"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 26 de abril de 2013

IMPRENSA JÁ NÃO LEMBRA DO QUE OCORREU NO ANO PASSADO


Sou um arúspice ou tenho delírios que mais tarde se transformam em realidade? Diria que não estou sonhando. Meu blog, que tem existência concreta, independentemente de mim, diz que não. Em 27 de abril do ano passado, eu saudava o deputado Nazareno Fonteles:

O SUBLIME NAZARENO PROPÕE 4ª INSTÂNCIA

“Quarta-feira passada, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, por unanimidade, uma proposta de emenda constitucional (PEC) que permite ao Congresso sustar decisões do Poder Judiciário. Atualmente, o Legislativo pode mudar somente decisões do Executivo. A proposta seguirá agora para uma comissão especial.

O objetivo da proposta, de autoria do deputado católico Nazareno Fonteles (PT-PI), é permitir que o Congresso tenha a possibilidade de alterar decisões do Judiciário se considerar que elas exorbitaram o "poder regulamentar ou os limites de delegação legislativa".

Hoje, nos principais veículos do país, leio o pasmo e indignação dos jornalistas. Escreve Ricardo Setti, da Veja:
É uma barbaridade!
A Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados — justamente a comissão de JUSTIÇA — aprovou hoje um projeto de emenda à Constituição que, se levado adiante, representará nada menos do que um golpe de Estado.
Contrariando uma multissecular tradição profundamente enraizada no Ocidente, contrariando o espírito da Constituição, contrariando o bom senso e as regras elementares da democracia, a emenda à Constituição pretende submeter ao Congresso decisões da Justiça que declare leis como inconstitucionais.
Isso ocorrerá – se essa loucura prosperar – sempre que o Supremo Tribunal Federal julgar procedentes as chamadas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adin) propostas por vários órgãos legalmente autorizados a isso (veja quais na lei que regula as Adins, parágrafo 2º).
Ou seja, deputados e senadores serão quem decidirão, em última instância, se vale ou não vale o que eles próprios aprovaram. Nesses casos, serão os juízes de si mesmos — em detrimento dos direitos e garantias individuais dos cidadãos, cuja garantia é a Justiça.


Até o recórter tucanopapista hidrófobo transuda indignação. Continua o indignado Setti:
Querem castrar o Supremo!
Querem amordaçar a Justiça!
Querem se vingar pelo fato de a corte ter cumprido a Constituição e as leis e enviado os mensaleiros para a cadeia.
Já dominam o Legislativo com os métodos que todos conhecemos. Agora, querem que esse Legislativo, que controlem, dominem também o Judiciário.
A democracia estará ameaçada com esse golpe de Estado branco se ele seguir adiante no Congresso.


Mas... mas... mas... será que nenhum jornalista viu isto, há exatamente um ano, em abril de 2012? Como que a “Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados aprovou hoje um projeto de emenda à Constituição que, se levado adiante, representará nada menos do que um golpe de Estado”? Estaria eu delirando quando escrevi, em abril do ano passado, que a CCJ da Câmara havia aprovado, por unanimidade, uma PEC que permitia ao Congresso sustar decisões do Poder Judiciário?

Ora, a CCJ já havia aprovado a PEC por unanimidade, e a havia encaminhado a uma comissão especial. Se não sou profeta – e nunca me pretendi tal – quem a aprovou agora foi uma comissão especial da CCJ.

O jornalismo nacional prima pela falta de memória. Há horas defendo a contratação de um jornalista antigo nas redações para revisar as notícias do dia redigidas pelos jovens, que acham que a História começou ontem. O jornalismo se pouparia de gafes como estas, na qual caíram todos os jornais que li, pelo menos até hoje pela manhã.

A exótica PEC – disseram os jornais da época, o que aliás prova que eu não delirava - tornou-se prioridade da frente parlamentar evangélica desde que o STF decidiu permitir o aborto de fetos anencéfalos. O coordenador da bancada, deputado João Campos (PSDB-GO), afirmava que o objetivo era enfrentar o "ativismo judiciário".

- Precisamos colocar um fim nesse ativismo, nesse governo de juízes. Isso já aconteceu na questão das algemas, da união estável de homossexuais, da fidelidade partidária, da definição dos números de vereadores e agora no aborto de anencéfalos", afirmava Campos.

Os mensaleiros ainda não haviam sido condenados, como pretende Setti. A PEC era retaliação da representação evangélica contra decisões do Judiciário. Comentei na ocasião: última instância já era. Quando decisão de última instância contrariar grupos religiosos, alguma PEC há de se achar para mandar a última instância para o lugar de penúltima. Pelo jeito, os jornalistas já não lembram nem mesmo de notícias do ano passado. A PEC foi proposta do deputado petista Nazareno Fonteles. Espanta-se Setti:

- Como ocorre com muitos dos trabalhos “sujos” no Congresso, a emenda foi originalmente apresentada por um deputado medíocre, obscuro, de quem ninguém nunca ouviu falar — um certo Nazareno Fonteles, do Piauí (e do PT, é claro!). Ele alcançará, agora, seus 15 minutos de fama, exercendo esse triste papel.

Como que ninguém ouviu falar? Fonteles é inesquecível. Setti, pelo jeito, vive nalgum outro planeta que não o nosso. Em 2004, o deputado apresentou no Congresso o nobilíssimo projeto de Lei Complementar, que estabelecia um limite máximo de consumo aos brasileiros e a tal de Poupança Fraterna. Para que se tenha uma idéia do espírito generoso do deputado, transcrevo os itens iniciais de seu generoso projeto:

O Congresso Nacional decreta:


Art. 1º Fica criado o Limite Máximo de Consumo, valor máximo que cada pessoa física residente no País poderá utilizar, mensalmente, para custear sua vida e as de seus dependentes.

§ 1º O Limite Máximo de Consumo fica definido como dez vezes o valor da renda per capita nacional, mensal, calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em relação ao ano anterior.


Art. 2º Por um período de sete anos, a partir do dia primeiro de janeiro do ano seguinte ao da publicação desta Lei, toda pessoa física brasileira, residente ou não no País, e todo estrangeiro residente no Brasil, só poderá dispor,
mensalmente, para custear sua vida e a de seus dependentes, de um valor menor ou igual ao Limite Máximo de Consumo.


Art. 3º A parcela dos rendimentos recebidos por pessoas físicas, inclusive os que estejam sujeitos à tributação exclusiva na fonte ou definitiva, excedente ao Limite Máximo de Consumo será depositada, mensalmente, a título de empréstimo compulsório, em uma conta especial de caderneta de poupança, em nome do depositante, denominada Poupança Fraterna.

Da proposta do sublime Nazareno resultava que seriam poupadores na Poupança Fraterna – isto é, seriam confiscadas – todas as pessoas que tivessem, em 1999 e a preços daquele mesmo ano, rendimentos mensais superiores a R$ 5.527,00.

Quem pode esquecer isso? Só mesmo uma imprensa sem memória. Por outro lado, se há horas o Judiciário vem legislando, que impede o Legislativo de querer julgar? Vai ser divertido – escrevi na ocasião -. Imagine as sentenças de pavões como Marco Aurélio de Mello ou Joaquim Barbosa sendo revisadas por Tiririca.

Amor com amor se paga.


26 de abril de 2013
janer cristaldo

Nenhum comentário:

Postar um comentário