"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 17 de março de 2012

CÂNCER, O FILÓSOFO VOLTAIRE E A HUMILDADE NO SABER

Das mais interessantes e, sobretudo, realista e intrigante a recente entrevista do escritor e oncologista Siddhartha Mukherjee, nascido em Nova Délhi, na Índia, e professor de medicina da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, ganhador do Prêmio Pulitzer, em 2011, pelo livre “O Imperador de todos: uma biografia do câncer”. Trata-se do prêmio literário mais importante dos EUA, uma das grandes honrarias do mundo.

Com a humildade própria dos grandes filósofos, num dos trechos da entrevista, ao ser indagado sobre um pensamento de Voltaire, filósofo francês do século XVIII, a respeito dos médicos: (”Os médicos são homens que prescrevem remédios sobre os quais eles pouco conhecem, para curar doenças sobre as quais sabem menos ainda em seres humanos sobre os quais não sabem nada”.), Siddhartha respondeu:

“Isso sempre é verdade. O corpo humano é muito mais complexo do que a medicina pode prever. O que Voltaire escreveu nos serve como um lembrete: não sabemos nada sobre o corpo humano. Precisamos saber muito mais. É preciso refletir sobre isso com humildade”, disse.

Perguntado sobre o fato de que, apesar de todo o investimento, tratar o câncer ainda é cortar (cirurgia), envenenar (quimioterapia) e queimar (radioterapia), disse: “As coisas já estão mudando. Hoje existem venenos que atacam preferencialmente as células malignas e poupam as normais. Outros medicamentos desse tipo estão em pesquisa e deverão estar disponíveis nos próximos anos. As técnicas de cirurgia melhoraram. O conhecimento e a cultura da prevenção também avançaram. Há algumas décadas, ninguém imaginava que o papilomavírus humano (HPV) causava câncer. Hoje sabemos que ele pode acusar câncer de colo do útero, entre outros. A mudança é mais lenta que prevíamos, porque o problema é mais complexo do que imaginávamos”.

Entre outras perguntas e respostas intrigantes, Siddhartha, ao ser indagado sobre qual foi o ensinamento deixado na batalha de Steve Jobs, fundador das Apple, disse: “Esse caso é uma clara lembrança de que temos muito a aprender. É um sinal de que precisamos investir muito mais energia na criação de novas drogas. Investir o mesmo tipo de energia criativa que Jobs investiu em tecnologia. É irônico que Jobs tenha sido a pessoa que nos deu todas essas novas tecnologias e nós, a comunidade de médicos e cientistas, não tenhamos sido capazes de retribuir o tipo de tecnologia médica de que ele precisava. Precisamos investir mais tempo e mais dinheiro para criar tecnologias, não apenas para fazer os computadores funcionar melhor, mas para mudar o panorama da saúde humana”, completou.

O médico oncologista afirmou ainda que é um exagero dizer que a guerra contra o câncer está perdida, mas também não é realista dizer que ela pode ser completamente vencida.

O certo é que mais uma vez a humildade, como a de Siddhartha Mukherjee, ratifica o antigo ditado de que a vida é uma constante reciclagem e que quanto mais sábia a pessoa menos dona do saber deverá considerar-se. Ficou demonstrado que, como tudo na vida, a humildade e a perseverança são os grandes trunfos da medicina para o progresso na luta obstinada contra uma misteriosa doença que há milênios desafia a inteligência humana. “Estamos diagnosticando o câncer cada vez melhor” complementou o realista e perseverante estudioso.

Milton Corrêa da Costa
17 de março de 2012

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