"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

RATZINGER E O PARADOXO DO CONSERVADORISMO


 



Por mais paradoxal que possa parecer, debatemos a renúncia do Papa Bento XVI em plena 4ª feira de cinzas, dia de encerramento da maior festa do país, por sinal, profana.

Como sempre, analiso o ocorrido sob o prisma da base da pirâmide. No caso, a partir de duas décadas de convivência com agentes de pastorais leigos, padres e freis vinculados à quase moribunda Teologia da Libertação, versão popular do cristianismo que o ex-secretário do polonês Karol Wotjyla tanto combateu.

Joseph Ratzinger, possivelmente, deixa o cargo por exaustão física e desgaste mental, ao perceber a incompatibilidade entre a produção intelectual de alto nível e a gestão executiva de um Estado supranacional, com burocracia autônoma e formas de financiamento pouco ou nada justificáveis.

Se analisarmos as relações de força por dentro da Cúria Romana e das congregações hoje hegemônicas, verificaremos que alas conservadoras como Opus Dei, Comunhão e Libertação e Legionários, brigam entre si como facções rivais sem distinção de projeto teológico.

No alto da pirâmide do apostolado romano, as relações entre fé e dinheiro são no mínimo promíscuas. Esta afirmação comprova-se com o império imobiliário denunciado pelo The Guardian e antes a falência fraudulenta do Banco Ambrosiano.

Em sua base, o conservadorismo católico afasta-se do dia a dia das pessoas comuns, reforçando a predileção pelo rito e disputando o rebanho com outras instituições religiosas de conversão massiva.

No Brasil, podemos fazer uma comparação nada esdrúxula. Qual seria a diferença substantiva entre um pastor neopentecostal fazendo pregação conservadora em um horário pago de TV e um padre ou bispo, realizando as mesmas pregações em um canal próprio? Talvez, a única distinção seja a da responsabilidade, pois para ser ordenado padre é preciso no mínimo oito anos de estudo, equivalente a dois cursos de nível superior.

Vivemos na plenitude da hipocrisia. Condena-se um pastor por sua grotesca pregação de homofobia, mas calamos diante de intelectuais de batina, em sua maioria filósofos e teólogos, falando exatamente a mesma coisa. Após servir lealmente para o avanço conservador no papado de João Paulo II, Ratzinger exauriu suas forças por também colher o que semeou.

O paradoxo da tristeza é ver, na América Latina, as obras de pessoas como Camilo Torres, Óscar Romero, Samuel Ruiz, Pedro Casaldáliga, Ignacio Ellacuría, Hélder Câmara, Paulo Cerioli, dentre milhares de outros religiosos, submetidos a este tipo de hierarquia eclesial.

13 de fevereiro de 2013
Bruno Lima Rocha é cientista político

Nenhum comentário:

Postar um comentário