"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 25 de outubro de 2011

RETÓRICA PATÉTICA. OU: ORA NERUDA, ORA NETINHO!

O ministro Orlando Silva enviou uma carta a seus camaradas do PCdoB. Mandou brasa: “Neste momento, como disse Pablo Neruda em sua carta ao partido, me sinto indestrutível porque contigo, meu partido, não termino em mim mesmo”.

Uau! O texto foi lido na sexta-feira, num encontro de comunistas do Brasil, no Rio. Lá vou eu chutar o santo. O Neruda poeta deve ser citado com cuidado, especialmente por quem gosta de poesia… Aquela tensão entre sofrimento (coletivo, claro!) e esperança na redenção é de uma espantosa chatice. Quando eu era de esquerda já achava aquilo muito aborrecido. Se arte serve à política, então não serve pra nada. Há um Neruda lírico que desperta algum interesse, mas, melhor do que ele, eu já encontrei mais de cem… Assim, não seria o Neruda militante do Partido Comunista que iria conduzir o ministro para o bom caminho. Quando muito, a carta de Orlando revela uma retórica exagerada, grandiloqüente, tendente a emprestar um sotaque épico à “resistência”. O PCdoB, aliás, é curioso. Na carta à militância, vai de Neruda. No programa político na TV, opta pelo pagodeiro Netinho…

Orlando Silva deveria estar seguro de não “terminar em si mesmo” porque, afinal, ministro de estado de uma pasta que assumiu importância estratégica em razão da Copa do Mundo e da Olimpíada, teria como companhia a expectativa de milhões. Em vez disso, é compelido a mandar uma carta para o seu arraial, buscando o apoio dos seus, como se estivesse mesmo enfrentando forças terríveis da reação. Que reação? De quem? Tudo é tão simples, tudo é tão prosaico, tudo é tão destituído de grandeza! Uma máquina partidária se assenhoreou daquilo que pertence ao povo para distribuir benefícios entre os militantes. É um roubo como qualquer outro.

Conversava ontem com um amigo e inferi que é muito provável que os membros do partido tentem esconder da própria consciência a verdade dos fatos, como se o capítulo vivido nos esportes fizesse mesmo parte da, sei lá, “construção do socialismo”. Enviaram-me um artigo de um vagabundo aí que dá aula numa universidade federal — não cito o nome porque não vou dar esse gostinho ao bruto. Ele baba de ódio contra as pessoas que saem às ruas para protestar contra a corrupção porque, entendi, a lambança, quando praticada pela esquerda, teria uma dimensão transformadora. Infere-se de seu artigo que o roubo da direita seria ruim porque motivado pelo egoísmo; já o roubo de esquerda nasceria nas profundezas do altruísmo. Afinal, vocês sabem, é preciso sujar as mãos para salvar a humanidade…

Não dá! Quanto mais o ministro Orlando Silva resiste, mais patético ele e seu partido se mostram. O homem insiste em denunciar uma conspiração — até da Fifa e da CBF, mancomunadas com a “imprensa reacionária”!!! —, e aparece uma safadeza nova na pasta que ele dirige, sempre com a chancela de algum de seus homens de confiança. É desmoralizante.

Dilma continua esperando. Enquanto espera, surgem evidências novas de corrupção e malversaão do dinheiro público. Acabou, ministro! Neruda já não serve para ilustrar esse pagode melancólico.

Por Reinaldo Azevedo

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