"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 16 de novembro de 2012

HOUVE UM TEMPO EM QUE TOSTÃO ERA UMA ESPÉCIE DE LIONEL MESSI

 

O texto abaixo, de Emir Macedo Nogueira (1927-1982) foi publicado na coluna Língua Nossa de Cada Dia, da Folha de S. Paulo, em 1971. Nele, Emir fala sobre a origem e os significados da palavra “tostão”. Eram dias em que só se falava de Tostão, o craque mineiro, hoje um excelente comentarista de futebol da Folha e do jornal O Tempo, de Belo Horizonte.

E só se fala de Tostão
Tostão acariciando a bola

E SÓ SE FALA DE TOSTÃO

Tostão substituto de Pelé na seleção brasileira, Tostão pretendido pelo Corinthians, Tostão cujo passe vale três bilhões de cruzeiros, o fato é que o nome de Tostão está em todos os jornais. As gerações mais novas certamente não se lembram do tostão, antiga moeda de cem réis, de onde vem o apelido do jogador. Em italiano, testone (isto é, cabeça grande, cabeçorra) era também o nome vulgar de uma moeda e valor modesto, que se caracterizava exatamente por apresentar uma figura em que a cabeça era o que mais sobressaia.

Na França e na Inglaterra, da mesma forma, houve em outros tempos moedas conhecidas popularmente por teston, sempre com a mesma particularidade da cabeça em evidência. Em Portugal e no Brasil, a palavra passou a tostão. Quem deu ao jogador mineiro o apelido com o qual ele ficou famoso evidentemente o achou parecido com a efígie presente nas velhas moedas brasileiras de tostão.

Além da moeda de um tostão, havia a de múltiplos desse valor. A mais comum era a de dez tostões (mil réis), expressão que na língua do povo se transformou em dez’tões (ou dez’tão), com o desaparecimento da sílaba tos. A esse fenômeno se dá o nome de haplologia; quando, no corpo de uma palavra, ocorrem sílabas iguais ou semelhantes, uma delas pode desaparecer. De caridade, piedade, bondade, mais o sufixo oso, deveríamos ter, respectivamente caridadoso, piedadoso, bondadoso; caiu porém uma sílaba intermediária (da), por ser desagradável ao ouvido aquela sequência dado.

Há também haplologia em semínima (por semimínima) em idolatria (por idololatria). Entendido dez tostões como uma palavra só – deztostões – era natural que aí também se desse o desaparecimento da sílaba repetida.

A desvalorização do dinheiro refletiu-se no significado da palavra tostão: Passou a designar coisa insignificante, de pequeno valor. Não valer um tostão, não dar um tostão por isso ou aquilo ilustram esse sentido. Em lugar de tostão, usam-se muitas vezes essas mesmas expressões com as palavras vintém (moeda que valia vinte réis), níquel (elemento empregado geralmente na cunhagem de moedas de pequeno valor) ou, mais eruditamente, ceitil (antiga moeda portuguesa que igualmente pouco valia). Foi preciso que surgisse um jogador talentoso, como nosso Tostão, para revalorizar o nome da despreciada moeda.

Um Tostão que vale três brilhões de cruzeiros (antigos) não é brincadeira.

16 de novembro de 2012
Emir Macedo Nogueira (Diário do Centro do Mundo)

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