"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 7 de março de 2012

POR LEI, COMANDANTES NEM PODEM APLICAR SANÇÃO SIMBÓLICA A MILITARES QUE ASSINARAM MANIFESTO

Os Chefes Militares terão de fazer muito malabarismo jurídico para punir os oficiais na reserva que assinaram o manifesto “Alerta à Nação - Eles que venham. Por aqui não passarão!”. Simplesmente, não existe amparo legal no Código Penal Militar ou nos Regulamentos Internos das Forças para que os manifestantes sofram punição. Os Comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica seguram em pepino político, depois que o Ministro da Defesa, Celso Amorim, informou que os orientou a escolher o jeito de enquadrar os militares que, segundo ele, “desrespeitaram a autoridade civil”.

A tendência é que seja aplicada alguma “punição simbólica”, mesmo que ilegal. Os Comandantes preferiam, no fundo, deixar tudo para lá. Mas a declaração de ontem de Amorim os tornou responsáveis pela “repressão” ou “repreensão”. O problema será como punir tantos militares: 81 generais (20 Generais de Exército, 21 Generais de Divisão e 40 Generais de Brigada), 388 coronéis, 96 tenentes-coronéis, 23 majores, 47 capitães, 59 tenentes – que até às 15h de ontem endossavam o “Alerta à Nação”.

O certo é que a malandragem de Amorim – jogando o desgaste de qualquer punição para os próprios Comandantes das Forças – alimenta a mais grave crise militar desde 1985. Mas, na prática, a vontade revanchista do Ministro da Defesa fica inviabilizada de ser cumprida pelos Comandantes graças à Lei 7.524, ainda em vigor com um texto curto, objetivo e fácil de entender: “Respeitados os limites estabelecidos na lei civil, é facultado ao militar inativo, independentemente das disposições constantes dos Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas, opinar livremente sobre assunto político e externar pensamento e conceito ideológico, filosófico ou relativo à matéria pertinente ao interesse público”.

A temperatura da crise pode subir ainda mais caso se cumpra a promessa da subprocuradora-geral da República Raquel Dodge de ajuizar, na próxima sexta-feira, uma ação que envolve cinco casos de desaparecimento forçado, ocultação de cadáver e formação de quadrilha para esconder as informações sobre os eventos ocorridos durante o regime dos presidentes militares. Dodge argumenta a tese de que tais crimes, por serem continuados, não são cobertos pela Lei de Anistia.

1964 – A Verdade

A temperatura da crise militar deve subir ainda mais.

A não ser que venha ordem de cima para não acontecer o evento, o Clube Militar programou para o próximo dia 29 de março, a partir das 15 horas, no salão nobre de sua sede central no Rio de Janeiro, o debate “1964, a verdade”.

Mediados pelo jornalista Joelmir Beting, participam do painel Aristóteles Drummond, Heitor de Paola e o General de Divisão na reserva Luiz Eduardo da Rocha Paiva – maior alvo da bronca dos revanchistas, por suas recentes declarações à Globo News sugerindo que a ex-guerrilheira Dilma Rousseff seja convidada à Comissão da Verdade para falar dos planos para o atentado a bomba que matou o soldado Mário Kozel Filho, em 1968.

Justiça de Transição?

O Grupo de Trabalho da Justiça de Transição fará agora nos dias 12 e 13, em Brasília, o segundo workshop sobre a punição aos agentes do Estado que teriam praticados violações dos direitos humanos entre 1964 e 1985.

O evento terá a presença de procuradores regionais, subprocuradores-gerais e promotores de todo o Brasil.

Serão apresentados dois estudos encomendados às universidades de Stanford e Harvard sobre competência de crimes cometidos por militares em regime de exceção.

Respostas complicadas

Pelo menos três questões estarão em debate na tal “Justiça de Transição”:

Uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, criada com base na Carta de São José, que o Brasil subscreveu, pode se sobrepor à decisão do STF ratificando a Lei de Anistia?

Crimes cometidos por militares devem ser julgados pela Justiça Federal?

Leis do regime de exceção devem ser reconhecidas e seguidas pelo regime democrático?

Morde e assopra?

Ontem, em audiência publica no Senado sobre o incêndio na Estação Antártica Comandante Ferraz , Celso Amorim afirmou que não há motivo para inquietação dos militares da reserva, porque a Comissão da Verdade vai respeitar a Lei da Anistia, mas voltou a falar em punição aos que escreveram o manifesto:

“Não há porque toda essa inquietação por conta de questões que não estão colocadas. A Comissão da Verdade foi objeto de muita negociação. O governo respeitará o que foi pactuado, porque o que foi pactuado está na lei, não há discussão sobre isso. O assunto (a punição) já foi objeto de orientação. E está na mão dos comandantes das Forças. Não estou preocupado com a questão de afronta. O importante é o respeito à autoridade civil, isso é parte da democracia. Da mesma forma que também respeitamos os militares. A Comissão da Verdade é lei, todos têm que respeitar a lei”.

Amorim propagandeou que a presidente Dilma Rousseff está empenhada em reaparelhar as Forças Armadas, que estariam operando em alguns projetos “em condições precárias”.

Também informou que ele e Dilma trabalham para tentar resolver parte dos problemas remuneratórios dos militares.

7 de março de 2012
Jorge Serrão

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