"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 25 de julho de 2013

"O POVO SEPARA"

William deve ter percebido que o povo inglês quer monarcas mais — comodizer? — gente comum. Francisco percebeu que a Igreja precisa de um guia mais ligado ao povo do que à Cúria Romana
 
Os ingleses parecem sinceramente felizes com o bebê real. Pode-se medir ao menos parte desse sentimento. Pesquisas mostram, por exemplo, que a maioria aprova a monarquia e considera correto que George venha um dia a ser o rei da Inglaterra. Mas as pesquisas indicam também que os ingleses gostariam que o príncipe tivesse uma profissão e trabalhasse antes de assumir o trono.
 
Parece que o príncipe William está atento a esses sinais. Mais do que os jornalistas especializados na cobertura da família real - sim, existe essa categoria na imprensa inglesa. Esses colegas manifestaram surpresa quando William saiu da maternidade carregando o berço com seu filho.
Enquanto Kate se acomodava no banco de trás, o príncipe encaixou o bercinho no outro lado do banco, prendeu-o no cinto de segurança, assumiu o volante e partiu. "Oh! ele está dirigindo!" - pode-se ouvir o comentário de repórteres na cobertura ao vivo da CNN.
 
Já o papa Francisco não dirigiu seu carro aqui no Brasil. Mas pediu um modelo simples, não blindado, não preto - e esse seu gesto foi bem entendido, especialmente no momento em que autoridades brasileiras variadas são pegas em jatinhos, carrões e helicópteros.
 
William saiu de Land Rover, é verdade, mas dirigindo. O papa foi de passageiro, mas numa minivan Idea. E circulou num papamóvel aberto, fazendo-o parar várias vezes para falar com as pessoas, beijar crianças. Como os ingleses com seu bebê, essa multidão de brasileiros também parece sinceramente feliz com a visita desse Francisco, uma simpatia.
 
Agora, fica por isso mesmo ou esses momentos de boas sensações coletivas têm efeitos políticos? Direto ao ponto: o bebê ajuda o governo de David Cameron na Inglaterra?
A visita do papa alivia as pressões sobre a presidente Dilma?
 
Ou seria o contrário? A fraqueza, a mediocridade de governantes e políticos sendo realçada pelo brilho alheio?
 
Quando João Paulo II veio ao Brasil pela primeira vez, em junho e julho de 1980, foi um tremendo sucesso popular. O país vivia ainda sob o regime militar, mas que já dava sinais de esgotamento. O papa foi recebido pelo presidente João Figueiredo e muita gente pensou - ou temeu - que o êxito da visita pudesse dar algum fôlego ao regime.
 
Pois uma charge de Chico Caruso captou o sentido da situação: mostrava Figueiredo chegando ao seu gabinete, com seus principais ministros, todos desenhados bem pequenininhos, reduzidos.
 
David Cameron apareceu diante dos repórteres para comemorar o nascimento do bebê. Parecia alegre. A presidente Dilma aproveitou a recepção ao papa, com sua imensa cobertura, para um discurso de campanha. Talvez Cameron tenha sido mais esperto. Uma breve fala e até logo. Já a longa fala de Dilma foi mais do mesmo para os aliados e um aborrecimento para os outros. Se o objetivo era ganhar espaço no esforço de recuperação de sua popularidade, foi ineficiente.
 
A verdade é que o povo de algum modo sabe separar as coisas. De fato sente-se feliz diante de certos eventos, mas distribui os méritos com boa percepção.
Em vez de tentar pegar carona nesses bons momentos, os políticos espertos e bem intencionados sabem interpretar os sentimentos. E atuam em seguida respeitando esses sentimentos.
 
William deve ter percebido que o povo inglês quer monarcas mais - como dizer? - gente comum, mais austera, mesmo nascendo rei. Francisco certamente percebeu que a Igreja precisa de um guia mais ligado ao povo do que à Cúria Romana, tão rica, tão fechada em si mesma e tentando esconder seus escândalos. E ele é esse guia.
 
A politica e a economia dependem da confiança de eleitores , consumidores, investidores, executivos, empresários.
A ciência econômica sabe como medir esse sentimento. Pergunta-se às pessoas: como avaliam sua situação econômica, boa, ruim, neutra? E seu trabalho? Sua condução? Como acham que estarão daqui a seis meses, melhor, pior? Planejam comprar um carro? Sua empresa planeja contratar ou demitir? Investir?

E assim vai. Depois as respostas são tabuladas e transformadas em números numa escala. Da metade para baixo, pessimismo, para cima, otimismo.
 
Há uma clara correlação entre otimismo, mais consumo e mais investimento - e aprovação do governo. E inversamente, claro.
 
Há também pesquisas que pedem avaliações subjetivas, do tipo: gostou do bebê? gostou da viagem do papa? e a vitória da Seleção?
 
Mostram pessoas mais ou menos animadas, mas sem correlação expressiva com comportamentos econômicos e políticos.
 
Especialmente quando os políticos estão em baixa, certas comparações só os diminuem mais ainda.

25 de julho de 2013
Carlos Alberto Sardenberg, O Globo

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