"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 15 de outubro de 2011

ESQUERDA x DIREITA (PARTE 10)

A Globalização

Conceitualmente, a Globalização é um processo de integração econômica, cultural e política impulsionado pela necessidade de expansão dos mercados consumidores. Ou seja, embora o termo “globalização” tenha se popularizado a partir dos anos 90, tal fenômeno acompanha a evolução da humanidade, sendo intensificado em momentos importantes da história como na época das grandes navegações, no pós-guerra e no pós-comunismo.

Apesar das “teorias conspiratórias”, trata-se de um fenômeno espontâneo, decorrente da evolução da economia global. Não tem nenhum mentor. É o resultado da ação de vários agentes econômicos e políticos, que se interligam cada vez mais rapidamente com a redução das distâncias proporcionada com a evolução dos meios de transporte e de comunicação.

Com o surgimento do capitalismo, o processo de globalização teve um forte impulso. Em sua primeira fase, no Capitalismo Comercial, a globalização foi caracterizada pelo colonialismo e pelo mercantilismo, que explorou principalmente o comércio com a Índia (no início), mas predominou com a colonização das Américas.

No Capitalismo Industrial, que vigorou até o final da primeira guerra mundial, o processo de globalização se caracterizou pelo neocolonialismo da África e da Ásia, não apenas pelas nações que iniciaram o processo de colonização (Portugal, Espanha, Inglaterra, França e Holanda), mas também pelas demais nações européias (Bélgica, Alemanha, Itália e Dinamarca) que se lançaram mais tardiamente na conquista de novos mercados ao redor do mundo.

Na terceira fase do capitalismo, o Capitalismo Financeiro, a globalização perde o seu braço colonizador e passa por uma gradativa transição, caracterizada pela diminuição do peso do setor secundário (industrial) nas economias e pelo crescimento do setor terciário (serviços), especialmente o mercado financeiro, setor este que viria a provocar a segunda pior crise da história do capitalismo recente. Sobre este assunto vamos falar em um post específico.

A revolução globalista asiática

Ao contrário do que muita gente pensa, o processo de globalização, tal como conhecemos hoje, não começou nos EUA, e sim na Ásia, mais precisamente em uma fábrica japonesa: a Toyota. O Toyotismo, como ficou conhecido o novo modelo de produção industrial japonês, foi criado para substituir o decadente fordismo norte-americano.

Diferente do fordismo, que apostava na mecanização extrema dos meios de produção, com o objetivo de reduzir ao máximo o tempo de produção (mesmo que para isto fosse necessário comprometer um pouco a qualidade e a variedade dos produtos), o toyotismo apostava em uma mecanização mais flexível, que valorizava a constante qualificação dos funcionários como meio de conseguir uma melhor qualidade dos produtos, o mínimo de falhas possível e uma maior variedade de modelos. Surgia o padrão japonês de qualidade.

Embora o toyotismo tenha sido pensado para produzir para a exportação, o pequeno mercado consumidor japonês foi o fator que motivou a Toyota a diversificar ao máximo seus modelos (ajustados aos gostos dos clientes) e a produzir apenas o necessário, na quantidade necessária e no momento necessário, evitando ao máximo o encalhe de mercadoria. Tal modelo foi uma das razões para o fantástico crescimento do Japão na era de ouro do capitalismo, superando inclusive a também fantástica recuperação européia entre os anos 50 e 60. O Japão se tornava o novo motor da globalização mundial e o precursor do modelo capitalista asiático, fortemente voltado às exportações, com uma forte vocação para poupança.

À medida que a economia japonesa crescia e a mão-de-obra ficava cara, o toyotismo entra numa segunda fase, caracterizada pela descentralização da produção, possibilitando que algumas partes dos seus produtos fossem fabricadas em outros países asiáticos, com mão-de-obra mais barata, porém não menos qualificada.

A Coréia do Sul, que já tinha sido uma grande compradora de veículos japoneses na guerra com a Coréia comunista, foi um dos primeiros países a receber investimentos japoneses na busca de maiores vantagens competitivas. E, apesar de remeter lucros às matrizes japonesas, os coreanos foram beneficiados com a transferência de tecnologia proporcionada pela descentralização da produção. A Coréia do Sul se tornava um dos primeiros emergentes do mundo globalizado.

Convencidos da importância da educação no novo mundo que se desenhava, os coreanos investiram pesado em educação. E assim foi sendo criado um círculo virtuoso do desenvolvimento, pois a mão-de-obra especializada dos asiáticos agora acelerava a evolução da informática e esta, por sua vez, acelerava o processo de inovação e automatização da indústria. E assim como o Japão, a Coréia iniciava uma fantástica trajetória de crescimento rápido que a levaria do terceiro ao primeiro mundo em pouco mais de 30 anos, tornando-a uma referência da produção de automóveis e eletro-eletrônicos.

Mas a Coréia não estava só nesta jornada. Paralelamente, Cingapura, Taiwan e Hong Kong tiveram trajetórias semelhantes, os quais formaram o primeiro grupo de emergentes do mundo globalizado, os chamados “tigres asiáticos”, os quais serviriam de inspiração décadas mais tarde a um novo grupo de emergentes, os BRICS.

A decadência ocidental

E como vimos nos posts 5 e 6 desta série, tanto a Europa quanto os EUA começaram a sentir os efeitos da competitividade asiática já nos anos 70. Aos poucos, a indústria européia e norte-americana foi perdendo importância, ao passo que o setor financeiro foi crescendo. Os bancos europeus tornaram-se os paraísos dos petrodólares dos anos 70, turbinados com o aumento de mais de 1000% do preço do petróleo em menos de uma década.

Nos EUA, o fim do padrão ouro-dólar, em 1973, decretou também o fim da regulamentação do setor financeiro. A bagunça estava criada: os EUA fabricando moeda sem lastro para compensar seus déficits comerciais crescentes, o mercado financeiro livre para especular e os petrodólares sendo emprestados pelos bancos europeus e norte-americanos para financiar a farra keyenesiana dos ditadores latino-americanos.

O diagnóstico da decadência européia levou tais governos a reformarem suas economias, com o objetivo de torná-las mais competitivas. Surgia o irmão mais novo da globalização, o “neoliberalismo” e com ele, um freio no gastos crescentes do estado de bem estar social europeu, que tornava-se um peso cada ano maior com a inversão da pirâmide social e a nova realidade imposta pela crescente globalização e com a crise mundial do petróleo, a partir de 1973.

Embora os asiáticos tenham sido os maiores beneficiados do processo da globalização, aos poucos, as mais competitivas empresas norte-americanas e européias foram também absorvendo os conceitos do toyotismo. E foi na Europa que surgiu também o volvismo, um aprofundamento das inovações introduzidas pelos japoneses na fábrica da sueca Volvo, onde os funcionários adquirem uma importância ainda maior que no toyotismo, tornando-se quase co-empreendedores. Aliás, este é o conceito que se tornou mais comum nas gigantes da Internet de hoje, como Google e Facebook, por exemplo.

Voltando aos anos 70, as empresas européias e norte-americanas que conseguiram se adaptar a este novo mundo se agigantaram e cruzaram também as fronteiras do mundo desenvolvido em busca de novos mercados emergentes. Apesar da reação, os países ocidentais têm perdido cada ano mais espaço na economia global. Além dos novos emergentes asiáticos, a partir da década de 2000, a América Latina finalmente voltou a crescer de uma forma mais consistente, assim como alguns países africanos, a última fronteira do subdesenvolvimento.

Como reflexo deste novo mundo, o antigo G7 (grupo dos sete países mais ricos) vem perdendo importância a cada ano, ao passo que o G20 (G7 mais emergentes) vem tomando para si os rumos da nova economia global.

A “era da informação”

Além da dimensão econômica da globalização, um dos traços mais característicos das duas últimas décadas é o crescimento da indústria da informação. A globalização cultural, intensificada no pós-guerra com a divulgação do “way of life” norte-americano, principalmente através do cinema, tinha apenas uma via de transmissão da informação: de cima para baixo.

Com a popularização dos PCs e da Internet, principalmente a partir da década de 2000, a informação ganhou também a possibilidade de interação. Não só os meios tradicionais de comunicação ganharam um mecanismo de feedback, como o público também adquiriu a possibilidade de se tornar também emissor de informações. É neste novo mundo globalizado que estamos aqui dando a nossa pequena contribuição.

Amilton Aquino

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