"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 2 de setembro de 2012

A PRIVATARIA ARRUINA A BIBLIOTECA NACIONAL

 

Biblioteca, como diz o nome, é um lugar onde se guardam livros catalogados, acessíveis ao público. No caso da Biblioteca Nacional, um transeunte que entra no prédio para sapear o catálogo precisa deixar até os cadernos na portaria. Caneta não entra, só lápis preto.

Se alguém for à página da BN na internet, terá à mão um catálogo de 576 mil obras, apesar de o acervo ser de pelo menos dois milhões. Mais, nas palavras do seu Relatório de Gestão: “Para evitar sobrecarga (da rede elétrica), não é permitido aos leitores utilizar carregadores para equipamentos como computadores, gravadores e assemelhados.”

Neste ano, em duas ocasiões, vazamentos do sistema de ar-refrigerado inundaram áreas em vários andares, formando poças com até dez centímetros de profundidade. Há estantes que dão choque, sua fachada centenária solta pedaços, e tapumes protegem os pedestres.

Funcionários da instituição fizeram uma manifestação na sua escadaria celebrando “o aniversário das baratas que infestam o prédio, com destaque para seu ‘berçário’, no quinto andar; das pragas que gostam muito de papel: brocas, traças e cupins” bem como “dos ratos do primeiro andar”.


Nesse cenário de real ruína, ressurge a cantilena: faltam recursos. Coisa nenhuma. O governo da doutora Dilma e a administração do companheiro Galeno Amorim, atual diretor da BN, botam dinheiro da Viúva em coisas que nada têm a ver com a tarefa de guardar, catalogar e tornar acessíveis os livros.

Em 2011 o Orçamento deu à BN R$ 30,1 milhões para gastos sem relação com pessoal e encargos. De outras fontes públicas, para diversas finalidades, recebeu mais R$ 63,4 milhões. A digitalização dos sacrossantos “Anais da BN” parou em 1997, mas ela gastou alguns milhões em coedições, no patrocínio de traduções (inclusive para o croata) e na manutenção de um Circuito Nacional de Feiras do Livro.

Colocou R$ 16,7 milhões num programa de compra e distribuição de livros populares, ao preço máximo de R$ 10, para distribuí-los pelo país afora. (Quem achou que por R$ 10 compram-se também estoques de livros encalhados ganha uma passagem de ida e volta a Paris.)

A criação de um polo de irradiação editorial pode ser uma boa ideia, mas essa não é a atribuição da Casa. Mercado de livros é coisa privada, biblioteca é coisa pública. Se ela não tivesse ratos no primeiro andar, baratas em todos, estantes que dão choque e um catálogo eletrônico mixuruca, poderia entrar no que quisesse, até mesmo na exploração do pré-sal.

Se Galeno Amorim pode revolucionar o mundo editorial brasileiro, a doutora Dilma deveria criar o Programa do Livro Companheiro, o Prolico. Nomeando-o para lá, deixaria a Biblioteca Nacional para quem pudesse cuidar dela.

02 de setembro de 2012
Elio Gaspari, O Globo

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