"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 30 de julho de 2012

UM MAU EXEMPLO. ESSA MODA PEGA.



(Comentário aqui publicado em 2.8.2005)

Cuidadoso na escolha das palavras, o deputado Osmar Serráglio (PMDB-PR), relator da CPI dos Correios, taxou de "indiligente" o comportamento da ex-mulher do deputado José Dirceu (PT-SP) que vendeu um apartamento em São Paulo a um sócio de Marcos Valério, e por Valério foi empregada em um banco.

Indiligente quer dizer descuidado, desleixado, negligente, segundo o Dicionário Houaiss.

Creio que os adjetivos se aplicam melhor a Dirceu do que à mulher dele, Ângela. Em nota oficial, ela disse que procurou Dirceu no início de 2003 pedindo ajuda para trocar o apartamento onde morava por outro maior. Ministro que recém-assumira a Casa Civil, Dirceu disse que nada podia fazer.

A ex-mulher foi então apresentada a Valério por Sílvio Pereira, secretário-geral do PT. E Valério, interessado em fazer negócios com o governo e o PT, de pronto se ofereceu para ajudá-la. Arranjou-lhe um emprego na agência paulista de um banco mineiro. E escalou um sócio para comprar o apartamento dela.

Até quem acredita em fadas, duendes, sacis, almas penadas e mula sem cabeça terá dificuldade em acreditar que Dirceu só soube ontem pelos jornais da ação de Valério em favor da ex-mulher. Na melhor das hipóteses, é claro que soube na época. E que aprovou a ação de Valério. Deve ter ficado agradecido a ele.

Na verdade, Dirceu foi indiligente, desleixado e negligente. E foi também irresponsável e suicida. Jamais poderia ter aceito o favor prestado à ex-mulher por um empresário que tinha contratos com o governo e que desejava ganhar outros. No auge do seu poder, deve ter-se imaginado inatingível.

Àquela altura, quem ousaria desafiar o primeiro-ministro de fato de um governo cujo titular havia sido eleito com o maior percentual de votos da história do país? De resto, nada de ilegal acontecera. Nenhum crime fôra praticado. Quanto ao aspecto moral do negócio... Bem, moral é um conceito flexível.

O ex-chefe de Dirceu deve pensar da mesma forma. Não viu nada demais, por exemplo, em o PT comprar por R$ 10 milhões o apoio do PL à candidatura dele à presidência da República. E em uma concessionária de serviço público dar praticamente de "presente" uma empresa a um dos seus filhos, Fábio.

Também não viu nada demais em o filho, acompanhado de amigos, voar de férias em um avião da FAB. E passear no lago Paranoá, em Brasília, a bordo de uma lancha oficial. Afinal, o próprio Lula não morou de graça durante tantos anos no apartamento de um compadre em São Bernardo do Campo?

E não está empenhado, desde o ano passado, em favorecer o compadre em um negócio que tem a ver com hangares em aeroportos da falida Transbrasil? Se o presidente não vê o que não quer, e vê com bons olhos o que não deveria sequer admitir, por que seus auxiliares não podem proceder da mesma forma?

Foi por abdicar da maioria das idéias que defendeu ao longo da vida que a dupla Lula-Dirceu chegou ao poder. Foi por se render a costumes que tanto condenou no passado que Dirceu começa a subir ao patíbulo onde terá seu mandato cassado. Por ora, Lula a tudo assiste como quem se imagina inatingível.

30 de julho de 2012
in blog do noblat

Nenhum comentário:

Postar um comentário