"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 3 de maio de 2012

A ÉTICA E A MORAL NÃO PODEM SER DEFINIDAS OU DETERMINADAS PELA CIÊNCIA


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Cultura        
Surgiu no século XX um fenômeno massivo de “liquidação do sujeito”, imposto por uma elite cientificista e neognóstica, que se traduziu na emergência das religiões políticas totalitárias.

A ideia de “responsabilidade moral” reside na experiência subjetiva, enquanto que a ciência só concebe ações determinadas por leis da natureza, e não concebe autonomia, nem sujeito, nem consciência e nem responsabilidade. A noção de “responsabilidade” é não-científica.

A ética e a moral pertencem ao domínio da metafísica que se caracteriza pela falta de “bases objetivas” - aqui entendidas no sentido naturalista (naturalismo = cientificismo metodológico).

Para tentar contornar esta realidade objetiva e insofismável que consiste no fato de a ciência não poder determinar a ética, a ciência transformou-se, ela própria, em uma forma de metafísica (evolucionismo, naturalismo e neo-ateísmo), para assim poder obter a legitimidade para opinar sobre a ética e sobre a moral. É assim que surgem as “teorias científicas” não refutáveis na sua essência, como por exemplo, a teoria do Multiverso, ou as teorias evolucionistas em geral [por exemplo, a teoria do epifenomenalismo de Thomas Huxley, que ainda hoje subsiste entre os darwinistas, evolucionistas e naturalistas].


Entrando pela metafísica adentro, a ciência — feita por cientistas que são, eles próprios, sujeitos — pretendeu redefinir a ética e a moral segundo princípios deterministas que “varriam” o sujeito, e estabelecendo apenas determinações, leis e estruturas (estruturalismo). Neste sentido, a ciência pretende ser uma espécie de nova religião (imanente e política), cuja classe dos novos sacerdotes é composta principalmente pela classe dos cientistas.
É este o fundamento do declínio da civilização ocidental e para o qual a própria comunidade científica contribuiu de forma ativa (a "traição dos intelectuais"):

Este naturalismo errado devassou a cultura intelectual do século XX, mas é no dealbar do século XXI que nos deparamos com o auge da “doença da ciência” na cultura antropológica (a criação massiva de zumbis em circulação na nossa sociedade). Estamos na presença da “traição dos intelectuais” (segundo o conceito de Julien Benda). Quando o naturalismo (ou cientificismo metodológico) foi erroneamente aplicado ao sujeito (humano), seja por exemplo, por Durkheim ou por Freud, iniciou-se todo um processo de degradação humana através da degradação da ética e da moral na sociedade ocidental.

Na medida em que (1) o cientista deve procurar a objetividade; (2) a objetividade requer um despojamento de valores; e (3) o cientista é um sujeito (um ser humano) e a comunidade científica é composta por seres humanos (sujeitos) — a ciência (e sobretudo as ciências sociais) só muito raramente consegue libertar-se das valorações (éticas) da sua própria camada social, de modo a poder estabelecer uma independência valorativa e objetiva.

Em consequência, surgiu no século XX um fenômeno massivo de “liquidação do sujeito”, imposto por uma elite cientificista e neognóstica (gnosticismo moderno: ver Eric Voegelin), e que se traduziu na emergência das religiões políticas totalitárias (por exemplo, o eugenismo característico dos “progressistas”, evolucionistas e socialistas; o nazismo e o comunismo). Este processo neognóstico e cientificista de “liquidação do sujeito” levou a uma dissociação mental extrema entre a comunidade científica, e a uma inversão da moral (ver Olavo de Carvalho).

O marxismo é um exemplo dessa dissociação mental extrema e da inversão da moral: por um lado, o marxista liquida a ética e a moral (e também toda a filosofia), classificando-a de “subjetiva” e idealista, ao mesmo tempo que denuncia os tabus tradicionais e históricos; e por outro lado, entrega-se a um excesso ético (por exemplo, o puritanismo de Francisco Louçã) que denuncia toda a oposição e crítica como um embuste, e estabelecendo simultaneamente novos tabus contrapostos aos tabus tradicionais (por exemplo, a substituição do tabu do aborto pelo novo tabu que proíbe as corridas de touros). O marxismo — que se diz, dele próprio, científico — faz a crítica da moral tradicional de uma forma extremamente moralizante, mas moralmente invertida e até contra-natura.

Escrito por Orlando Braga

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