária são da ordem de 2,3 milhões de km². Além disso, cerca de 5.000 comunidades quilombolas reivindicam aproximadamente 250 mil km².

Finalmente, a expansão agrícola nos próximos 20 anos também prevê a ocupação adicional de mais 100 mil a 150 mil km². Sem discutir a legitimidade de nenhuma dessas demandas adicionais de terra, consideradas como excludentes, elas exigem cerca de 6 milhões de km² -e não cabem no Brasil. Ou serão amputadas de áreas agrícolas, como vem ocorrendo”.

Resolver essas questões faz parte de um programa amplo de avanço do nosso agro, e vivemos um momento oportuno para tal discussão.

(artigo enviado por Conrado Gutierrez)
27 de agosto de 2012
Roberto Rodrigues (Folha)

SERÁ QUE ALGUÉM FICOU SURPRESO?

Toffoli faz o dever de casa e absolve todo mundo: 3 a 2


Como era de se esperar, o ministro Dias Toffoli, com seu notório saber jurídico, seguiu o voto do revisor Ricardo Lewandowski e absolveu João Paulo Cunha, Marcos Valério e os sócios do publicitário mineiro.

Seu voto foi chatíssimo, citando o tempo toda as defesas, sem citar as acusações.

Não merece comentários...

PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CAPIXABA CULPA O JUDICIÁRIO POR IMPUNIDADE

 

O presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, desembargador Pedro Valls Feu Rosa, afirmou em palestra na V Conferência Internacional de Direitos Humanos, que a corrupção no Brasil já configura ameaça à ordem pública e atribuiu a culpa pela impunidade ao próprio sistema judiciário, a quem acusou de “injusto ou cúmplice” pela impunidade dos corruptos.


Feu Rosa diz a verdade

“Ou nosso sistema está a conferir benesses que a lei absolutamente não contempla, ou estamos diante de um sistema legal injusto ou cúmplice – injusto na medida em que não aplica as leis de forma uniforme, ou cúmplice quando cria a impunidade para alguns poucos abonados”, afirmou o desembargador durante o painel Dignidade e Sistema Prisional.

O desembargador afirmou que “a corrupção no Brasil suga dos cofres públicos, anualmente, o equivalente a 1,35% do Produto Interno Bruto (PIB), o que representa também o orçamento de sete ministérios”.

E acrescentou: “E esse é o mesmo país sobre cujo solo morrem 20 crianças a cada dia por falta de saneamento básico. Essa praga (corrupção) está disseminada por todo o País, conforme pesquisas e relatórios produzidos. Desiludida, quase metade da população tem declarado a institutos de pesquisa que desconfia da democracia e diz preferir a ditadura, o que configura grave ameaça à ordem pública”.

Na opinião do presidente do TJ-ES, em uma palestra marcada pelo tom crítico ao Judiciário brasileiro, “a sábia voz das ruas não está errada: nosso sistema legal tem sido omisso ou cúmplice; não saberia dizer qual o pior, pois temos sido voluntaria ou involuntariamente instrumento dos maus.

Nossas interpretações não raramente tem jogado por terra a justiça e direitos humanos os mais elementares; abusamos com freqüência das leis e ainda chamamos em nossos pomposos acórdãos de devido processo legal. Nos especializamos em fazer com que o que esteja nos autos não chegue ao mundo – e o que esteja no mundo não chegue aos autos”.

Na mesma linha, o desembargador afirmou que o princípio de que a lei é igual para todos não tem sido, a rigor, aplicado pela Justiça brasileira que, ao permitir brechas para que os mais ricos utilizem de “filigranas jurídicas” para escapar a punições, pune de forma dura os mais pobres.

Ao criticar o que chamou de ordem jurídica e social injusta, ele indagou:
“Se a lei é igual para todos por qual motivo todas as filigranas processuais não são estendidas aos miseráveis? Quantos acusados em grandes casos de corrupção respondem presos hoje em seus processos? Afinal, falamos de um mesmo sistema legal”.

“Um semelhante nosso que jaz abandonado num corredor fétido de um hospital sabe perfeitamente que lá está por conta dessa ordem jurídica e social injusta”, prosseguiu Valls Feu Rosa. “A mãe que segura no colo um filho morto e devorado por ratos em alguma favela sente com clareza que aí está mais uma vítima do desvio impune de recursos públicos.
O pai que enterra o filho, morto por causa da péssima infraestrutura oferecida por este país, compreende que ele foi assassinado por omissão de alguns. Nenhum desses personagens externa ou sequer definem esses sentimentos, mas eles estão lá, no coração de tão pobre povo que habita tão rica terra”.

“E assim como toda ação tem conseqüência – concluiu ele com um alerta -, estamos criando uma sociedade cada vez mais conflituosa cujos reflexos já se projetam nas portas de nossas casas e colorem de cinza nossas vidas e a dos nossos entes mais queridos”.

(Reportagem enviada por Mário Assis)
27 de agosto de 2012

RESULTADO PARCIAL DO MENSALÃO

Luiz Fux vota pela condenação: 3 a 1

O ministro Luiz Fux acaba de votar pela condenação de Henrique Pizzolato por lavagem de dinheiro, corrupção passiva e duas vezes por peculato. Fux também votou pela condenação de João Paulo Cunha e Marcos Valério por lavagem de dinheiro, corrupção passiva e duas vezes por peculato, sob argumentação de que há “provas robustas” contra os acusados.
“O voto do relator me convenceu”, disse Fux.

Rosa Weber vota contra João Paulo Cunha e Valério: 2 a 1

O placar no Supremo Tribunal Federal está agora em 2 votos a um. A ministra Rosa Weber votou esta tarde pela condenação do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), do publicitário Marcos Valério, seus dois ex-sócios e do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato por corrupção e peculato.



A ministra seguiu em parte o voto do relator do processo do mensalão, Joaquim Barbosa. Com isso, são dois votos pela condenação do deputado e um pela absolvição, que foi colocado pelo revisor, ministro Ricardo Lewandowski. Oito ministros ainda precisam votar. A leitura do voto dela sobre os casos levou cerca de meia hora. Faltam oito votos.

VARGAS E A PRESENÇA DO ESTADO NA ECONOMIA

 

Em 24 de agosto de 1954, os homens de minha geração chegavam à maioridade. Naquele dia, pela manhã, cheguei ao Rio, enviado pelo Diário de Minas, de Belo Horizonte, a fim de cobrir o velório de Vargas e a reação do povo carioca ao suicídio do Presidente. A Presidente Dilma Rousseff era uma menina de seis anos. Não poderia saber o que significava aquele gesto de um homem que mal passara dos 70, e ocupara o centro da vida brasileira naqueles últimos 24 anos.

As jornadas anteriores haviam sido enganosas, o que costuma ocorrer na História, desde o episódio famoso da frustrada queda de Richelieu.

Os meios de comunicação haviam ampliado o suposto atentado contra Carlos Lacerda – obscuro até hoje – e atribuído a responsabilidade ao Presidente, tentando fazer crer que o Palácio do Governo se transformara em valhacouto de ladrões e assassinos. Houve quase unanimidade contra Getúlio.

Quando passei pela Praça 7, em Belo Horizonte, a caminho do aeroporto da Pampulha, entre manifestantes de esquerda, um jovem sindicalista, meu amigo, pedia aos gritos, pelo megafone, a prisão do Presidente. Desci do táxi e lhe dei a notícia, com os avisos de meu pressentimento: dissolvesse o grupo, antes que os trabalhadores, ao saber da morte do Presidente, reagissem na defesa do líder desaparecido.



Durante a viagem ao Rio, que durava hora e meia, organizei minhas idéias. Entendi, em um instante, que a ação coordenada contra Vargas nada tinha a ver com o assassinato de um oficial da Força Aérea, transformado em guarda-costas do jornalista Carlos Lacerda – isso, sim, ato irregular e punível pelos regulamentos militares.
Lacerda, ferido no peito do pé, não permitiu que o revólver que portava fosse periciado pela polícia. Açulada e acuada pela grande imprensa, a polícia nunca investigou o que realmente houve na Rua Tonelero.

Vargas fora acossado pelos interesses dos banqueiros e grandes empresários associados ao capital norte-americano. Ao ouvir, pelo rádio, a leitura de sua carta, não tive qualquer dúvida: Getúlio se matara como ato de denúncia, não de renúncia. Morrera em defesa do desenvolvimento soberano de nosso povo.

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LOBOS E CORDEIROS

Sei que não basta a vontade política do governante para administrar bem o Estado. Mas uma coisa parece óbvia a quem estuda as relações históricas entre o Estado e a Nação: o Estado existe para buscar a justiça, defender os mais frágeis, uma vez que não há igualdade entre todos. Por isso, algumas medidas anunciadas pelo governo inquietam grande parcela dos brasileiros bem informados. É sempre suspeito que os grandes empresários aplaudam, com alegria, uma decisão do governo. Posso imaginar a euforia dos lobos junto a uma ninhada de cordeiros. Quando os ricos aplaudem, os pobres devem acautelar-se.

O regime de concessões vem desde o Império. As vantagens oferecidas aos investidores ingleses, no alvorecer da Independência, levaram à Revolução de 1842, chefiada pelo mineiro Teófilo Ottoni e pelos paulistas Feijó e Rafael Tobias de Aguiar, e conhecida como a Revolução do Serro, em Minas, e de Sorocaba, em São Paulo.
O Manifesto Revolucionário, divulgado em São João del Rei por Teófilo Ottoni, e assinado por José Feliciano Pinto Coelho, presidente da província rebelde, é claro em seu nacionalismo, ao denunciar que os estrangeiros ditavam o que devíamos fazer “em nossa própria casa”.

A presidente deve conhecer bem, como estudiosa do tema, o que foi a política econômica de Campos Salles e seu ministro Joaquim Murtinho, em resposta à especulação financeira alucinante do encilhamento.
O excessivo liberalismo do governo de Prudente de Moraes e de seu ministro Ruy Barbosa, afundou o Brasil, fazendo crescer absurdamente o serviço da dívida – já histórica –, obrigando Campos Salles (que morreria anos depois, em relativa pobreza) a negociar, com notório constrangimento, o funding loan com a praça de Londres.

O resultado foi desastroso para o Brasil. Os bancos brasileiros quebraram, um banco inglês em sua sucursal brasileira superou o Banco do Brasil em recursos e operações e, ainda em 1899, a Light iniciava, no Brasil, o sistema de concessões como o conhecemos. O Brasil perdeu, nos dez anos que se seguiram, o caminho de desenvolvimento que vinha seguindo desde 1870.

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CONCESSÕES

Durante mais de 50 anos, a energia elétrica, a produção e distribuição de gás e o sistema de comunicações telefônicas no eixo Rio-SP-BH foram controlados pelos estrangeiros. Ao mesmo tempo, os combustíveis se encontravam sob o controle da Standard Oil. A iluminação dos pobres se fazia com o Kerosene Jacaré, vendido em litros, nas pequenas mercearias dos subúrbios, cujos moradores não podiam pagar pela energia elétrica, escassa e muito cara.

O caso das concessões da Light é exemplar: antes do fim do prazo, a empresa, sucateada, foi reestatizada, para, em seguida, ser recuperada pelo governo e “privatizada”. Como se sabe foi adquirida pela EDF, uma estatal francesa, durante o governo de Fernando Henrique. Novamente sucateada, foi preciso que uma estatal brasileira, a Cemig, associada a capitais privados nacionais, a assumisse, para as inversões necessárias à sua recuperação.

Vargas não tinha como se livrar, da noite para a manhã, dessa desgraça, mas iniciou o processo político necessário, ainda no Estado Novo, para conferir ao Estado o controle dos setores estratégicos da economia. Só conseguiu, antes de ser deposto em 1945, criar a CSN e a Vale do Rio Doce. Eleito, retomou o projeto, em 1951 e o confronto com Washington se tornou aberto.

O capital americano desembarcara com apetite durante o governo Dutra, na primeira onda de desnacionalização da jovem indústria brasileira. Getúlio, na defesa de nossos interesses, decidiu limitar a remessa de lucros.

Embora os banqueiros e as corporações estrangeiras soubessem muito bem como esquivar-se da lei, a decisão foi um pretexto para a articulação do golpe que o levaria à morte.

O Estado pode, e deve, manter sob seu controle estrito os setores estratégicos da economia, como os dos transportes, da energia, do sistema financeiro. Concessões, principalmente abertas aos estrangeiros, em quase todas as situações, são um risco dispensável.
O Brasil dispõe hoje de técnicos e de recursos, tanto é assim que o BNDES vai financiar, a juros de mãe, os empreendimentos previstos. Se há escassez de engenheiros especializados, podemos contratá-los no Exterior, assim como podemos comprar os processos tecnológicos fora do país.

Uma solução seria a das empresas de economia mista, com controle e maioria de capitais do Estado e a minoria dos investidores nacionais, mediante ações preferenciais. Por mais caro nos custem, é melhor do que entregar as obras e a operação dos aeroportos, ferrovias e rodovias ao controle estrangeiro.

O que nos tem faltado é cuidado e zelo na escolha dos administradores de algumas empresas públicas. Não há diferença entre uma empresa pública e uma empresa privada, a não ser a competência e a lisura de seus administradores. Entre os quadros de que dispomos, há engenheiros militares competentes e nacionalistas, como os que colaboraram com o projeto nacional de Vargas e com as realizações de Juscelino, na chefia e composição dos grupos de trabalho executivo, como o GEIA e o Geipot.

E por falar nisso, são numerosas e fortes as reações à anunciada nomeação do Sr. Bernardo Figueiredo, para dirigir a nova estatal ferroviária. Seu nome já foi vetado pelo Senado para a direção da Agência Nacional dos Transportes Terrestres.
E o bom senso é contrário à construção do Trem Bala, que custará bilhões de reais. O senso comum recomenda usar esses recursos na melhoria das linhas existentes e na abertura de novos trechos convencionais.
Não podemos entrar em uma corrida desse tipo com os países mais ricos. Eles podem se dar a esse luxo, porque já dispõem de armas atômicas enquanto nós não temos nem mesmo como garantir as nossas fronteiras históricas.
(Do blog de Santayana)
 
27 de agosto de 2012
Mauro Santayana

MENSALÃO: O QUE POUCOS SABEM, E O QUE O BRASIL DEVERIA SABER

    
          Artigos - Governo do PT 
O que fez Antonio Fernando não sofrer nenhuma represália foi ter deixado Lula fora do rol acusatório, apesar de Lula ter assinado atos normativos e documentos, escandalosamente destinados a fomentar o esquema criminoso.

“Juízes, Polícia, Ministério Público, advogados públicos. Porque eles têm um poder de chantagear os poderes públicos. E dizem: ou você faz isso ou a gente vai criar uma tremenda encrenca.”

Eugênio Aragão, corregedor-Geral do MPF, em entrevista, falando sobre “chantagem” para aumento de salário.

Vive-se um momento histórico com o julgamento do Mensalão. Isso todo mundo sabe. O que quase ninguém sabe é que as provas são escassas. Contra José Dirceu, apontado como o líder do esquema criminoso, não existem provas, apenas indícios e meras conjecturas. Por meio deste artigo, mostrarei, entre outras coisas - como a explicação para a declaração transcrita acima - a razão da carência de provas no processo Mensalão.

Por que o então procurador-geral da República (PGR), Antonio Fernando, autor da denúncia do Mensalão, NÃO foi sequer criticado por petista algum do alto escalão, apesar de ter imputado ao PT a tentativa de perpetuação no poder, por meio de “sofisticada organização criminosa?

Além disso, ele “acusou” de chefe da organização, José Dirceu, um dos expoentes do partido situacionista e amigo pessoal de Lula. Antonio Fernando não sofreu crítica e ainda foi reconduzido no cargo pelo ex-Presidente Lula.
Será que Lula e os caciques petistas nada fizeram contra Antonio Fernando porque compreenderam que ele apenas cumpriu o seu dever legal?
Quem acredita nessa hipótese, provavelmente também acredita em Papai Noel, Saci Pererê, Mula sem cabeça, duendes...

Peço escusas pela ironia, mas é que a situação é muito séria e procuro amenizar para facilitar a leitura. Assinalo que eu não seria irresponsável de escrever sem conhecimento de causa, pois tenho um nome e um cargo a zelar (sou procurador da República e estou na ativa).
Há 31 anos encontro-me no serviço público, ocupei diversos cargos, todos conquistados por concurso. Aliás, só na área jurídica, passei em seis concursos, sendo três em primeiro lugar.

As evidências mostram que a imputação de Antonio Fernando na denúncia do Mensalão NÃO é inverídica. Caso fosse, certamente ele teria sofrido terríveis ataques e jamais seria reconduzido. Mas não foi o fato de a imputação ser verídica que nada fizeram contra ele, pois eu fiz acusação verídica contra um integrante do PT, que resultou na primeira cassação do mandato de um parlamentar federal do referido partido, fato ocorrido no início do Governo Lula, e minha vida virou um inferno.
Sofri covarde e doentia perseguição dentro e fora do Ministério Público Federal (MPF).

No meu entendimento, o que fez Antonio Fernando não sofrer nenhuma represália foi ter deixado Lula fora do rol acusatório, apesar de Lula ter assinado atos normativos e documentos, escandalosamente destinados a fomentar o esquema criminoso.

Entre os vários fatos praticados por Lula que beneficiaram o esquema criminoso, consta o envio, em 2004, de mais de 10 milhões de cartas (assinadas por Lula) a aposentados, incentivando-os a tomar empréstimos consignados em folha de pagamento, que proporcionaram lucros fantásticos ao banco BMG que, segundo a denúncia, foi uma das instituições financeiras que participou da “sofisticada organização criminosa”.

Só para se ter uma ideia, o referido banco, com apenas 10 agências e em curto espaço de tempo, fez milhares de empréstimos a aposentados, faturando quantia superior a três bilhões de reais, ganhando da Caixa Econômica Federal, com suas mais de duas mil agências. Na formalização do convênio que beneficiou o BMG, passaram por cima de tudo, inclusive, exoneram uma servidora do INSS que se recusou a publicar o fraudulento convênio celebrado em tempo recorde.

A ausência de Lula na peça acusatória enfraqueceu demasiadamente a denúncia, pois o que também deveria ser atribuído a ele foi imputado exclusivamente a José Dirceu.
Ocorre que este, ao contrário de Lula, não assinou documento algum, sequer um bilhete. Assim, não há nenhuma prova no processo que aponte a participação do ex-chefe da Casa Civil.
O que há são frágeis indícios e meras conjecturas de forma que o Supremo Tribunal Federal (STF) terá que mudar totalmente a sua jurisprudência para poder alcançá-lo. É por isso que a defesa insiste tanto que o julgamento seja técnico, pois juridicamente é quase impossível condená-lo. Faltam provas.

Para condenar José Dirceu, alegou-se a aplicação da teoria do domínio do fato, que é adotada pela maioria dos países democráticos. Ocorre que a aplicação dessa teoria não dispensa a produção de provas; caso contrário, estar-se-ia orbitando na seara da responsabilidade penal objetiva, que é repelida pelo ordenamento jurídico dos países democráticos, incluindo o Brasil.

Antonio Fernando, além de deixar o ex-Presidente da República fora da acusação, inviabilizou a produção de provas efetivas (e não meras conjecturas), aptas a comprovar a existência da “sofisticada organização criminosa”. Vou indicar alguns itens (são muitos) que apontam nessa direção:

1) Marcos Valério destruiu provas (queimou notas fiscais); 19 membros da CPMI (tinha 20 membros) solicitaram a Antonio Fernando que pedisse a prisão dele. Antonio Fernando não o fez, alegando que não havia elementos e nem necessidade da prisão.
Nos meus 16 anos de atuação no MPF na área criminal, nunca vi um investigado que tenha dado tanto motivo para ser preso e não foi.

2) – A esposa de Valério foi flagrada tentando sacar milionária quantia junto a um banco em Belo Horizonte. Desesperado, o “operador do Mensalão” procurou Antonio Fernando e se colocou à disposição para colaborar nas investigações, objetivando os benefícios da delação premiada (estava com muito medo de ser preso, juntamente com a esposa). Antonio Fernando recusou a colaboração de Valério, alegando que a delação seria “prematura e inoportuna”. Tudo indica que ele não queria que Valério falasse. A título de informação, a queda do ex-governador do DF (José Arruda) somente foi possível graças à colaboração de Durval Barbosa (operador do mensalão do DEM) que, beneficiado pela delação premiada, entregou provas que derrubaram o ex-governador. Se não fosse isso, Arruda jamais teria caído.

3) - Sílvio Pereira, ex-secretário-geral do PT, em entrevista a um jornal de grande circulação, disse que Marcos Valério lhe afirmara que, se ele (Valério) falasse o que sabia, derrubaria a República. Em vez de Antonio Fernando propor delação premiada ao ex-secretário, cujo nome é repetido na denúncia 50 vezes, propôs a ele suspensão do processo em troca de prestação de serviço à comunidade o que, obviamente, foi prontamente aceito e Sílvio Pereira ficou fora do processo, não tendo que prestar depoimento. Para um bom entendedor...

4 - Para sepultar de vez a possibilidade de produzir provas efetivas que demonstrassem, juridicamente, a existência da “sofisticada organização criminosa”, Antonio Fernando, em vez de arrolar Roberto Jefferson como testemunha, uma vez que foi quem levou a público o esquema criminoso, ou então propusesse a ele a delação premiada, preferiu apenas acusá-lo. Assim, na condição de réu, sua palavra tem pouco valor para incriminar José Dirceu.

5 - Curiosamente, nas alegações finais, o atual PGR, Roberto Gurgel, por diversas vezes, utiliza os depoimentos de Jefferson “como prova” do envolvimento de José Dirceu. Por exemplo, à fl. 44, item 72, das alegações finais apresentadas por Gurgel, ele transcreve trecho do depoimento de Jefferson, no qual este afirma que, em 2005, Dirceu teria lhe dito que, juntamente com Lula, recebeu um grupo da Portugal Telecom para tratar do adiantamento de oito milhões de euros que seriam repartidos entre o PT e o PTB. Veja-se trecho da declaração de Jefferson transcrito nas alegações finais por Gurgel:

“QUE em um encontro com JOSÉ DIRCEU na Casa Civil ocorrido no início de janeiro de 2005, o então ministro afirmou que havia recebido, juntamente com o Presidente Lula, um grupo da Portugal TELECOM e o Banco Espírito Santo que estariam em negociações com o Governo brasileiro(...).” Grifei.

6 - Ora, se esse depoimento de Jefferson é verdadeiro e pode ser utilizado como prova, conforme entende o Procurador Geral da República, considerando que Lula participou da reunião, por que ele não foi acusado? A presença de Lula na trama para angariar recursos com a Portugal TELECOM era meramente figurativa, uma espécie de boneco ambulante, totalmente manipulado e dominado por José Dirceu, por isso o ex-Presidente da República não fora acusado? Ainda que essa hipótese fosse verdadeira, pelo artigo 29 do Código Penal, Lula deveria figurar no rol dos acusados.

O ex-PGR Antonio Fernando, assim como o atual, Roberto Gurgel, pertencem ao grupo tuiuiú. Tuiuiú é uma ave do Pantanal que tem dificuldade para alçar voo. É assim que se consideravam alguns procuradores na época do ex-PGR Geraldo Brindeiro e, por isso, eles mesmos se denominaram de tuiuiú. Os tuiuiús são extremamente afinados com o PT.

O grupo chegou ao poder com Claudio Fonteles, primeiro PGR nomeado por Lula. Fonteles foi ferrenho defensor de Lula (e do PT). Perseguiu impiedosamente procuradores que de alguma forma tentaram investigar/processar (de verdade e não por faz de conta) integrantes do Partido do governo.
Por exemplo, um pouco antes de vir a público o escândalo do Mensalão, um procurador tentou obter de Carlinhos Cachoeira um vídeo que poderia alcançar Dirceu, então chefe da Casa Civil. Cachoeira gravou o procurador e o caso foi a público.

O procurador sofreu terrível perseguição dos tuiuiús, sob a alegação de que não poderia ter ouvido Cachoeira à noite. Depois de escapar da estapafúrdia acusação, o procurador pediu exoneração do MPF, faltando pouco tempo para a aposentadoria.

Foram vários procuradores que sofreram perseguição. Por outro lado, outros foram favorecidos. Por exemplo, um procurador, que costumava ocupar espaço na mídia acusando integrantes do governo FHC, solicitou “ajuda financeira” a diversas empresas. Para tanto, utilizou uma estagiária da Procuradoria que enviava ofícios às empresas beneficiadas com o trabalho institucional do MPF.
O procurador em questão chegou a receber dinheiro de Daniel Dantas. Tudo foi devidamente comprovado, mas ele nunca foi responsabilizado.

Fonteles, sem nenhum amparo legal, por meio da portaria “reservada” nº 628, de 20 de outubro de 2004, criou um disfarçado serviço de inteligência no MPF; concedeu função gratificada a pessoas sem vínculo com a Administração Pública como, por exemplo, para que um garçom cursasse faculdade, Fonteles deu a ele uma função gratificada, à revelia da lei.
Apesar de Claudio Fonteles ter agido como um soberano, ignorando as restrições legais, algumas vezes ele recuava. Por exemplo, os tuiuiús queriam mandar embora um procurador novato que caiu na antipatia deles. Na votação no Conselho Superior do MPF, Fonteles, como presidente do Colegiado, chegou a votar duas vezes para destruir a carreira do procurador, mas desistiu, pressionado por conselheiros que apontavam a flagrante violação à lei.

Os sucessores, Antonio Fernando e Roberto Gurgel, são mais ousados do que Fonteles. Eles não recuam. Em agosto de 2004, Fonteles queria promover a subprocurador-geral da República, Eugênio Aragão, procurador que passara os últimos anos no exterior cursando doutorado.
Pelas regras da promoção por merecimento, as chances do referido procurador seriam ínfimas, pois os procuradores concorrentes permaneceram na batente do serviço, enquanto que o preferido de Fonteles estudava na Alemanha.

Fonteles colocou a promoção para votação às pressas porque, pouco tempo depois, os tuiuiús ficariam em minoria no Conselho Superior, onde é realizada a votação. Membros do Conselho que não faziam parte do grupo dos tuiuiús promoveram questão de ordem, exigindo o cumprimento da lei.

Diante da embaraçosa situação, Claudio Fonteles recuou, mas Antonio Fernando e Roberto Gurgel não. Depois de muita discussão, uma conselheira, que não fazia parte do grupo tuiuiú, pediu vista do processo.
Tal pedido acabava com a pretensão de promover Eugênio Aragão, pois quando o processo voltasse a julgamento, os tuiuiús, que na época tinham seis membros no Conselho (o colegiado tem 10 integrantes), estariam em minoria, pois, logo em seguida, haveria (como de fato houve) renovação na composição do Conselho e dois novos membros, não pertencentes ao grupo tuiuiú, tomariam o lugar de dois tuiuiús.

Para possibilitar o imediato “julgamento” do processo de promoção, Antonio Fernando e Roberto Gurgel tiveram a “brilhante” ideia de submeter o pedido de vista à votação. Isso mesmo. Violando flagrantemente o regimento interno do Conselho, que permite vista em qualquer processo, eles alegaram que em processo de promoção não é possível pedido de vista. Realizada a votação, por seis votos (exatamente os seis tuiuiús) a quadro, decidiram que não caberia pedido de vista em processo de promoção. Um absurdo.

Negado o pedido de vista, o processo foi posto em votação e o preferido de Fonteles, Eugênio Aragão, restou promovido. O escandaloso fato ocorreu na Sexta Sessão Ordinária de 2004, do Conselho Superior do MPF.

Em novembro de 2005, a imprensa noticiou que Eugênio Aragão e o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão do Ministério da Justiça, na época, sob a tutela de Márcio Thomaz Bastos, o mesmo que depois se tornou defensor do Carlinhos Cachoeira, influenciaram autoridades americanas para não fornecerem à PF documentos relativos à movimentação financeira de Duda Mendonça no exterior, investigado no inquérito do Mensalão.

O relatório que informava a atuação de Eugênio Aragão atrapalhando as investigações da PF foi assinado por quatro delegados e dois peritos. Instaurou-se o inquérito administrativo nº 1.00.001.000116/2006-87 contra Eugênio, mas a comissão concluiu que não havia provas para puni-lo. O relator do inquérito no Conselho entendeu que havia provas, mas ocorreu a prescrição.

Eugênio Aragão atualmente é corregedor-geral do MPF. Ele, como todo tuiuiú, ocupa poleiro alto na cúpula da Instituição e é bastante afinado com o Governo. Ano passado, logo após assumir como corregedor, deixou transparecer (exceção, pois os tuiuiús costumam disfarçar muito bem) o afinamento com a situação.
Por causa do movimento em prol de aumento de salário, ele disse que juízes, policiais, membros do Ministério Público e advogados públicos chantageiam o Estado. Vejamos trecho da entrevista do referido tuiuiú:

“A Polícia Federal e o Ministério Público, o Judiciário, os Auditores Fiscais. As carreiras que hoje têm poder de pressão sobre o Estado e sobre suas instituições são as que mais são valorizadas. Ou seja, juízes, Polícia, Ministério Público, advogados públicos. Porque eles têm um poder de chantagear os poderes públicos. E dizem: ou você faz isso ou a gente vai criar uma tremenda encrenca.”

Eugênio Aragão é um tuiuiú que não sabe disfarçar como os outros sabem. Assim, pelo fato de ele não saber disfarçar, não foi reeleito para o Conselho Superior do MPF. Coisa rara, pois é muito difícil um tuiuiú perder uma eleição. Para se ter uma ideia, a Constituição Federal não prevê eleição para escolha do procurador-geral da República. Todavia, os “democráticos” tuiuiús inventaram uma eleição que escolhe três nomes para “ajudar” o Presidente da República na nomeação do procurador-geral.

Até hoje, todos os que ficaram em primeiro lugar na lista de votação foram nomeados procurador-geral. Um detalhe interessante é que só são eleitos tuiuiús e o primeiro lugar da lista é sempre o procurador-geral que está no cargo ou quem ele indique.
Embora Eugênio Aragão tenha perdido a eleição para o Conselho no ano passado, ficou pouco tempo sem cargo elevado na cúpula do MPF. Dois meses depois, foi nomeado corregedor-geral.

Os tuiuiús transformaram a cúpula do MPF em propriedade particular. Quem não é tuiuiú ou simpatizante do grupo não tem vez. Eles ocupam todas as funções da cúpula, bem como onde o MPF tem representação como no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A audácia é tão grande que até o filho do Antonio Fernando foi assessor de uma conselheira do CNMP. Ou seja, o órgão Colegiado que tem a missão de combater o nepotismo abrigava como assessor o filho do Presidente.

Aliás, a exemplo do filho do Lula que parece ser um fenômeno nos negócios, o filho de Antonio Fernando é um fenômeno no serviço público. Isso porque, quando terminou o mandato do pai no CNMP, ele ocupou o cargo de assessor no Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) e quem o nomeou foi o então procurador-geral, Leonardo Bandarra, que hoje está afastado da função, acusado de corrupção.
Mas o menino prodígio não ficou por muito tempo no MPDFT, alçou voo e foi ser assessor na Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral, onde reina a tuiuiú Sandra Cureau, vice-procuradora-geral Eleitoral. Se os tuiuiús continuarem no poder, esse rapaz vai muito longe...

A “briguinha” entre petistas e tuiuiús, que a imprensa tem divulgado ultimamente, tudo indica, é só aparência. Na prática, a realidade é outra. Citarei alguns episódios, entre muitos ocorridos, que evidenciam essa hipótese. Vários procuradores da República pediram ao PGR, Roberto Gurgel, que arguisse a suspeição do ministro Dias Toffoli. Apesar da notoriedade da suspeição (e até mesmo do impedimento), Gurgel preferiu não arguir “para não atrasar o julgamento”. Ora, o MPF, além de titular da ação penal, é fiscal da lei. Assim, tem o dever de agir de acordo com a ordem jurídica.

Com efeito, o PGR jamais deveria silenciar diante de hipóteses indicativas de parcialidade do julgador (suspeição e impedimento são hipóteses legais que indicam parcialidade), mormente em caso tão importante. A possibilidade de atraso no julgamento não justifica o descumprimento da lei.
Daí, como a norma prevê que determinadas situações importam em comprometimento da imparcialidade do julgador, o fiscal da lei não pode se omitir, ainda que sua atuação resulte em “atraso no julgamento”. Atraso, aliás, que seria pequeno (no máximo alguns dias), insignificante diante da dúvida eterna que pairará sobre a imparcialidade não aferida pela Corte.

No final da “sustentação oral” na Ação Penal do Mensalão, o PGR, Roberto Gurgel, pediu a expedição de mandados de prisão, imediatamente após o julgamento. Ora, Gurgel, assim como qualquer estudante de Direito, sabe que a Constituição Federal alberga o princípio da presunção de inocência, isso quer dizer que o condenado só pode ser preso, após o trânsito em julgado da decisão condenatória. Apesar de o STF ser a última instância do Judiciário, as suas decisões estão submetidas ao mesmo princípio constitucional, ou seja, elas também devem passar pelo crivo do trânsito em julgado para serem executadas.

Assim, o trânsito em julgado não ocorre com o fim do julgamento, uma vez que depende da publicação do acórdão e dá ausência de recurso (mesmo perante o STF, é cabível recurso após qualquer julgamento). Dessa forma, caso houvesse, de fato, interesse na prisão dos acusados, principalmente, a de José Dirceu, Gurgel justificaria o pedido, fundamentando a pretensão no artigo 312 do Código de Processo Penal (assegurar a aplicação da lei penal). Assinalo que não seria difícil justificar essa hipótese.

Roberto Gurgel tão somente pediu a emissão de mandado de prisão, sem sequer apresentar justificativa alguma. Agiu como o seu antecessor (Antonio Fernando), que fez de tudo para não pedir a prisão de Marcos Valério, quando ele destruía provas.
Depois, ao ofertar a denúncia, sem justificativa alguma, pediu a prisão de todos os acusados, sabedor de que jamais seria decretada, pois seria impossível realizar a instrução processual com elevado número de acusados presos.
Sabia que o STF iria negar, como de fato negou. Ou seja, deixou de cumprir a lei, pois deveria ter pedido a prisão de Valério no momento oportuno e ainda jogou para a galera, requerendo decreto prisional em momento inoportuno, deixando a impressão de que ele fez a sua parte, mas o STF não quis prender. É muita...

São incontáveis os casos que demonstram a extrema ousadia de os tuiuiús “justificarem” suas extravagantes atitudes. Vou contar mais um caso que ocorreu recentemente. Roberto Gurgel engavetou o Inquérito policial 042/2008 (Operação Vegas) por quase três anos. Instado pela CPMI a justificar a omissão, ele respondeu, por escrito, invocando os princípios da operação controlada (hipótese prevista na Lei 9.034, art. 2o, inciso II, que permite o retardo da atuação policial), ou seja, o engavetamento, na justificativa de Gurgel, não foi omissão, mas sim “ação controlada”.
Curioso é que somente ele e a sua esposa, que é subprocuradora-geral da República e o auxilia nos casos mais importantes, sabiam da “operação controlada”. O STF não sabia, a Polícia Federal não sabia, os procuradores da República que atuam na primeira instância e o juiz federal também não sabiam. Só o casal sabia da “operação controlada”.

Incrível é que Gurgel ainda teve a coragem de dizer que, graças à sua “estratégia” (de engavetar o inquérito), o esquema criminoso de Cachoeira foi desvendado. Veja-se o que ele disse no ofício encaminhado ao presidente da CPMI, senador Vital do Rêgo: “Se assim não tivesse agido a Procuradoria Geral da República, não se teria desvendado o grande esquema criminoso protagonizado por Carlos Cachoeira.”
Ora, a operação que resultou na prisão de Cachoeira ocorreu em outra investigação (Operação Monte Carlo – inquérito policial 089/2011), instaurada porque Gurgel engavetou a primeira investigação (Operação Vegas – inquérito policial 042/2008). A título de informação, não acredito que o engavetamento da investigação foi para favorecer o ex-senador Demóstenes Torres. A intenção, com certeza, foi outra...

Peço desculpas pela extensão do texto, mas o assunto é muito importante para ser tratado em poucas linhas. Enfatizo que escrevi o mínimo, pois as barbaridades praticadas pelos tuiuiús são inúmeras. Eles sabem dissimular muito bem. Comportam-se como se fossem serenos, equilibrados, justos. Na verdade, praticam verdadeiras atrocidades, seja perseguindo, seja favorecendo. Eles são extremamente ousados, basta ver que Gurgel engavetou a Operação Vegas por longo tempo e ainda teve a ousadia de dizer que se tratava de “operação controlada” e, graças à sua “estratégia”, o esquema de Cachoeira foi desvendado.
O mesmo eles estão fazendo com o Mensalão.

Deixaram Lula fora da acusação e fizeram de tudo para não produzir provas; porém, caso o STF condene mesmo sem provas, eles cantarão vitória e dirão que a condenação ocorreu graças ao trabalho deles. Contudo, se o STF mantiver a sua jurisprudência e absolver, os tuiuiús dirão que a culpa é do Supremo que não pune.

Concluo este artigo dizendo que não inventei nada (tenho prova de tudo que afirmo), inclusive ofertei representação contra o ex-PGR Antonio Fernando, pelo fato de ele não ter incluído Lula na denúncia, apesar da abundância de provas contra o ex-Presidente da República.
Os tuiuiús arquivaram a minha representação sob pífios argumentos. Posteriormente, em abril de 2011, representei ao PGR, Roberto Gurgel, contra o ex-Presidente Lula. Curioso é que, em determinados casos, Gurgel age rápido. Por exemplo, ele recebeu uma representação contra um procurador que é odiado pelos tuiuiús. Imediatamente ele despachou, designando um procurador para tomar as medidas criminais contra o procurador perseguido.

No caso da representação que fiz contra Lula, Gurgel engavetou por um ano e dois meses. Depois de eu muito insistir sobre o andamento da representação, ele me enviou ofício, informando que a arquivou porque os fatos que imputo a Lula estão sendo apurados no inquérito 2.474, em trâmite no STF. Esse inquérito, que tem pertinência com o esquema do Mensalão, tramita no Supremo desde março de 2007.
 
27 de agosto de 2012
Manoel Pastana é procurador da República.