"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 25 de dezembro de 2012

FESTIVAL "É TUDO MENTIRA" (1): "EU NÃO SABIA"


Na semana do Primeiro de Abril, inauguro aqui uma série de posts comemorativos com as principais mentiras estruturais da política. Em cada um dos dias desta semana, exploraremos uma tipologia de mentira política.

Começaremos com a mais comum de todas. Trata-se do "Eu Não Sabia" e seus primos
"nossa, que distração a minha", "não é meu, eu passei pro nome de (fill the blanks)" e "assinei, mas acontece que eu não li".

(O "nada foi provado" é bastante próximo, mas não chega a ser igual. Ele não tenta tirar o do político da reta, apenas nega a existência de uma reta.)

Quando se fala em "Eu Não Sabia", a primeira lembrança que vem é a versão do Lula a respeito de qualquer escândalo que acontece em seu governo. Não sabia, foi traído, etc. Nem tem mais graça usá-lo de exemplo, até porque, a julgar pelo que todos dizem, ninguém sabe de nada neste país. Não é só um nem dois: são todos.

Veja por exemplo o caso do deputado castelão Edmar Moreira. A defesa dele foi a de que o castelo
não era dele, e sim de seus filhos. O ministro da tapioca não sabia que usou o cartão corporativo. O Senado sequer sabia quantos diretores tinha, veja só. Sem falar na secretaria da educação de São Paulo, que botou nas escolas um livro com dois paraguais e pôs a culpa em quem imprimiu, depois em quem diagramou. Só quando a coisa ficou feia é que caiu a secretária que, em última análise, era responsável por essa lambança toda.

Em 2000, quando eu procurava funcionários fantasmas, com um colega, na Assembléia Legislativa de São Paulo, pedimos para ver o livro-ponto do gabinete de um deputado. Ele primeiro disse que não tinha a chave de onde estava guardado, mas depois de apelarmos para sua vaidade e autoridade sobre seus funcionários, ele lembrou onde estava a chave. Buscou o livro-ponto e começamos a analisá-lo juntos.

Era final de junho. Um dos funcionários estivera de férias em abril. Todas as suas presenças de maio estavam assinadas, mas nenhuma de junho. Quando perguntamos ao deputado sobre isso, ele responde: "Não acredito! Vou chamar esse sem-vergonha e dizer a ele: seu filho de uma égua, então você me vem trabalhar e não me assina o ponto? Tá querendo me foder?"

Claro que ele disse que o funcionário não apenas trabalhava como também era exemplar em sua competência e assiduidade. Pena que esquecia de assinar o ponto às vezes, por semanas a fio, veja só. Fosfosol pra ele.

Em 2001, quando houve o escândalo da
violação do painel do Senado pra fuçar quem votou contra a cassação do Luiz Estevão, houve um caso edificante. O então senador José Roberto Arruda, hoje governador do Distrito Federal, foi acusado de ter sido um dos que viram a lista. Ele foi à tribuna para negar tudo: não vi, não recebi, estou tranqüilo, fui injustiçado, seria burrice, são fatos falsos. (Leia aqui o discurso.)

Cinco dias depois, quando todas as evidências negavam o que ele disse, ele voltou à tribuna chorando e pra dizer agora o oposto do que disse antes: eu vi, eu recebi, quero poder dormir tranquilo, estou arrependido, foi por vaidade, os fatos são verdadeiros. (
Leia aqui o discurso.)

Um mês depois, ele se viu forçado a renunciar. Mas com altivez: "não roubei, não matei, não desviei dinheiro público, mas cometi um grande erro, talvez o maior da minha vida". (
Leia aqui o discurso.)

O fato: não adianta eles dizerem que não sabiam e que não é com eles. Duvido que não soubessem, mas mesmo assim eles são, em última análise, responsáveis pelo que acontece em seu mandato. Se um subalterno deles apronta, ainda assim foram eles que o contrataram e é em nome deles que o picareta trabalha.

Quais são seus casos favoritos desse tipo de mentira? Conte aqui nos comentários.

25 de dezembro de 2012
E você com isso

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