"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 5 de janeiro de 2013

DESCRÉDITO


O governo Dilma Rousseff coloca sob risco um patrimônio da política econômica brasileira conquistado a duras penas ao longo de quase duas décadas. Trata-se da confiança dos agentes privados nas ações e nos compromissos assumidos pelas autoridades. A manobra contábil, nos últimos dias de 2012, para maquiar o fiasco na meta de poupança pública -o chamado superavit primário- é decerto o golpe mais ostensivo na credibilidade do governo. Coroa uma série de atitudes voluntariosas que puseram em segundo plano a perseguição de objetivos centrais da política econômica.
 
O superavit primário deveria ser algo simples de entender e atingir. O setor público compromete-se a gastar uma quantia a menos do que arrecada de impostos. Contabilizam-se os desembolsos em ações típicas do Estado -pagar a servidores, fornecedores, aposentados, beneficiários de programas sociais etc. Ficam de fora, numa conta à parte, as despesas com juros. Com isso, garante-se que o endividamento público fique sob controle.
 
Em 2012 os governos federal, estaduais e municipais obrigaram-se a economizar juntos o equivalente a 3,1% do PIB, quase R$ 140 bilhões. Em anos ruins, a administração federal pode acionar o recurso, previsto na regra geral, de subtrair dessa conta desembolsos com o Programa de Aceleração do Crescimento. Abatidos esses gastos, a meta cairia para 2,3% do PIB.
 
Mesmo assim, fechada a conta de novembro, a poupança ao longo do ano, de 1,9% do PIB, não cumpria o objetivo. Então o governo federal deslanchou em dezembro uma operação meramente contábil para alcançar os R$ 19 bilhões restantes e dissimular o fracasso.
 
Forçou Caixa Econômica Federal e BNDES a pagarem R$ 7 bilhões em dividendos ao Tesouro. Num só mês, esses dois bancos estatais enviaram à Fazenda o equivalente a 35% de todos os dividendos transferidos nos outros 11 meses. Além disso, transferiram-se para o Tesouro R$ 12,4 bilhões do Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização -instrumento criado em 2008 que serviu, na prática, para financiar a Petrobras com dinheiro do contribuinte.
 
Tanta criatividade contábil, embutida numa teia de decretos feitos para não criar alarde, foi inútil para o objetivo original do superavit primário -economizar despesa do governo. O setor público não poupou um tostão com isso. A incapacidade de controlar os gastos de acordo com o pactuado na lei orçamentária já seria um fator de desgaste para a confiança no governo. Mas a tentativa de enganar o público com toscos malabarismos fiscais vai cobrar um preço ainda mais elevado.

05 de janeiro de 2013
(Editorial da Folha de São Paulo, deste sábado)

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