"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 14 de julho de 2013

DILMA, "O POSTE EM CURTO-CIRCUITO"

A crise da presidente Dilma Rousseff expõe os limites da teoria do poste. Não foi o ex-presidente Lula quem inventou o poste.
Se a memória não falha, já nos idos de 1974, nas eleições para o Senado que determinaram o início da decadência da ditadura, colou-se o apelido de “postes” aos eleitos nos embalos da súbita e surpreendente onda oportunista.
 
O que Lula fez foi exacerbar a teoria e reivindicar sua aplicação como mágica pessoal.
Nenhum poste gosta de ser chamado de poste, e a cortesia manda que os fazedores não os chamem pelo desprestigioso apelido. No entanto, na euforia da vitória do prefeito Fernando Haddad em São Paulo, o ex-presidente disse que “de poste em poste” o Brasil se iluminaria.
No caso da presente crise da presidente – porque a crise que começou nas ruas evoluiu, sim, para uma crise da presidente -, os efeitos perversos da eleição de um poste revelaram-se nas seguintes evidências:
1.     O governo está sem rumo. Não é de hoje que a condução errática da economia, a demora em atacar os gargalos na infraestrutura, a nomeação e desnomeação de ministros e a dubiedade no combate à corrupção traem inexperiência que resulta em insegurança e indecisão. Nas duas últimas semanas, tais sintomas viraram febre com as sucessivas trapalhadas da Constituinte exclusiva e do plebiscito. A desconhecida Dilma foi-nos apresentada como “gerentona”. Hoje é a gerente que não gerencia uma equipe balofa e incoerente. A dureza na cobrança e a minudência no acompanhamento do trabalho dos auxiliares eram exaltadas como qualidade. Revelaram-se como defeitos. O reflexo condicionado é encobrir insuficiências pondo a culpa na “articulação política”. A “articulação”  e sua irmã gêmea, a “comunicação, são dois gastos bodes expiatórios. Não há articulação nem comunicação que funcionem se a outra ponta não funciona. A outra ponta é o gabinete presidencial.
2.     Desaba o respeito ao governo. As vaias são o de menos. Pior é o misto de cinismo e traição que rodeia a presidente. A chamada “base aliada” esfacelou-se. Ao vácuo de liderança sucede-se a balbúrdia no Congresso. Com a esperteza de sempre, deputados investem contra o chamado “foro privilegiado” como se fosse medida moralizadora, quando o mensalão provou que o suposto privilégio na verdade lhes rouba o recurso às diversas instâncias e às infinitas chicanas do processo ordinário. Pior para o governo é a ameaça de se votar o tal “orçamento impositivo”, instituindo o escândalo da liberação obrigatória das já de si escandalosas emendas parlamentares. O desrespeito à presidente propicia a abertura de caça ao erário.
 
3.     O poste foi feito refém. Outros postes, na política brasileira, tiveram melhor sorte. A este não se permite se desligar do criador. Dilma já se entregou ao obrigatório ritual de encontrar-se com Lula duas vezes desde o início dos protestos. A relação ameaça assumir caráter patológico, se é que já não assumiu. O ex-presidente não sossega de impor-se como patrono, mestre, guia e protetor. A sucessora se rende à sorte de patrocinada, discípula, guiada e protegida. É quase uma versão da “síndrome de Estocolmo”, pela qual o seqüestrado acaba cativado pelo sequestrador. “Cativado” quer dizer enamorado, mas também prisioneiro. Tem-se uma presidente obrigada à reverência a uma instância superior. O resultado é a perda de reverência que deveria inspirar
 
14 de julho de 2013
Roberto Pompeu de Toledo, Veja
 
NOTA AO PÉ DO TEXTO
 
Essa história de poste nunca me cheirou bem... Quando não serve para provocar acidentes, com trombadas de veículos os mais variados, de caminhão aos antigos fuscas, muitas vezes ficam apagados anos e anos. Quando alguém consegue - pela graça de algum interessado - providenciar a sua luz, é uma festa tão grande, que é comum ver-se um ajuntamento de gente a sua volta.
Todo mundo quer aproveitar um pouco daquela luz amarelada que não ilumina nada, mas atrai muita mariposa noturna, bruxas e os mais variados cascudos...
Como disse inicialmente, história de poste nunca me cheirou bem... Vai que algum vira-latas se aproxima nos momentos de solidão do poste e resolve batizá-lo. E vira-latas é o que não falta e estão, geralmente, muito próximos do poste. Parece até uma vocação.
Bem, eu não gostaria de ser um poste e correr, ainda por cima, o risco de um curto-circuito.
m.americo

Nenhum comentário:

Postar um comentário