"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 21 de maio de 2013

FIDEL E RIOS MONTT

    
          Internacional - América Latina 
riosmonttO tribunal não pôde demonstrar de maneira fidedigna que houve da parte do ex-presidente “intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, segundo definição de genocídio acordada pela ONU.

Em que pese tudo isso, Ríos Montt foi condenado sob essa acusação, o que abre a porta a uma anulação da sentença de apelação.


O general Ríos Montt e o comandante Fidel Castro têm a mesma idade, 86 anos.
O guatemalteco nasceu em 16 de junho de 1926, o cubano em 13 de agosto do mesmo ano. Ambos exerceram o poder com mão de ferro e se lhes responsabiliza pela morte de milhares de seres humanos. Aqui terminam as similitudes.

O primeiro é um vilão vilipendiado dentro e fora de seu país, onde acaba de ser condenado a oitenta anos de prisão por genocídio e crimes de lesa-humanidade, supostamente cometidos durante o conflito armado que ensangüentou a Guatemala (1960-1996). O outro é venerado por metade da humanidade e morrerá tranqüilamente em sua cama, sem ter que prestar conta pelas barbaridades que perpetrou dentro e fora de Cuba: fuzilou sem direito a defesa, fez de “sua” ilha um imenso cárcere e patrocinou a subversão em todo o continente.
 
Sem entrar no detalhe da sentença pronunciada em 10 de maio contra Efraín Ríos Montt, celebrada como um “marco histórico” na imprensa internacional, tanto de esquerda como de direita, me limitarei a assinalar as incongruências da acusação e da manipulação das testemunhas de acusação, originárias do Triângulo Ixil, uma zona do altiplano onde a guerrilha teve muita presença até a contra-ofensiva demolidora do Exército em 1982. A campanha militar foi uma iniciativa de Ríos Montt, um general aposentado convertido em pastor evangélico que havia chegado à presidência nesse mesmo ano através de um golpe.
 
É por esses fatos que o velho militar teve que responder ante a justiça. Os familiares e vizinhos das vítimas foram convocados pelo tribunal para relatar as circunstâncias da morte de 1.771 ixiles no transcurso de quinze matanças perpetradas há trinta anos e atribuídas a Ríos Montt. A excessiva precisão de algumas descrições - a maioria das testemunhas não esteve no local dos acontecimentos e vários sobreviventes eram então crianças muito pequenas -, além de certos detalhes inverossímeis, levam a suspeitar que todas foram previamente instruídas para dar sustentação a um processo judicial muito débil.
 
Por instâncias de um influente grupo de ativistas norte-americanos e espanhóis, o Ministério Público se empenhou em apresentar uma acusação de genocídio em vez de se limitar a uma acusação de crimes de guerra, muito mais fácil de provar, porém menos rentável em termos políticos. Que genocídio!, onde a maioria dos autores materiais eram indígenas como suas vítimas, uma vez que o Exército recrutava suas tropas nas mesmas comunidades. Um auto-genocídio, pois?
 
Quanto ao provável responsável intelectual desses crimes, não lhe foi mal quando se apresentou, uma década depois, às eleições: Ríos Montt foi o deputado mais votado pelos vizinhos de suas supostas vítimas (outra diferença com Fidel Castro, que tomou o poder pelas armas e o monopolizou durante meio século, sem se submeter nunca ao sufrágio universal democrático). O tribunal não pôde demonstrar de maneira fidedigna que houve da parte do ex-presidente “intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, segundo definição de genocídio acordada pela ONU. Em que pese tudo isso, Ríos Montt foi condenado sob essa acusação, o que abre a porta a uma anulação da sentença de apelação. Com isto ficou claro que se tratou de um julgamento político, repleto de irregularidades, sob a batuta de uma juíza, Yassmín Barrios, que havia dado sobradas provas de sua parcialidade em casos anteriores.
 
Essa pantomima contou com a conivência dos Estados Unidos - também de vários governos europeus, sempre animados por “boas intenções” -, que em outra época apoiou dissimuladamente a estratégia contra-insurgente da Guatemala e de seus vizinhos para compensar a ajuda da URSS e de Cuba às guerrilhas centro-americanas.
Muito antes, em 1954, a CIA havia alentado o golpe militar contra o governo esquerdista de Jacobo Arbenz. Hoje, Washington quer apagar esse passado vergonhoso, e se equivoca de novo. Não é culpa de Obama.
 
Tudo começou no tempo de George W. Bush, a partir de 2001, quando a embaixada dos Estados Unidos na Guatemala se posicionou ostensivamente a favor da contenda de três militares no caso do assassinato do bispo Juan Gerardi. Não havia uma só prova sólida, porém ali estava a mesma Yassmín Barrios que cumpriu com os desejos da comunidade internacional.
 
Se trata-se realmente de apoiar a reconciliação e pôr fim à impunidade que reinou na América Central durante os conflitos do século passado, é necessário se interessar também pelos responsáveis do outro lado. Até agora, a justiça não pegou os guerrilheiros, que não prestaram contas por sua participação em vários massacres e em inúmeros seqüestros.
 
21 de maio de 2013
Bertrand de la Grange
Tradução: Graça Salgueiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário