"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 3 de junho de 2013

ARGENTINA MOSTRA COMO O DESENVOLVIMENTISMO CORRE O RISCO DE DERIVAR PARA O POPULISMO FISCAL E CAMBIAL

A caminho do fracasso 

Argentina mostra como o desenvolvimentismo corre o risco de derivar para o populismo fiscal e cambial
Liberalismo econômico e desenvolvimentismo são duas formas de organização econômica e social do capitalismo e dois estilos de política econômica. Nesta segunda acepção, a escolha do estilo envolveria uma troca: mais estabilidade no liberalismo, mais crescimento no desenvolvimentismo.
 
Na realidade, o liberalismo econômico rejeita deficit públicos, mas aceita deficit crônicos em conta corrente, o que o deixa sujeito a crise de balanço de pagamentos.
 
Já o desenvolvimentismo competente rejeita ambos os deficit, e promove crescimento com estabilidade, enquanto o desenvolvimentismo populista aceita os dois deficit, e acaba não logrando nem crescimento nem estabilidade.
 
As políticas econômicas liberais, ao aprovarem deficit em conta corrente crônicos, estão praticando populismo cambial: pensam que promovem o aumento do investimento, mas, ao levar o país como um todo a gastar mais do que suas receitas de exportação permitem, apreciam o câmbio, incentivam mais o consumo do que o investimento e, afinal, levam o país à crise.
 
O caso argentino mostra como um desenvolvimentismo que começou competente pode derivar para o populismo fiscal e cambial ("fiscal" se o Estado gastar irresponsavelmente, "cambial" se o país como um todo fizer o mesmo).
 
Depois de uma brutal crise causada pela adoção de políticas ortodoxas, o peso se desvalorizou. O novo governo que surgiu da crise estabeleceu uma retenção sobre as exportações de commodities que neutralizou a doença holandesa e produziu superavit em conta corrente; ao mesmo tempo, adotou política fiscal responsável, alcançou superavit fiscais e reestruturou sua dívida externa com coragem e firmeza.
 
O resultado foi o surgimento de oportunidades de investimento lucrativo para as empresas. A taxa de investimento aumentou, e o país cresceu a taxas elevadíssimas durante vários anos: em média, 8,5%.
 
Entretanto, em 2007, a inflação, que estava em torno de 9%, saltou para 18%, devido a um crescimento acelerado dos anos anteriores.
 
O governo, no quadro do pleno emprego, ao invés de adotar políticas duras e ajustar a economia, segurou o câmbio para controlar a inflação, e aumentou a despesa pública. Em consequência, o peso valorizou-se 41% entre 2007 e 2012, o país perdeu competitividade e entrou em deficit em conta corrente.
 
Devido a essa combinação de populismo cambial e fiscal, em 2012 o crescimento do PIB foi de apenas 1,9%, enquanto surgia novamente um mercado paralelo de dólar, hoje comprado pelo dobro do preço oficial, porque o medo de nova crise cambial ressurgiu na população.
 
Durante um tempo, vendo a responsabilidade fiscal, o superavit em conta corrente e a neutralização da doença holandesa, acreditei que os argentinos haviam aprendido a administrar o câmbio e a garantir a competitividade do país, e que poderiam ser um exemplo de novo desenvolvimentismo para o Brasil, que até hoje não aprendeu essa lição.
 
Mas, com tristeza, vejo agora uma estratégia de desenvolvimento que poderia ter garantido prosperidade e estabilidade para a Argentina caminhar para o fracasso.
 
03  de junho de 2013
Luiz Carlos Bresser Pereira - Folha de São Paulo

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