"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

ANOTAÇÕES DO JORNALISTA CARLOS CHAGAS

Antes tarde do que nunca

Denúncia profunda acaba de ser publicada em artigo, na Folha de S. Paulo, contra “a avalanche do pensamento único, cujo codinome é neoliberalismo, apoiado por Estados corrompidos pelo sistema financeiro internacional”. Idéia-base calcada em Marx? Lênin? Luiz Carlos Prestes ou Leonel Brizola?

Nada feito. O autor é o professor Delfim Netto, na sua colaboração semanal. Fica desmentida a falácia de que todo mundo é esquerdista na juventude e acaba como adepto do mercado, na velhice. O vetusto mestre, entrado nos oitenta anos, vem demonstrar o oposto. Depois de chefiar a política econômica e a própria economia nacional por duas décadas, com essa simples frase Delfim rende-se à evidência do breve desaparecimento desse pernicioso modelo que por tanto tempo assolou o planeta. Felizmente, agora em vias de escoar pelo ralo.

A crise econômica na Europa não deixa outra alternativa. Os corruptos chegaram ao limite da prática de sustentar o aumento de impostos, a redução de salários, os cortes nos programas sociais e o incentivo ao desemprego como forma de as nações saírem da crise. Quem rasga a cartilha do sistema financeiro internacional é um de seus antigos leitores. Não estamos perdidos, muito pelo contrário…

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A LÓGICA LUSITANA

Faz tempo que deixaram de circular entre nós as célebres “piadas de português”, que denegriam nossos avozinhos. Em vez delas ouve-se até hoje, nos dois lados do Atlântico, histórias que só fazem justiça à lógica, ao tirocínio e ao valor do povo lusitano, nem tanto quanto o nosso. De vez em quando, porém, assistem-se bissextas recaídas daquela moda ultrapassada.

Não apenas quem tem voltado de Lisboa, mas quantos aqui acessam essa imensidão de canais a cabo de televisão, estranham que em todos os programas portugueses, dos jornalísticos aos de auditório, os de humor e os de esporte, sem exceção, vê-se num dos cantos das telinhas o refrão “Não Há Crise”. Trata-se de um incentivo ao ânimo da população, mas não dá para esconder ser a crise palpável, em Portugal. Como coisa parecida o governo brasileiro adotou nos anos bicudos da ditadura, com o abominável “Brasil, Ame-o ou Deixe-o”, é melhor calar…

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FILHA ENJEITADA

Até hoje é assim, mas quando do advento da Nova República era pior. Ninguém queria a Funai. Refugavam todos os futuros ministros do presidente Tancredo Neves. Já convidado para o ministério do Interior, num despacho com o presidente eleito, Ronaldo Costa Couto sugeriu descartar-se da Funai, opinando que ela fosse deslocada para o novo ministério da Cultura. Afinal, índios e antropólogos seriam bem acolhidos por José Aparecido de Oliveira.

Tancredo não vacilou um minuto, recusando a proposta com uma observação: “Se eu fizer isso, no dia seguinte o Aparecido estará promovendo um desfile de índios brasileiros pelo Champs-Elissés…

Outra envolvendo a Funai e Tancredo aconteceu quando, às vésperas da posse que não houve, um senador pelo Rio Grande do Sul sugeriu ao presidente eleito um nome para a entidade. Ficando de estudar, como sempre fazia, ao despedir-se Tancredo indagou do senador: “O que você tem contra esse seu indicado?”

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NOME MAL ESCOLHIDO

Houve tempo em que sempre que um governo não queria resolver determinado problema, criava para enfrentá-lo uma “força-tarefa”. Era um bate-cabeça e uma confusão de ministros, funcionários, acadêmicos e diletantes reunidos semanas a fio. Nenhum resultado prático surgia, mas as reuniões geravam notícias, até manchetes, como se estivesse sendo resolvida a grave questão, logo esquecida.

Precisa cuidar-se a presidente Dilma, ao menos com a denominação de “força-tarefa”, escolhida para designar o grupo de seis ministros e montes de altos funcionários com a missão de remediar os efeitos das chuvas que assolam o país. Eles tem todas as chances de não resolver nada, por conta da superposição de tarefas entre vários ministérios, sem falar no ego de cada um. Melhor faria a presidente se definisse apenas um encarregado, ou uma encarregada para o trabalho. O risco é de não haver nem força nem tarefa.

12 de janeiro de 2012
Carlos Chagas

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