"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

DO FUNDO DA MEMÓRIA (PARTE 6): USURPADORES EM PROFUSÃO

Neste registro ligeiro do movimento militar iniciado há quase 50 anos, que durou 21, importa ir completando a crônica daqueles idos. Impossibilitado de governar em função de uma trombose cerebral, o segundo general-presidente, Costa e Silva, não foi substituído pelo vice-presidente Pedro Aleixo.

Uma Junta usurpou o poder, constituída pelos ministros do Exército, Lyra Tavares, da Marinha, Augusto Rademaker, e da Aeronáutica, Marcio Mello. Foi o patamar institucional mais baixo que vivemos.

Começaram prendendo o vice-presidente, para que não assumisse. Desvirtuaram o objetivo maior de Costa e Silva, que era revogar o Ato Institucional número 5, que ainda iria durar dez anos. Cada general indagava “por que eles e não eu?” Estabeleceu-se o caos.

Para completar, as esquerdas radicais fizeram o que ninguém fazia desde 1648, quando da assinatura do Tratado de Vestfália: sequestraram um embaixador, e logo dos Estados Unidos. Ninguém sabia o que fazer, nem mesmo o governo de Washington, que sem know-how de sequestros de embaixadores, pressionou a Junta Militar para cumprir todas as exigências dos sequestradores e salvar a vida de mr. Charles Burke Elbrick.

Presos políticos foram tirados das masmorras e mandados para o México. Entre eles o líder estudantil José Dirceu. Caminhões do Exército distribuíram gêneros alimentícios pelas favelas cariocas. E o Jornal Nacional divulgou na íntegra manifesto onde os militares eram chamados de ditadores, torturadores, subservientes aos interesses americanos e vendidos ao capital internacional.

A crise gerou mais repressão, censura e congêneres, mas teve sua solução na imediata eleição de um novo general-presidente. Eleição direta, por sinal, mas com uma peculiaridade: só votaram os generais, almirantes e brigadeiros do serviço ativo. Para evitar a escolha do general Afonso Albuquerque Lima, de linha nacionalista, o processo foi garfado e, no final, surgiu o nome do general Garrastazú Médici, o mais apagado de todos.

Na posse, em cadeia nacional de rádio e televisão, ele prometeu que ao final de seu mandato deixaria a democracia definitivamente restabelecida no Brasil. Não deixou, porque apenas havia lido um discurso que não escrevera. O autor foi o então coronel Octávio Costa.

Em termos institucionais, o governo Médici não avançou, mas retroagiu, registrando-se que pelo menos não cassou um só mandato parlamentar. Não precisava. O Congresso vivia tempos de completo sabujismo e acomodação, apesar de o único partido de oposição, o MDB, começar a dar sinais de reação.

Nunca a censura foi tão abjeta quanto naqueles quatro anos de mandato do antigo chefe do SNI. Tudo era proibido, do surto de meningite que matou muita gente a críticas à política econômica e a referências à próxima sucessão presidencial. Avolumaram-se os sequestros, os assaltos a bancos e os atentados a quartéis, promovida que estava a guerrilha urbana pela esquerda irresponsável e burra, pois apenas dava pretexto á direita para manter a pata sobre a nação.

Mais prisões, torturas e violência institucionalizada. Foi quando se ampliou a concepção de que vivíamos uma guerra interna, a guerra revolucionária.

No plano material, no entanto, era um sucesso. O Brasil chegou a crescer 11% em cada um daqueles anos, com desemprego zero. O presidente Nixon, dos Estados Unidos, chegou a declarar que para onde o Brasil se virasse, iria toda a América Latina. O ministro da Fazenda, Delfim Neto, viu-se chamado de “o mago das finanças”. Quem se dedicasse a qualquer atividade produtiva ganhava dinheiro e aumentava a riqueza nacional. Era o período do “milagre brasileiro”, meio falso mas muito bem marqueteado.

A maciça propaganda governamental chegava a cobrir o país com out-doors onde se lia “Brasil, ame-o ou deixe-o”, referência aos montes de adversários que ganhavam o exterior para não ser presos, torturados ou mortos. Sempre havia um gaiato para escrever a carvão, em baixo: “o último a sair apague a luz do aeroporto…”

Por ironia, no ano de 1970 o selecionado nacional de futebol tornou-se tricampeão do mundo. Para amargura de quantos se multiplicavam na oposição ao regime, o presidente Médici acertou, na véspera, o resultado da partida final com a Itália: 4 x 1. Foi a consagração do ditador, que passou a ter seu nome anunciado quando chegava aos estádios para assistir jogos de campeonato.

Durante alguns meses, cem mil pessoas o aplaudiram de pé, sempre que entrava no Maracanã, no Morumbi e no Beira Rio. Depois, as coisas voltaram ao leito natural, já que a repressão só aumentava.

Faça-se justiça, o terceiro general-presidente também recusou a proposta dos áulicos, de reeleição. O general Ernesto Geisel, então presidente da Petrobrás, ex-chefe do Gabinete Militar de Castelo Branco, dispôs de diversos fatores para tornar-se o sucessor. Seu irmão, Orlando Geisel, era o ministro do Exército. Costurando sua candidatura estava o general Golbery do Couto e Silva. Tinha fama de bom administrador e apoio no Alto Comando do Exército, conhecido como duro e inflexível, tanto que jamais concedera um único habeas-corpus para presos políticos, enquanto ministro do Superior Tribunal Militar. E contava com a indiferença de Garrastazú Médici.
Os tempos, porém, começavam a ser outros. A crise econômica já dava sinais inequívocos, pelo vultoso aumento dos preços do barril de petróleo exportado pelos árabes. Nossa dívida externa crescera vertiginosamente. As cobranças começavam e era necessário trazer a população para a realidade.

Como permanecer transmitindo a impressão de que tudo ia bem quando a inflação crescia, o desemprego aparecia e as falências se multiplicavam? Por isso, o presidente Ernesto Geisel começou a retirar os censores das redações. Mas sempre sob a ameaça de voltarem, caso a imprensa não se comportasse.

Quanto ao rádio e à televisão, nem pensar. Num país de analfabetos, dava dividendos conceder liberdade vigiada à imprensa escrita, mas tornava-se necessidade continuar arrochando vídeos e microfones.

(continua amanhã)
09 de fevereiro e 2012
carlos chagas

Nenhum comentário:

Postar um comentário