"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 7 de outubro de 2011

ESQUERDA x DIREITA (Parte 7)


O berço do Neoliberalismo

Embora o Chile seja considerado o berço do que se convencionou chamar pejorativamente de Neoliberalismo, na prática, as idéias liberais, esquecidas durante a era áurea do keynesianismo, não foram tão bem aplicadas como normalmente se acredita.

Para começar, os chamados Chicago Boys, o grupo de ex-alunos da Universidade de Chicago que comandaram a economia chilena durante a ditadura Pinochet, seguiram a variante Monetarista do liberalismo, uma corrente que tinha como guru Milton Friedman, que acreditava que seria possível manter a estabilidade de uma economia usando apenas instrumentos monetários, principalmente o controle do fluxo de moeda. Em outras palavras, o monetarismo, apesar de se opor ao keynesianismo, repetia um dos seus principais erros: tentar corrigir as distorções da economia com medidas paliativas.

Ora, quem conhece um pouco a idéias do Liberalismo Clássico ou da Escola Austríaca de Mises e Hayek sabe o quanto o artificialismo de tais medidas resulta em distorções futuras na economia. Além do mais, os Chicago Boys, apesar de teoricamente serem contrários ao keynesianimo, na prática, continuaram repetindo tais medidas ainda muito em moda entre os regimes militares da época, tanto que as privatizações só vieram a ocorrer a partir da segunda metade da década de 80, já sob influência do “thatcherismo”.

Apesar de tudo, eles implementaram na economia chilena algumas medidas ortodoxas, comuns ao liberalismo clássico, as quais serviram de base posteriormente ao muito falado, mas pouco conhecido, Consenso de Washington, um conjunto de recomendações, formuladas em 1989 por instituições financeiras (entre elas o FMI e o BIRD) para recuperar as economias em crise. Sobre este assunto vamos falar num post específico. Por enquanto, vamos voltar à economia do Chile, pós-golpe de estado, em plena crise mundial do Petróleo, em 1973, quando a economia chilena encolheu 5,6%. Poucos países do mundo registraram um resultado tão negativo. Aliás, foi neste ano que o Brasil conseguiu seu recorde de crescimento do PIB: 14%.

No caso do Chile, havia um componente a mais na crise: a queda no preço do seu principal produto de exportação, o cobre, responsável por mais de 40% das exportações do país. Resultado: enquanto os demais países latino americanos aceleravam suas economias com mais keynesianismo, turbinados agora com “um pouco de inflação” e petrodólares, o Chile mergulhava numa segunda grande depressão, em 1975, quando o preço do cobre chegou ao seu nível mais baixo e a economia chilena encolheu mais 12.9 %!

Num cenário tão desfavorável, os Chicago Boys conseguiram um razoável sucesso, pois a economia chilena finalmente voltou a crescer. Primeiro com tímidos 3,5% em 1976. Depois com taxas acima de 8% até o final da década, quando o 2º choque do petróleo veio novamente jogar água no barril do chope chileno.

Nesta época todos os países latino americanos já haviam iniciado uma vertiginosa escalada inflacionária que viria a se tornar o principal problema a ser enfrentado por tais países nas décadas de 80 e 90. Foi então que os Chicago Boys, seguindo a cartilha do monetarista Friedman (que achava que tudo poderia se resolver com artifícios monetários), experimentaram fixar o câmbio, um terrível erro que viria a ser tentando em outros países, inclusive no Brasil.

Com a escalada inflacionária, o cambio foi ficando cada dia mais artificial até que em 1982, com o estouro da Crise da Dívida Externa, deflagrada pela moratória do México, o governo de Pinochet se viu obrigado a desvalorizar o peso chileno, algo semelhante ao que aconteceu no Brasil em 1999. Como lá ainda não havia um PROER, o sistema bancário entrou em colapso, houve uma corrida aos bancos, o PIB novamente bateu o próprio recorde negativo (-13,6%) e o desemprego chegou a 19,6%. Cerca de 30% da população passou a depender de programas assistenciais para sobreviver. Um desastre!

Portanto, o “milagre chileno” só veio acontecer a partir de 1985, quando o novo ministro da fazenda, Hernán Büchi (o único dos Chigago Boys que ironicamente não havia estudado na Universidade de Chicago), iniciou uma nova fase de ajustes, entre as quais revogava várias medidas keynesianas adotadas por seus antecessores.

Apesar da pequena guinada ortodoxa, o novo ministro da fazenda chileno também não abandonou o intervencionismo. Uma das suas principais cartas na manga para estabilizar a economia foi a desvalorização artificial do peso, com o objetivo de facilitar as exportações. Aos poucos, a economia chilena foi reagindo e o governo iniciou uma gradual redução das tarifas alfandegárias. O Chile finalmente pôde entrar numa fase de estabilidade e crescimento sustentável que o tornou um modelo a ser seguido, conforme as orientações do Consenso de Washington, em 1989, quando o Chile cresceu 10.6%. Sobre este assunto vamos falar num post específico. Por enquanto, vamos falar um pouco da trajetória do Brasil no mesmo contexto enfrentado pelo Chile.

O Brasil na era da “Estagflação”

A mudança do cenário mundial com a crise do petróleo deteriorou as finanças da maioria dos países subdesenvolvidos, fato determinante para a decadência dos regimes militares de direita, apoiados pelos Estados Unidos.

Numa tentativa desesperada de contrabalançar os efeitos negativos do aumento do preço do petróleo, o governo Geisel criou o Pró-alcool e lançou o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PNAD), algo parecido com o PAC de Lula.

Nesta época, por volta de 1975, o preço do barril tinha dado uma arrefecida e os petrodólares dos emergentes produtores de petróleo começaram a ficar novamente abundantes no mercado. E aí tivemos mais corda para nos enforcar no nosso novo ímpeto keynesiano.

Aos poucos, o perfil da dívida externa, que até o final dos anos 60 era predominantemente privado, começa a se tornar predominantemente estatal. Necessitando de mais recursos para tocar Itaipú e vários outros grandes projetos deixados por Médici (e outros iniciados com o II PND), o governo Geisel não só continuou buscando recursos externos, como ainda incentivou às empresas estatais a também capitalizar recursos no exterior.

Quando o preço do barril estourou novamente, em 1979, o nosso então ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsem, que já havia comandado o novo ímpeto keynesiano do PNAD II, resolveu finalmente adotar medidas ortodoxas para combater a nova crise, agora já sob o governo de João Batista Figueiredo.

Mas como sempre ocorre, um ajuste recessivo provoca reações de diversos setores. E como o país vivia um momento de abertura política, com o retorno dos exilados da ditadura, a pressão da opinião pública levou a substituição de Simonsem pelo “desenvolvimentista” keynesiano Delfim Neto. E mais uma vez a história se repete: recuperação econômica à curto prazo, aumento da dívida pública e inflação a médio e longo prazo, combustíveis para novas crises no futuro.

Ao final do governo Figueiredo, apesar da recuperação verificada em 1984, a inflação aumentou de 45% para 230% ao longo de seis anos, o que levou o governo a implementar o chamado “gatilho salarial” semestral. Se a inflação disparava, o salário era “corrigido”. Iniciávamos, um pernicioso processo de indexação da economia, que tornaria ainda mais árduo o desafio dos próximos governos para domar a inflação.

A dívida externa, por sua vez, ultrapassou a casa dos US$ 100 bilhões já em 1982, o que levou o governo a recorrer ao FMI, pouco depois do México. Dessa vez não deu para adiar os ajustes. O governo teve que se render às medidas ortodoxas propostas três anos antes por Simonsem, comprometendo-se a seguir as recomendações do FMI, entre as quais a principal foi o controle do déficit público.

Felizmente os ajustes deram resultados e, no último ano do regime militar, o país conseguiu crescer acima dos 7%, equilibrou as contas e, claro, pagou todas as parcelas acordadas com o FMI.

Mas nem tudo foi ruim na era Figueiredo. Além de ser um dos responsáveis por o Brasil ter se transformado num dos maiores exportadores de alimentos do mundo, Figueiredo implantou também o maior programa de habitação da história do Brasil, construindo quase 3 milhões de casas populares.

O esforço do governo para tentar melhorar sua desgastada imagem, no entanto, viria a complicar ainda mais a recuperação do país nos anos seguintes, pois a escalada inflacionária criaria sérias distorções nos financiamentos da casa própria, o que, por sua vez, levou milhões de mutuários à inadimplência. O final desta história terminou como um enorme “esqueleto” do BNH que teve que ser incorporado à dívida interna no governo FHC.

No próximo post, vamos falar sobre o neoliberalismo na Europa.

Amilton Aquino

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