"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 7 de novembro de 2012

EDUARDO PAES, O POÇO DE BONDADES E O ESTELIONATO ELEITORAL


Promessa de político é igual cabeça de bacalhau; coisa difícil de ver na realidade brasileira. Mas, quando a já folclórica retórica “promessista” de nossos políticos dá lugar a mais pura e mal disfarçada mentira, a coisa descamba para o estelionato eleitoral puro e simples.

E foi exatamente assim que Eduardo Paes tratou o problema do IPTU carioca: durante a campanha eleitoral, prometeu mundos e fundos e disse categoricamente que não faria reajustes no IPTU acima da inflação. Segundo ele, a Prefeitura estava com ótimo caixa e a arrecadação estava “de vento em popa”.

Mas, bastou o último voto ser contado e a mentira descarada deu lugar à verdade estarrecedora da exploração do contribuinte: Em um país em que o governo insiste em manipular os índices inflacionários de forma evidente para qualquer dona de casa que vá ao mercado ou pague suas contas de consumo, a prefeitura de Eduardo Paes acena com um absurdo índice de reajuste que deverá superar os 30% em alguns casos.

Não satisfeito, o prefeito enviou para a Câmara de Vereadores um pacote de bondades para os sonegadores, empreiteiras e os especuladores imobiliários “digno de comemoração”. Tendo sido sua campanha supostamente bancada pelas empreiteiras e pela especulação imobiliária, levar esses setores a um verdadeiro paraíso tributário parece justo para o prefeito. Enquanto isso, a conta salgada dessas bondades será debitada nos bolsos dos contribuintes que terão de fazer das tripas coração para pagar seu IPTU.

Resta apenas ao eleitorado que acreditou nas promessas do Sr. Eduardo Paes a colocação de um chapéu de burro sobre a cabeça ou um adesivo do tipo “Eu Acredito em Duendes” onde bem preferirem.

A única coisa boa nisso tudo é que não sofreremos sozinhos; todos aqueles que votaram no prefeito mentiroso também vão ter que rebolar para pagar esse IPTU verdadeiramente “das arábias”. Isso enquanto caminham pelas ruas esburacadas e tomadas por flanelinhas; andam em ônibus lotados, caindo aos pedaços e pagando a nova tarifa superior a três reais (proposta pelo prefeito já vendeu o contribuinte – e seu eleitor – para as empresas de ônibus desde seu primeiro mandato).

Portanto, é como diz aquela famosa citação: “Quem não gosta de política é governado pelos que gostam”. No caso específico de Eduardo Paes, se você se deixou iludir pela propaganda bonita, pela musiquinha legal e pelos depoimentos comprados na televisão e entregou o seu voto a esse cidadão; azar o nosso, pois agora é tarde.

Porque, se você não se preocupou em acompanhar o trabalho do prefeito nesses quatro anos e deixou de ver como ele tratou mal toda a cidade, só se dedicando as obras da Copa e das Olimpíadas, como se o RIO fosse limitado apenas a isso; se não se preocupou em saber as opiniões do prefeito em relação ao sistema de saúde terrível que ele julga de primeiro mundo, mesmo havendo mortes as dezenas por falta de atendimento ou erros inexplicáveis; se você fechou seus olhos para o fato dele entregar bilhões de nossos suados impostos na mão de especuladores e empresas imobiliárias sem ouvir as comunidades envolvidas, em projetos duvidosos ou tocados com inúmeros problemas legais ou se você não ligou para o fato dele ter nomeado um membro da FETRANSPOR (empresas de ônibus) para a secretaria de transportes, fazendo com que os alunos da rede pública, os idosos e todos os trabalhadores ficassem nas mãos dos empresários de ônibus sofrendo com o péssimo serviço prestado e com as tarifas caríssimas, sem ter onde reclamar porque o órgão responsável está nas mãos dos “vilões”… Você conseguiu mais quatro anos de exploração, de maus serviços e de tarifas estratosféricas.
Meus parabéns,
Pense nisso.

07 de novembro de 2012
visão panorâmica

EREMILDO E GILBERTO CARVALHO (ELIO GASPARI)

 

Eremildo não entende por que a oposição insiste em contestar a versão oficial do assassinato de Celso Daniel, o prefeito de Santo André que em 2002 chefiava a coordenação da campanha de Lula. Ele acha que ocorreu um sequestro de bandidos e ponto final.
É verdade que o irmão do morto contou ao Ministério Público que o ex-secretário de governo do município, Gilberto Carvalho, confidenciou-lhe que levava ao comissariado petista propinas arrecadadas na cidade.

Há dez anos, o médico João Francisco Daniel dizia que “o PT tem caixa dois, como qualquer outra legenda”.

Mesmo sendo um idiota confesso, Eremildo reconhece que, em relação à caixinha, o irmão de prefeito estava certo. Afinal, esse trambique tornou-se a espinha dorsal da defesa dos companheiros no Supremo Tribunal Federal.

À época, o irmão do morto foi desqualificado pela viúva e por Gilberto Carvalho. Atribuiram suas acusações a “um desequilíbrio emocional visível”. Eremildo entendeu.

São Paulo é uma cidade violenta e, talvez por isso, cinco pessoas relacionadas com a morte de Celso Daniel foram assassinadas. Uma num presídio. Outras duas, a tiros.

O garçom que serviu o jantar do prefeito antes do sequestro acabou-se numa moto, fugindo de uma perseguição. A testemunha desse acidente morreu a bala.

Considerando-se que os conspiromaníacos já contaram 103 mortes estranhas de pessoas ligadas ao presidente John Kennedy e ao seu assassinato entre 1963 e 1976, o número de Santo André é miserável.

O que incomodou Eremildo foi a resposta que Gilberto Carvalho, atual secretário-geral da Presidência, deu à acusação de Valério, de que o comissariado teria pedido ajuda financeira para calar chantagistas de Santo André.

Carvalho repetiu que nunca viu o companheiro financista e acrescentou: “Tenho até que respeitar o desespero dessa pessoa.”

Essa foi forte para o idiota. Seria razoável poupar o irmão de Celso Daniel em nome de um hipotético “desequilíbrio emocional visível”. “Respeitar o desespero” de um réu confesso a quem nunca viu é um exagerado exercício de caridade.

Uma coisa seria dizer que Valério está desesperado porque delinquiu e viu-se condenado pelo Supremo Tribunal Federal. Respeitá-lo por isso é cortesia que escapa à percepção do idiota.
Talvez Carvalho pudesse falar, no máximo, em piedade. Afinal, a acusação feita por Valério é mais grave do que quaisquer malfeitorias citadas nas 50 mil páginas do processo do mensalão, pois envolve um homicídio.

Eremildo é um idiota, mas conhece diversas pessoas que não o são. Algumas dão a Valério o benefício da dúvida, nenhuma respeita-o.

O procurador-geral da República informa que, até agora, Marcos Valério não é um réu colaborador. Pelo conhecimento do idiota, Roberto Gurgel leu tudo o que Valério contou ao Ministério Público.
A acusação deveria levar o PT e Gilberto Carvalho a pedir a abertura de um novo processo.
Se o caixa do mensalão tiver provas de que botou dinheiro na conta de companheiros ligados ao esquema de Santo André, os comissários deverão se explicar à Justiça.

Por enquanto, a bola de ferro continua presa ao tornozelo de Valério. Eremildo não entende por que o secretário-geral da Presidência respeita um condenado desesperado.

07 de novembro de 2012
Elio Gaspari, O Globo

VAMOS VICIAR AS CRIANÇAS?

 

RUTH DE AQUINO  é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)
"Me filma lendo uma poesia de Drummond!”, diz Luiz, de 11 anos. “Tia, escrevi um livro, escrevi um livro!”, grita Henrique, de 12. “Você vem no nosso evento hip-hop, só de meninas? É o ‘Pronto Falei’. Somos as ‘Ladies’. Vou te mandar o ‘flyer’ por e-mail”, fala Mariana, de 16 anos, olhos verdes de gata, faixa de bolinhas brancas nos cabelos, com o notebook no colo.

Crianças e jovens nas comunidades de Manguinhos e da Rocinha, no Rio de Janeiro, estão viciados. Em livros, computadores, filmes, peças, shows, capoeira, dança, música, horta, culinária. Tudo de graça nas bibliotecas-parque do Rio.
Para quem aposta na vida e no conhecimento. É um vício que contamina suas mães e seus pais, entra no sangue e muda a forma de ver, refletir e atuar no mundo. Emociona qualquer um disposto a enxergar o outro lado do muro da vergonha, do crack, da violência e dos fuzis.

As bibliotecas-parque no Rio são espaços coloridos de sonho e tecnologia, com acervos de dar inveja a faculdades e livrarias tradicionais. Acervos comprados pelo Estado e não doados. A da Rocinha foi inaugurada em junho passado, numa antiga clínica clandestina de aborto. Recebe 370 pessoas em média por dia. Tem 10 mil livros e 555 DVDs. Até agora, emitiu 1.879 carteirinhas, recebeu 3.754 consultas e emprestou 4.912 livros e filmes.

A de Manguinhos, a primeira do Brasil, abriu as portas em abril de 2010. Antes, era um galpão desativado de suprimentos do Exército, junto a uma praça ocupada por traficantes. Ganhou um prêmio na Bienal do Livro de 2011.
Em dois anos e meio, recebeu quase 160 mil pessoas. Conta 105 mil consultas, 36.338 empréstimos e 5.230 carteirinhas. Tem um acervo de 26 mil livros e 1.205 DVDs.

Os números impressionam quem acha “biblioteca” uma coisa elitista, ainda mais em comunidades carentes de tudo, até de esgoto. O mais surpreendente é o conceito desses laboratórios culturais vivos, a sofisticação dos equipamentos e as instalações de Primeiro Mundo.

O vício em livros, filmes, computadores emociona qualquer um que só vê nas favelas crack, violência e fuzis
 
Em Manguinhos, bem ao lado da “Faixa de Gaza” de onde foram removidos há duas semanas dependentes de crack, vi um menino chegar só de bermuda, parar na porta e vestir a camisa para entrar sem ser advertido.
Eles respeitam as regras. E se sentem respeitados, valorizados. Na Rocinha, onde uma instalação de pastilhas giratórias na parede conta, de maneira lúdica, a história da comunidade, uma das placas brancas faz a pergunta: “Qual a pessoa mais importante que já visitou nossa biblioteca-parque?” Viramos a placa e a resposta é...um espelho.

Nos jornais e na televisão, o que dá ibope são as prostitutas infantis da Rocinha, as refinarias de droga em Manguinhos e no Jacarezinho. Não interessa saber que a equipe da superintendente de Leitura e Conhecimento do Estado do Rio, Vera Saboya, é convidada a contar nossa experiência aos bibliotecários de Washington, Paris e Bogotá.
Ninguém divulga que a Royal Shakespeare Company, da Inglaterra, envia representantes ao Rio para laboratórios de arte cênica com alunos e professores nas bibliotecas-parque.

“A gente não faz educação formal, não somos escolas”, diz Vera. “Mas estamos desenvolvendo novas formas de educar crianças, jovens e adultos através da arte e da inclusão digital. Sem preconceito com o leitor, com sua classe social, se estuda ou não, se é operário, se chegou ou não à universidade. Ele encontra aqui de tudo – de livros sobre a Grécia Antiga até o best-seller mais vendido. Qualquer um deveria ter acesso a todo tipo de conhecimento, do popular ao erudito.”

A secretária de Cultura do Estado, Adriana Rattes, diz que foi proposital chamar os centros culturais de bibliotecas. “Num país onde se lê tão pouco, não há nada mais revolucionário e inovador do que investir em algo assim.
Chamamos de Biblioteca, com letra maiúscula.” E é um “parque”, para mostrar que a aventura do conhecimento pode se dar num espaço propício ao encontro, à troca, ao prazer e ao lazer.

“O que dá gosto aqui”, diz Adriana, “é ver namorados, ou pais com filhos, ou crianças com avós frequentando a Biblioteca aos sábados e domingos, com seus saraus de poesia, cineclube, desfiles de moda e grupos de teatro.” A próxima biblioteca-parque será no alto do teleférico do Complexo do Alemão.

Como jornalistas, aprendemos a máxima de séculos atrás: “Notícia é tudo aquilo que alguém não quer ver publicado; o resto é propaganda”. Somos treinados para a investigação do malfeito, para a denúncia da contravenção.
Numa semana como esta, de onda de violência em São Paulo, é um privilégio “denunciar” o bem. Ganhei o dia como testemunha ocular desse outro lado do muro, pouco atraente à mídia. Vamos viciar nossas crianças num mundo melhor porque elas merecem.

07 de novembro de 2012
Ruth de Aquino, Época

FANTASMAS E ELEITOS

 


"Durante o curso ginasial, pelos idos de 1936, ouvi dois aforismos que marcaram minha vida. O primeiro dizia: 'Não se pode comer todas as mulheres do mundo, mas deve-se tentar' e expressava um impossível ideal varonil que muitos falavam entre sorrisos, mas poucos seguiam.
O segundo sugeria o inverso, mas, no fundo, dava no mesmo porque rezava: 'Não se pode ler todos os livros do mundo, mas deve-se tentar'.

Todos os chamados 'maus alunos' sabiam o primeiro e todos os 'bons alunos', aspirantes à castidade, fechavam por muitos motivos com o segundo ideal, o principal deles sendo a ausência absoluta de conhecimento concreto com o objeto do primeiro adágio.
Como quase todo mundo, eu fui simultaneamente um bom e um mau aluno, de modo que persegui sem fé os dois ideais, como, acredito, é o destino de todos que vão atrás de causas perdidas."

Ouvi essas palavras de um dos meus parentes. Acho que foi de tio Silvio, quando logo que me casei e comecei a tomar parte na sua roda de botequim, que incluíam a cerveja (carinhosamente chamada de "lourinha - a edificante") e as histórias de conquistas amorosas, que corriam naquela roda de homens maduros e que iam ficando cada vez mais apimentadas (e impossíveis), na medida em que as garrafas vazias de sonhos se acumulavam num canto esquecido da mesa.

Seriam o gozo e o saber ideais paralelos cujo encontro ocorreria apenas no infinito? Penso que não, porque quanto mais se lê, mais se deseja; e quanto mais se deseja, mais aumenta o consumo dos livros. Conheci muitas pessoas que viveram nesse campo minado entre dois ideais aparentemente contraditórios. Se você é mulher ou de outro gênero, não se ofenda: inverta como quiser os termos do primeiro aforismo.

* * * *
Não se pode ler todos os livros e, em paralelo, "ler" todas as mulheres, sem pensar num outro trilho decisivo. O da memória e do esquecimento. Não ser esquecido soa como terrível no nosso mundo de personalismos egoístas (rotineiros na política) e altruístas (raros em todos os campos, sobretudo no intelectual).
E ser esquecido, como na frase "vê se me esquece..." é um ato de brutal rompimento. Everardo Rocha, meu querido colega e amigo, lembra a carta testamento de Vargas demandando sua entrada na história e esculpindo em bronze uma eterna lembrança; e o pedido sarcástico - "eu quero que me esqueçam" - do último ditador militar, o general Figueiredo.

A luta entre o lembrar e o querer esquecer é imensa e ela é - sem exageros - a fonte do sofrimento. Não há fundo do poço para as lesões do esquecimento, exceto o aceitar ser esquecido. Não são os mortos que nos esquecem; somos nós que não queremos esquecer que eles nos esqueceram. Num mundo sem memória, todos seriam capazes de realizar tudo aquilo que a lembrança proíbe. Seria um lugar desumano, porque lembrar e deixar de lembrar é o que torna possível a compreensão.

Eu não fiz porque me lembrei de você, diz o menino para a mãe ou a amada para o amado. Ou: eu fui capaz de fazer porque não me esqueci de você. Foi sua presença dentro de mim que me forçou a realizar aquele ato heroico.
Ou: trouxe uma "lembrancinha" para você - ou seja: eu te amo, meu irmão e meu amigo. Minha culpa é a minha lembrança. A memória tem um lado persecutório e o seu nome é passado. Quanto mais lembrança, mais peso. Ou mais saudade: essa lembrança que enternece o esquecimento.

Um dos maiores sofrimentos é ter a ilusão de que não se foi esquecido. O esquecimento absoluto, aprendi com os gregos antigos, via Jean-Pierre Vernant, é a morte. A paz é não ser mais torturado pelas obrigações ou deveres que chegam como dardos pela lembrança e pela perseguição do que não pode ser esquecido.
Todos os bandidos aguardam o esquecimento e sabem que o crime pode virar piada de salão porque eles sequer pensam na lembrança que se possa ter dos seus atos.
A punição e a vingança têm muito a ver com uma lembrança obrigatória e o perdão e a expiação fazem parte da regalia de poder esquecer - de suspender ou apagar as sequelas da lembrança que nos infligiu consternação.

É impossível controlar a memória porque todos somos feitos de uma infindável dialética de esquecimentos lembrados e esquecidos e de lembranças esquecidas e lembradas. Se isso deixa de acontecer, a pessoa vira um morto sem, como dizia Mark Twain, os privilégios da morte.

* * * *
Depois de eleitos e empossados, todos esquecem as promessas de campanha. E as falas de corpo presente, os discursos inflamados, indignados e sanguíneos, vindos do fundo do coração, transformam-se em projetos: em fantasmas e almas do outro mundo. São muitas promessas, logo pencas de espíritos que jamais se manifestam por falta de verbas ou de apoio.

Vivemos o período pós-eleitoral. Nele, os corpos dos candidatos que sofriam os nossos problemas dissolvem-se no cinismo do poder à brasileira. Transformados em cargos, os eleitos estão nos palácios e nós, eleitores (feitos de carne e osso), continuamos nos bairros sem calçamento e na rua. Eles comem todas e nada leem; nós tudo lembramos e logo esquecemos as promessas e os juramentos: o que deveria ser lembrado.

Isso me leva ao caso de outro paralelismo igualmente popular no Brasil: a crença em fantasmas.
A questão não é você a esquecer ou esquecer o lugar e as pessoas; é se saber esquecido. É ter a certeza de que você também passa.

Quando essa certeza é agasalhada no seu coração, a tempestade passa porque a esperança é a salvação pelo entregar-se à vida que contém a morte.

07 de novembro de 2012
Roberto DaMatta - O Estado de S.Paulo

A PIADA DO LONGO PRAZO

 

Soa como piada o anúncio de uma política de metas de longo prazo, num país onde um plano chamado Brasil Maior é baseado em incentivos provisórios e os preços dos combustíveis são controlados para disfarçar as pressões inflacionárias. Com aparente seriedade, no entanto, essa novidade foi anunciada à agência Reuters pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel. Se a conversa for para valer, haverá pelo menos uma boa notícia.

O governo terá descoberto - ou redescoberto, depois de muito tempo - um velho princípio de política econômica. O ministro mencionou o exemplo da China, onde se planeja para décadas, e completou seu comentário com um contraste entre os dois regimes: "Fazer isso em uma democracia (referência ao Brasil, naturalmente) é uma ousadia".
Nem tanto. Cuidar do longo prazo é muito mais que fixar metas de crescimento. É também estabelecer e seguir padrões de ação cotidiana para facilitar o planejamento e estimular a inovação. Tudo isso é o oposto das práticas brasileiras, como se comprova, muito facilmente, com alguns dados bem conhecidos.

Não há, para começar, política fiscal de longo prazo, uma das condições fundamentais de qualquer projeto ambicioso de crescimento e modernização. Ministros falam de política anticíclica, mas nunca trataram de estabelecer um padrão fiscal contracíclico, semelhante àquele encontrado no Chile e em países com administração igualmente séria.

Dois ministros propuseram há alguns anos um prazo para eliminação do déficit nominal. A proposta foi bombardeada pela então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, com apoio do presidente do BNDES na época, Guido Mantega. Esse ajuste seria o primeiro passo para a adoção de um regime contracíclico, desenhado para acumulação de gorduras nos tempos bons e queima nas fases difíceis.

Continuam prevalecendo o curto prazo e as conveniências políticas imediatas.
Uma das consequências é um orçamento cada vez mais engessado e menos manejável sem uma carga tributária pouco funcional e bem mais pesada que a de outras economias emergentes.

Não há uma clara distinção entre estímulos conjunturais e medidas de longo prazo destinadas a tornar a economia mais eficiente. Lideradas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), 20 entidades empresariais pediram ao governo a prorrogação do Reintegra (Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para Empresas Exportadoras).

Esse esquema, com duração prevista até o fim do ano, permite a devolução, aos exportadores, de parte dos impostos acumulados na cadeia produtiva. Foi adotado como ação de conjuntura, mas vale como compensação parcial e temporária de um problema estrutural - a estúpida tributação do sistema produtivo e exportador.

O contraste entre o problema duradouro e a solução provisória bastaria para mostrar o descompasso entre os desafios e as respostas de curto e de longo prazos. Truques como o Reintegra seriam desnecessários, se os governantes houvessem enfrentado há mais tempo a sempre adiada reforma tributária.
Em breve essa reforma poderá sair, promete o governo, mas será fatiada e talvez sem solução efetiva para a guerra fiscal.

A visão de curto prazo predomina também quando se trata da inflação. Ano após ano o governo mantém a meta de 4,5%, uma taxa muito mais alta que a da maior parte dos países desenvolvidos e emergentes.
A desculpa da prioridade ao crescimento só pode convencer os ingênuos ou desinformados. Outros países em desenvolvimento têm crescido mais que o Brasil, por vários anos, com preços mais próximos da estabilidade.

Além do mais, a margem de tolerância permite uma inflação de até 6,5%, como a do ano passado. Uma inflação maior que a dos competidores produz, entre outras consequências, um desajuste permanente do câmbio. Este ponto elementar é sempre esquecido quando se fala dos problemas cambiais. Não é preciso ter no armário um Prêmio Nobel de Economia para saber como o diferencial de inflação afeta o câmbio real.

A lista das incompatibilidades entre o discurso e a prática da política de longo prazo é muito mais extensa. Bastaria lembrar a prioridade educacional a partir de 2003 - facilitar o acesso às faculdades, boas ou más, em vez de cuidar da escola fundamental e do gargalo representado pelo ensino médio. Os efeitos são claros tanto nos dados do IBGE quanto nos desajustes do mercado de trabalho.

Quanto à política de investimentos e à gestão de áreas estratégicas do setor público, o diagnóstico é bem conhecido. As consequências da gestão política da Petrobrás e do loteamento da administração federal - basta pensar no Ministério dos Transportes - comprovam amplamente a pouquíssima importância atribuída, por muitos anos, a estratégias econômicas de longo alcance. Para cuidar de fato do longo prazo será preciso abandonar esses costumes.

07 de novembro de 2012
Rolf Kuntz - O Estado de S.Paulo

QUATRO NOTAS DE CARLOS BRICKMANN

 

NOTÍCIA IMPORTANTE

Joaquim Barbosa, depois de tratar-se, retoma hoje o julgamento do Mensalão.

NOTICIA DESIMPORTANTE

Edison Lobão, depois de tratar-se, retoma hoje o Ministério de Minas e Energia.

BICADAS SUICIDAS

Ilustrando a frase “o PSDB é um partido de amigos formado 100% por inimigos”, uma história exemplar: a de Gustavo Fruet, tucano de impecáveis credenciais.
Em 2007, seu partido decidiu marcar posição na disputa pela Presidência da Câmara, e lançou Fruet contra dois candidatos governistas, Aldo Rebelo e Arlindo Chinaglia.

Teve 98 votos no primeiro turno, contra 236 de Chinaglia e 175 de Rebelo. Estaria no segundo turno se os aliados do PFL, hoje DEM, tivessem votado na oposição. Mas o PFL, talvez por hábito, votou no Governo: em Rebelo. Em 2009, Fruet foi convidado para primeiro vice-presidente do PSDB. Aceitou e os tucanos mudaram de ideia:

escolheram a senadora Mariza Serrano. Em troca, ofereceram-lhe a secretaria-geral – e a entregaram ao deputado Rodrigo de Castro. Em 2010, disputou a indicação para o Senado, mas o PSDB estadual reservou as vagas para Ricardo Barros e Osmar Dias.
Quis ser presidente do PSDB no Paraná, depois em Curitiba; o governador Beto Richa, seu companheiro de partido, fritou-o. Aí ele foi para o PDT, aliou-se aos adversários dos tucanos.

Livre dos amigos que o derrubavam, ganhou a Prefeitura de Curitiba.
Simples assim.

QUEM SABE, SABE

O governador gaúcho Tarso Genro, do PT, convenceu um grupo de 60 empresários a acompanhá-lo numa missão a Cuba, para fazer negócios. É complicado: o comércio bilateral entre o Estado e a ilha é hoje de US$ 30 milhões por ano, quase nada. Equivale a três dias de arrecadação gaúcha de ICMS.

A negociação mais concreta é uma troca de experiências: os gaúchos ensinam aos cubanos um programa de reciclagem de garrafas PET por cooperativas de catadores e os cubanos retribuem com um programa de reciclagem de papelão, também por cooperativas. Os empresários estão em Cuba, tentando fazer algo.

Tarso, mais esperto, largou-os e foi para Paris, no Hotel Georges V, para uma cerimônia da Câmara de Comércio Brasil-França. Entre Fidel e a Veuve Clicquot, como hesitar?

07 de novembro de 2012
COLUNA DE CARLOS BRICKMANN
 

FRASE DO DIA



"Não admito que V. Excelência imagine que todos neste plenário são salafrários, e só o senhor é vestal."



Ministro Marco Aurélio para o ministro Joaquim Barbosa.

07 de novembro de 2012

VIOLÊNCIA DESVAIRADA




O problema da violência urbana que o Rio, se não resolveu, pelo menos equacionou está se apresentando na pauliceia como uma onda desvairada de crimes.

Enquanto a PM fluminense registrou nos primeiros nove meses de 2012 a maior queda no número de vítimas de homicídios no estado em 21 anos, a polícia de SP contabilizou em setembro, na capital, um aumento de 96% em relação ao mesmo período do ano passado.

Foram 135 casos ou quatro por dia. Para isso, contribuíram as ocorrências de PMs executados e mortes suspeitas de civis. Até o último fim de semana, mais de 90 policiais tinham sido assassinados desde janeiro. Apenas na madrugada de ontem, sete pessoas foram mortas, e três ônibus, incendiados.

Estranho que só agora as autoridades resolveram aceitar a ajuda oferecida pelo governo federal. Antes, a Secretaria de Segurança atribuía ao “exagero” da imprensa e à “coincidência” essa sucessão de mortes com características semelhantes: homens armados em carros ou motos disparando e fugindo em seguida.

Negava a escalada até quando, em três noites seguidas em fins de outubro, na Grande SP, houve uma série de ataques, boatos de toque de recolher, viaturas da polícia alvejadas e 38 mortes.

Ao mesmo tempo em que a população indefesa assistia a essa guerra entre policiais e bandidos, com os primeiros sendo perseguidos, em vez de perseguir, uma outra de palavras, um bate-boca, acontecia entre o governo estadual e Brasília.

O desentendimento se deu quando o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, propôs um plano de ação integrada que consistia na criação de uma força-tarefa e na desmobilização do PCC, transferindo seus chefes para distantes presídios federais. O primeiro a ser transferido seria Piauí, membro da facção na favela de Paraisópolis, já ocupada.

O secretário de Segurança, Antonio Ferreira Pinto, recusou a ajuda, alegando, irritado, que o Estado não precisava dos presídios nem de tropas federais. “A proposta é risível. É oportunismo barato.”

Ainda bem que o governador Geraldo Alckmin, depois de conversar por telefone com a presidente Dilma, contrariou seu arrogante secretário afirmando: “Aceitamos de bom grado a ajuda.”

E ontem, ao lado do ministro e do secretário, anunciou medidas conjuntas de combate ao crime organizado.

Só não pôde fazer nada contra vozes insensatas como a do ex-governador Alberto Goldman, que reagiu assim: “As UPPs que eles querem trazer para SP são as Unidades de Política Petista.” Uma opinião, esta sim, “risível”.

07 de novembro de 2012
Zuenir Ventura, O Globo

LONGEVIDADE...


Foto divulgada nesta quarta-feira (07), mostra o chinês Wu Conghan, de 101 anos, e sua mulher, de 103 anos, estão casados há 88 anos, mas nunca tiraram uma foto usando roupas de noivos. O desejo acaba de ser realizado na vila de Nanchong, na China



Foto divulgada nesta quarta-feira (07), mostra o chinês Wu Conghan, de 101 anos, e sua mulher, de 103 anos, estão casados há 88 anos, mas nunca tiraram uma foto usando roupas de noivos. O desejo acaba de ser realizado na vila de Nanchong, na China - China Daily/Reuters
 
07 de novembro de 2012

IMAGEM DO DIA

 
Policial é atingido por chamas de uma bomba de gasolina jogada por manifestantes em frente ao parlamento, durante confrontos em Atenas, na Grécia
Policial é atingido por chamas de uma bomba de gasolina jogada por manifestantes em frente ao parlamento, durante confrontos em Atenas, na Grécia - Dimitri Messinis/AP
 
07 de novembro de 2012

CONFERÊNCIA INTERNACIONAL TRAZ O DEBATE SOBRE COMBATE À CORRUPÇÃO AO BRASIL

Nos próximos quatro dias o Brasil sediará a 15ª Conferência Internacional Anticorrupção (IACC). O evento é dedicado ao debate e à troca de experiências referentes ao tema. A IACC, que acontece em Brasília, irá reunir diversos chefes de estado, representantes de governos, sociedade civil, acadêmicos, jornalistas e o setor privado para traçar estratégias comuns para o desenvolvimento de medidas de prevenção e combate à corrupção.
 
Na cerimônia de abertura estão confirmadas as presenças do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Ayres Britto; o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage Sobrinho; a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira; e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso.
 
A IACC ocorre em um país diferente a cada dois anos e conta geralmente com a participação de 1.500 pessoas de mais de 130 países interessadas em discutir temas relacionados à integridade, transparência, boa governança e combate à corrupção, e a estabelecer relações para o intercâmbio de informações, tanto em nível global quanto nacional e local. Na última IACC, realizada em 2010 em Banguecoque, na Tailândia, representantes de 142 países estiveram presentes.
 
A ideia da Conferência surgiu por iniciativa das agências internacionais encarregadas de executar leis anticorrupção. Embora inicialmente centrada nos problemas relacionados à aplicação das leis e no desenvolvimento de estratégias para inibir e investigar a corrupção oficial, a IACC passou a atingir todo o conjunto de interessados no combate à corrupção e à fraude em todo o mundo.
 
A primeira IACC foi realizada em Washington, DC, nos Estados Unidos, em 1983. Em suas últimas edições, a Conferência passou pela África do Sul (Durban, 1999), República Tcheca (Praga, 2001), Coréia do Sul (Seul, 2003), Guatemala (Cidade da Guatemala, 2006), Grécia (Atenas, 2008) e Tailândia (Banguecoque, 2010).
 
Edição brasileira
Segundo a CGU, a Transparência Internacional, organização não-governamental dedicada ao combate à corrupção em todo mundo, convidou o Brasil a sediar a 15ª IACC por reconhecer a importância que o país tem atribuído ao tema da luta anticorrupção e ao protagonismo e liderança que tem exercido nesta área.
Nesse sentido, considerando o significado do evento como reconhecimento das ações desenvolvidas pelo governo brasileiro na prevenção e no combate à corrupção, e após obter o consentimento do Ministério das Relações Exteriores e a aprovação da presidente da República, a Controladoria manifestou total adesão à proposta e assumiu a responsabilidade pelos custos da organização do evento, nos termos consubstanciados no Memorando de Entendimento.
 
A Conferência apresenta inúmeros benefícios ao país sede e à região onde é realizada pela diversidade do público que dela participa, favorecendo a colaboração entre diferentes atores na luta contra a corrupção. “O Brasil poderá divulgar aos países convidados as medidas implementadas na área e os grandes avanços alcançados, fortalecendo seu prestígio e reputação como referência global na promoção da transparência e na prevenção e combate à corrupção”, diz nota da CGU.
 
Organização
Além da CGU, a 15ª IACC é organizada pela AMARRIBO Brasil (representante da TI no Brasil), com o apoio do Instituto Ethos. “Os participantes farão importantes debates sobre boas práticas, compartilharão experiências e traçarão estratégias comuns para o desenvolvimento de práticas de prevenção e combate à corrupção no Brasil e no mundo”, afirma Leo Torresan, presidente da AMARRIBO Brasil. A íntegra da agenda, com os painéis e participantes, está disponível aqui.
 
Sobre a AMARRIBO Brasil
A Amarribo Brasil é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), entidade sem fins lucrativos, que atua em sinergia com a sociedade civil, a administração pública, lideranças políticas e a iniciativa privada, para acompanhar a gestão dos bens públicos, promover a probidade, e combater a corrupção.
A Amarribo Brasil é uma das fundadoras e faz parte do Conselho da Abracci, do Conselho Gestor da 1ª Consocial; participa do Comitê dos Jogos Limpos para a Copa 2014 e as Olimpíadas 2016; é sócio fundador do IFC- Instituto de Fiscalização e Controle com sede em Brasília e do Movimento Mulheres da Verdade com sede em São Paulo.
 
Sobre a CGU
A Controladoria-Geral da União (CGU) é o órgão do governo federal responsável por assistir direta e imediatamente ao Presidente da República quanto aos assuntos que, no âmbito do Poder Executivo, sejam relativos à defesa do patrimônio público e ao incremento da transparência da gestão, por meio das atividades de controle interno, auditoria pública, correição, prevenção e combate à corrupção e ouvidoria.
 
O combate à malversação de recursos públicos, o incremento da transparência, o incentivo ao controle social dos gastos do governo federal e o uso estratégico da informação por parte da Administração são elementos centrais do trabalho da Controladoria.
 
07 de novembro de 2012
Dyelle Menezes
Do Contas Abertas

FUGINDO DO INFERNO

 


O jogo de Marcos Valério que aos olhos da plateia parece nebuloso é claro sob a ótica do Ministério Público: o objetivo dele é conseguir do Supremo Tribunal Federal uma execução diferenciada de suas penas.
Em miúdos, redução dos anos
de prisão em sistema fechado e cumprimento em estabelecimento onde as condições e acomodações sejam próximas do razoável, e a convivência com os companheiros não ponha em risco sua integridade física.
 
Bastou-lhe uma experiência traumática quando foi preso em 2008 por suspeita de denúncias fraudulentas contra fiscais da Receita Federal.
 
Hoje Valério já não se movimenta para escapar da cadeia, para se vingar do PT nem tem intenção de entrar no programa de proteção a testemunhas.
 
Evitar a prisão não tem mais jeito; a revanche pura e simples na forma de acusações sem provas não lhe renderia vantagem objetiva alguma; e, se a prisão fechada por muitos anos em condições sub-humanas é o pior dos mundos, segundo quem conhece o sistema o programa de proteção a testemunhas é o segundo pior dos mundos.
 
A pessoa abdica da própria identidade, é obrigada a viver com parcos recursos e não tem garantida a segurança da família.
 
A única escolha que restaria a Marcos Valério, portanto, seria tentar sobreviver no terceiro pior dos mundos: menos anos de cadeia fechada em algum presídio onde não conviveria com condenados por crimes de sangue, teria horário flexível para visitas, acesso livre aos advogados e outras facilidades.
A questão é como conseguir isso. Nessa altura só há um caminho: entregar ao Ministério Público algo de realmente valioso para ajudar a esclarecer fatos a respeito dos quais a promotoria, a polícia e a Justiça não tenham conhecimento.
 
Embora Valério não seja uma testemunha tida como confiável em decorrência das várias ameaças frustradas de colaborar com as investigações, é visto como depositário de informações relevantes.
Por que essa certeza? Por ser o operador do esquema de arrecadação e distribuição de dinheiro, por já ter demonstrado que é organizado e tem registro de todos os seus negócios e porque o advogado Marcelo Leonardo não iria informar ao relator Joaquim Barbosa que seu cliente estava disposto a falar se não fosse para valer.
 
Seria desmoralizante para o defensor - conhecido inclusive por ser contra o uso da delação premiada - figurar como avalista de tentativa de manipulação da Justiça.
 
Nenhuma das partes (Procuradoria-Geral, advogado, réu e Supremo) revela os detalhes, mas há uma negociação em curso, cujo sentido é o seguinte: o condenado procura revelar o menos, o Ministério Público busca extrair o máximo e dessa conta de chegar é que resulta, ou não, a concessão do benefício pretendido.

O primeiro movimento foi o envio do ofício ao STF dizendo da disposição de colaborar. Valério foi ouvido e, em princípio, o procurador Roberto Gurgel não obteve (ou não quis tornar público) dele nada de útil.

Agora caberá ao réu oferecer algo mais. E por "algo mais" entenda-se prova documental daquilo que diz. A avaliação sobre a eficácia das informações é da promotoria, mas a decisão final é tomada no Supremo.

Em tese Marcos Valério teria tempo até a publicação do acórdão para obter a execução diferenciada das penas. Na prática, porém, há urgência da parte dele, pois o "palco" do julgamento lhe dá a evidência necessária para negociar em melhores condições.

Apagadas as luzes, cairá gradualmente no ostracismo, deixando de ser um personagem para virar um condenado comum. Portanto, tem prazo até a proclamação do resultado para dar à Justiça uma justificativa consistente para considerá-lo merecedor das prerrogativas de colaborador.

Para isso terá de ajudar a elucidar quem mais participou, quanto dinheiro circulou e a que outros propósitos a organização criminosa atendeu, além da compra de apoio parlamentar.

07 de novembro de 2012
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo

INSEGURANÇA PÚBLICA

 

O governo federal parece muito preocupado com a segurança pública no país. Mas se satisfaz em aplacar suas aflições com simples retórica. A atenção no combate ao crime não tem se traduzido em prioridade orçamentária:
os investimentos no setor despencaram no primeiro ano da gestão Dilma Rousseff.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou ontem seu (anuário),relativo ao exercício de 2011. Na comparação com 2010, a queda dos gastos do governo federal com segurança pública foi de 21,26%. Os investimentos da União no setor caíram de R$ 7,3 bilhões para R$ 5,7 bilhões.

São, portanto, R$ 1,6 bilhão a menos, que fazem toda a diferença num país em que a taxa de homicídios está estacionada em torno de 23 por 100 mil habitantes - a despeito da promessa de reduzir o índice à metade, feita, e obviamente não cumprida, pelo governo Lula quando lançou o malfadado Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania).

Mais grave é que o maior corte ocorreu na área de informação e inteligência: foram 58% a menos em 2011, nos mais baixos desembolsos do governo federal para esta finalidade desde 2006. Cabe notar que, dos R$ 5,7 bilhões gastos com segurança pública, somente 0,6% são destinados a esta área, justamente onde estão as melhores armas para se combater o crime, segundo é consenso entre especialistas.

Os números oficiais desmentem a suposta boa vontade da gestão petista em participar do esforço das unidades da Federação para derrotar a criminalidade. Além da União, somente seis estados reduziram suas despesas com segurança no ano passado: só o Rio Grande do Sul, governado pelo também petista Tarso Genro, foi mais avaro, cortando as despesas em mais de 28% entre 2010 e 2011.

A explicação do Ministério da Justiça para o corte faz corar de tão absurda. Segundo a diretora do Departamento de Pesquisas da Secretaria Nacional de Segurança Pública, Isabel Seixas de Figueiredo, é comum os orçamentos serem "repensados" "nos primeiros anos de governo", conforme afirmou (a'O Estado de S.Paulo). Até serviria como justificativa se o PT não estivesse por lá há dez anos...

"Desde a criação do plano nacional de segurança pública, no governo Fernando Henrique Cardoso, houve um consenso de que os governos estaduais não têm condições sozinhos de implementar sua política de segurança. Se a União reduz esse investimento na área, certamente há um impacto negativo", contrapõe o pesquisador Vasco Furtado à (Folha de S.Paulo).

Enquanto alguns estados chegam a comprometer mais de 10% de suas despesas com segurança pública, a União gasta apenas 0,4%, percentual que vem caindo desde 2009. Mais: o gasto per capita do governo federal é de R$ 29,86, para uma média nacional de R$ 267,95, enquanto estados como Minas Gerais chegam a investir R$ 335,27.

O gasto em segurança no Brasil é de má qualidade. Em percentual do PIB, aplicamos mais ou menos o mesmo que Alemanha e Argentina (1,3%), mas obtemos resultados muito piores em termos de redução da criminalidade. Enquanto aqui a taxa de homicídios é de quase 23 por 100 mil habitantes, no país europeu não chega a 1 e no vizinho, a 6.

Os números do Fórum Brasileiro de Segurança Pública vieram a público numa má hora para a gestão petista:
justamente quando o ministro da Justiça de Dilma, José Eduardo Martins Cardozo, tentava empurrar para o governo paulista a responsabilidade por não querer a ajuda federal para combater o crime no estado.

Na realidade, o compromisso de colaborar com os estados foi uma das primeiras medidas anunciadas pelo governo da presidente, mas a propalada "união contra o crime" jamais existiu. Ao mesmo tempo, a União vem descuidando de ações que são de sua exclusiva alçada e que têm impacto direto na insegurança nas cidades:
a vigilância nas fronteiras e o combate ao tráfico de drogas e armas.

O anuário divulgado ontem mostra que São Paulo aparece agora como o estado com a mais baixa taxa de homicídios do país, superando Santa Catarina: são 10,1 por 100 mil. Vale recordar que, com reiterado esforço da gestão tucana no estado, a taxa caiu mais de 70% (era 35,27 por 100 mil em 1999) em pouco mais de dez anos.

Ano a ano, os investimentos em segurança sobem no estado.
É, como se percebe, um quadro bem diverso do que reina no país como um todo.
Não há politicagem rasteira que consiga se contrapor a isso.

Fonte: Instituto Teotônio VilelaInsegurança pública
07 de novembro de 2012

BUFÃO! MAIS UMA FALHA

 

Ao longo de todo o ano de 2012 o governo Dilma garantiu o cumprimento do superávit primário, de 3,1% do PIB. E o caudatário Banco Central, a cada reunião do Copom, reafirmou que a meta seria cumprida. Na undécima hora, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reconheceu, como fez nesta terça-feira, que este será outro compromisso assumido, mas não entregue em 2013.

(Para quem não está familiarizado com o jargão dos economistas, superávit primário é a sobra da arrecadação destinada a resgatar um pedaço da dívida pública.

Na medida em que é indicador de austeridade das contas públicas, a meta do superávit ajuda a derrubar os juros: menos despesas do governo significam menos criação de renda e, portanto, contenção do consumo e inflação mais baixa. O cumprimento do superávit primário ajuda a dar previsibilidade da economia e, nessas condições, concorre para o crescimento econômico.)

As razões apresentadas pelo ministro Mantega para justificar o não cumprimento da meta ou não são convincentes ou criam insegurança. Ele citou três fatores que, de acordo com ele, frustraram o objetivo:
(1) a arrecadação menor do que a esperada;
(2) o aumento das despesas de Estados e prefeituras num ano eleitoral;
(3) as renúncias tributárias pelos estímulos dados à economia (subsídios ao Minha Casa, Minha Vida, queda ou isenção de IPI) ou à desoneração dos encargos trabalhistas.

A arrecadação não caiu. Descontada a inflação, vem crescendo entre 1,5% e 2,0%. O que houve foi o estouro da despesa, para 6% acima da inflação. Ou seja, o governo descuidou das contas públicas. Afora isso, a receita mais fraca do que a projetada é consequência do avanço econômico mais baixo. Em vez dos 4,5% inicialmente apontados, o crescimento do PIB deverá ficar em torno de 1,5%.

Como o superávit primário é medido em tamanho do PIB (os tais 3,1% do PIB), não faz sentido alegar descumprimento pela atividade econômica mais fraca.

O outro fator (eleições) estava previsto há anos. Não é de hoje que se sabe que prefeitos e governadores queimam mais munição em ano eleitoral para colher melhores resultados nas urnas. Portanto, trata-se de obstáculo que também deveria ter sido previsto.

Se não o levou em conta, o governo falhou também aí.

O mesmo se pode dizer da renúncia fiscal e das desonerações. A partir do momento em que decidiu reduzir os impostos e as contribuições das empresas para a Previdência Social, tinha de contar com seu impacto nas contas públicas. Os subsídios habitacionais também eram condição já previamente dada.

Se não levou em conta e se insistiu em que o superávit primário seria cumprido, é porque o governo malogrou também aí.

Dois desses fatores prevalecerão em 2013.
O superávit primário continuará sendo porcentagem do PIB. Embora a redução de impostos possa parar neste ano, a desoneração da folha de pagamentos, iniciada em agosto para 15 setores, deve saltar para 40 em janeiro de 2013. E os subsídios habitacionais seguirão, como previsto.

No mais, repetindo o que ficou dito no Confira da última Coluna, menos mal que o governo reconheça logo que não cumprirá a meta fiscal do que reaja aos malogros com uma situação artificial, de meta cheia ou de meio vazia, feita para depois exibir uma foto de um "no show".

Não é com ele.

Diante do descumprimento da meta fiscal, cabe perguntar:
o que fará o Banco Central, que até agora vinha contando com isso para derrubar os juros? Alexandre Schwartsman, ex-diretor da instituição, entende que "o Banco Central vai fingir que não é com ele. Mesmo se a inflação subir, não vai aumentar os juros".

Celso Ming O Estado de S. Paulo
07 de novembro 2012

ENROLAÇÃO OU INCOMPETÊNCIA!

"MODUS OPERANDI". A ETERNA EXPECTATIVA x REALIDADE - PETEBRAS vai "ARRUMAR A CASA " ATÉ 2014

Durante visita à plataforma Cidade de Anchieta, que começou a produzir no pré-sal do Parque das Baleias, no Espírito Santo, Graça Foster disse ainda que 2012 e 2013 serão para a Petrobras anos "de arrumação da casa" e que o grande desafio da estatal hoje é a curva de produção.

A companhia enfrenta uma queda de produção de seus principais campos produtores que, segundo o diretor de exploração e produção, José Formigli, só vai ser corrigida a partir da entrada de grandes sistemas nos campos de Roncador (P-55 e P-62, com capacidade para 180 mil barris de óleo por dia cada);
Parque das Baleias (P-58, com 180 mil barris por dia de capacidade);
e Papa-Terra (P-61 e P-63, que juntas terão capacidade de 150 mil barris por dia cada).

Essas unidades estão previstas para começar a operar em 2013 mas só devem atingir a capacidade total de produção em 2014, ano em que Graça Foster se sentirá mais confortável.

Formigli antecipou ontem que os campos do pré-sal operados pela Petrobras produziram em outubro 205 mil barris de óleo por dia, o que representou cerca de 10% da produção da companhia. O volume é menor que o pico de produção registrado em setembro, com 223 mil barris de óleo e líquido de gás natural (LGN), mas isso se deve à transferência da plataforma Cidade de São Vicente, que fazia o Teste de Longa Duração (TLD) no campo de Iracema Sul, na bacia de Santos, e que vai ser conectada agora ao campo de Sapinhoá Norte.

Sobre a queda de produção de aproximadamente 200 mil do país desde janeiro, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Formigli disse que a Petrobras não é a única culpada. O diretor de exploração e produção observou que parte dessa queda se deve à parada da produção no campo de Frade, na Bacia de Campos, operado pela Chevron, que estava produzindo em torno de 67 mil barris por dia até ter a produção paralisada depois de dois derramamentos de óleo.

A Petrobras mantém a meta de fechar 2012 produzindo até 2% acima ou abaixo dos 2,022 milhões de barris/dia na média do ano e conta com a chegada da plataforma Cidade de Itajaí, que está em Cingapura, até o fim de dezembro. Ontem, ao mencionar os novos acréscimos de produção, Formigli frisou que ainda faltam mais dois poços produtores conectados à plataforma de Baleia Azul - o que vai aumentar a atual produção de 65 mil barris/dia para 100 mil barris/dia.

O diretor também chamou atenção para a conexão de novos poços ligados a plataformas existentes e também a novas embarcações. Segundo ele, os novos poços vão permitir um retorno aos níveis de produção dos campos na Bacia de Campos que tiveram desempenho reduzido nos últimos anos. Essa piora no desempenho de campos gigantes de Campos já está sendo combatida pelo programa de aumento da eficiência operacional criado pela empresa, que será ampliado.

A Petrobras também vai aumentar a oferta de gás natural para o mercado. No sábado começa a chegar em Cacimbas, no Espírito Santo, cerca de 1,7 milhão de metros cúbicos de gás produzidos na FPSO Cidade de Anchieta. Graça Foster, que dirigiu a área de gás e energia da Petrobras antes de presidir a companhia, chamou a atenção para o fato de o consumo de gás para geração elétrica ter atingido recordes históricos, tanto no Brasil quanto na Petrobras.

Segundo a estatal, ontem de manhã as térmicas do país geraram 8.374 MW de energia, o que consumiu cerca de 40 milhões de metros cúbicos de gás natural. O diretor de Gás e Energia da Petrobras, Alcides Santoro, informou que o consumo do país está em 92 milhões de metros cúbicos de gás por dia, sendo 40 milhões por dia para térmicas, 40 milhões para a indústria e 12 milhões de metros cúbicos/dia para unidades de refino e fertilizantes da própria Petrobras.

Cláudia Schüffner | De Vitória Valor Econômico
07 de novembro de 2012

UMA NOVA FORMA DE ESCRAVIDÃO

                   DÍVIDA. - Endividamento bate novo recorde


Impulsionado pelo aumento do crédito, principalmente o imobiliário, o endividamento do brasileiro bateu novo recorde em agosto. Segundo o Banco Central, a dívida total das famílias com os bancos correspondia, naquele mês, a 44,5% da renda acumulada nos últimos 12 meses, superando os 44% de julho.
Outro indicador, o que mede o comprometimento do salário com o pagamento mensal de dívidas bancárias, também cresceu em agosto, para 22,4%, acima dos 22,1% de julho. É o maior porcentual da série iniciada em 2005, junto com o dado de junho, também de 22,4%.
O BC atribui o aumento nesses indicadores, entre outros motivos, à ampliação do crédito imobiliário, que são dívidas de alto valor, mas com prazo mais longo. Esse é um dos fatores que explicam a diferença entre o endividamento total e a parcela que é usada mensalmente para pagar dívidas. Além disso, a instituição afirma que muitos consumidores estão apenas trocando o pagamento do aluguel pela prestação da casa própria.
Apesar de representar cerca de um quarto das operações de crédito para pessoa física, o crédito habitacional responde por pouco mais de 5% do gasto mensal com dívidas. Já o crédito rotativo, como cheque especial e cartão, representa quase um terço dessas despesas, embora tenha participação menor no crédito.
Na semana passada, o diretor de Assuntos Internacionais e de Regulação do Sistema Financeiro do BC, Luiz Awazu Pereira, disse que o grau de endividamento de famílias, empresas e governo, no Brasil, é muito mais baixo que em países avançados em crise. Ele rebateu também críticas a uma suposta bolha de crédito no País e disse que há hoje uma tendência de estabilização e queda da inadimplência, embora o indicador permaneça no nível recorde de 5,9% desde julho.
Em relação ao comprometimento da renda, dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que o nível brasileiro está acima do verificado em países como EUA e Espanha, que têm patamar mais alto, no entanto, de endividamento das famílias. A explicação para a diferença, mais uma vez, está no crédito imobiliário.
O BC, em relatório de setembro, diz que a gradual substituição do crédito ao consumo pelo financiamento habitacional tende a favorecer a queda do comprometimento de renda para padrões internacionais.
Outro dado destacado pelo BC é que o gasto mensal com prestações é cada vez mais destinado ao abatimento das dívidas.
Em agosto, 14,5% da renda foram destinados à amortização, novo recorde, acima dos 14,3% de julho.
O Estado de São Paulo
07 de novembro de 2012

'O RESTO É O RESTO'

 


Nada mais natural que depois de uma eleição para prefeitos e vereadores, como a de agora ou para governadores, deputados e presidente, como se fará daqui a dois anos, cada um diga o que bem entender sobre o verdadeiro significado do que aconteceu, com os costumeiros cálculos para estabelecer “quem ganhou e quem perdeu”; deveria ser uma tarefa bem simples concluir que ganhou quem teve mais votos e perdeu quem teve menos, mas esse debate é um velho hábito nacional, e não vai mudar. Outra coisa, muito diferente, é acreditar naquilo que se diz.
 
Trata-se de uma liberdade de duas mãos: cada um fala o que quiser e, em compensação, cada um entende o que quiser daquilo que foi falado. Na recém-terminada eleição municipal de 2012, como de costume, não ficou claro, nem vai ficar, quanta atenção o público deveria realmente prestar a toda essa conversa que está ouvindo agora.
É certo, desde já, que está ouvindo coisas que não fazem nenhum sentido — e, por isso mesmo, provavelmente não perderia nada se prestasse o mínimo de atenção a elas.
 
A fórmula é sempre a mesma. Cientistas políticos pescados em alguma universidade ou instituto superior disso ou daquilo, aparecem de repente nos meios de comunicação para explicar, depois de encerrada a batalha, como, por que e por quem ela foi ganha ou perdida. É uma estranha ciência, essa, que, em vez de lidar com fatos comprovados, lida com opiniões.
Na anatomia, por exemplo, está dito que o homem tem dois pulmões: não pode haver outra “opinião” quanto a isso. Na ciência política pode. Juntam-se a esses cientistas os políticos propriamente ditos, os comentaristas da imprensa e mais uma porção de gente, e de tudo o que dizem resulta uma salada que a mídia serve ao público como se estivesse transmitindo ao vivo o Sermão da Montanha.
 
Uma demonstração clara desse tumulto mental é a conclusão, por parte de muitas cabeças coroadas do mundo político, de que a vitória pessoal do ex-presidente Lula na eleição de São Paulo, onde levou para a prefeitura uma nulidade eleitoral que ninguém conhecia três meses atrás, apagou as condenações que seu partido e seu governo receberam no julgamento do mensalão.
 
Está na cara que o resultado não apagou nem acendeu nada, pois eleição não é feita para separar o certo do errado, nem para decidir se houve ou não houve um crime ─ serve, unicamente, para escolher quem vai governar. Dizer o que está certo ou errado é tarefa exclusiva da Justiça; no caso, o STF já decidiu que foi cometida no governo Lula uma catarata de crimes, sobretudo de corrupção.
 
Não há, simplesmente, como mudar isso. A Justiça pode funcionar muito mal no Brasil, mas é o único meio que se conhece para resolver quem tem razão ─ assim como eleição é o único meio que se conhece para escolher governos.
 
Não foi o “povo brasileiro”, além disso, quem “absolveu” o PT─ ou concorda quando o partido diz que seus chefes são “prisioneiros políticos” condenados por um “tribunal de exceção”, e não por corromperem e serem corrompidos. É curioso, aliás, como os políticos deste país ficam à vontade para falar em “povo brasileiro”. O PT ganhou esta última eleição em 10% dos municípios.
 
E os eleitores dos outros 90%, com 80% do eleitorado, que povo seriam? Esquimós? É dado como um fato científico, também, que Lula foi o maior ganhador da eleição, por causa do resultado em São Paulo. Por que isso? Porque ele próprio, o PT e outros tantos vinham dizendo, desde o começo, que só o município de São Paulo, com pouco mais de 5% dos eleitores brasileiros, importava; o resto era apenas o resto.
 
De tanto repetirem isso, virou verdade. Mas é falso: não dá para dizer que não houve eleição em Salvador ou Fortaleza, no Recife, em Belo Horizonte e Porto Alegre, onde o PT apresentou candidatos com pleno apoio de Lula e da presidente Dilma Rousseff, e perdeu em todas ─ nas três últimas, inclusive, não sobreviveu nem ao primeiro turno. No mapa mental de Lula é como se nenhuma dessas cidades estivesse em território brasileiro; o Brasil, em sua geografia, começa e acaba em São Paulo. Cinco das principais capitais brasileiras, por esse modo de medir as coisas, são tratadas como se ficassem em Marte.
 
O que Lula e seu partido fizeram foi construir a ideia de que São Paulo, sozinha, vale mais que todo o restante do Brasil somado ─ e nisso, realmente, tiveram sucesso, pois nove entre dez “profissionais” da política dizem mais ou menos a mesma coisa.
Assim é, se lhes parece. Mas o público não tem a menor obrigação de acreditar no que estão dizendo.

07 de novembro de 2012
J.R.Guzzo - VEJA