"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 22 de dezembro de 2012

RUMOROSOS CONCURSOS NO RIO E NA BAHIA

 

Em dezembro de 1933, a Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro, viveu dias em que mestres e estudantes tiveram as atenções voltadas para o concurso da docência livre de Direito Penal.

O líder dos estudantes era Carlos Lacerda. A comissão examinadora era composta pelos professores Galdino Siqueira, na qualidade de presidente, Lemos Brito, Castro Rebelo, Luiz Cárpenter e Gomes Carneiro. Os concorrentes: o juiz de Direito Nélson Hungria Hoffbauer e o Promotor Público Roberto Lyra Tavares, o primeiro, nascido em Minas Gerais. O segundo, natural da Paraíba.

Hungria concorreu com a tese, que se tornaria famosa, sob o título “Fraude Penal” e Lyra apresentou o trabalho monográfico intitulado “Economia e Crime”.


Nelson Hungria: nota 6,3…

A prova didática constou de duas dissertações orais sobre pontos sorteados com vinte e quatro horas de antecedência. A prova escrita, conquanto feita em primeiro lugar, foi a última a ser lida. Teve o ponto sorteado na hora.

No cômputo final da tomada das notas, Roberto Lyra obteve o grau sete e meio. De seu lado, Nélson Hungria alcançou apenas grau seis e três décimos.
O parecer da comissão examinadora foi no sentido de que ambos fossem nomeados docentes livres de Direito Penal.

A média final obtida por Nélson Hungria, inferior à conquistada por Roberto Lyra, não o impediu de, com o decurso do tempo, ser galardoado com o reconhecimento geral da comunidade jurídica de o maior penalista brasileiro de todos os tempos!

Registre-se que um dos examinadores — o prof. Gomes Carneiro — por ocasião do parecer da comissão favorável a que ambos fossem nomeados, fez questão de esclarecer: “Tendo julgado deficientes todas as provas de ambos os candidatos dei-lhes notas que os inabilitavam; por lastimável inadvertência minha, porém, não constou da ata do julgamento final a explicação do meu voto com as suas conseqüências lógicas”.

Nos dias atuais, às vezes nos deparamos com pessoas despreparadas integrando comissão examinadora de concursos importantes. Ninguém deve surpreender-se com figuras sabidamente menores portadoras de majestoso currículo composto de títulos de favor. É que as “panelinhas” nunca falham!

Nélson Hungria e Roberto Lyra, embora tenham disputado concurso, nunca deixaram de se estimarem e se admirarem.

Pois é. Poucos sabiam já ter havido banca examinadora que atribuísse a Nélson Hungria a pífia avaliação de seis e três décimos. Não faltou quem inabilitasse tanto Hungria quanto Roberto Lyra ao exercício da carreira docente!
Está visto que o tempo é realmente senhor da razão!

CÁTEDRA DE FILOSOFIA

Prélio intelectual que as velhas gerações sempre recordam na terra de Rui Barbosa foi o concurso para o preenchimento da cátedra de Filosofia do Direito.
Não porque os disputantes se equivalessem em preparo intelectual, mas pelo fato de que só um dos pleiteantes era bem visto pelo prof. Orlando Gomes, numa fase em que este, no ápice de prestígio no meio acadêmico, exercia a diretoria da faculdade em que ia ser preenchido o cargo docente.

Um dos examinadores convidado foi o mais consagrado mestre brasileiro da disciplina, prof. Miguel Reale. O candidato da preferência de Orlando Gomes era o prof. Jenner Barreto Bastos, homem discreto e educado, que alcançamos, como estudante, no magistério de Direito Romano, na qualidade de eventual substituto do prof. Adalício Nogueira, quando este se ausentara da capital baiana para fixar residência, em Brasília, para o exercício do cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal.

Embora o apoio de Orlando Gomes significasse meio caminho andado na conquista da láurea acadêmica, o vitorioso foi o prof. Auto José de Castro, que não desfrutava da simpatia do sumo civilista, diretor da faculdade. Muitos anos depois, quando cursamos o 5º ano, aluno de Auto de Castro, figura deveras genial, este ainda evidenciava mágoas, ao fazer referências aos óbices que precisara transpor na batalha pela conquista da cadeira. Chegava ao extremo de desmerecer o contendor no plano intelectual.

Quantos assistiram ao desenrolar das sustentações orais do memorável certame, centrado em discussão filosófica, guardaram na memória a superioridade intelectual de Auto de Castro. Do mesmo modo, jamais esqueceram o emocionante debate travado entre Miguel Reale e Auto de Castro, ambos entrincheirados em forte arsenal dialético.

Eram dois bicudos que não se beijavam por motivos político-ideológicos. Ainda estudante, nas incursões que empreendíamos à biblioteca da faculdade, tomamos ciência dos acontecimentos marcantes da história daquela instituição de ensino jurídico.
Tivemos oportunidade de ler o discurso de posse do prof. Auto José de Castro, pronunciado perante a congregação, repleto de ironias e irreverências assestadas contra antigos mestres.

22 de dezembro de 2012
Hugo Gomes de Almeida

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