"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 19 de junho de 2012

O PREÇO DO AMOR

RUTH DE AQUINO  é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)
Por que certos homens continuam obcecados por prostitutas, mesmo com a liberação sexual da mulher? Só muda a qualidade do serviço – e o nome. Pobre transa com “puta”. Rico transa com “garota de programa”.

Às vezes, milionários poderosos também curtem um baixo meretrício sem qualquer preocupação estética. Não precisa ser no cinema ou na literatura, mas na vida real mesmo. É só lembrar Hugh Grant, flagrado e detido pelo sexo oral no carro com Divine Brown. Bem casado com uma mulher bonita e independente.

Outros homens não se contentam com a atração momentânea e eventual pelo sexo pago – um tipo de transa que, por definição dos clientes, deveria passar em branco, sem deixar traços ou marcas, algo banal e prazeroso como uma boa refeição num restaurante.

Há homens que vão além: são viciados em prostitutas. Na comédia que será lançada em 550 cinemas no dia 22 de junho, E aí...Comeu?, baseada na peça de Marcelo Rubens Paiva, um dos três amigos na mesa do bar só gosta de prostitutas. Porque tem medo de amar. O personagem quer publicar um livro, mas, segundo seu editor, ele fala de amor como um químico fala de laboratório.

Existe uma categoria que pisa mais fundo. É a do executivo Marcos Matsunaga, alvejado, degolado e esquartejado quando só queria comer uma pizza em casa. São homens que se apaixonam, casam e têm filhos com garotas de programa. Quando percebem que a moça dócil se tornou uma “esposa” com seus próprios desejos e cobranças, alguns resolvem ter um caso. Com outra prostituta.

Felizmente para eles, as Elizes são uma exceção. Essa história triste, cruel e trágica que abalou o país não deveria atiçar o moralismo boçal: “Está vendo? Quem manda?”. Não tenho nada pessoal contra mulheres que alugam ou vendem seu corpo. Tampouco sinto pena ou solidariedade. Muitas fazem esse trabalho com profissionalismo, honestidade e, hoje, com camisinha. E não ofendem nem roubam. Até pouco tempo atrás, nossos pais, maridos, namorados ou filhos iniciavam sua vida sexual com prostitutas, por falta de namoradas disponíveis a perder a virgindade.

Antes dos namoros com sexo, a relação com a prostituta era tão natural e familiar que o homem, ao casar, precisava reaprender a se relacionar na cama. Havia a noção de que mulher “direita” não gostava de sexo e só o fazia para satisfazer o marido e procriar. Mulheres não trabalhavam fora como hoje. O homem financiava a casa.
Existem homens que se viciam em prostitutas. E homens que, como Marcos Matsunaga, se apaixonam por elas
 
Gabriela Leite, a ex-aluna de filosofia na USP que virou prostituta aos 22 anos, criou a grife Daspu e hoje é líder da classe. Ela escreveu um livro em que diz que a maior parte dos homens não sabe transar e prefere quantidade em vez de qualidade: “Eles dependem quase integralmente de uma parceira que lhes ensine os mistérios de seu corpo”. Segundo ela, os homens morrem
 de medo de brochar. “Mas, na verdade”, diz Gabriela, “o homem viril é o homem que se dá.”

Uma vez perguntaram ao ator Jack Nicholson por que, com tanta mulher querendo dar para ele de graça, buscava prostitutas. “Não pago para transar, pago para ela ir embora”, disse. A cabeça do homem que paga pelo sexo é assim: satisfaço meu desejo e pronto. Prostituta, além de ser mais barata, não dá aquela trabalheira antes, durante e depois do sexo.
Não há negociação – além do preço.

“Com a prostituta, há o exercício do poder, do controle e da vontade própria, sem necessidade de sedução ou conquista”, diz o psicanalista Luiz Alberto Py. “Ela faz o que o homem quer, não fica fazendo doce.
O cara paga de acordo com seus desejos e, quanto mais complicado o desejo, mais caro.” Pode haver um clima de romance fake, diz Py: “Se o homem teve uma decepção amorosa, tem medo de sofrer ou não encontra uma mulher que o queira, é fácil se deixar seduzir por moças sempre dispostas a fazer um charme. Ele fecha os olhos à transação comercial. E fantasia: elas me querem não pelo dinheiro, mas porque eu sou o cara”.
Garotas de programa competentes costumam oferecer um serviço de qualidade. O serviço inclui escutar os carentes, ser carinhosa com os sensíveis, ser criativa, fingir que goza e, às vezes, até gozar de verdade.

Mulheres começam a usar serviços de garotos de programa – pelas mesmas razões que os homens. “É um fenômeno marcante nos consultórios”, afirma Py, “primeiro porque antes isso não existia e também porque, para elas, ainda é uma transgressão, está longe de ser uma banalidade.

Diferentemente do homem, a mulher que paga por sexo precisa digerir essa ideia. E tem medo de ser criticada pelas próprias amigas.” Ainda há outra particularidade, segundo Py. As mulheres tendem a se apegar aos rapazes de programa e a se tornar ciumentas. O amor nunca sai de graça.

RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA
19 e junho de 2012

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