"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

HISTÓRIAS DO SEBASTIÃO NERY

O monstro da La Moneda

Além, pouco além de Viña Del Mar, a caminho da Isla Negra, sobre cujas rochas batidas pelo Pacífico está ancorada, como um poema, a mítica casa-caravela, hoje museu, do gordo e eterno Pablo Neruda, o jovem motorista que me levava de Santiago, em abril de 2006, falava constrangido:

– O senhor entenda. Quando os militares deram o golpe e mataram o presidente Allende, em 11 de setembro de 73, eu tinha 3 anos. O que sei é o que me contaram. Mas Pinochet não fez e não faria tudo aquilo sozinho. Foi ajudado pelos outros generais. Os militares, as polícias, aqui no Chile, sempre foram muito arrogantes, duros, violentos. Basta pôr uma farda e pensam que são donos do pais e de tudo. E nesses anos foram. A surpresa é que, depois, ficamos sabendo, que, Pinochet não era apenas assassino. Era também ladrão. Aí, não. Além de ser, como o povo chamava, “o monstro do La Moneda”, ele roubou milhões de dólares e mandou para os Estados Unidos. Violências outros também fizeram. Mas, além de assassinar, ele roubou. Ladrão, não!

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CHILE

O espanto do motorista era uma aula de história. O Chile é um cavalo com um herói em cima e imensas espadas na mão. Estão em todas as praças e avenidas: os que o invadiram em nome da Espanha, os que comandaram as guerras da independência, até os índios que resistiram aos massacres brancos.

E sempre havia um padre. O governador Martin Garcia de Loyola, sobrinho de Santo Inácio, fundador da Companhia de Jesus, morreu no Natal de 1598, atacado por 300 índios montados. Seus soldados pularam em um rio, onde morrerem afogados ou assassinados. O provincial dos Franciscanos, frei Melchor de Arteaga, ainda conseguiu dar um tiro de arcabuz, mas foi morto.

Aventureiros, padres, prisioneiros do Peru mandados cumprir pena nos quartéis do Chile (“a última e mais pobre colônia que teve a Espanha”), acabavam servindo aos Exércitos e “foi sobre essas bases que começou a história do Chile”, diz o historiador Armando de Ramon: História de Chile.

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ALLENDE

Derrotados os espanhóis, apareceram os ingleses. O porto de Valparaíso mais parece uma praça de guerra da Marinha, construída pelos ingleses: o Forte Naval, o Arsenal da Marinha, a Escola Naval, o monumento à Marinha. O País é todo assim, cheio de fortes e monumentos aos heróis acavalados.

Essa beligerante história, diferente por exemplo da do Brasil, com todas as nossas violências históricas, é que explica Pinochet e a hoje indisfarçada vergonha do Chile. Havia um tumular silêncio sobre ele. Estava vivo, preso em casa em Santiago, e todo mundo fazia de conta que já estava morto.

Os militares chilenos não mataram apenas 3 mil civis, a maioria jovens. Mataram-se também entre eles. O general Schneider, o general Prats, tantos outros oficiais, foram assassinados sem fazerem nada. Só porque eram adversários. O pai da presidente Bachelet, general da Força Aérea, foi torturado e morreu na cadeia só porque participava do governo Allende.

Allende foi massacrado dentro do palácio La Moneda para servir de exemplo, para os generais mostrarem quem eles eram e o que queriam. Mas hoje quem está em estátua de bronze, em frente ao palácio, não é Pinochet, o “monstro do La Moneda” . É Allende, o “mártir do Chile livre”.

BACHELET

Daí a lição histórica da eleição de Michelle Bachelet, que ficou no poder até março de 2010. O pai general morto pela ditadura, a mãe e ela, aos 22 anos, presas, torturadas e expulsas do pais. Foi para a Alemanha, voltou, continuou resistindo no seu Partido Socialista, tocou guitarra, formou-se em medicina, estudou no Colégio Interamericano de Defesa, nos Estados Unidos, tornou-se ministra da Saúde e da Defesa e foi eleita presidente derrotando os discípulos de Pinochet.

O presidente no Chile tem mais poderes do que no Brasil. A Câmara tem 120 deputados, o Senado 47 senadores. O País é dividido em 14 regiões, comandadas por “intendentes” nomeados pela presidente da República.

Há mais 50 províncias, cada uma governada por um governador, também nomeado pelo presidente da República. E 341 municípios, com prefeitos e Câmaras de Vereadores eleitos diretamente pelo povo. O machismo no País é muito forte. No Chile, 46,7% das mulheres não trabalham. (Na Argentina e Uruguai 75% trabalham). O militarismo também. A “Lei do Cobre” destina para as Forças Armadas 10% dos recursos gerados pelo cobre. Há um projeto para acabar com isso.

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CONCERTAÇÃO

O Chile deu um belo exemplo de talento político. A oposição aprendeu que é melhor fazer concessões no Congresso do que morrer na cadeia. Os partidos Socialista, Democrata Cristão, Comunista e Social Democrata, que se guerreavam antes de 73, abrindo caminho para as empresas multinacionais e os EUA financiarem o golpe de Pinochet, viram que a salvação era a união.

15 de fevereiro de 2012
Sebastião Nery

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