"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 24 de janeiro de 2012

OS TERMOS LAMENTÁVEIS EM QUE SE EXPRESSA O JUIZ QUE CONCEDEU LIMINAR CONTRA O ACESSO À CORREÇÃO DE REDAÇÃO DO ENEM

Como se informa no post anterior, a Justiça Federal concedeu liminar contra o acesso à correção de redação do Enem.
Comecemos, como quer a velha tautologia, do começo. Essa questão não surgiu do nada, mas dos comprovados e reiterados erros havidos na correção.
No caso extremo, um aluno saltou da condição de “prova anulada” para “880 pontos”, de um total de mil possíveis. Uma estudante do Rio recebeu 800 de um corretor, “anulado”, de outro e 440 de um terceiro. Na mensagem que recebeu do examinador com as explicações, a soma dos itens dava uma quarta pontuação: 680!

Assim, a onda de indignação contra o banguncismo do Enem 2011 — cujo sigilo já tinha sido violado — não surgiu do nada. Havia casos concretos, que foram se multiplicando, evidenciando o sistema precário, porco mesmo, de correção das redações.
Ora, elas têm um peso imenso no Enem e podem decidir o destino de um aluno. A reivindicação para que todos tenham acesso ao espelho da correção tem razão de ser: nasce da comprovada incompetência do MEC. Sigamos.

Muito ruim o despacho do juiz Paulo Roberto de Oliveira, presidente da 5ª Região (TRF-5), em Recife. Não pelo conteúdo da decisão em si. Se ele acha que não é o caso, ok. Lastimáveis são seus argumentos. Segundo ele, não cabe o acesso à correção de 2011 porque já há um termo de conduta liberando esses dados a partir de 2012. Não entendi. O que uma coisa tem a ver com outra? As evidências de correção precária, de falta de rigor e de falta de método se referem à prova já feita, não à que está por fazer. Ou perdi alguma coisa, meritíssimo?

O trecho que, a meu ver, escandaliza a lógica e o bom senso é este:
“Daí que a disponibilização das provas e dos espelhos - tese sedutora pela perspectiva de realização do sagrado Direito Constitucional à Informação, consoante Art. 5º, XXXIII - contribuiria, em dias de hoje (com o ‘escasso’ instrumental de que a administração reconhece dispor), mais para tumultuar o certame, já tão devedor de credibilidade à sociedade, que propriamente para eficacizá-lo (CF, Art. 37, caput). Na ponderação entre informação e eficiência, neste momento agudo, deve-se uma reverência algo mais acentuada à segunda.”

Sei, sei…

Confesso que o meu primeiro susto se deu com o verbo “eficacizar”. Caramba! Os dicionários de sinônimos não costuma trazer tudo. Por isso recorri ao meu “Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa”. Nada! “Eficaciar”, sim, está lá, como está nos Houaiss. Mas não “eficacizar”. No critério vocabulário, retirei ao menos 20 pontos do juiz.

Mas eu lhe dei zero mesmo foi em lógica. Ou vejamos: segundo ele, permitir que os alunos tenham acesso à correção vai “tumultuar o certame, já tão devedor de credibilidade à sociedade”. Ora… Os alunos só querem a informação justamente porque há evidências de problemas — daí a falta de credibilidade. O juiz usa contra os estudantes os motivos que os levaram a reivindicar o acesso às provas. Nunca vi nada parecido. A síntese é a seguinte: “Doutor, estamos sendo prejudicados pela falta de informação”. Ao que ele responde, na prática: “É verdade! E vocês continuarão sem informação porque, se a tiverem, tudo ficará ainda pior!”

Há em sua decisão outra coisa perversa. O doutor conseguiu ver uma contradição entre “o direito constitucional à informação” e o direito constitucional à “eficiência”, de sorte que, segundo ele ao menos, ao escolher um, está rebaixando o outro. Entendo. Entre os dois, ele preferiou o Artigo 37 e deixou pra o Artigo 5º. Epa! O 5º não é justamente aquele que reúne os direitos fundamentais?

O juiz também pode ter ido além das suas sandálias ao afirmar que “salta aos olhos a politização” da questão. Mais uma vez, a lógica cobra do doutor: se aqueles que querem o acesso às provas estão politizando a questão, por que o meritíssimo, que não quer, também não estaria? Ou politização, doutor, é tudo aquilo que fazem aqueles de quem o senhor discorda, e verdade é tudo aquilo que dizem aqueles com os quais o senhor concorda? Ora, os alunos agora devem ser os punidos porque o Enem não tem credibilidade? Eles já são! Já têm as suas provas corrigidas mal e porcamente, doutor!

O juiz quer dar a liminar? Que dê. Acho que ele pode encontrar motivos melhores. Seu despacho é lamentável. Quando não joga a lógica no lixo, opta pelo confronto político. Eu poderia lembrar que seus argumentos são, por exemplo, idênticos ao de Fernando Haddad. Nem por isso vou acusá-lo de estar tomando uma decisão pautada pelos petistas e pelos interesses eleitorais do partido. Ou eu deveria desconfiar dele como ele parece desconfiar dos que recorreram à Justiça?

A Justiça brasileira passa por uma fase muito difícil. Magistrados já recorreram, nestepaiz, a uma linguagem mais solene e já expressaram mais amor pela lógica.
24/01/2012
Por Reinaldo Azevedo

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