"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 7 de março de 2012

HISTÓRIAS DO SEBASTIÃO NERY

A HORA DA VERDADE
Era 20 de janeiro de 1971, feriado, dia de São Sebastião, padroeiro do Rio e meu. Antes das dez da manhã, a caminho da praia, parei o carro em frente à casa do ex-deputado do PTB paulista, cassado, Rubens Paiva, na Avenida Delfim Moreira, Leblon, Rio. Minha filha, colega da filha dele, desceu para pegar a amiga. Mandei um recado:

- Diga ao Rubens que não entramos porque estamos todos com roupa de praia. Quando voltarmos, passaremos aqui para dar-lhe um abraço.

Ela subiu, demorou um pouco, desceu com a Malu e me perguntou :

- Você brigou com o tio Rubens? Ele estava no quarto, calçando o sapato, com três homens de paletó e gravata. Dei o recado, ele disse: “Foi melhor assim”.

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RUBENS PAIVA

Fiquei calado, para não assustar as meninas. Mas vi quatro suspeitas kombis brancas em torno da casa, com varias pessoas dentro, olhando estranhamente para nós. Quando chegamos à praia, disse à minha mulher :

- Estão prendendo o Rubens. Aquelas kombis estão sem placas.

- Devem ser amigos ou gerentes da fazenda dele em São Paulo.

Não fiquei tranqüilo. Apressamos o banho de mar e na volta já ninguem chegava mais perto da casa cercada, com a avenida fechada. Parei mais adiante e o porteiro de um prédio próximo me contou:

- É a Aeronáutica prendendo um cara daquela casa.

Voltei rápido e aflito. Era preciso espalhar urgente a noticia. Mal entramos em casa, ali perto, na Marquês de São Vicente, toca o telefone:

- Minha filha está com vocês?

- Está, sim. O que aconteceu?

- Cuidem dela.

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EUNICE

E desligou. Era Eunice, mulher do Rubens, que seria presa a seguir. Peguei o carro, fui correndo à casa do José Aparecido, na Aires Saldanha, em Copacabana. Na véspera, havíamos jantado lá com o Rubens. Entre outros, lá estava o Bocaiúva Cunha, também cassado e sócio de Rubens numa empresa de engenharia. Na saída do jantar, o Rubens pegou um cartão (“Rubens Paiva, engenheiro civil”), escreveu dois números de telefone (“223.1512 e 227.5362”), me entregou (guardo até hoje):

- Você anda sumido, acompanho pela “Tribuna” e o “Politika”. Vamos conversar. Passe lá amanhã para um uísque. É dia de seu padroeiro.

Eu o conhecia desde 1953, ele presidente do Centro Acadêmico Horacio Lane, da Escola de Engenharia da Universidade Makenzie, em São Paulo, depois vice-presidente da União Estadual dos Estudantes, e eu dirigente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia de Minas,

Em 62, nos elegemos: ele deputado federal por São Paulo,eu estadual pela Bahia. E nos encontrávamos nas lutas do governo Jango.Ele foi diretor do “Jornal de Debates” e cassado na primeira lista do golpe militar de 1964, por ter feito parte da CPI do IBAD, que denunciou inclusive o farsante do Lincoln Gordon, embaixador dos Estados Unidos no Brasil. Em 1965, Rubens assumiu a direção da “Ultima Hora” de São Paulo, onde vivi um ano clandestino e trabalhei escrevendo anonimamente.

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APARECIDO

Foi uma noite desesperadora. Com Aparecido, tomando todos os cuidados, fomos à casa de Bocaiúva, na Delfim Moreira, e também à de Waldir Pires, na Ruy Barbosa. Ninguem devia falar ao telefone, naqueles sinistros anos do governo Médici. Mas era preciso avisar aos amigos, sobretudo de São Paulo e Brasília, fazer um cerco antes do pior.

Não adiantou. No dia 21, soubemos que fora levado para o notório Brigadeiro Burnier, da Aeronáutica, e de lá entregue ao DOI-CODI do Exercito, na Barão de Mesquita. Já no dia 23, a certeza de que tinha sido assassinado. O jornal “O Dia”, do Chagas Freitas, em manchete fraudada, com a foto de um carro queimado, dizia que “o carro que o transportava do comando da 3ª Zona Aérea da Aeronáutica para o DOI-CODI do Exercito tinha sido interceptado por desconhecidos, que o teriam seqüestrado”.

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GLOBONEWS

Eunice Paiva, presa com uma filha e incomunicável durante 15 dias, quando saiu lutou como uma leoa. Com o líder do MDB na Câmara Oscar Pedroso Horta, denunciou ao Conselho de Defesa da Pessoa Humana, que o arquivou por ordem de seu presidente, o tal do Alfredo Buzaid, que disse que ele estava “foragido”. O bravo Pedroso Horta, líder do MDB, escalou os deputados Marcos Freire e Francisco Pinto para denunciarem na Camara.

A “grande imprensa” não disse nada. Só a “Tribuna da Imprensa” e nosso “POLITIKA” desafiaram a censura e furaram o tumor. Desde então, todo ano, no 20 de janeiro, relembro o crime. Agora, a “GloboNews”, em um belo trabalho da Miriam Leitão, pôs pela primeira vez na TV. Mas o mais completo documento sobre o assassinato de Rubens Paiva pela Aeronáutica e o Exercito é o livro do jornalista Jason Tércio:- “Segredo de Estado – o Desaparecimento de Rubens Paiva” (Ed. Objetiva). Está tudo lá.

Os histéricos apavorados que estão assinando manifestos contra a “Comissão da Verdade” sabem que um dia a Hora da Verdade chegará.

Sebastião Nery
07 de março de 2012

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