"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

SÃO FRANCISCO PODE SER EXTINTO, DIZ BIÓLOGO

Pesquisador de equipe que monitora as águas do rio e obras da transposição afirma que processo é 'inexorável'. Segundo José Alves Siqueira, programas de recuperação de áreas degradadas não estão sendo implementados
 

Após quatro anos de monitoramento do rio e das obras de transposição de parte das águas do São Francisco, o biólogo José Alves Siqueira, 41, e outros 99 pesquisadores alertam: o rio está em processo de "extinção inexorável".

O professor integra a equipe da Univasf (Universidade Federal do Vale do São Francisco), em Petrolina (PE), contratada pelo governo federal para fazer o inventário da flora e da fauna ao longo de todo o trecho da obra.

O resultado encontrado no rio e nos 469 quilômetros de canais está no livro "Floras das Caatingas do Rio São Francisco: História Natural e Conservação" (Andrea Jackobsson Estúdio). Leia os principais trechos da entrevista.
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Folha - O título do primeiro capítulo do livro assusta: "A extinção inexorável do rio São Francisco". Como vocês identificaram esse processo e por que o consideram inexorável?
José Alves Siqueira - Eu fiz uma pesquisa minuciosa sobre todos os problemas históricos que ocorreram no São Francisco desde o seu descobrimento. A gente teve um dos rios mais piscosos do país. Com as barragens [Três Marias, Sobradinho, Paulo Afonso e Xingó], a gente perdeu todos aqueles peixes que sobem as corredeiras para se reproduzir. O São Francisco é o rio mais barrado do Brasil.


Se as coisas continuarem do jeito que estão, quanto tempo o São Francisco ainda tem?
A gente não tem como fazer um cálculo preciso. O processo está em curso, o rio está sofrendo profundamente com o desmatamento de suas matas ciliares.


Qual a participação da transposição neste processo?
Existe um passivo ambiental da obra, em torno de R$ 20 milhões, R$ 25 milhões. Esse recurso deve ser usado para implementar unidades de conservação. Podemos transformar o problema da transposição numa oportunidade.


Na prática, como a obra da transposição está colaborando com o processo?
Ainda não temos as respostas claras. A gente encontrou 62 espécies exóticas invasoras, que não são da flora brasileira, já nas áreas do canal. Quando ela [a invasora] chega, ocupa espaço de espécies nativas e provoca destruição das outras.


O senhor é favorável à obra?
A gente não está discutindo se é a favor ou contra porque a obra já está em curso. Hoje o nosso papel é tentar mitigar os impactos. Os impactos existem. [Mas] o que a gente pode fazer para tornar isso razoavelmente viável?


O senhor fala que ainda tem muito a se avançar nesse processo de mitigação dos impactos. Como?
Algo para ser feito em caráter emergencial [é] a implementação dos programas de recuperação de áreas degradadas. As grandes empreiteiras têm obrigação de implementar esses planos de recuperação. Isso não está acontecendo. Quando oferecem a possibilidade de fazer, fazem com espécies exóticas invasoras. A gente tem um conjunto de oportunidades que não pode perder vista. Não teremos uma segunda oportunidade. Não há nada de sensacionalista nisso. Não é uma crítica gratuita.


Qual o papel dessa estiagem prolongada no Nordeste neste processo de extinção do rio?
É mais um agravante porque a demanda por água aumenta. Os bancos de areia no São Francisco estão cada vez maiores. A gente está vivendo um processo de aquecimento global e a caatinga é o lugar do Brasil mais suscetível a essas mudanças climáticas.


26 de dezembro de 2012
DANIEL CARVALHO - FOLHA DE SÃO PAULO

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