
"Se até a última cúpula muitos ainda acreditavam que esses países sairiam da crise econômica global ilesos, ou como seus grandes vencedores, agora, com a economia chinesa desacelerando e o Brasil crescendo menos que os Estados Unidos, essa certeza parece ter acabado", ressaltou, em entrevista à BBC Brasil, Oliver Stuenkel, especialista em Brics da Fundação Getúlio Vargas que participou de uma série de debates acadêmicos que precederam o encontro em Durban.
Isso não quer dizer, porém, que o clima da reunião será de fim de festa. Segundo analistas, tal desilusão na realidade aumenta a pressão para que os líderes desses países consigam fazer avanços concretos em um duplo desafio estabelecido pelo grupo desde sua primeira cúpula, em 2009. De um lado, eles precisam consolidar o Brics como uma entidade política. Do outro, aumentar a cooperação econômica e oportunidades de negócios entre seus integrantes.
"Se conseguirem adotar medidas significativas para avançar na coordenação política e econômica, esses países estarão mostrando que têm um projeto conjunto no longo prazo, independentemente dos dados do PIB de cada um deles", diz Stuenkel.
"Até agora, apesar de toda a retórica, esses países não chegaram a nada de concreto em termos de articulação política, mas o encontro de Durban pode mesmo ser decisivo nesse sentido", concorda Jim O'Neill, que em 2001 criou o termo Bric (o S da Africa do Sul foi adicionado depois) para designar as nações emergentes que por volta de 2040 teriam o mesmo peso econômico dos países desenvolvidos.
"Se esses líderes conseguirem fazer o Banco dos Brics deslanchar, por exemplo, terão dado um grande passo para mostrar que estão mesmo dispostos a ampliar sua voz no sistema de governança econômica global", completa o economista. "Esse pode ser o Banco Mundial dos emergentes", diz.
Temas
A proposta para o Banco dos Brics foi feita no encontro passado, em Nova Déli. Seu objetivo é estabelecer um banco multilateral que possa financiar projetos conjuntos na área de desenvolvimento, criação de infraestrutura e trocas comerciais.
Em 2012, ministros de economia e finanças dos cinco países foram encarregados de estudar a viabilidade e possíveis configurações da nova instituição financeira. Agora, o desafio é fazê-la sair do papel, chegando a um acordo sobre sua estrutura, recursos e práticas.
Diplomatas estimam que cada país poderia contribuir com US$ 10 bilhões para esse banco, o que lhe garantiria um total de US$ 50 bilhões de capital inicial. Ainda não está claro, porém, de que forma o dinheiro seria distribuído, nem qual seria a sede da nova organização.
Além do Banco dos Brics, outro tema que deve estar sobre a mesa no encontro de Durban segundo informações de especialistas e diplomatas brasileiros, é a criação de um fundo de reservas conjunto.
Se o Banco dos Brics poderia ser uma espécie de Banco Mundial dos emergentes, como definiu O'Neill, a princípio a ideia é que esse fundo funcione como um FMI do grupo - socorrendo países em apuros financeiros.
Mecanismos de facilitação de comércio e cooperação econômica, como a possibilidade do uso de moedas locais em investimentos e trocas comerciais entre países do Brics, também devem ser debatidos, tendo em vista a crescente interdependência desses países - em especial com a China, que é hoje o principal parceiro comercial do Brasil, da Índia e da Rússia e mantém um estoque de US$ 20 a US$ 40 bilhões em investimentos externos diretos na África.
Segundo o sul-africano Standard Bank, por exemplo, nos últimos dez anos o comércio intra-Brics cresceu mais de dez vezes, de US$ 28 bilhões, em 2002, para US$ 310 bilhões, no ano passado.
Por fim, por este se tratar do primeiro encontro dos Brics no continente africano, a relação dos emergentes com a África também foi definida como um tema prioritário - embora esta seja uma área em que os cinco países muitas vezes competem.
Os Brics também pretendem lançar durante essa cúpula um fórum permanente de diálogo empresarial e um think tank para discutir problemas conjuntos e estratégias de cooperação.
História
O termo Bric foi criado por O'Neill em 2001 como um instrumento de análise financeira. O "S" de África do Sul (em inglês) não foi incluído no acrônimo inicialmente e até hoje o próprio O'Neill diz não ver argumentos econômicos que justifiquem tal inclusão.
A população sul-africana representa um quarto da brasileira, ou o equivalente à população de uma Província chinesa, e o país ocupa apenas a 26ª posição no ranking das maiores economias do mundo, enquanto a China ocupa a 2ª , o Brasil a 6ª ou 7ª (de acordo com diferentes cálculos), a Rússia a 9ª e a Índia a 10ª.
"Percebi que esses quatro Bric eram países com grandes populações, governos dispostos a integrá-los no mercado global e um nível de crescimento substancial, então me pareceu claro que no futuro ganhariam mais peso na economia mundial", conta O'Neil, explicando o que lhe inspirou para criar o acrônimo.
O termo não demorou para se popularizar. Bancos de investimentos criaram carteiras para os Bric e departamentos para analisar seu crescimento e universidades em todo o globo abriram centros de estudos para comparar os quatro países e acompanhar sua trajetória.
Foi por volta de 2007, porém, que autoridades e líderes dos Bric perceberam a possibilidade de explorar politicamente o fenômeno - reunindo-se pela primeira vez durante um encontro internacional em Nova York. A primeira reunião de cúpula dos Bric ocorreu em 2009 na Rússia e deixou claro qual seria a bandeira do grupo: a luta pela reforma e democratização do sistema político e econômico internacional.
Países emergentes reclamam da falta de representatividade em instituições como o FMI, o Banco Mundial e o Conselho de segurança da ONU (no caso de Brasil, Índia e África do Sul). Eles argumentam que essas entidades e todo o sistema de governança internacional criado no pós-2ª Guerra estão ultrapassados e devem ser alterados para refletir a nova realidade, em que há mais centros de poder político e econômico globais.
Divergências
O problema é que se a reivindicação de reformas no sistema internacional é comum, o mesmo não pode ser dito sobre a forma como cada país acredita que essa reforma deva ser implementada.
Os Brics são divididos por diferentes agendas, interesses, valores e realidades nacionais, o que, na prática, dificulta sua articulação política e fortalecimento como um bloco alternativo ao dos países desenvolvidos.
China e Rússia, por exemplo, já são membros do Conselho de Segurança da ONU e nunca manifestaram apoio a uma ampliação do órgão. Afinal, é mais vantajoso fazer parte de um seleto clube com cinco membros do que de um com oito ou nove integrantes.
Os Brics também nunca conseguiram chegar a um consenso sobre a indicação de representantes comuns para a chefia de organizações como OMC, Banco Mundial e FMI. Para completar, não há consenso nas negociações sobre comércio - com alguns países adotando posturas mais protecionistas que outros em temas específicos.
"Ninguém espera que de repente os Brics comecem a falar com uma única voz, mas as mudanças que estão por trás da formação do grupo são sólidas e devem de fato mudar a ordem mundial nos próximos anos", acredita Marcos Troyjo, diretor do centro de estudos sobre os Bric da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.
"Apesar das divergências, a tendência é que os Brics consigam avançar aos poucos na coordenação política em alguns temas e que ampliem a cooperação para a superação de desafios comuns na área de saúde, segurança e energia, por exemplo", diz.
26 de março de 2013
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