"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 15 de maio de 2012

"VAIDADE MONUMENTAL"

Lucas Mendes em ilustração de Baptistão


     Podem dizer que minha pesquisa é superficial. Provavelmente. Aprecio correções e críticas.

A vaidosa em 1932
A coleção começou em 1830 e, em duas décadas, as de 40 e 80, os prefeitos pagaram para fotografar a cidade inteira.

A vaidade novaiorquina tinha e ainda tem razões práticas: impostos, seguros e históricas. Pelo endereço do bloco e tamanho da casa, era possível calcular os impostos.

As seguradoras usavam e usam para compensar perdas de segurados e a cidade tem um arquivo de todas as fachadas históricas que não podem ser alteradas.

Ainda, e com toda a razão vaidosa, em 2011 (e sem photoshop...)

Deste vasto arquivo, 870 mil foram digitalizadas e estão disponíveis na internet (nyc.gov/records). Além das fotos publicadas na semana passada, ainda há preciosas coleções de desenhos e a mais completa coleção de fotos relacionadas a justiça criminal no mundo.

Estarão disponíveis nos próximos anos. Os policiais da cidade fizeram as maioria das fotos em negativos de vidro. Várias delas são livros. Evidence, do escritor e editor Luc Sante, é um clássico.

Sante é um belga que chegou criança na Nova York de 70 e cresceu fascinado pelo lado marginal da cidade. No seu livro Low Life: Lures and Snares of Old New York, ele focaliza os esquecidos, os bizarros e os perdidos.

A Nova York favorita dele é ainda mais antiga, da década de 30, quando, numa lanchonete, você encontrava um assaltante, um banqueiro, um taxista e um vendedor de rua conversando fiado na madrugada. Sante escreveu que Nova York foi sufocada e separada pelos seus trilhões de dólares. Em Manhattan, ficaram os ricos.

Se o belga Luc Sante tinha olhos para os marginais, um descendente de nobres europeus, Eugene Salignac, tinha olhos para a transformação da Nova York das carruagens numa metrópole monumental: sistema de transportes, túneis gigantes de água e trens, arranha-céus, bondes, ônibus, barcos, pontes. Principalmente as pontes.

Começou a trabalhar para a cidade em 1903, fez 20 mil fotos em 31 anos, morreu desconhecido. Os descendentes souberam que o avô tinha sido um fotógrafo genial quando um funcionário dos arquivos de Nova York entrou em contato com a família.

O fotógrafo e arquivista de Nova York, com olho fino, percebeu que milhares de negativos, mais tarde reunidos reunidos em 100 volumes, tinham uma estética semelhante e números comuns. Depois de meses de pesquisa, tirou Salignac do anonimato. As fotos viraram livro (New York Rises), exibições em museus e galerias.

As pontes, prédios e também os construtores adoravam posar para Salignac, que viveu como burocrata e deixou uma crônica tão penetrante da cidade como as de Jacob Riis, Lewis Hine, Alfred Stieglitz e Berenice Abbott.

Quase todo este arquivo desapareceu na década de 70 quando, falida, a cidade demitiu o único funcionário dos arquivos. Hoje, lá trabalham 19 e vem aí uma enxurrada de fotos em cores da década de 80. A cidade posa e se vende.

Hoje eu comprei, pela internet, uma foto do meu prédio por US$ 45, mas a grana grossa agora vem do cinema. Para entrar e sair de casa hoje foi uma chatice. O seriado Law and Order ocupava o quarteirão.

É raro um mês sem uma filmagem em frente de casa. Nós, moradores, no começo da invasão, nos sentíamos estrelas. Olha que bacana, o Tom Hanks em frente de casa.

Hoje detestamos os invasores. As equipes e seus caminhões gigantes tem privilégios de estacionamento e podem até bloquear o tráfego.

Mas a cidade adora. Se exibe no mundo inteiro e enche a bolsa. US$ 7 bilhões só no ano passado. 130 mil pessoas na cidade vivem às custas desta maca. Que modelo!

15 de maio de 2012
Lucas Mendes

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