"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

ARQUITETURA E HUMANIDADE

    
          Artigos - Cultura 
Os comentários nas redes sociais sobre o falecimento de Oscar Niemeyer mostraram que ainda hoje a arquitetura moderna é polêmica. Seu mestre Le Corbusier dizia que seus prédios eram “máquinas de morar”; quem se viu obrigado a morar neles completa: “máquina de morar mal”.
O arquiteto indignava-se ao perceber que os moradores tentavam logo tornar o espaço adequado ao uso humano, com cortininhas e vasos de plantas.

É inegável a completa inadequação ao uso humano dos espaços planejados pela arquitetura moderna: praças sem árvores e sem sombras, edifícios quentíssimos, de péssima acústica e com escadas sem corrimões; ambientes em que apenas robôs se sentiriam à vontade – ainda que, no caso de Niemeyer, dessem maquetes belíssimas.

Seu talento plástico superou o de Le Corbusier; comparar as obras de um e de outro é como comparar um pássaro em voo a um caixote. Infelizmente, contudo, a visão desumana que orienta a arquitetura moderna também orientou a obra do brasileiro.

As arquiteturas tradicionais têm elementos em várias escalas, dos pequenos arabescos do tamanho de uma mão a almofadas de porta de menos de um metro, a portas emolduradas com dois metros, abrindo caminho para pés-direitos de altura adequada ao clima. Estas escalas, presentes igualmente na natureza – em que uma árvore pode ter um tronco de 30 metros de diâmetro, mas tem também galhos progressivamente mais finos, folhas, flores, nervuras... – fazem com que as pessoas se sintam confortáveis.

Na arquitetura moderna, o efeito buscado é o oposto; os detalhes inexistem, as escalas dão saltos, passando imediatamente do minúsculo ao monumental. O ser humano é um intruso, uma formiga na mesa de jantar. Os nichos que nos dão conforto – um espaço aconchegante junto à janela, a transição da rua à sala que uma varanda proporciona – não existem; é o homem que deve se adaptar à arquitetura, não o contrário. É a negação do humano, nas dimensões, no conforto, em tudo que não a beleza dos edifícios vistos de longe ou em maquete.

Trata-se, na verdade, de uma expressão mais refinada duma visão arquitetônica orientada pelos totalitarismos do século passado – a um dos quais, aliás, Niemeyer permaneceu sempre fiel.

Stálin e Hitler mandaram construir edifícios gigantescos, em que o homem desaparecia como uma formiga numa mesa.
Niemeyer fez edifícios em que o homem desaparecia como uma formiga numa bela escultura; a visão é a mesma, o erro é o mesmo. Difere apenas o talento de quem rascunha as leves linhas com que o humano é negado.
 
14 de dezembro de 2012
Carlos Ramalhete  
Publicado na Gazeta do Povo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário