"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A CRISE EMBUTIDA NUM INDULTO A MENSALEIROS

Vencida parte do julgamento do mensalão, não é mesmo exagero afirmar que o Supremo Tribunal Federal tem feito História. Poucas vezes, em mais de 120 anos de República, houve um caso judicial com tantos e tão poderosos interesses políticos em jogo.
Há a referência recente do ex-presidente da República Fernando Collor, julgado por corrupção pelo STF e inocentado. Mas ele já havia sido destituído do cargo, num - também memorável - processo de impeachment aprovado no Congresso.
No mensalão, sentam-se no banco dos réus políticos de partidos no poder, alguns com mandatos no Congresso:
João Paulo Cunha (PT-SP),
Valdemar Costa Neto (PR-SP)
e Pedro Henry (PP-MT), já com algumas condenações no julgamento.
Há, ainda, no "núcleo político" da "organização criminosa", duas estrelas graduadas do PT - José Dirceu e José Genoíno - e o tesoureiro do partido durante a operação de desvio de dinheiro público para o valerioduto, já comprovado pelo STF, Delúbio Soares.
O julgamento, portanto, envolve a espinha dorsal do poder político, a ponto de estimular o ex-presidente Lula a cometer a temeridade de, numa conversa indevida com o ministro do STF Gilmar Mendes, tentar convencê-lo a propor a postergação do julgamento para depois das eleições.
Mendes se sentiu pressionado e até chantageado, denunciou a operação e o início do julgamento se tornou irreversível. Não fazia mesmo sentido adiá-lo.
Mas não parecem cessar articulações para ajudar réus mensaleiros. A mais recente, detectada pelo Ministério Público, envolveria um indulto, prerrogativa do presidente da República, a mensaleiros que sejam obrigados a cumprir pena em reclusão.
Este perdão é concedido na época de Natal e segue requisitos estabelecidos em decreto pelo presidente da República - pena mínima, tempo de prisão, bom comportamento, por exemplo. Nada impediria o Planalto de calibrar o decreto deste ano para libertar mensaleiros condenados.
Agem como aprendizes de feiticeiros aqueles que porventura engendram a manobra, pois colocarão o Executivo em rota de colisão com o Judiciário. Será uma ingerência indevida do Executivo na Justiça.
Na prática, num golpe de esperteza, o Planalto terá revisto veredictos de juízes da mais alta Corte do país. Há cheiro de crise institucional no ardil.
Promotores e procuradores já alertaram o Ministério da Justiça.
Como cabe a ele enviar os decretos anuais de indulto à Casa Civil, deve o ministério, como pedido pelo MP, excluir do perdão os condenados por corrupção,
lavagem de dinheiro
e delitos contra o sistema financeiro,
os crimes enquadrados no processo do mensalão.
A reivindicação é sensata e precisa ser aceita pelo Executivo.
O Globo
26 de setembro de 2012

Nenhum comentário:

Postar um comentário