"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

COMO SE MATAM OS POETAS


A justiça chilena determinou a exumação dos restos mortais do cidadão Neftaly Ricardo Reyes, o poeta Pablo Neruda. Suspeita-se que Neruda tenha sido envenenado pelos esbirros de Pinochet, dias depois da morte de Allende, no golpe de 11 de setembro de 1973 – há quase 40 anos. Neruda, que se preparava para asilar-se no México – em uma concessão dos golpistas, sob pressão internacional – foi internado em uma clínica, com uma crise prostática. Ali, segundo denúncia de seu motorista, recebeu a falsa medicação que o matou.

Os poetas – e poucos que redigem poemas conseguem ser realmente poetas – pertencem a outra espécie de seres humanos. Encontram-se na vanguarda das emoções e dos sentimentos. Isso leva a maioria deles a desfazer-se dos escolhos das circunstâncias e exilar-se em geografia e tempo alheios, mas sem perder a bússola da realidade, sem perder sua paisagem e sem perder o seu povo.

O Chile teve dois prêmios Nobel de Literatura. O primeiro foi outorgado, em 1945, a Lucila de Maria del Perpétuo Socorro Godoy Alcayaga, que usou o nome de Gabriela Mistral. Pablo e Gabriela foram amigos. Quando Gabriela fez 15 anos, em 1904, Neruda nasceu. Gabriela, com seu nome literário, homenageou dois grandes poetas de seu tempo, o italiano Gabriele d’Annunzio e o francês da Provença, Fréderic Mistral.

HOMENAGEM
Pablo Neruda, com seu pseudônimo, prestou homenagem ao grande poeta tcheco do século 19, Jan Neruda – que denomina à mais bela das ruas de Praga e uma das mais bonitas do mundo, a que saí de Mala Strana e sobe ao castelo de Hradcany. Os quatro, ícones e discípulos, tiveram a marcá-los o sentimento nacionalista.

Matar poetas tem sido o grande prazer dos fascistas contemporâneos e dos tiranos de todos os tempos. O assassinato de Federico Garcia Lorca é conhecido. O autor de Romancero Gitano, traído, por medo, pelo amigo que o escondera, foi fuzilado nos primeiros dias da insurreição de Franco, por ordem do general Queipo de Llano.

Neruda – que foi um dos melhores amigos do povo brasileiro – pretendia, do exílio, lutar contra Pinochet. É o que parece ter ocorrido contra Pablo Neruda. Matar de forma dissimulada é uma prática também dos serviços norte-americanos, como a CIA reconhece.

Há várias formas de matar os poetas. O fascismo, sendo o avesso do humanismo, é o assassinato permanente da poesia – e dos poetas. O franquismo, além de fuzilar Lorca, matou de tifo e tuberculose, na prisão, Miguel Hernández, aos 31 anos; e alguns outros, como Antonio Machado, de tristeza, solidão e angústia, no exílio.

Mesmo que não houvesse sido envenenado, Neruda morreu com o golpe. Morreu com os escolhidos no Estádio Nacional de Santiago, e chacinados por ordem do usurpador. Morreu com sua gente.

(do Blog do Santayana)

18 de fevereiro de 2013
Mauro Santayana

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