"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 26 de abril de 2013

COMO SE EXPLICAM FATOS

 

Há fatos estranhos no reino mágico da política, daqui e de fora. Acontecem. É o caso referido por Adão José Laslowski, que me chegou recentemente. Ele conta a respeito de Judy Wallman, pesquisadora de genealogia nos Estados Unidos.

Durante uma pesquisa da árvore genealógica de sua família, deu ela com uma absolutamente inesperada informação. Um tio-bisavô, Remus Reid, era ladrão de cavalos e assaltante de trens, daqueles popularizados nos filmes produzidos por Hollywood.

A pesquisadora encontrou uma única foto de Remus, em que ele aparece ao pé de uma forca, havendo legenda: “Remus Reid, ladrão de cavalos, mandado para a Prisão Territorial de Montana, em 1885. Fugiu em 1887, assaltou o trem Montana Flyer por seis vezes. Foi preso novamente, desta vez pelos agentes da Pinkerton, condenado e enforcado em 1889″.

A pesquisadora Judy levou um baita susto. É que Remus Reid era ancestral comum seu e do senador pelo estado de Nevada, Harry Reid. Curiosa e inconformada, Judy expediu um e-mail ao senador, solicitando esclarecimentos, sem mencionar ter descoberta que o indivíduo era um bandido.

A assessoria do parlamentar, atenta e cuidadosa, respondeu à pesquisadora: “Remus Reid foi um famoso cowboy no Território de Montana. Seu império de negócios cresceu a ponto de influir na aquisição de valiosos ativos equestres, além de um íntimo relacionamento com a Ferrovia de Montana”.

Vê-se o cuidado no texto. E mais disse:

“A partir de 1883, dedicou vários anos de sua vida a serviço do governo, atividade que interrompeu para reiniciar seu relacionamento com a Ferrovia. Em 1887, foi o principal protagonista em uma importante investigação conduzida pela famosa agência de detetives Pinkerton.

Em 1889, Rems faleceu durante uma importante cerimônia cívica realizada |em sua homenagem, quando a plataforma sobre a qual ele estava cedeu”.

Entendido? A assessoria de Harry Reid explicou o fato: a “cerimônia cívica”, pública, não era senão o último ato. Na vida do cowboy bandoleiro, enforcado solenemente. Um modo de contar o que teria acontecido.

A expressão “aquisição de valiosos ativos equestres” significava que se enriquecera com o produto de furtos de grande número de cavalos na região. A investigação conduzida pela agência Pinkerton de detetives se relacionava com a ação ilícita de Remus Reid, que concluiu por sua culpa e o conduziram à pena máxima. A verdade com roupas apropriadas aos interesses de ilustre americano que conquistara vaga no Congresso, em Washington”.

A explicação era outra maneira de dizer as coisas, como cá se considera e que tem servido na defesa de políticos corruptos. Só que aqui não se dá ao trabalho de dar informações a respeito. Tudo se transformou em rotina e se desfaz com o tempo.

O inglês John Bauman, que viveu na época dos caubóis, em artigo de 1887, descreve: “O cowboy converteu-se hoje numa personagem, ou, melhor dizendo, está em vias de se tornar personagem mítica. A distância confere a ele o que o tempo conferiu aos heróis da antiguidade.

Seus admiradores vestem-no com todas as qualidades românticas; discorra sobre suas múltiplas, virtudes e suas fraquezas perdoáveis, como se fosse um semideus, e não duvido que em breve haja amplo material para um investigador filosófico que deseje esclarecer as origens e a significação do mito de “cowboy”. Enquanto isso, o verdadeiro caráter do “cowboy” se desvanece, suas qualidades verdadeiras perdem-se em relatos de audácia e talento impossíveis…”

Havia os “cowboys” generosos, os cantadores de músicas típicas de uma região e de um tempo, ainda recordados em velhos filmes de Hollywood. Mas nem todos eram assim. Havia sempre, porém, um liame imensurável entre os bons e os maus.

Entre uma cabana na serra Nevada, o sítio de um mórmon e o rancho de um criador de gado em Montana, não havia senão um longínquo parentesco, escreveu Claude Fohlen. Da mesma forma, o cemitério de Boot Hill em Dodge City, Kansas, famoso por ali se acharem enterrados os indivíduos com as botas, após enforcados – como Remus Reid? – ou abatidos a tiros, que nada tinha em comum com os demais, pacíficos e discretos de outras cidades do Oeste, menos famosas e menos turbulentas.

26 de abril de 2013
Manoel Hygino dos Santos

Nenhum comentário:

Postar um comentário