"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 15 de dezembro de 2012

"TUDO AO AVESSO"

 
Que aconteceria se um belo dia, de passagem por São Paulo, o dr. Aldemir Bensine, presidente do Banco do Brasil, recebesse um grupo de voluntários empenhados em alguma causa com méritos indiscutíveis – uma entidade que luta contra o câncer infantil, por exemplo – e ouvisse deles o seguinte pedido:
O banco poderia nos ceder por caridade um conjunto de salas no 17º. andar no prédio que tem na esquina da Avenida Paulista com Rua Augusta? Precisamos com urgência de espaço nessa área da cidade, e, se a gente pudesse economizar com o pagamento do aluguel, sobraria mais dinheiro para salvar a vida de nossas crianças.
“Não pode”, diria na hora o dr. Bendine.
“Isso aqui é uma empresa do estado brasileiro. Sabem quanto está valendo o aluguel de um imóvel por aqui? Não se acha nada por menos de 120 reais o metro quadrado. Não dá para ceder de graça uma área assim”.
O presidente do BB poderia acrescentar um outro argumento: mesmo que concordasse com o pedido, a Advocacia-Geral da União, que tem por obrigação defender o patrimônio público, jamais aprovaria um coisa dessas. Fim da conversa.
E se o mesmo pedido fosse feito pelo presidente da República, interessado em instalar nesse 17º. andar uma espécie de sucursal paulista de seu gabinete no Palácio do Planalto?
O local, como ficou comprovado há pouco, servia como escritório particular de uma quadrilha de delinquentes, segundo a definição da Polícia Federal, do Ministério Público e do próprio ministro da Justiça.
O dr. Bendine, diga-se logo, não tem nada a ver com isso, nem era presidente do banco do Brasil na ocasião em que o espaço foi entregue a uma amiga pessoal do ex-presidente Lula e seus associados, que no momento se preparam para responder a uma ação penal por diversas modalidades de ladroagem.
Sorte dele. Seu antecessor, que recebeu a ordem de “disponibilizar” a área, disse “sim , senhor”.
E o que poderia ter feito de diferente?
Se tivesse, como no caso dos bons samaritanos imaginado acima, a mesma valentia para defender o interesse estatal, seria posto na rua antes de encerrar o expediente do dia.
Ou seja, dez anos de convívio com a moral que Lula e o PT trouxeram para o governo ensinam que o patrimônio público é uma coisa muito relativa no Brasil de hoje.
Não pode ser usado em benefício próprio por uns, mas pode ser por outros – e quem não souber a diferença vai ter uma carreira muito curta nesse governo dedicado à causa popular.
Eis aí o que Lula, a presidente Dilma Rousseff e o PT criaram de realmente original com sua conduta à frente do governo – um país ao avesso, onde o triângulo não tem três lados, mas quantos lados eles acharem que lhes convém.
É um mundo onde não existem fatos: só é verdade aquilo que o governo diz que é verdade.
No caso da amiga de Lula e dos escroques associados a ela, o ministro da Justiça admitiu no Congresso que havia, sim, uma “quadrilha”, mas decretou que sua existência nos galhos mais altos do governo não tem a menor importância, pois não há prova. de que Lula tenha sido beneficiado pela gangue.
Sua única participação no caso foi ter nomeado a diretora do tal gabinete.
“Só” isso?
Sim, só isso; qual o problema?
Além do mais, segundo o ministro, os envolvidos no bando tinham um “papel secundário” na administração pública.
Como assim?
A chefe do escritório paulista acompanhou Lula em trinta viagens internacionais. Os funcionários “menores” mandavam em agências-chave na máquina federal; um outro era nada menos do que o braço-direito responsável pela Advocacia-Geral da União, onde se dedicava a advogar contra os interesses da União.
Seu chefe declarou-se “magoado” com ele e a presidente Dilma decidiu que essa declaração era uma esplêndida solução para o contratempo todo.
O secretário-geral da Presidência, enfim, completou a verdade petista dizendo que só “um ou outro” gangster faz, de vez em quando, alguma coisinha errada no governo.
Deve-se ao sr. Secretário, também, a melhor definição do pensamento oficial diante da corrupção no Brasil de 2012: seja lá o que acontecer. Nada tem importância, porque “Lula é endeusado por onde passa”.
Eis aí uma teoria realmente revolucionária para o direito penal moderno:
“Estão previamente absolvidos de qualquer acusação, por mais que baseada em fatos, todos os cidadãos que tiverem índice de popularidade superiores a X%”.
O resultado prático de tudo isso só pode ser um: a bandalheira vai continuar a toda, e promete ocupar um espaço cada vez maior na biografia de Lula e de todos os que sobrevivem à sua custa.
15 de dezembro de 2012
J.R. Guzzo, Veja
 

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