"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 5 de agosto de 2013

"O PRIMEIRO MILAGRE DE FRANCISCO"

 

     Perdoemos os que erram e confessam seus pecados. E os ajudemos a trilhar outra vez o caminho do bem.
A essa altura, quantas pessoas não revisam seu modo de vida depois do que ouviram do Papa Francisco? Quantas não seguraram o choro diante daquela figura simples, amorosa e completamente desprovida de medo? E quantas não choraram, e talvez ainda chorem, tocadas pela infinita bondade que emana dele?
 
Não sei se o governador Sérgio Cabral, do Rio, tem de fato religião. E se a pratica com moderação ou afinco. Também não sei dizer se é uma pessoa que se comove com facilidade. Sei que não somos mais perfeitos ou imperfeitos do que ele. E que pelo menos por enquanto deveríamos acreditar no que repete desde a passagem do Papa. Quando nada porque “é preciso reabilitar a política”, como ditou Francisco. E só se reabilita a política reabilitando-se os políticos.

Com a popularidade reduzida à microscópica marca de 12% de ótimo e bom, Cabral bateu no peito outro dia em sinal de arrependimento e disse: “Sou cristão. Nunca fiz uso da religiosidade para minha vida pública. Mas como governador e ser humano, o Papa muito me tocou”. Foi além: “Acho que estava trabalhando mal determinadas questões. Estava me faltando autocrítica. Cometi erros de diálogo, de incapacidade de dialogar, que sempre foi a minha marca”.

Perguntaram sobre as manifestações contra ele. Cabral respondeu, modesto: “Acho que da minha parte faltou mais diálogo, uma capacidade maior de entendimento e de compreensão”. Para emendar em seguida de maneira um tanto confusa: “Não sou uma pessoa soberba, que não está aberta ao diálogo. Para mim a democracia é um bem intangível”. E concluiu: “Ouço com muito prazer as críticas da opinião pública”.

Ouvir só não basta. Então Cabral resolveu doar ao Rio seu segundo Código de Ética. O primeiro decorreu das viagens que fez em jatinhos cedidos por prestadores de serviços ao Estado. O código proibiu tais viagens. O segundo código tem a ver com o uso feito por Cabral de helicópteros do governo. Helicóptero de R$ 12 milhões servia para ele ir trabalhar e, nos fins de semana, usufruir de sua casa de veraneio junto com a família. Acabaram os voos de recreio.

Aumentou o desejo de Cabral de agradar seus governados. O carioca jamais se conformou com a demolição do Parque Aquático Júlio Delamare e do Estádio de Atletismo Célio de Barros, partes do complexo do Maracanã? Cabral anunciou que eles não serão mais demolidos. Resta saber o que fará o consórcio de empresas que reformou o Maracanã. E que lucraria com a demolição do parque e do estádio. Na prática, Cabral rasgou o contrato que ele mesmo assinara.

Em troca de sua rendição aos bons costumes, Cabral gostaria de ser deixado em paz por aqueles que regularmente protestam nas vizinhanças do seu apartamento, no Leblon. Que peçam seu impeachment, tudo bem. É direito de qualquer um. Mas infernizar a vida de uma família a ponto de forçá-la a mudar de endereço contra sua vontade e a viver na clandestinidade…

A reclamação de Cabral procede. O problema dele é que Francisco animou os jovens a saírem às ruas para lutar por suas utopias mesmo que elas pareçam inalcançáveis. E foi logo avisando que não gosta nem um pouquinho de jovens acomodados. Como conciliar, pois, a pretensão de Cabral, o mais novo discípulo do Papa, com a da rapaziada disposta a mostrar o seu valor? Essa é uma missão para o super Francisco.

05 de agosto de 2013
Ricardo Noblat


NOTA AO PÉ DO TEXTO

Pessoas trabalham todos os dias, enfrentando as péssimas condições dos transportes coletivos, não andam de helicóptero...
Pessoas não têm mordomias, e nem dispõem do poder arbitrário de usar o bem público em seu próprio proveito. Pessoas estão aí, nos seus afazeres pagando o preço da corrupção.
Logo, a lógica dos fatos nos mostra que pessoas são pessoas, e Cabral é Cabral...
No caso Cabral, assustado com a queda da sua popularidade, com o desgaste político, nada mais razoável do que arrepender-se dos seus "mal feitos". Nada mais inteligente do que procurar vestir a pele de ovelha para continuar no galinheiro. É o sonho de toda raposa felpuda.
Suas aspirações ao Senado o obrigam a isso. Sua necessidade de fazer seu sucessor é outra causa imperiosa, que o impulsiona à "humildade".
Quem viu Cabral em Paris de guardanapo na cabeça, na dança da garrafinha, ou 'bicicletando' em Paris, alheio a causa pública, usufruindo do 'bem-bom' que o poder da prática política brasileira concede aos ditos "homens públicos", dificilmente acreditará na ovelha. Preferirá acreditar no lobo, que humilde espera a recompensa do futuro, mistificando o presente. E que se cuide a ovelha para não ser novamente devorada...
É ruim o "panelaço" na porta da sua mansão suspensa? É claro que é ruim... Mas ruim também é para o cidadão que mora no Rio de Janeiro, que paga seus impostos, e que é obrigado a conviver com a insegurança pública, com a falta de saúde, de educação, da péssima mobilidade urbana... Isso também é ruim!
A reclamação de Cabral procede, quando lamenta a zoeira na rua em que mora? E de que outra forma poderia toda essa gente  que cobra decência, que reclama do que paga em impostos sem nada receber, dessa gente que já anda de saco cheio de politicagens e sorrisos e promessas em período eleitoral? Será que os reclamos desse povo que está nas ruas, procede? Será que eles também têm direito de cobrar o fim da corrupção, dos contratos com a Delta, do que se esconde debaixo do tapete?
Penso que sim...
É preciso cobrar de Catilina... E já que não há tribuna para discursos e denúncias, fica a rua como palco para as vozes anônimas que exigem respeito.
Champanhotas e helicópteros não retrata um homem público sério...
Vamos reabilitar Cabral, deixando que se retire do governo e da política, ainda que temporariamente (pois a memória do povo é curta e facilmente ludibriável), para que faça o seu 'mea culpa' e vá trabalhar em outra horta, colhendo os pepinos que plantou.
Aliás este seria de fato o segundo milagre do papa Francisco, pois o primeiro foi fazer o brasileiro gostar de um argentino.
m.americo

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